
A Chispa! presta sentida homenagem e envia as suas condolências à família e a todos os camaradas e amigos que conviveram e lutaram ao lado do importante e combativo dirigente operário metalúrgico António dos Santos Júnior.
Aos 73 anos, em 27/1/2017, faleceu na Amadora António dos Santos Júnior, que foi nos anos finais da ditadura o principal dirigente metalúrgico e um dos fundadores da Intersindical, hoje CGTP.
António dos Santos Júnior nascera em 1943 na localidade ribatejana de
Cafuz, distrito de Santarém. Aos 14 anos foi para Lisboa, trabalhar como
aprendiz de pintor. Frequentou o curso geral de comércio, na escola Voz do
Operário e entrou depois, aos 17 anos, na companhia de seguros Bonança.
Em 1964, iniciou o serviço militar na Força Aérea, onde tirou a especialidade
de mecânico de material aéreo. Graças à elevada classificação que obteve, não
foi mobilizado para a guerra colonial, ficando na BA.1, em Sintra, como
mecânico de esquadrilha dos T-37 na formação e instrução de novos pilotos.
Pouco depois de ter concluído o serviço militar, concorreu a um lugar na
manutenção da TAP, onde foi admitido em 1968. Já na altura iniciara um processo
de politização, participando regularmente em manifestações reprimidas pela
polícia e em protestos contra a guerra colonial. Participou na campanha
eleitoral de 1969, no quadro dos "grupos sócio-profissionais" da CDE
(Comissão Democrática Eleitoral).
O primeiro presidente eleito do sindicato metalúrgico
Aproveitando a brecha legal proporcionada pela "primavera
marcelista", encabeçou em Junho de 1970 uma lista de metalúrgicos
candidata à direcção do Sindicato. A lista B, de Santos Júnior, enfrentava pela
primeira vez nas urnas os velhos burocratas da lista A, que a própria ditadura
reconduzira uma e outra vez, por nomeação, à frente do sindicato.
O resultado foi eloquente: a lista B, com mais de 1.200 votos, varreu de uma
vez por todas os serventuários da ditadura, com apenas 11 votos. O carácter
improvisado da lista levou a que nela preponderassem largamente os operários da
TAP.
António dos Santos Júnior tornava-se assim, sob a ditadura, o primeiro
presidente eleito do Sindicato dos Metalúrgicos de Lisboa. Rapidamente, o
Sindicato se empenhou em dinamizar as negociações da contratação colectiva em
curso, pegando em acordos que estavam sobre a mesa: Carris, TAP (na fase
final), CEL-CAT e Metro.
Foi então que, segundo um dos dirigentes do movimento, Jerónimo Franco,
"sob a direcção de Santos Júnior as transformações atingiram tal amplitude
que se iniciou uma nova era no sindicalismo português".
Santos Júnior tornou-se também presidente da Federação dos Metalúrgicos, promovendo
energicamente a unificação da acção sindical, e estabelecendo, ainda segundo
Jerónimo Franco, "contactos com outros ramos de actividade, estudantes e
forças armadas"
Santos Júnior versus Baltazar Rebelo de Sousa
Especificamente no ramo metalúrgico, foi elaborada uma proposta de revisão do
contrato e concebeu-se a ideia de organizar uma assembleia geral dos
metalúrgicos. O ambicioso plano fica bem documentado no local que se escolheu
para o concretizar: o Estádio da Luz. O SLB, contactado pelo Sindicato, cedeu o
Estádio. E muitos anos depois, em 2002, voltou a autorizar uma última
utilização do estádio (pouco antes da sua demolição), para Santos Júnior aí ser
entrevistado, nesse cenário grandioso que testemunhava a audácia visionária da
direcção metalúrgica.
Mas a ditadura não esteve pelos ajustes e nem quis ouvir falar de uma
assembleia com milhares de metalúrgicos no maior estádio de Lisboa. Santos
Júnior foi convocado pelo governador civil, Afonso Marchueta, depois pelo
secretário de Estado e pelo próprio ministro Baltazar Rebelo de Sousa.
Todos o intimaram a desconvocar a assembleia. Perante a recusa que a todos
opôs, Baltazar Rebelo de Sousa mandou pô-lo na rua e anunciou que seria ele
próprio, ministro, a anunciar o cancelamento da assembleia através da imprensa,
rádio e RTP. À saída do Ministério, Santos Júnior foi alvo de provocações e
agressões dos pides que aí o aguardavam, mas não foi detido.
Apesar da desconvocação da assembleia geral, a ditadura continuava a debater-se
com o problema do Acordo Colectivo de Trabalho (ACT) da TAP. Tentou resolvê-lo
subornando Santos Júnior, a quem foi oferecido um lugar de chefia. Tendo
recusado mais uma vez, foi transferido e, depois, alvo de uma tentativa de
detenção da PIDE.
Mas a tentativa foi, para a TAP e para a PIDE, um tiro no pé. Como recorda
Jerónimo Franco, "os trabalhadores do hangar 4, ao saber que o queriam
levar preso, abandonaram os seus trabalhos no avião e no hangar e juntaram-se a
ele, abriram alas para ele passar com os dois pides e de braços caídos diziam
que assim iriam ficar até ele voltar e quando regressou, passada uma hora e
meia, passou pelas mesmas alas, mas agora os braços que até então estavam
caídos se ergueram e batiam palmas em estrondosa ovação".
A TAP cedeu então a uma parte do caderno reivindicativo e Santos Júnior,
insatisfeito com essa cedência parcial, opunha-se à assinatura do acordo. Mas,
submetendo-se à maioria, foi assiná-lo por mandato expresso de uma assembleia
da classe.
Sindicalismo de base e Intersindical
O sindicato prosseguia, entretanto, a sua actividade de organização dos
trabalhadores, promovendo a eleição de delegados em cada local de trabalho e
mantendo a base constantemente informada mediante uma regular elaboração e
distribuição de comunicados.
Paralelamente, realizavam-se também reuniões com outras direcções sindicais
eleitas (bancários, caixeiros, químicos, aeronavegação e pescas, entre outros).
Desses encontros regulares viria a nascer a Intersindical, hoje CGTP.
A ditadura, por seu lado, respondia com uma repressão crescente. Nisso se
distinguia o ministro Baltazar Rebelo de Sousa, que tratou de assediar o
sindicato das formas mais diversas. Em Setembro de 1970, ao sair do sindicato a
altas horas da noite, Santos Júnior foi agredido e levado para a sede da PIDE,
juntamente com outras pessoas que o acompanhavam.
Vários sindicatos emitiram imediatamente comunicados denunciando essa detenção
arbitrária, que foram amplamente distribuídos em toda a cidade de Lisboa.
Santos Júnior foi libertado, mas Baltazar Rebelo de Sousa determinou que ele
fosse destituído das duas presidências - do Sindicato e da Federação. O
ministro mandou entregar o Sindicato a uma comissão administrativa, voltando
assim a retirá-lo aos representantes eleitos da classe.
Segundo Jerónimo Franco, "a atitude do governo de Marcello Caetano ao
destituir a direcção veio demonstrar que a primavera marcellista era só
primavera, não tinha continuação, não passava de uma etapa sem continuação e
que por isso se esgotaria. Era politicamente uma fraude". E acrescenta:
"Estamos convictos que a actuação de Santos Júnior foi uma contribuição
para que Abril chegasse mais cedo".
A caminho da greve de 12 de Julho
A destituição dos dirigentes não os fez baixar os braços. Activistas e
delegados sindicais reagiram criando a CUOM (comissão de unidade operária
metalúrgica), com sede provisória no sindicato dos químicos. Este grupo
semi-legal, dinamizado por Santos Júnior, fez uma intensa campanha por novas
eleições, que iria resultar, em dezembro de 1973, na eleição de uma nova
direcção.
Santos Júnior, impedido de voltar a candidatar-se, apoiou a eleição como
presidente do seu camarada Jerónimo Franco, também operário da TAP. Dentro da
empresa, criou-se também um grupo semi-legal, o GATAP (Grupo de Activistas da
TAP), que continuava a promover a acção reivindicativa.
Em novo round de negociações para o ACT da TAP, a polícia
reprimiu em 11 de Julho de 1973 uma assembleia marcada para a Voz do Operário.
No dia seguinte, a TAP estava totalmente paralizada e a polícia de choque foi
enviada às oficinas, que invadiu com assinalável brutalidade, abrindo fogo ao
entrar.
Polícia de choque, invadindo a TAP em 12 de Julho de 1973
Houve vários feridos, mas a polícia foi enfrentada pelos trabalhadores e, à
porta do Hangar 6, teve de recuar, com receio de que a resistência organizada
nesse terreno desconhecido pudesse saldar-se em destruição de aviões, ruinosa
para a companhia.
Alvejada com esferas de rolamentos, em fisgas improvisadas, e com material de
escritório lançado dos edifícios administrativos, a polícia de choque acabou
por bater em retirada.
O caderno reivindicativo obteve satisfação parcial e também foram dadas garantias
de que não haveria retaliações contra os trabalhadores devido à greve. Foi a
luta operária mais importante que houve numa só empresa durante toda a ditadura
e aquela que teve mais profundas repercussões políticas.
Do exílio ao 25 de Abril
Mas a repressão selectiva prosseguia e Santos Júnior continuava a ser
perseguido pela hierarquia da TAP e pela polícia. Emigrou, assim, para o Canadá
em final de Dezembro, onde ficou a trabalhar numa fábrica de aviões de
pequeno porte.
Com a notícia do 25 de Abril, embarcou de regresso a Portugal. Chegou ao
aeroporto da Portela no 1º de Maio, sendo esperado por nomes destacados da
resistência. À sua espera, como está documentado em imagens de arquivo da RTP,
encontrava-se nomeadamente o actual presidente da Assembleia da República,
Eduardo Ferro Rodrigues.
Do aeroporto, Santos Júnior seguiu imediatamente para o então Estádio da FNAT,
onde havia natural expectativa de que discursasse à multidão aí reunida. Mas o
PCP recusou e empenhou-se em impedir esse discurso, no que foi um dos primeiros
incidentes significativos a toldarem o ambiente unitário da efeméride. Quem
falou em representação dos metalúrgicos foi, afinal, Jerónimo Franco.
Santos Júnior foi readmitido na TAP, onde continuou a ser sempre uma referência
para os seus companheiros de trabalho. Durante a revolução foi militante do
MES. Depois desse, não voltou a ter qualquer outro envolvimento partidário.
Original encontra-se em RTP