quinta-feira, 26 de abril de 2018

Figuras do Movimento Operário Lênin, a Águia das Montanhas

Por J. Stálin

28 de Janeiro de 1924

Discurso pronunciado na solenidade organizada pelos alunos da Escola Militar do Kremlin, a 28 de janeiro de 1924.

CAMARADAS: Comunicaram-me que haveis organizado uma solenidade dedicada à memória de Lênin e que eu era um dos oradores que haviam sido convidados. Acho que não é preciso fazer uma exposição sistematizada das atividades de Lênin. Creio preferível limitar-me a uma serie de fatos que façam ressaltar certas particularidades de Lênin como homem e como político. Talvez não haja relação interna entre estes fatos, mas isto não pode ter uma importância decisiva para quem queira formar uma idéia geral sobre Lênin. Em todo caso, apenas não tenho, neste momento, a possibilidade de dar-vos mais do que acabo de prometer-vos.


A ÁGUIA DAS MONTANHAS

Conheci  Lênin pela primeira vez em 1903. Certamente, este conhecimento não foi pessoal, mas por correspondência. Deixou em mim, porém, uma impressão indelével que não se apagou em todo o tempo em que venho atuando no Partido. Encontrava-mo então na Sibéria, deportado. Ao conhecer a atuação revolucionária de Lênin nos últimos anos do século XIX e, sobretudo, depois de 1901, depois da publicação da Iskra, convenci-me de que tínhamos em Lênin um homem extraordinário. Não era então a meu ver, um simples chefe do Partido; era seu verdadeiro criador, porque só ele compreendia a própria natureza e as necessidades urgentes de nosso Partido. Quando o comparava com os outros chefes do nosso Partido, me parecia sempre que os companheiros de luta de Lênin — Plekhanov, Mártov, Axelrod e outros — estavam cem furos abaixo dele; que Lênin, em comparação com eles, não era simplesmente um dos dirigentes, mas um chefe de tipo superior, uma águia das montanhas, sem medo na luta e conduzindo audazmente o Partido para diante, pelo caminho ainda inexplorado do movimento revolucionário russo. Esta impressão acabou por penetrar tão fundamente em meu espírito, que senti a necessidade de escrever a respeito a um intimo amigo meu, emigrado no estrangeiro, pedindo-lhe sua opinião. Ao cabo de algum tempo, quando já estava deportado na Sibéria — era em fins de 1903 — recebi uma resposta entusiasta de meu amigo, bem como uma carta simples, mas profunda, escrita por Lênin, a quem meu amigo havia mostrado minha própria carta. A missiva de Lênin era relativamente curta, mas continha uma critica audaz e corajosa das atividades práticas de nosso Partido, assim como uma exposição magnificamente clara e concisa de todo o plano de trabalho do Partido para o futuro próximo. Só Lênin sabia escrever sobre as questões mais complexas com tanta simplicidade e clareza, concisão e audácia, que suas frases não pareciam que falavam, mas que disparavam. Esta pequena carta, simples e audaz, convenceu-me mais ainda de que tínhamos em Lênin a águia das montanhas de nosso Partido. Não posso perdoar-me o haver queimado aquela carta de Lênin, assim como muitas outras, seguindo o costume do velho militante na ilegalidade.

Datam daquele momento as minhas relações com Lênin.

A MODÉSTIA

Encontrei-me pela primeira vez com Lênin em dezembro de 1903 e, na Conferência bolchevique de Tamerfors (Finlândia). Esperava ver a águia de nosso Partido, o grande homem, grande não só do ponto de vista político, mas também, se quiserdes, do ponto de vista físico, porque imaginava Lênin como um gigante de postura imponente e majestosa. Foi muito grande a minha decepção quando vi um homem completamente simples, de estatura menor que a mediana, e que não se diferenciava em nada, absolutamente em nada, dos demais mortais...

É costume que «um grande homem» deve chegar tarde às reuniões, enquanto os assistentes esperam sua aparição com o coração ansioso; que, quando o grande homem vai aparecer, os membros da reunião avisem: Pss..., silêncio, já vem! Parecia-me que este cerimonial não era supérfluo, que se impunha, que inspirava respeito. Foi multo grande a minha decepção quando soube que Lênin havia chegado a reunião antes dos delegados e que, afastado a um canto, prosseguia, sem afetação alguma, a mais banal das conversações com os delegados mais simples da Conferência. Não nega que isto me pareceu então certa violação de algumas normas imprescindíveis.

Só mais tarde compreendi que esta simplicidade e esta modéstia de Lênin, que este desejo de passar desapercebido, ou, em todo caso, de não chamar a atenção, de não salientar sua alta posição, eram traços que constituíam um dos lados mais fortes de Lênin, como novo chefe das novas massas, das massas simples e comuns das camadas mais baixas e profundas da Humanidade.

A FORCA DA LÓGICA

Magníficos foram os discursos que Lênin pronunciou nesta Conferência: sobre os problemas do momento e sobre a questão agrária.

Infelizmente, não foram conservados. Foram discursos inspirados, que acenderam clamoroso entusiasmo em toda a Conferência. A extraordinária força de convicção, a simplicidade e a clareza de argumentos, as frases breves e inteligíveis para todos, a falta de afetação, de gestos teatrais e de frases de efeito, ditas para produzir impressão; tudo isso distinguia favoravelmente os discursos de Lênin dos discursos dos oradores «parlamentares» comuns.

Mas não foi este aspecto dos discursos de Lênin o que mais me cativou então, mas a força invencível de sua lógica, que um pouco secamente, mas em troca a fundo, se assenhoreia do auditório eletriza pouco a pouco e depois o cativa, como se diz, sem reservas. Recordo que muitos delegados diziam:

«A lógica nos discursos de Lênin é como tentáculos poderosos que prendem a gente por todos os lados e dos quais não há meio de livrar-se: é preciso render-se ou sofrer um completo fracasso».
Creio que esta particularidade dos discursos de Lênin é o aspecto mais forte de sua arte oratória.

SEM CHORADEIRA

Encontrei  Lênin pela segunda vez em 1904, em Estocolmo, no Congresso do nosso Partido. Sabe-se que neste Congresso os bolcheviques ficaram em minoria e sofreram uma derrota. Pela primeira vez vi Lênin no papel de derrotado. Não se parecia em nada a esses chefes que, depois de uma derrota, choramingam e perdem o animo. Ao contrário, a derrota fez com que Lênin centuplicasse sua energia. Impulsionando seus partidários para novos combates, para a vitória futura. Falo da derrota de Lênin. Mas, qual era sua derrota? Era preciso ver os adversários de Lênin, os vencedores do Congresso de Estocolmo, Plekhanov, Axelrod, Mártov e os demais: não pareciam, nem de longe, verdadeiros vencedores, porque Lênin, com sua critica implacável do menchevismo, não lhes deixou, como se costuma dizer, nem um osso inteiro. Lembro-me de como nós, delegados bolcheviques, depois de nos termos reunidos num grupo compacto, observávamos Lênin e lhe pedíamos que nos aconselhasse. Nos discursos de alguns delegados se notava o cansaço, o desânimo. Lembro-me de como Lênin, contestando aqueles discursos, murmurou entre dentes e em tom mordaz:

«Não choraminguem, camaradas, venceremos sem dúvida alguma porque temos razão».
O ódio aos intelectuais chorões, a fé nas próprias forças, a fé na vitória, de tudo isto nos falava Lênin então. Percebia-se que a derrota dos bolcheviques era passageira, que os bolcheviques haviam de vencer num futuro multo próximo.

Não choramingar em caso de derrota». É precisamente este o aspecto particular da atividade de Lênin que permitiu agrupar em torno de si um exército dedicado à causa até o fim e cheio de fé em suas próprias forças.

SEM PRESUNÇÃO

No congresso seguinte, em 1907, em Londres, foram os bolcheviques que obtiveram a vitória. Vi então Lênin pela primeira vez no papel de vencedor. Geralmente, a vitória embriaga a certa espécie de chefes, enche-os de vaidade, torna-os presunçosos. Na maioria de tais casos, põem-se a cantar vitória e a descansar sobre os louros. Mas Lênin não se parecia em nada a esta espécie de chefes. Ao contrário, era precisamente após a vitória que mantinha uma vigilância particular e permanecia em guarda. Lembra que Lênin repetia então com insistência aos delegados:

«Primeiro, não deixar-se embriagar pela vitória; nem tão pouco envaidecer-se dela; segundo, consolidar o êxito obtido; terceiro, acabar com o inimigo, porque está somente vencido, mas ainda não aniquilado».
Caçoava mordazmente dos delegados que afirmavam levianamente que «se havia acabado para sempre com os mencheviques ». Não lhe era difícil demonstrar que os mencheviques tinham ainda raízes no movimento operário e que devia-se combate-los com habilidade, evitando sobre-estimar as próprias forcas e, sobretudo, menosprezar as do inimigo.

«Não envaidecer-se com a vitória». É este precisamente o traço particular do camarada Lênin que lhe permitia avaliar com lucidez as forças do inimigo e assegurar o Partido contra qualquer surpresa.

FIDELIDADE AOS PRINCÍPIOS

Os chefes de um partido não podem deixar de valorizar a opinião da maioria de seu partido. A maioria é uma força com a qual um chefe não pode deixar de contar. Lênin o compreendia tão bem como qualquer outro dirigente do Partido. Mas Lênin nunca foi prisioneiro da maioria, sobretudo quando essa maioria não se apoiava sobre uma base de princípios. Houve momentos na história de nosso Partido em que a opinião da maioria ou os interesses momentâneos do Partido chocavam-se com os interesses fundamentais do proletariado.

Em tais casos, Lênin, sem vacilar, punha-se ao lado dos princípios contra a maioria do Partido. Mas ainda, não temia em casos semelhantes intervir literalmente só contra todos, julgando, como dizia amiúde, que «uma política de princípios é a única política certa».

Os dois factos seguintes são particularmente característicos a este respeito:

Primeiro facto. Era durante o período de 1909 a 1911, quando o Partido, desfeito pela contra-revolução, estava em plena decomposição. Era o período em que ninguém tinha fé no Partido, em que não só os intelectuais, mas em parte os operários, desertavam em massa do Partido; período em que se repelia toda atividade clandestina, período do liquidacionismo e do desmoronamento. Não só os mencheviques, mas também os bolcheviques estavam divididos então numa série de frações e correntes distintas, desligadas em sua maioria do movimento operário. Sabe-se que foi precisamente naquele período que nasceu a idéia de liquidar inteiramente as atividades clandestinas do Partido, de organizar os operários num partido legal, liberal, stolypiniano. Lênin foi então o único que não se deixou ganhar pelo contágio e que manteve no alto a bandeira do Partido, reunindo, com uma paciência assombrosa, com uma tensão sem precedentes, as forças do Partido dispersas e desfeitas, combatendo no interior do movimento operário todas as tendências hostis ao Partido, defendendo o principio do Partido com um valor extraordinário e uma perseverança incrível.

Sabe-se que, mais tarde, Lênin saiu vencedor daquela luta pela manutenção do principio do Partido.


Segundo facto. Era no período de 1914 a 1917, em plena guerra imperialista, no momento em que todos os partidos social-democratas e socialistas, ou quase todos, levados pelo delírio patriótico geral, se haviam posto a serviço do imperialismo de seus países. Era o período em que a II Internacional inclinava suas bandeiras ante o Capital, em que inclusive homens como Plekhanov, Kautski, Guesde, etc., não resistiram à onda de chauvinismo; Lênin foi então o único homem, ou quase o único, que empreendeu decididamente a luta contra o social-chauvinismo e o social-pacifismo, pôs a nu a traição dos Guesde e dos Kautski e estigmatizou a indecisão dos «revolucionários» que nadavam entre duas águas. Lênin compreendia que era seguido por uma insignificante minoria, mas para ele aquilo não tinha uma importância decisiva, porque sabia que a única política certa, voltada para o futuro, era a do internacionalismo conseqüente; porque sabia que a política de princípios era a única política acertada.

Sabe-se que naquela luta por uma nova Internacional, Lênin também saiu vencedor.

«Uma política de princípios é a única política certa». Tal era precisamente a fórmula com a ajuda da qual Lênin tomava de assalto as novas posições «inexpugnáveis», ganhando para o marxismo revolucionário os melhores elementos do proletariado.

A FÉ NAS MASSAS

Os teóricos e os chefes de partidos que conhecem a história dos povos e que estudaram detalhadamente, do principio ao fim, a das revoluções, as vezes padecem de uma enfermidade indecorosa. Esta enfermidade é o temor às massas, a falta de fé no poder criador das massas, o que, as vezes, origina nos chefes certo aristocratismo em relação as massas pouco iniciadas na história das revoluções, mas destinadas a destruir o velho e construir o novo. O temor de que os elementos se desencadeiem, de que as massas «possam demolir demais», o desejo de representar o papel de amos, esforçando-se em instruir as massas por meio de livros, mas sem o desejo de instruir-se junto a estas massas, este é o futuro de tal aristocratismo.

Lênin era completamente e oposto de semelhantes chefes. Não conheço nenhum revolucionário que tenha tido uma fé tão profunda como Lênin nas forças criadoras do proletariado e no acerto revolucionário de seu instinto de classe; não conheço nenhum revolucionário que tenha sabido como Lênin, flagelar tão implacavelmente os críticos ultra-pedantes, dos «caos da revolução» e da «bacanal dos atos espontâneos das massas». Lembro como, durante uma conversação, Lênin replicou sarcasticamente a um camarada que havia dito que «depois da revolução devia estabelecer-se uma ordem normal»:

«É uma desgraça que os que desejam ser revolucionários esqueçam que a ordem mais normal na história é a da revolução».
Dai seu desprezo para com todos os que se comportavam de uma maneira altiva com as massas e tentavam instruí-las por meio de livros. É por isto que Lênin repetia incansavelmente que era preciso aprender com as massas, compreender o sentido de suas ações, estudar atentamente a experiência prática de sua luta.

A fé nas forças criadoras das massas: tal é o aspecto particular da atividade de Lênin que lhe dava a possibilidade de compreender a significação do movimento espontâneo das massas e de orientá-lo pelo leito da revolução proletária.

O GÊNIO DA REVOLUÇÃO

Lênin havia nascido para a revolução. Foi realmente o gênio das explosões revolucionárias e o grande mestre da arte de dirigir as revoluções. Nunca se sentia tão a gosto, tão feliz como na época das comoções revolucionárias. Mas isto não quer dizer, de modo algum, que Lênin aprovava na mesma medida toda comoção revolucionária, nem tão pouco que se pronunciava sempre em qualquer circunstância a favor das explosões revolucionárias. De maneira alguma.

Quer dizer somente que nunca a perspicácia genial de Lênin se manifestava com tanta plenitude, com tanta precisão, como nos momentos de explosões revolucionárias. Nos dias de viragens revolucionárias florescia literalmente, adquiria o dom da dupla visão, adivinhava com antecipação o movimento das classes e os ziguezagues prováveis da revolução como se os lesse na palma da mão. Com razão se dizia no Partido: «Ilitch sabe nadar nas ondas da revolução como o peixe na água».

Daí a clareza «assombrosa» das palavras de ordem táticas de Lênin e a audácia «vertiginosa» de seus planos revolucionários.

Dois factos particularmente característicos e que destacam aquela peculiaridade de Lênin me vêm agora á memória.

Primeiro facto. Era a véspera da Revolução de Outubro, quando milhões de operários, camponeses e soldados, impulsionados pela crise na retaguarda e na frente, exigiam a paz e a liberdade; quando os generais da burguesia preparavam a instauração de uma ditadura militar, com o objetivo de levar a guerra «até o fim»; quando toda a pretensa «opinião pública» e todos os pretensos «partidos socialistas» eram hostis aos bolcheviques e os qualificavam de «espiões: alemães»; quando Kerenski tentava afundar o Partido dos bolcheviques na ilegalidade e o havia conseguido em parte; quando os exércitos, ainda poderosos e disciplinados, da coalizão austro-alemã se erguiam ante os nossos exércitos cansados e em estado de decomposição, e os «socialistas» da Europa ocidental continuavam mantendo tranqüilamente o bloco com seus governos, com o objetivo de prosseguir «a guerra até à vitória completa»...

O que significava desencadear uma insurreição naquele momento?

Desencadear uma insurreição em tais condições era arriscar tudo. Mas Lênin não temia arriscá-lo, porque sabia e via com seu olhar clarividente que a insurreição era inevitável, que a insurreição venceria, que a insurreição na Rússia prepararia o fim da guerra imperialista, que a insurreição na Rússia poria de pé as massas esgotadas do Ocidente, que a insurreição na Rússia transformaria a guerra imperialista em guerra civil, que desta insurreição nasceria a República dos Soviets, que a República dos Soviets serviria de baluarte ao movimento revolucionário no mundo inteiro.

Sabe-se que aquela previsão revolucionária de Lênin foi depois cumprida com uma precisão sem par.

Segundo facto. Era nos primeiros dias que se seguiram à Revolução de Outubro, quando o Conselho de Comissários do Povo tentava obrigar o general rebelde Dukonin, generalíssimo dos exércitos russos, a suspender as hostilidades e a entabular negociações com os alemães visando um armistício. Recordo como Lênin, Krylenko (o futuro chefe supremo) e eu fomos ao Estado Maior Central de Petrogrado para nos pormos em contacto com Dukonin pelo cabo direto. Era um momento angustioso. Dukonin e o Grande Quartel General se haviam negado categoricamente a cumprir a ordem do Conselho de Comissários do Povo. Os quadros de comando do exército se encontravam inteiramente em mãos do Grande Quartel General. Quanto aos soldados ignorava-se o que diria aquele exército de 12 milhões de homens, submetido às chamadas organizações do exército, que eram hostis ao Poder dos Soviets. Em Petrogrado mesmo, como se sabe, se incubava então a insurreição dos alunos das escolas de guerra. Além disso, Kerenski avançava no trem de guerra sobre Petrogrado. Recordo que, depois de um momento de silencio junto ao aparelho, o rosto de Lênin se iluminou de não sei que lua extraordinária. Via-se que Lênin já havia tomado uma decisão:

«Vamos à estação de rádio, disse Lênin, ela nos prestará um bom serviço; destituiremos, por ordem especial, o general Dukonin; em seu lugar nomearemos o camarada Krylenko chefe supremo e nos dirigiremos aos soldados por cima das cabeças do comando, exortando-os a isolar os generais, cessar as hostilidades, entrar em contacto com os soldados austro-alemães e tomar a causa da paz em suas próprias mãos».
Era um «salto no desconhecido». Mas Lênin não tinha medo daquele «salto»; ao contrário, antecipava-se a ele, porque sabia que o exército queria a paz e que a conquistaria varrendo todos os obstáculos postos em seu caminho, porque sabia que aquele meio de estabelecer a paz teria repercussão sobre os soldados austro-alemães e reavivaria o desejo de paz em todas as frentes sem exceção.

É sabido que, também aquela previsão revolucionária de Lênin foi cumprida mais tarde da maneira mais exata.

Uma perspicácia genial, uma faculdade de compreensão, de adivinhar tais eram precisamente as qualidades próprias de Lênin que lhe permitiam elaborar uma estratégia certa e uma linha de conduta clara nas viragens do movimento revolucionário.


«A vanguarda proletária está conquistada ideologicamente. Isto é o principal. Sem isso é impossível dar nem sequer o primeiro passo para a vitória. Mas dai à vitória ainda dista bastante. Apenas com a vanguarda, é impossível triunfar. Lançar somente a vanguarda à batalha decisiva, quando toda a classe, quando as grandes massas não adotaram ainda uma posição de apoio direto a esta vanguarda, ou ao menos de neutralidade benevolente em relação a ela, que a incapacitem por completo para defender o adversário, seria não somente uma estupidez mas ainda um crime. E para que na realidade toda a classe operária, as grandes massas dos trabalhadores e dos oprimidos pelo capital cheguem a ocupar semelhante posição, são insuficientes a propaganda e a agitação somente. Para isso é necessária a própria experiência política dessas massas.»

V. I. Lênin

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Por um 25 de Abril e 1º de Maio vermelhos, com muita luta e exigência!

Centeno: “Se formos chamados a ajudar o Montepio temos de estar disponíveis”

Ministro das Finanças admite o apoio do Estado à Associação Mutualista Montepio, em caso de necessidade. “O último garante da estabilidade financeira é o Governo”, diz. O Novo Banco deverá exigir mais capital."

Aumenta-se o défice publico pela via das injecções de milhares de milhões de euros para salvaguardar os interesses dos capitalistas financeiros, recapitalizar os bancos e os accionistas, como impõe a UE e é aceite servilmente pelo governo, depois para o baixar porque é exigido o cumprimento do pagamento dos juros e da divida capitalista, vai-se ao pote: Ou seja corta-se nos direitos laborais e sociais, nos salários e reformas dos mais pobres, mantém-se cinco milhões de pessoas a viver com rendimento abaixo de 500 euros mensais, corta-se ou contem-se os investimentos na saúde, na educação, nos transportes, na habitação social, etc etc.

Enquanto o governo e o ministro serenamente vão cumprindo as suas politicas reaccionárias, os partidos da esquerda do regime e as direções sindicais, vão fazendo os seus discursos mais ou menos "inflamados" bem como ameaças constantes de luta, na medida em que lentamente, mas cada vez mais trabalhadores vão percebendo as sua lógicas de conciliação e concertação de classe, mas passado o ruído do protesto laboral e social que implicou tal ofensiva em causa tudo volta práticamente ao normal, ou seja à continuação da aceitação da politica imposta pelo governo e pela UE

É necessário erguer a voz e exigir formas de luta que efectivamente ponham fim, a que seja os trabalhadores e a população pobre a pagar a redução do défice público para que haja cumprimento do pagamento da divida capitalista .

Que se exija aumentos salariais compatíveís com o nível de vida!

Que se exija o fim da precariedade laboral tanto no Estado como no privado!

Que se exija a redução dos horários de trabalho para 35 horas.!

Que se exija uma legislação laboral que sirva e possa proteger os direitos e interesses dos trabalhadores!

Contra a Lei dos despejos por uma habitação social, condigna e acessível!

Por uma forte sindicalização de toda a classe e eleição de novas direções e delegados sindicais honestos e combativos que acabem com décadas de conciliação de classe com as entidades patronais seja estado ou privado, que tem tido como consequência a escravização de toda uma classe como o demonstra a perda de direitos sociais e laborais bem como uma década de estagnação salarial


segunda-feira, 16 de abril de 2018

Pacto social entre direções sindicais e governo obriga a mais uma suspensão de um pré-aviso de greve, desta vez no Metro de Lisboa!


Quando tudo indica que  novos acordos com o PSD estão na calha e que tal implica uma maior viragem à direita por parte do  governo capitalista PS  e se deva mobilizar os trabalhadores contra tais acordos e tal ofensiva, mais um pré-aviso de greve foi suspenso! Assim sendo bem podem os trabalhadores esperar  eternamente pelas suas reivindicações...


"A greve no Metro de Lisboa, agendada para quinta-feira, foi suspensa na sequência de uma reunião com a tutela, disse hoje a Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações (FECTRANS)."

"Os pressupostos deste pré-aviso de greve, entretanto suspensa, têm a ver com a contratação de mais trabalhadores e com aumentos salariais que, segundo a FECTRANS, não acontecem desde 2009."

Não há aumentos salariais há praticamente dez anos, bem como outros direitos laborais foram roubados, pela via da Lei Laboral imposta pelo governo PSD/CDS/Tróika e que o actual governo não quer revogar, mas ainda assim os "dirigentes" sindicais acharam por bem suspender  o pré-aviso de greve, só porque a administração aceitou recebe-los para dialogar e negociar sem que nada fosse garantido.

Tal pratica sindical nefasta aos interesses dos trabalhadores de conciliação e conluio com o governo e as administrações das empresas não é novo, tem acontecido sistematicamente ao longo de décadas  com as lutas dos professores, dos enfermeiros, dos funcionalismo público administrativo, bem como praticamente em todas as outras empresas privadas, onde o exemplo da derrota imposta aos trabalhadores na Auto-Europa em Janeiro último e os despedimentos de mais de um milhar de operários na ex-Triumfh, Rincon, e em outras empresas, são um exemplo bem significativo.

Esperemos que os trabalhadores do Metro de Lisboa, bem como todos os outros aprendam e elevem a sua consciência de classe com tais práticas sindicais anti-operárias e dotem os seus sindicatos com novas direções sindicais honestas e combativas afim de melhor poderem resistir e defender seus interesses e direitos imediatos e futuros.

sábado, 14 de abril de 2018

Particularidades e caráter de classe do revisionismo soviético

Umberto Martins*
17/6/1989

Um dos exercícios hoje muito em voga entre os ideólogos burgueses e pequeno burgueses consiste em encobrir o real significado histórico do revisionismo, apresentando como representantes de um mesmo interesse social e idêntico.

Assim, a luta de vida ou morte entre marxismo e revisionismo parece incompreensível, enquanto neste momento, os frutos históricos do revisionismo no poder, em especial na URSS, são apresentados como resultados da aplicação do marxismo; os fracassos das idéias revisionistas; ganham a aparência de fracassos do marxismo etc.

Sabe-se, entretanto, que o revisionismo não é um fenômeno novo. Ele nasce na década de 90 do século passado, quando o marxismo tinha se transformado em ideologia hegemônica do intento operário na Europa, após triunfar, “incondicionalmente, sobre todas as ideologias do movimento operário", conforme disse Lênin no artigo "Marxismo e revisionismo", escrito em 1908.

“O socialismo pré-marxista foi derrotado", comentava o líder da revolução soviética. Daí as tendências que se expressavam através das doutrinas derrotadas anteriormente por Marx e Engels, por exemplo, o proudhonismo e, depois, o bakuninismo – "começaram a procurar outros caminhos. Modificaram-se as formas e os motivos da luta, mas a luta continuou". Desde então o último refúgio da ideologia burguesa no movimento operário tem sido o revisionismo, a revisão mais ou menos aberta dos postulados cardeais do marxismo;que adquire particularidades e nuances diversas ao longo da história.

Tudo que foi dito evidentemente não constitui nada além do que o abecê do marxismo. Mas não se pode ignorar aqueles que, teimosamente, insistem em apagar a fronteira, ou as diferenças, entre as duas ideologias. A distinção entre marxismo e revisionismo é, antes de tudo, questão de classes. “O caráter inevitável do revisionismo é determinado pelas suas raízes de classe na sociedade atual", argumentava Lênin. Assim, a luta entre essas correntes antagônicas não é outra coisa senão a expressão no plano das idéias da moderna luta de classes entre burguesia e proletariado.

O revisionismo é um sistema de idéias que reflete os interesses da burguesia e tem por base social a pequena burguesia (inicialmente, enquanto social-democracia, foi a ideologia da aristocracia operária). O marxismo enfrentou e derrotou as idéias oportunistas de Bernstein e Karl Kautsky, a revolução proletária de 17 na Rússia apressou o sepultamento da corrente que eles encarnavam. No entanto, o revisionismo subsistiu.

Hoje, as diferenças entre marxismo e revisionismo não se manifestam apenas no plano das idéias, mas sobretudo nas realizações práticas, como se depreende da realidade soviética, onde a obra de traição ao proletariado fala por si. Se fosse, como a burguesia procura fazer crer, o resultado histórico, concreto, da aplicação do marxismo, este teria de fato fracassado e seria preciso aposentá-lo como instrumento de libertação da classe operária e, por extensão, de toda a humanidade. O que presenciamos, porém, é o fracasso da ideologia revisionista, ideologia pequeno burguesa que, hoje, no poder, ganhou novas particularidade. No entanto, mantém o mesmo caráter de classe.

Já em 1908 Lênin indicava que a luta contra o revisionismo não seria encerrada com a vitória da revolução proletária em um ou outro país, devendo, ao contrário, tornar-se ainda mais encarniçada. "O que hoje vivemos com frequência num plano puramente ideológico, isto é, as disputas em torno das emendas teóricas a Marx; o que hoje só se manifesta na prática a propósito de certos problemas parciais, isolados, do movimento operário, como divergências táticas com os revisionistas e as cisões neste terreno, tê-lo-á que viver inevitavelmente a classe operária, em proporções incomparavelmente maiores, quando a revolução proletária agudizar todos os problemas em litígio e concentrar todas as divergências nos pontos de importância mais imediata para a determinação da conduta das massas, obrigando a que se separem, no fragor da luta, os inimigos dos amigos e a que se rejeitem os maus aliados, para assestar golpes decisivos no inimigo".

Logo nos primeiros anos que se seguiram à instalação da ditadura do proletariado na Rússia a revolução enfrentou uma batalha de vida ou morte contra as classes que haviam sido apeadas do poder. Num primeiro momento, esta luta teve sua expressão mais alta em três anos de guerra civil, que também se refletiu em profundas divergências no interior do partido bolchevique, ao lado das que já eram naturais e mais abertas com os mencheviques.

As diferenças de opinião relacionavam-se basicamente sobre o caminho que devia ser seguido para que a revolução prosseguisse em direção ao socialismo e de acordo com os interesses do proletariado; concentravam-se, conforme predisse Lênin, "nos pontos de importância mais imediata para a determinação da conduta das massas". E representavam interesses de classes distintas.

É o período da "Oposição Operária", das idéias antioperárias de Trotsky sobre os sindicatos e da polêmica em torno das decisões sobre "comunismo de guerra" e implantação de uma Nova Política Econômica (NEP). Como meio de enfrentar esta luta e garantir a direção proletária sobre o Estado é que foram tomadas as resoluções do 10° Congresso do Partido Comunista, em 1921, proibindo a existência legal de partidos burgueses e as frações e grupos no interior do próprio partido bolchevique.

Já neste período o revisionismo havia assumido uma característica que o torna bem distinto das formas em que se revestiu na sua fase inicial, de Bernstein e mesmo de Karl Kautsky. A batalha entre marxismo e revisionismo, a partir daí, já não será mais travada exclusivamente no campo ideológico. Ao mesmo tempo a luta ocorria em um terreno virgem, em que se exigiam respostas a novas questões que os fundadores do marxismo não haviam enfrentado ou para as quais deram apenas ligeiras indicações.

Depois de eliminadas outras formas de manifestação política da burguesia, em 1921, os interesses das classes exploradoras (que continuaram subsistindo no país durante todo o período de transição do capitalismo ao socialismo e, durante a NEP, chegaram a gozar certos estímulos do Estado) só poderiam se expressar ideologicamente através de revisões, ainda mais encobertas e subterrâneas, do marxismo.

Todo o período de transição foi caracterizado por uma luta de vida ou morte entre o poder proletário e a burguesia que sobrevivia no campo e nas cidades; as particularidades da União Soviética (país capitalista relativamente atrasado e com um cruel legado da guerra) tornaram a batalha entre o proletariado e as classes exploradoras, e entre marxismo e revisionismo, especialmente agudas e violentas.

“Trotsky e Bukharin dão o tom do revisionismo durante o período de transição ao socialismo”.

Os exemplos mais importantes da repercussão desta luta (que envolvia toda a sociedade) no interior do Partido Comunista são os de Trotsky e Bukharin. Se as idéias de Trotsky (acerca da impossibilidade de construção do socialismo em um só país, organização partidária e relação dos sindicatos com o Estado, entre outras) tivessem sido acatadas pelo partido e transformadas em orientação de Estado, naturalmente não teria sido possível construir o socialismo na URSS.

Em Bukharin as relações entre as representações da consciência, as idéias políticas e os interesses de classe são mais evidentes. A defesa ardorosa que fez dos kulaks (burguesia rural) é amplamente conhecida. Ele lutou desesperadamente contra a coletivização e a favor da manutenção da propriedade privada no campo, sob o disfarce da tese de integração pacífica dos kulaks no socialismo, e nunca conseguiu esconder seu irresistível fascínio pelos nepmans.

A construção do socialismo na União Soviética só podia ser vitoriosa com a derrota dessas e outras concepções pequeno-burguesas, a eliminação das classes cujos interesses elas representavam objetivamente e a imposição de novas relações de produção. E foi assim que, de fato, ocorreu a transição do capitalismo ao socialismo.

Quando essa etapa da construção do socialismo foi concluída na URSS, na segunda metade da década de 1930, as classes exploradoras tinham sido liquidadas; a burguesia, assim como os latifundiários, não mais existiam no país, como observou Stalin.

“A pequena-burguesia sobrevive e, com ela, idéias revisionistas e o perigo de retrocesso”.

Mesmo numa sociedade socialista, contudo, o grau de desenvolvimento das forças produtivas e das relações que se estabelecem entre os homens particularmente na economia, mas também em todas as esferas sociais, não é elevado o suficiente para possibilitar a eliminação da luta de classes, de forma que é inevitável o surgimento de idéias revisionistas e a possibilidade de retrocesso histórico.

Sobrevivem, embora restritamente, a produção mercantil, a propriedade de grupos (nas cooperativas), a divisão social do trabalho e disparidades salariais, as diferenças entre campo e cidade e outros fenômenos que só deixarão de ocorrer no comunismo. Do ponto de vista social, tudo isto tem por correspondência obrigatória uma camada relativamente extensa de pequenos burgueses. E a pequena-burguesia, embora em novas formas, não perde no socialismo sua essência de camada social intermediária entre a burguesia e o proletariado, da qual deriva sua posição ideológica pusilânime.

É natural que essa pequena-burguesia ocupe posições no interior do partido, do aparato estatal, gerências de fábricas, cooperativas etc. E impregne o ambiente social com idéias às vezes francamente hostis ao socialismo.

O fato é que para caminhar na direção do socialismo torna-se indispensável revolucionar permanentemente as relações de produção, em conformidade com o avanço das forças produtivas, de forma a eliminar gradualmente a produção mercantil, a divisão social do trabalho, a diferença entre cidade e campo e elevar o nível da propriedade cooperativa "ao de propriedade de todo o povo", como preconizava Stalin.

Ora, este movimento tem por contrapartida o deslocamento das posições e a redução gradual dos interesses da pequena-burguesia até a pura e simples extinção desta camada social. É evidente que ele encontra resistência, só se realiza por meio de uma luta ideológica política mais ou menos aguda dentro do sistema político da ditadura do proletariado. Essa contradição de interesses entre o proletariado e a pequena-burguesia em geral define o conteúdo e as características (ou formas) da luta de classes no socialismo.

A oposição mais ou menos clara, mais ou menos consciente, da pequena-burguesia à passagem do socialismo ao comunismo assume diversas formas e reflete-se inevitavelmente nas instituições e no partido. Manifesta-se em divergências, pequenas ou grandes, no aparelho estatal ou no interior das fileiras comunistas.

Um exemplo eloquente desta luta no interior do socialismo neste novo período, de passagem ao comunismo, antes da ascensão dos revisionistas ao poder, pode ser observado na polêmica travada entre Stalin e alguns economistas soviéticos acerca dos problemas econômicos do socialismo na URSS.

O debate gerou em torno da atuação da lei do valor no socialismo, produção mercantil, contradição entre forças produtivas e relações de produção, o caráter objetivo das leis econômicas e a política econômica que o Estado soviético devia tomar naquela nova fase do desenvolvimento da sociedade socialista caracterizada pela completa liquidação das classes exploradoras e início da transição do socialismo ao comunismo.

É ilustrativa, para analisar os interesses em choque naquelas idéias e o caráter de classe das divergências, a controvérsia sobre as "medidas para elevar a propriedade kolkhosiana ao nível da propriedade de todo o povo", relatada por Stalin no livro Problemas econômicos do socialismo na URSS.

"Os camaradas Sánina e Vênzher propõem, como medida fundamental para essa elevação do nível da propriedade kolkhosiana, vender os instrumentos fundamentais de produção concentrados nas Estações de Máquinas e Tratores (EMT), desobrigar desse modo o Estado das inversões básicas na agricultura e fazer com que os próprios kolkhoses assumam a manutenção e o desenvolvimento das EMT.

Depois de evidenciar que a medida seria um desastre do ponto de vista econômico, inclusive porque fornecer ao campo novas máquinas e tratores na proporção adequada à demanda e ao avanço das forças produtivas implicava uma capacidade de inversão que as cooperativas não possuíam, Stalin concluía: "ao propor a venda das EMT como propriedade aos kolkhoses, os camaradas Sánina e Vênzher retrocedem e procuram fazer a roda da história girar para trás".

"Disso resultaria, em primeiro lugar", argumentava, "que os kolkhoses passariam a ser proprietários dos instrumentos de produção fundamentais, isto é, encontrar-se-iam numa situação excepcional, numa situação que nenhuma empresa ocupa em nosso país, pois como se sabe nem mesmo as empresas nacionalizadas são, entre nós, proprietárias dos instrumentos de produção...

"Disso resultaria, em segundo lugar, o alargamento da esfera de ação da circulação mercantil, visto que em sua órbita entraria uma enorme quantidade de instrumentos de produção agrícola. Que pensam a respeito os camaradas Sánina e Vênzher? O alargamento da esfera da circulação mercantil poderia contribuir para o nosso avanço no sentido do comunismo? Não seria mais exato dizer que de fato frearia nosso avanço no sentido do comunismo?

"O erro fundamental dos camaradas Sánina e Vênzher consiste em que não compreendem o papel e o significado da circulação mercantil no socialismo; não compreendem que a circulação mercantil é incompatível com a perspectiva da passagem do socialismo ao comunismo. Pensam, pelo que se vê, que a circulação mercantil não constitui um obstáculo para a passagem do socialismo ao comunismo, que a circulação mercantil não pode impedir essa transição. Isto é um grande erro, causado por não compreenderam o marxismo".

Embora não se apresentassem na forma de uma plataforma clara, nítida, consciente – e nem tinham espaço político para tanto – as divergências entre essas opiniões refletiam distintos interesses de classes, simbolizavam a oposição da pequena-burguesia, sua resistência ao avanço do socialismo na direção do comunismo, eram o reflexo desta luta na consciência dos economistas, combatidos por Stalin. A polêmica, como se vê, concentrava-se em torno dos pontos cardeais do período – dos métodos e da política correspondentes à passagem do socialismo ao comunismo.

As idéias dos economistas combatidos por Stalin representavam, consequentemente, uma forma específica pela qual manifestaram-se idéias revisionistas ou mais precisamente o reflexo de interesses pequeno-burgueses na consciência de alguns indivíduos durante a nova fase histórica e têm a virtude de resumir questões centrais que estavam em jogo na ocasião e que constituíam o pano-de-fundo da luta de classes que se travava no interior da sociedade soviética.

“Kruschev representou, e bem, os interesses de camadas contrariadas com a nova sociedade”.

A ascensão de Kruschev ao poder dá-se ainda no calor do debate travado por Stalin sobre os problemas econômicos da construção do socialismo na URSS. E é do solo pisado pela pequena-burguesia que brota a raiz do pensamento do cidadão que se torna o novo líder da URSS após a morte de Stalin, em 1953. As idéias revisionistas da pequena-burguesia manifestavam-se, então, de forma tímida, mas possuíam uma expressiva base no interior da sociedade soviética, o que lhes garantiu o predomínio sobre o aparelho estatal após a ascensão de Kruschev ao poder.

Não é difícil observar que Kruschev representou, precisamente, os interesses da pequena-burguesia contrariada com os rumos do socialismo, a marcha na direção do comunismo, e acabou levando a efeito na União Soviética uma contra-revolução pacífica, orientada, antes de tudo, no sentido de preservar as posições e os interesses desta camada social – que teriam inapelavelmente de ceder no processo de transição do socialismo ao comunismo. Ao mesmo tempo, as reformas por ele promovidas garantiram também a ampliação dos interesses e dos direitos, e a alteração da posição da pequena burguesia na sociedade soviética.

Todas as idéias e os atos do líder revisionista foram determinados por este propósito. Sua obra – e, em certa medida, a de seus sucessores – orientaram-se para este caminho pequeno- burguês. E a mudança da posição da pequena-burguesia nas relações de produção culminou por mudar o caráter dessas relações que. aos poucos. deixaram de ser socialistas.

Para iniciar a realização da obra pequeno-burguesa, Kruschev teve de apelar, em primeiro lugar, ao ataque grosseiro a Stalin. Era indispensável derrubar a autoridade de Stalin no partido e na sociedade, e reabilitar seus desafetos, para promover uma orientação (na política, na economia e em toda a sociedade) de essência pequeno-burguesa.

Ele começa pela reabilitação prática das idéias dos economistas combatidos anteriormente por Stalin, promovendo o abrandamento da centralização e do planejamento econômico (extinguindo os ministérios de planejamento central), transferindo o controle das Estações de Máquinas e Tratores para as cooperativas (coisa que concluiu em 1959) e privilegiando os interesses da pequena-burguesia que exercia cargos de chefia nas empresas e no Estado.

A política colocada desde então em prática contradiz frontalmente as orientações de Stalin e do XIX Congresso do PCUS. Alarga a área de influência da produção mercantil sobre a economia soviética e leva a um progressivo enriquecimento da pequena-burguesia, assim como à alteração da posição desta camada nas relações de produção – de modo a transformar o próprio caráter dessas relações.

A produção mercantil, como lembrava Stalin, não conduz por si mesmo ao capitalismo, leva neste sentido "apenas se existir propriedade privada sobre os meios de produção (...) A produção capitalista começa onde os meios de produção estão em mãos de particulares, e os operários, privados dos meios de produção, são obrigados a vender sua força de trabalho como mercadoria. Sem isto, não há produção capitalista”. Ao mesmo tempo, ele enfatiza que o alargamento da produção mercantil é incompatível com a perspectiva de passagem do socialismo ao comunismo e conduz inapelavelmente ao retrocesso.

A obra de restauração do capitalismo na URSS, iniciada por Kruschev, evidentemente não foi concluída de pronto. E teve continuidade, embora de maneira contraditória e às vezes envergonhada, em Brejnev, seu sucessor, que em 1965 introduz no país as famosas "reformas de Kossiguin", que fazem do lucro o motor da produção nas empresas, copiam do modelo revisionista iugoslavo, a chamada autogestão, e ampliam ainda mais os poderes de administradores e diretores das estatais.

Medida de grande significado implementada em todo o período de restauração foi a importação de relações capitalistas de produção, através da abertura da economia soviética aos investimentos diretos das empresas estrangeiras e da tomada de empréstimos pelo país junto à comunidade financeira internacional. O peso específico do capital estrangeiro na URSS torna-se a partir daí a cada ano maior, determinando a reincorporação do país no mercado capitalista mundial (veja artigo a respeito nesta revista, pág. 45).

Com Kruschev e seus sucessores o revisionismo assume características que o tornam ainda mais distinto das outras formas em que esta ideologia pequeno-burguesa tinha se revestido no passado, ainda que mantendo com essas a identidade básica de deformar e aburguesar o marxismo. E o revisionismo de um partido no poder em um país que já havia percorrido a fase de transição do capitalismo ao socialismo.

“Os atuais economistas soviéticos invertem os termos do conflito que ocorre na produção”.

Em função desta particularidade, ele não se limita a incorporar e fazer rejuvenescer as velhas e desmoralizadas idéias revisionistas sobre a luta de classes, o desenvolvimento do capitalismo, a missão histórica do proletariado, a concepção de partido etc. A batalha travada pelo revisionismo soviético contra o marxismo ocorre em uma nova época, quando este já havia atingido um novo patamar histórico, um novo status: não apenas era hegemônico no seio da classe operária como havia alcançado o poder, consolidava a construção da sociedade socialista e desenvolvia a teoria adequada à luta de classe nessas novas condições históricas.

Em outras palavras, o marxismo já tinha se transformado em socialismo – na prática – e é nesse nível que terá de ser combatido pelos revisionistas. A missão dos dirigentes soviéticos que assumem o poder após a morte de Stalin é, por consequência, proceder à revisão burguesa do marxismo deste período, teoria que, em sua generalidade, tinha sido elaborada por Marx e Engels, foi abordada com mais detalhe por Lênin e estava em pleno desenvolvimento na época de Stalin.

A revisão se traduz sobretudo em uma política que impõe o retrocesso das relações de produção. A tese de Stalin e do XIX Congresso do PCUS de que se devia andar para frente, elevando o nível dessas relações de forma a possibilitar a transição do socialismo ao comunismo, é revisada na prática pelas reformas de Kruschev e seus seguidores, que não apenas deixam de caminhar para frente como restabelecem relações de tipo capitalista que haviam há muito sido superadas.

É sintomático que este movimento de involução das relações de produção no país se reflita na consciência de economistas soviéticos na forma de uma verdadeira inversão do real caráter da contradição entre forças produtivas e relações de produção observada por Marx. Para justificar o procedimento revisionista, eles alegam, com sutilidade, que o nível de desenvolvimento das forças produtivas na URSS de hoje é relativamente baixo e, em função disto, só é possível estabelecer a correspondências adequada e a harmonia com as relações de produção se essas forem do tipo capitalista.

"As contradições internas do setor socialista”, argumenta o economista Vsevolod Kulikov no artigo "Etapas do desenvolvimento do sistema econômico do socialismo" (publicado na coletânea O socialismo: sistema econômico, da Academia das Ciências da URSS em 1987), "incluem, por exemplo, o conflito entre as novas relações de produção e as forças de produção herdadas do regime anterior". Para resolver o conflito é que as reformas se orientam no sentido de restabelecer relações capitalistas, supostamente mais adequadas ao atual nível histórico de desenvolvimento das forças produtivas. Ora, no século passado Marx e Engels observavam que a contradição que dilacerava a sociedade capitalista e manifestava-se em crises cíclicas de superprodução provinha precisamente do atraso das relações de produção em relação às forças produtivas, sendo que estas últimas constituem, como disse Stalin, o elemento mais dinâmico e revolucionário da produção.

Inverter os termos do problema, insinuando que as relações de produção estão artificialmente avançadas e inadequadas ao nível de desenvolvimento das forças produtivas, sendo necessário, portanto, rebaixá-las – referindo-se à União Soviética da década de 1980 – é uma grosseira deturpação da realidade e mais uma evidência da revisão burguesa do marxismo.

Stalin ressaltava que a contradição entre forças produtivas e relações de produção prevalecia no socialismo, com as relações de produção atrasando-se em comparação ao nível de desenvolvimento das forças produtivas, e não o contrário. A contradição só não resultaria em crise se a correspondência entre esses dois aspectos da produção fosse restabelecida por meio da elevação das relações de produção, o que transforma esta de fator de entrave em motor do desenvolvimento econômico.

"Esta peculiaridade do desenvolvimento das relações de produção que passam do papel de entrave das forças produtivas ao papel de motor principal de seu avanço e do papel de motor principal ao papel de entrave das forças produtivas, constitui um dos elementos principais da dialética materialista marxista", argumentava.

No caso, porém, ele ia além dessas considerações genéricas e indicava concretamente as contradições existentes e as formas de superá-las dentro de uma perspectiva progressista, socialista, como por exemplo em relação à necessidade de elevar a propriedade cooperativa "ao nível de propriedade de todo o povo".

Os revisionistas que passaram a dominar o Estado soviético a partir de 1953 levaram a efeito uma política diametralmente oposta às indicações de Stalin, forçaram a involução das relações de produção e o resultado mais global deste caminho, do ponto de vista econômico, está patenteado na profunda crise em que o país foi mergulhado.

O domínio da pequena-burguesia sobre o Estado soviético – que caracteriza todo o período de restauração do capitalismo na União Soviética – redundou, de outro lado, no progressivo enriquecimento desta camada social, bem como na ampliação de sua posição no processo de produção, em tal medida que de fato criou, com o tempo, uma espécie de "nova burguesia", constituída de gerentes de fábricas e cooperativas, altos burocratas do Estado e do partido, oficiais e técnicos de elevada graduação.

Embora não tenha o controle direto e privado, sobre os meios de produção, na verdade esta camada beneficia-se do poder que exerce sobre o Estado, arrancando por meio dele, e em proveito próprio, uma parcela apreciável da riqueza produzida pelos operários, alterando com isso o caráter do processo distributivo do sistema. A produção deixa de servir a toda a sociedade para satisfazer, em especial, os interesses desta "nova burguesia", fenômeno que se conjuga à extração direta de mais-valia pelo capital estrangeiro.

Esta camada não constitui a burguesia em sua forma social clássica nem dispõe, na União Soviética, dos mesmos direitos formais desta. A rigor, ainda é a pequena-burguesia enriquecida, com novos privilégios e posições na sociedade. Por isto, não deve ser tomada por forma permanente e nem é o resultado último da obra de restauração do revisionismo.

Trata-se, na verdade, de uma categoria social provisória, característica e própria de certa fase do período de restauração.

Com Gorbachev o regime revisionista soviético inicia uma nova fase de seu desenvolvimento histórico, caracterizado no geral pela conclusão do período de restauração capitalista e o ressurgimento da burguesia em sua forma clássica. O que domina a cena política, com efeito, é a burguesia vestindo sua velha roupa.

“A perestroika inaugura uma nova fase do regime. E a burguesia veste sua velha roupa”.

As principais medidas adotadas por Gorbachev refletem precisamente este movimento. A legalização da pequena propriedade capitalista nas cidades, por exemplo, abre campo para pleno restabelecimento da propriedade privada, e a expansão, mais livre e irrestrita dos direitos e interesses burgueses.

Na mesma direção orientam-se as iniciativas relacionadas à propriedade camponesa, onde o ressurgimento da burguesia rural (os novos kulaks) ocorre de forma mais nítida e em larga escala através do arrendamento das terras por um prazo de 50 anos a pequenos grupos e indivíduos, iniciativa que Gorbachev justifica com o discurso cínico de "terra para quem nela trabalha".

Ora, da pequena propriedade, como lembrava Lênin, nasce a cada minuto a produção capitalista e a personalidade social que lhe corresponde, o capitalista. A expansão do capital – e com ela a transformação do pequeno capitalista em médio e, depois, grande burguês – passa a ser apenas uma questão de tempo e de eliminação das tímidas restrições que ainda subsistem na União Soviética.

Não há dúvidas de que existem restrições jurídicas e econômicas e que o movimento encabeçado hoje por Gorbachev enfrenta resistências, evoluindo em meio a contradições e lutas. O restabelecimento do parlamento burguês no país e as iniciativas no campo da glasnost têm por finalidade precisamente criar as condições favoráveis à expressão liberal das divergências no seio das novas elites, ao acomodamento "democrático" das contradições capitalistas (iludindo o povo) e ao predomínio da nova orientação, que representa a pressão irresistível das "novas" forças sociais ressuscitadas pelos revisionistas na URSS.

Quanto ao próprio líder da perestroika, ele pretende impor novas normas "sobre o direito de propriedade" e intenta desferir o golpe de mestre sugerido pelo seu principal assessor, o economista Abel Aganbeguian: a privatização das estatais, de "todas, com exceção da indústria bélica", conforme as palavras usadas pelo economista numa entrevista ao programa "Bom dia Brasil", da "TV Globo", por ocasião de sua visita a Brasília. O retorno da falência na URSS, além de tornar quase ilimitada a predominância do mercado e da lei do valor na economia soviética, aponta nesta direção de abrir alas para a iniciativa privada, seja nacional ou estrangeira.

O reflexo e a contrapartida desta nova fase da sociedade soviética na consciência de Gorbachev e dos dirigentes revisionistas são não só o aprofundamento da revisão, cada vez mais descarada das idéias marxistas, como também o início do completo abandono da ideologia marxista.

Os vestígios de marxismo no pensamento de Gorbachev e dos teóricos mais influentes da perestroika, com efeito, são cada vez mais pálidos. O líder soviético foi forçado a abrir-mão inclusive da teoria da luta de classes como motor da história, substituindo-a pela vaga e falsa noção de interesses da humanidade – pretensamente acima das classes.

Defronte dos resultados da restauração do capitalismo, da plena vigência das leis e categorias econômicas capitalistas na União Soviética e seus desdobramentos, Gorbachev também teve de admitir a crise econômica e incorporá-la à sua noção de socialismo.

É assim que ele diz que a sociedade socialista "não está segura contra o aparecimento e acumulação de tendências paralisadoras", depois de observar que, quando assumiu o poder: "em seu todo, a sociedade estava ficando cada vez mais ingovernável" e "à beira da crise" (em seu livro Perestroika).

Com efeito, a obra de restauração do capitalismo na URSS foi coroada por uma profunda crise econômica, social e política. As taxas de crescimento do produto iniciaram por declinar violentamente, de forma que, segundo informações oficiais, a evolução da renda nacional deu-se conforme a seguinte média anual por quinquênio.

Já no X Plano Quinquenal, o último, de 1981 a 1985, a taxa de crescimento da economia foi igual a zero, segundo cálculos do insuspeito Abel Aganbeguian (em seu livro Perestroika – o duplo desafio soviético) . Ou seja, o país estagnou.

“O socialismo da crise, com Gorbachev, exige uma ideologia mais abertamente burguesa”.

O fenômeno, evidentemente, expressa uma crise econômica aguda. E esta, por seu turno, reflete a explosão da contradição entre as forças produtivas e as relações de produção capitalistas que foram restauradas na União Soviética; o conflito tornou-se inconciliável e antagônico após as reformas revisionistas. É um fenômeno por si só evidente.

E é esta nova realidade que força Gorbachev a revisar o princípio socialista do desenvolvimento e da expansão ininterrupta da produção, que constitui – na economia – a base para assegurar a satisfação máxima das necessidades materiais e culturais da sociedade.

"Em vez de desenvolver a produção com intermitência do ascenso à crise a da crise ao ascenso, desenvolver ininterruptamente a produção; em vez de intermitências periódicas no desenvolvimento da técnica, acompanhadas da destruição das forças produtivas da sociedade, o aperfeiçoamento ininterrupto da produção à base da técnica mais elevada", conforme a formulação de Stalin.

Esta noção sobre o desempenho da economia socialista já havia sido elaborada anteriormente por Marx e Engels em diversos escritos. Stalin desenvolveu a idéia com base no desenvolvimento do socialismo soviético. A experiência histórica comprovou que não se tratava simplesmente da exposição de um desejo, mas, antes, de uma previsão científica, baseada na análise das categorias e leis econômicas próprias do novo regime, coisa que, hoje, continua sendo evidenciada pela experiência de construção do socialismo na Albânia.

A obra de revisão, neste nível, atinge na verdade a lei fundamental do socialismo e não é de espantar que os revisionistas – ao terem suas teses submetidas à dura prova da história – sejam forçados a apelar até este ponto.

Eis que temos agora um perfeito socialismo burguês, com crises econômicas, burguesia e tudo o mais. E isto não podia deixar de ter uma representação correspondente na consciência dos dirigentes revisionistas.

A marcha do regime soviético, com a restauração completa de todas as leis e categorias próprias do capitalismo (na economia, na política e em toda sociedade), tem a virtude de transformar o invólucro marxista que encobre a ideologia revisionista num incômodo a cada dia maior às elites soviéticas. A traição aos princípios da doutrina proletária é aberta, a máscara cai.

Com o pleno restabelecimento da burguesia no país é a própria ideologia pequeno-burguesa que tem de ser ultrapassada. Nesse sentido, se tiver tempo histórico para cumprir até o fim sua trajetória inglória, o revisionismo soviético tende a percorrer no plano das idéias um caminho análogo ao da social-democracia – que, em 1959, já plenamente desmoralizada e com um rubor capitalista bem nítido, optou por desertar formalmente o marxismo.

* Umberto Martins é jornalista, editor da Princípios.

EDIÇÃO 17, JUNHO, 1989, PÁGINAS 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30