sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Angela Maestro - "O GOVERNO 'PROGRESSISTA' COLOCOU PROPRIEDADE PRIVADA SACROSANTA ANTES DA VIDA DAS PESSOAS"


Entrevista a CRISTÓBAL GARCIA VERA / CANARIAS-WEEKLY REDAÇÃO. ORG.-

– Ilhas Canárias-semanal: Em meio à incerteza gerada pela pandemia, a possibilidade de obter uma vacina efectiva tornou-se uma das maiores esperanças, mas também se observa que a corrida para obter essa vacina está sendo o base de uma luta geopolítica entre as grandes potências. Esta batalha está determinando as informações que recebemos?

– Ângela Maestro: Totalmente. As informações que nos vêm estão absolutamente envolvidas e distorcidas pelos interesses das empresas farmacêuticas multinacionais, por isso é impossível para nós saber qual é a verdade sobre o que está acontecendo com as vacinas.

E, como uma afirmação tão contundente, deve ser apoiada com dados, lembrarei do caso da Influenza A,em 2009, quando todos os cortes começaram após o início da crise capitalista. Na época, o governo espanhol de Rodríguez Zapatero comprou milhões de doses da vacina e milhões de doses de tamiflú. Posteriormente, a OMS reconheceu que seu Comité de Especialistas havia sido subornado pela indústria farmacêutica. Ou seja, que no estava demonstrada a eficácia das vacinas e dos medicamentos que supostamente diminuíam os dias de ingresso e a gravidade da enfermidade, ademais de que se haviam ocultado os efeitos secundários que tinham. Na Espanha, todos esses medicamentos que foram comprados, no valor de 400 milhões de euros, acabaram caindo nos armazéns pelo Ministério da Saúde.

Agora, a União Europeia decidiu dedicar nada mais e nada menos que 1,2 bilião de euros para garantir que a Astra-Zeneca,que é de capital anglo-americano, continue a pesquisa com esses fundos públicos. Os fundos de emergência europeus são entregues a multinacionais que declaram mais lucros do que os bancos. E neste caso, além disso, à empresa que está desenvolvendo uma vacina cuja pesquisa já teve que parar, como você sabe, por causa de um problema sério em uma das pessoas para as quais havia sido fornecida. Provavelmente saberemos o que aconteceu, mas tudo indica que a Astra-Zeneca comprou as instituições da UE.

– Ilhas Canárias-semanal: O que você acha que devemos reivindicar, a este respeito, dos governos europeus, e particularmente da Espanha?

– Angela Maestro: O que o Coordenador Anti-Saúde de Madri (CAS-Madrid) já está reivindicando. Em primeiro lugar, uma demanda deve ser levantada para a forma de um comité independente de especialistas para testar vacinas, que por sua vez é controlada para impedir que a indústria farmacêutica a compre.

Além disso, as vacinas desenvolvidas em laboratórios públicos devem ser necessárias para serem adquiridas, que é a garantia de comprar um medicamento cuja produção é o mais imune possível ao suborno por multinacionais farmacêuticas. E agora já existem países, como Cuba ou Rússia, com laboratórios públicos desenvolvendo vacinas muito avançadas. Também uma das três vacinas chinesas foi desenvolvida em um laboratório 100% público. Isso é fundamental, porque a distorção que o dinheiro introduz é enorme. Estamos falando de milhões de euros que podem ser usados para comprar políticos, a mídia ou especialistas, e aqui estamos diante de uma questão da qual a vida de milhões de pessoas também depende.

-Ilhas Canárias-semanal: O que você relata sobre como essas multinacionais subornam no mais alto nível gera uma desconfiança da população que é um terreno fértil para os movimentos de "antivaccinas".

– Ângela Maestro: Isso mesmo, mas sou especialista em saúde pública e posso garantir que qualquer colega da minha profissão que você consultar vai dizer que o maior avanço da história humana em saúde e doenças tem sido as vacinas.

A propósito, o primeiro país do mundo a vacinar a população maciçamente foi a União Soviética,porque embora as primeiras vacinas começassem a ser experimentadas a partir do final do século XVIII, até então elas só estavam disponíveis para as elites. O primeiro país a vacinar toda a sua população é a URSS, com um decreto assinado por Lênin em 1918.

Outra coisa é que o Capital distorce efectivamente tudo e causa, por exemplo, que existem vacinas que não são eficazes e que estão sendo colocadas, como a da gripe sazonal, de eficácia duvidosa em relação aos benefícios que tem e seus efeitos colaterais. Mas as vacinas têm sido críticas, e muitas têm mostrado uma tremenda eficácia, como varíola, tuberculose, tosse ou difteria, que foram capazes de erradicar essas doenças.

Em suma, a importância das vacinas não pode ser negada, embora também deva ser acrescentado que a saúde pública não se resume à vacinação ou à disponibilização de determinados medicamentos. Tem a ver com uma abordagem holística relacionada a todas as condições de vida da população. Isso pode ser entendido perfeitamente por um exemplo. A mortalidade por tuberculose, conhecida como doença da miséria,começou a diminuir na Grã-Bretanha muito antes das vacinas ou antibióticos estarem disponíveis, quando o movimento trabalhista se tornou forte o suficiente para alcançar conquistas que, entre outras coisas, permitiam que os trabalhadores tivessem uma melhor moradia. Em outras palavras, essa luta do proletariado é o elemento mais importante que tem tido para melhorar a saúde.

-Ilhas Canárias-semanal: Suponho que também devemos culpar os interesses daqueles que você tem falado que todas as informações da mídia se concentram na vacina de Oxford- AstraZeneca, ou a vacina americana em Moderna, e não dizer nada, ou depreciar, as vacinas que estão sendo desenvolvidas na Rússia, Cuba ou China.

– Ângela Maestro: É claro que, embora a realidade seja que tanto a vacina russa quanto a vacina cubana são feitas em laboratórios públicos de muita tradição e de grande nível científico. No caso da Rússia, foi desenvolvido em um dos laboratórios mais comuns durante a União Soviética na produção de vacinas contra poliomielite ou tuberculose. Quanto a Cuba, o que não se conta é que, apesar de ser um pequeno país bloqueado, é também uma potência em biotecnologia, em tudo relacionado ao desenvolvimento de vacinas. E não deve ser estranho para um país socialista investir principalmente em medicamentos que podem salvar a vida de milhões de pessoas.

Na China, como mencionei, uma das três vacinas mais desenvolvidas é desenvolvida em laboratório público e as outras duas em laboratórios privados. Todos estão muito avançados, na fase três e até agora nem estes, nem os cubanos, nem os russos causaram efeitos colaterais.

– Ilhas Canárias-semanal: Falando já da pandemia em geral, nines, e desde que o assunto da China veio a ser questionado, como pode ser explicado que naquele país, onde o novo coronavírus apareceu, conseguiu eliminar o vírus, enquanto na Europa e na América a pandemia é cada vez mais difundida?

– Ângela Maestro: A primeira coisa que as pessoas devem saber é que a desculpa que nos foi dada sobre a forma como a pandemia "nos pegou desprevenida" é simplesmente inadmissível. Como especialista em saúde pública, posso dizer que a história humana está cheia de epidemias e que é bem conhecido como agir nesses casos.

O mais importante é a detecção precoce de casos e o isolamento de positivos e nada disso foi feito no estado espanhol. As medidas higiénicas e preventivas a serem tomadas não foram tomadas e as pessoas continuaram a chegar aos nossos aeroportos sem qualquer controle. Sem ir mais longe, da Itália,o país europeu mais afectado e onde muitas pessoas já estavam morrendo. É claro que, em outros países, incluindo a China,foi estabelecido esse controle básico dos viajantes.

Uma coisa que se sabe, mas que mal se fala,é que nos aeroportos os seguranças estavam tomando medidas higiénicas para não serem infectados pelo coronavírus desde janeiro. No entanto, até pouco antes do confinamento a população continuava a ser informada de que nada estava acontecendo aqui.

Então há coisas muito básicas, como o tema das máscaras. Fernando Simón estava nos dizendo que máscaras não deveriam ser usadas, que não eram importantes, quando na China toda a população as carregava desde o início da pandemia.

Para compreender o desastre da gestão pandemica, deve-se também levar em conta que a privatização da saúde que sofremos implica uma filosofia da individualização dos doentes e da doença, que nega a abordagem da saúde integral por meio de aspectos preventivos e colectivos relacionados à saúde ocupacional, boa alimentação, qualidade da moradia, etc. É por isso que a privatização avançada da Saúde nos deixou sem ferramentas de intervenção colectiva, que são precisamente o que é preciso para enfrentar uma pandemia.

Agora, por exemplo, ainda não temos os rastreadores, que deveriam ter chegado há seis meses, assim como teria sido necessário ter lugares onde seria possível isolar as pessoas infectadas.

Ilhas Canárias-semanal: Na China, o confinamento das regiões afectadas foi total, a ponto de as pessoas serem levadas para casa com alimentos e outros produtos básicos para seu sustento. Na Espanha, por outro lado, mesmo durante o confinamento, os trabalhadores das grandes empresas tiveram que continuar suas actividades de trabalho o tempo todo.

– Ângela Maestro: Claro, esta é a questão de fundo. Os interesses dos grandes capitais foram impostos, e não é coincidência que tenhamos taxas mais elevadas de contágio imortalidade nos bairros da classe trabalhadora. Os trabalhadores são forçados a usar os medidores ou ónibus lotados para ir ao intervalo e aqueles superlotados em locais de trabalho onde as condições sanitárias não são respeitadas, como estamos vendo em empresas de carne ou colheitas de frutas. Por razões puramente económicas, como não afectar o turismo, não foram tomadas medidas essenciais para cortar as cadeias de contágio, causando um desfecho catastrófico para a saúde.

– Ilhas Canárias-semanal: Priorizar interesses empresariais dessa forma em detrimento da saúde das pessoas, mesmo durante um Estado de Alarme que permite uma acção excepcional, implica uma importante responsabilidade política.

Ângela Maestro: Absolutamente. Mas há também uma questão específica relacionada a isso, que passou muito despercebida e nos permite falar sobre responsabilidades criminais do Governo. O primeiro decreto do Estado de Março incluiu um artigo, número 13, que deu ao Ministro da Saúde o poder de intervir em todos os tipos de empresas privadas para colocá-las na fabricação de todos os tipos de recursos necessários para a saúde da população. Vale lembrar que então os mortos se acumularam,que as pessoas estavam deitadas no chão dos serviços de emergência, os profissionais de saúde tiveram que trabalhar com sacos de lixo, começaram a negar assistência aos maiores de 70 anos e os idosos morreram abandonados nas residências.

Bem, todos nós sabemos que os medicamentos, materiais básicos de protecção e respiradores estavam claramente carentes, mas o governo, apesar de ter a cobertura legal para fazê-lo com o seu próprio decreto, não interveio em nenhuma empresa para colocá-los para fabricá-los como fez, por exemplo, um governo tão certo quanto o do sr. Boris Johnson na Grã-Bretanha, que colocou as empresas de metal para fabricar respiradores. A mesma coisa foi feita na Alemanha. E aqui não. Aqui, apesar de ter o apoio jurídico, o Executivo "progressista" do PSOE e da Unidas Podemos sempre manteve a propriedade privada sacrossanta à frente da vida das pessoas. E isso, insisto, implica responsabilidade criminal por omissão.

– Ilhas Canárias-semanal: Além do efeito dessas decisões políticas que você indicou, a imposição dos interesses do empregador ou as consequências da privatização da Saúde ao responder à pandemia, há aqueles que dizem que não há recursos económicos suficientes para lidar com ela.

Ângela Maestro: Isso é absolutamente falso. O que realmente tem sido, e ainda é, é um contínuo e indecente escorrer de dinheiro público para empresas privadas. Neste momento, estamos testemunhando o enésimo escândalo dessa transferência do sector público para o sector privado, com a fusão do Bankiacom o CaixaBank, que resultará na perda de 20 biliões de euros, que na verdade é de 60.000 se tudo isso foi injectado no Bankia desde o início do seu processo de privatização.

Para se ter uma ideia do que esse espólio implica, basta saber que com 10 mil desses milhões, 100 mil médicos e 100 mil outros profissionais de enfermagem poderiam ser contratados por um ano. E US$ 10 biliões também equivalem a metade dos gastos militares anuais do Estado espanhol.

Os recursos são sobrando, o que você precisa saber é o que eles estão fazendo.

– Ilhas Canárias-semanal: Qual é a resposta da maioria dos sindicatos a tudo isso que você denuncia, porque durante o confinamento da população, por exemplo, eles não fizeram nada para afirmar que os trabalhadores não foram enviados para arriscar suas vidas sem as medidas básicas de segurança?

Ângela Maestro: As Comissões dos Trabalhadores e a UGT não são e não são esperadas, porque a dura realidade é que eles fazem parte do aparato estatal. Não estou dizendo, é claro, que não há pessoas honestas afiliadas a essas duas organizações. Isso não é contestado, mas por muitos anos, desde a Mesma Transição, as Comissões dos Trabalhadores e a UGT são pilares fundamentais para a manutenção da estrutura de exploração  do capitalismo. A verdade é que são organizações dirigidas por pedreiros subornados pelo capital e com esses sindicatos somos vendidos.

– Ilhas Canárias semanalmente: E o que podemos fazer?

Ângela Maestro: A única opção para os trabalhadores é organizar e lutar. Temos que nos organizar afirmando nossa independência e sempre sabendo quem são nossos inimigos de classe e o poder político que a representa. E, claro, neste momento que nos tocou para viver o que não podemos permitir é que o medo nos atenua e nos faz auto-confinar. Mesmo que esteja tomando todas as medidas de segurança, não temos mais nada para organizar para o que virá, ir para as ruas, e estar preparados para responder a uma explosão social que é com toda a probabilidade de acontecer.

 

domingo, 13 de setembro de 2020

Os Destinos Históricos da Doutrina de Karl Marx. Por V. I. Lénine

Os Destinos Históricos da Doutrina de Karl Marx
V. I. Lénine
1 de Março de 1913
O principal na doutrina de Marx é ter posto em evidência o papel histórico mundial do proletariado como criador da sociedade socialista. O curso dos acontecimentos em todo o mundo confirmou esta doutrina desde que ela foi exposta por Marx?
Foi em 1844 que Marx a formulou pela primeira vez. O Manifesto Comunista, de Marx e Engels, publicado em 1848, oferece já uma exposição completa e sistemática, que continua a ser a melhor até aos nossos dias, desta doutrina. Daí para cá a história universal divide-se nitidamente em três períodos principais:

da revolução de 1848 até à Comuna de Paris (1871);
da Comuna de Paris até à revolução russa (1905);
a partir da revolução russa.

Lancemos um olhar às vicissitudes da doutrina de Marx em cada um destes períodos.
 I
No começo do primeiro período, a doutrina de Marx não era de modo nenhum dominante. Era apenas uma das extraordinariamente numerosas fracções ou correntes do socialismo. Imperam então formas de socialismo no fundo aparentadas com o nosso populismo: incompreensão da base materialista do movimento histórico, incapacidade de distinguir o papel e a importância de cada classe da sociedade capitalista, ocultamente da essência burguesa das transformações democráticas com diferentes frases pseudo-socialistas sobre «o povo», «a justiça», «o direito», etc.

A revolução de 1848 desfere um golpe mortal a todas essas formas ruidosas, heterogéneas e gritadoras do socialismo anterior a Marx. Em todos os países, a revolução mostra as diferentes classes da sociedade em acção. O massacre dos operários pela burguesia republicana nas jornadas de Junho de 1848, em Paris, demonstra definitivamente que só o proletariado é socialista por natureza. A burguesia liberal teme cem vezes mais a independência desta classe do que qualquer reacção. O liberalismo cobarde roja-se diante dela. O campesinato contenta-se com a abolição dos vestígios do feudalismo e passa para o lado da ordem, só raramente vacilando entre a democracia operária e o liberalismo burguês. Todas as doutrinas sobre um socialismo não de classe e uma política não de classe se revelam um oco disparate.

A Comuna de Paris (1871) completa este desenvolvimento das transformações burguesas; a república, isto é, a forma de organização do Estado na qual as relações de classe se manifestam da forma menos dissimulada, só ao heroísmo do proletariado deve a sua consolidação.

Em todos os outros países da Europa, um desenvolvimento mais confuso e menos acabado conduz a essa mesma sociedade burguesa já formada. Em fins do primeiro período (1848-1871), período de tempestades e de revoluções, o socialismo pré-marxista morre. Nascem partidos proletários independentes: a I Internacional (1864-1872) e a social-democracia alemã.
II
O segundo período (1872-1904) distingue-se do primeiro pelo seu carácter «pacífico», pela ausência de revoluções. O Ocidente acabou com as revoluções burguesas. O Oriente ainda não está maduro para elas.

O Ocidente entra na fase de preparação «pacífica» para a época das transformações futuras. Formam-se por toda a parte partidos socialistas de base proletária, que aprendem a utilizar o parlamentarismo burguês, a criar a sua imprensa diária, as suas instituições educativas, os seus sindicatos, as suas cooperativas. A doutrina de Marx alcança uma vitória completa e cresce em extensão. Lentamente, mas com firmeza, avança o processo de concentração e agrupamento das forças do proletariado, da sua preparação para as batalhas futuras.

A dialéctica da história é tal que a vitória teórica do marxismo obriga os seus inimigos a mascararem-se de marxistas. O liberalismo, interiormente podre, tenta reanimar-se sob a forma de oportunismo socialista. Eles interpretam o período de preparação das forças para as grandes batalhas como uma renúncia a essas batalhas. A melhoria da situação dos escravos para a luta contra a escravatura assalariada é por eles explicada como uma venda pelos escravos a troco de uns tostões do seu direito à liberdade. Pregam cobardemente a «paz social» (isto é, a paz com o escravismo), a renúncia à luta de classes, etc. Têm numerosíssimos partidários entre os parlamentares socialistas, entre os diversos funcionários do movimento operário e a intelectualidade «simpatizante».
III

Não tinham ainda os oportunistas acabado de congratular-se com a «paz social» e a desnecessidade de tempestades sob a «democracia» quando uma nova fonte de grandes tempestades mundiais se abriu na Ásia. À revolução russa seguiram-se a turca, a persa e a chinesa(1). Vivemos precisamente na época destas tempestades e da sua «repercussão» na Europa. Qualquer que seja o destino da grande república chinesa, pela qual afiam hoje os dentes diversas hienas «civilizadas», nenhuma força no mundo restabelecerá a velha servidão na Ásia nem varrerá da face da Terra o democratismo heróico das massas populares dos países asiáticos e semi-asiáticos.

Os longos adiamentos da luta decisiva contra o capitalismo na Europa conduziram algumas pessoas, desatentas das condições de preparação e desenvolvimento da luta de massas, ao desespero e ao anarquismo. Vemos agora como é míope e pusilânime o desespero anarquista.

Não é desespero, mas ânimo, que devemos tirar do facto de a Ásia, com os seus 800 milhões de pessoas, ter entrado na luta por esses mesmos ideais europeus.

As revoluções asiáticas mostraram-nos a mesma falta de carácter e a mesma baixeza do liberalismo, a mesma importância excepcional da independência das massas democráticas, a mesma delimitação precisa entre o proletariado e a burguesia de toda a espécie. Quem, depois da experiência da Europa e da Ásia, fala de uma política não de classe e de um socialismo não de classe merece simplesmente ser enjaulado e exibido ao lado de um qualquer canguru australiano.

Depois da Ásia, também a Europa começou a mexer-se, embora não à maneira asiática. O período «pacífico» de 1872-1904 passou definitivamente e para sempre. A carestia da vida e a opressão dos trusts provocam uma agudização sem precedentes da luta económica, que pôs em movimento os próprios operários ingleses, os mais corrompidos pelo liberalismo. Sob os nossos olhos amadurece uma crise política até no mais «inabalável» país burguês-junker, a Alemanha. O armamento desenfreado e a política imperialista fazem da Europa actual uma «paz social» que mais se assemelha a um barril de pólvora. Contudo, a decomposição de todos os partidos burgueses e a maturação do proletariado avançam firmemente.

Desde o aparecimento do marxismo, cada uma destas três grandes épocas da história universal lhe trouxe novas confirmações e novos triunfos. Mas a época histórica futura trará ao marxismo, como doutrina do proletariado, um triunfo ainda maior.



(1) A primeira revolução democrática burguesa russa de 1905-1907 exerceu uma enorme influência no desenvolvimento do movimento de libertação nacional numa série de países. Assim, na Turquia o movimento revolucionário burguês desse período terminou com uma insurreição do exército turco, em resultado da qual foi restabelecida a constituição de 1876 e criado um parlamento. No Irão (Pérsia), durante o movimento revolucionário anti-feudal e anti-imperialista encabeçado pela burguesia comercial e industrial, foi convocado o primeiro parlamento da história do país, que elaborou a constituição de 1905. Na China, em 1905-1911 decorre também uma luta da burguesia por uma constituição e pela autonomia das províncias, lança-se a palavra de ordem de luta contra o imperialismo. Nesses mesmos anos cresce o movimento revolucionário também entre os camponeses e os operários. Em 1911 a dinastia tsin da Manchúria foi derrubada, a China foi proclamada uma república. Como presidente provisório da república foi eleito o democrata revolucionário Sun Iat-Sen. (retornar ao texto)

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Epidemia econômica: Covid-19 e a crise capitalista


Epidemia económica: Covid-19 e a crise capitalista

Por Maurilio Lima Botelho

[A crise que se anuncia não resulta de uma interferência externa, muito menos é o mecanismo de “limpeza de terreno” de sempre. Aqui temos problemas estruturais em processo há quatro décadas que têm empilhado soluções mundiais fracassadas. Somente o positivismo sedimentado como forma corriqueira do pensamento pode estabelecer um vírus como causa de uma crise económica.]

I

A explicação para tudo parece muito simples: a preocupação com a contaminação pelo coronavírus reduziu a circulação das mercadorias e, em alguns pontos, até provocou bloqueios. O primeiro ato do governo chinês para evitar a proliferação do vírus foi fechar os mercados na província de Wuhan, diminuindo assim os postos de vendas. Logo a preocupação se estendeu aos meios de transporte, principalmente os de massa (trem, metrô). Em várias partes do mundo, por exemplo na Coreia do Sul e em Portugal, fábricas estão sendo fechadas para desinfecção logo que se descobre algum funcionário com a doença. Portos gigantescos estão com dificuldade para desembarcar e distribuir as cargas que chegam de outros países: em meados de fevereiro reportagens davam conta de milhares de contêineres de carne congelada parados nos portos chineses. Notícias de todo o mundo tratam da interrupção da produção de electrónicos em virtude da falta de componentes oriundos principalmente da China e Coreia. Um economista sempre disponível para fazer comentários à imprensa informou que “talvez seja preciso restringir a circulação de mercadorias”.1 A gravidade da situação pode ser avaliada pela decisão das autoridades chinesas em fazer a desinfecção de notas com luz ultravioleta ou até mesmo destruir dinheiro para eliminar os riscos de contágio.2 Talvez a melhor imagem para compreender esse nexo entre crise sanitária e crise económica seja aquela utilizada há mais de dois séculos, no nascimento da economia política moderna: a da circulação sanguínea.

O modelo de circulação sanguínea de William Harvey, elaborado no século XVII, demonstrou o papel de bombeamento realizado pelo coração e como a saúde dos organismos dependia de uma adequada circulação do sangue. Essa imagem foi fundamental para a teoria de François Quesnay dos fluxos agregados e serviu para compor uma imagem do capitalismo como um grande sistema de movimentação de riqueza, a ponto de a própria dinâmica da circulação ser tomada como algo tão ou mais importante do que a produção – ainda que, por óbvio, a riqueza fosse produzida em determinada parte da sociedade, era a boa circulação dessa riqueza que caracterizava o capitalismo como a sociedade mais perfeita e racional que já existiu. Assim, o fluxo livre de mercadoria, dinheiro, renda etc. permitia que a sociedade fosse irrigada pela riqueza em todos os cantos e isso estimularia ainda mais a produção.

Seja na forma do Tableu Économique de Quesnay – ainda amparado na agricultura como única fonte de riqueza –, seja na forma do laisse faire de Adam Smith, a centralidade da circulação era fundamental na estrutura nascente da economia política e a base de um dos seus ideologemas repetido cegamente à exaustão: apenas a liberdade mercantil, a livre circulação, em suma, o livre mercado pode conduzir a humanidade a uma era de riquezas ilimitadas. Qualquer entrave para a circulação bloquearia as qualidades da maquinaria capitalista – tanto William Harvey quanto François Quesnay, ambos médicos, consideravam, respectivamente, o organismo corporal e o organismo económico como máquinas.

Obviamente, apesar de toda aparente semelhança, isso não passa de auto-legitimação burguesa barata que naturaliza a economia ao mesmo passo em que objectifica a natureza como uma máquina. Ela serve sobretudo para fixar na dinâmica circulatória um equilíbrio imanente e assim estabelecer que qualquer bloqueio no fluxo de mercadoria e dinheiro é uma interferência indevida externa que precisa ser removida. Assim, toda a crise passa a ser vista como interferência de um elemento exterior à máquina bem lubrificada do mercado. A profunda crise económica em formação no horizonte actual é o resultado… de um vírus.

Não é a primeira vez que se aponta a causa da crise económica em elementos alheios aos processos económicos básicos – baseando-se no pressuposto circulatório perfeito, qualquer evento ou coisa podem ser responsabilizados. A própria história das crises poderia ser reconstituída por essas falsas atribuições. A crise do subprime, em 2008, por exemplo, foi culpa dos pobres que contraíram hipotecas sem ter condições de pagar (ou, numa versão antissemita, provocada pelas gananciosas instituições que forneciam crédito imobiliário para qualquer um). A crise da nova economia, em 2000, foi causada pela falsificação de balanços por algumas empresas ponto-com. A crise de 1974 foi provocada pela Opep que cortou a produção de petróleo no ano anterior. Exemplos não faltam e os neoliberais encontram constantemente motivos para culpar o Estado, sempre com sua autoritária mania de ingerência externa no mercado. Nesta versão, por exemplo, a crise de 2008 foi o resultado dos incentivos criados pelo governo Clinton que forçou o crédito imobiliário para as populações mais pobres, tradicionalmente alijadas do financiamento. Milton Friedman já até estabeleceu, em uma interpretação que pretendia refutar todos os teóricos até então, que a crise de 1929 foi provocada pela criação e pelas políticas adoptadas pelo Fed tentando regular o mercado.3 Por fim, no caso mais famoso pelo exagero, o economista Stanley Jevons argumentou, num artigo de 1875, que as instabilidades na oferta de mercadorias estavam relacionadas às variações das manchas solares, responsáveis, em última instância, pelas crises comerciais ao afectarem os preços das commodities.4

Com o coronavírus se repete a constante externalização de causas. Embora seja motivo para grande preocupação, o vírus está longe de ser a razão da crise.

II

Somente o positivismo sedimentado como forma corriqueira do pensamento pode estabelecer um vírus como causa de uma crise económica: a prisão cognitiva a um mundo factualmente articulado por causas e efeitos imediatos é parte da estrutura mecânica abstrata da ciência moderna.

Nos seus estudos críticos da economia política, Karl Marx compreendeu já muito cedo que não eram as quebras de colheita, as políticas monetárias, as elevações salariais, as variações na oferta de ouro ou prata, a especulação financeira etc. as “causas” das crises. Mesmo esses eventos de natureza económica são “fenómenos” de disrupções, “sintomas” que expressam as contradições mais profundas da economia de mercado e que, por isso, podem ser factualmente catalisadores que detonam os processos críticos já gestados. Eles formam, portanto, uma “causa” para as crises apenas no sentido convencional de estopim da quebra econômica – somente com uma compreensão das estruturas internas e externas do mercado, de suas categorias fundamentais e suas expressões aparentes, é que a empiria bruta do nexo entre os eventos pode ser ultrapassada.

Apesar de sua grande consideração pelo modelo de fluxos circulares de riqueza do Tableau de Quesnay, Marx o utilizou como uma referência para compreender que o caráter inexorável de expansão e abrangência da circulação capitalista tinha por base a dinâmica de uma produção cada vez mais acelerada – seria redundante explicar a natureza expansiva do capitalismo por seu processo circulatório. A dinâmica ascendente do capital é o resultado externo, a manifestação histórica de uma lógica interna mais profunda e essencial – a acumulação sem fim da forma valor. A multiplicação de dinheiro sob a forma do lucro, já reconhecido de modo límpido pela economia política inglesa clássica, é a manifestação imediata da produção incessante de valor através do trabalho e, como essa dinâmica só funciona nesse regime de ampliação constante, a expansão da base circulatória nada mais é do que o resultado da própria necessidade de ampliação da exploração de trabalho. Assim, quanto maior o influxo de trabalho para manter o sistema em dinâmica lucrativa, maior a riqueza produzida para colocar em circulação e maior a estrutura montada para a movimentação dessa riqueza.

Mas não é apenas a dimensão absoluta da circulação que segue uma tendência crescente nessa sociedade, sua própria qualidade muda de figura para fazer a riqueza fluir: além de percorrer maiores distâncias – uma base de circulação maior, que vai ganhando todo o planeta –, a expansão capitalista altera também, periodicamente, os modos de circular a riqueza, acelerando os fluxos. A obsessão circulatória do capital tende progressivamente a comprimir o espaço e o tempo (David Harvey), fazendo com que a riqueza possa se mover instantaneamente de um hemisfério a outro, ignorando até mesmo os limites de dia e noite.

Aqui, a imagem do bloqueio provocado pelo coronavírus salta aos olhos: os esforços de contenção do vírus actuam exactamente contra essa intensa integração gerada pela “circulação global do capital” e afetam aeroportos, portos, estações ferroviárias, grandes mercados etc. As repercussões rapidamente são sentidas em toda parte, não porque o local está articulado ao global, mas porque com o capitalismo as “condições de produção se originam no mercado mundial” (Marx),5 que é o fiador inicial e final de todo processo de circulação.

Entretanto, se a crise é uma “interrupção da circulação” (Marx), não é em si o fenómeno imediato que bloqueou os fluxos a causa para a crise, mas as contradições acumuladas internamente e que saltam com as barreiras levantadas à circulação. Em 1855, Marx apontou que uma crise comercial nos EUA não era o motivo para os percalços económicos que afectavam a economia inglesa, pois nos dois casos “a crise pode[ria] ser rastreada até a mesma fonte: o funcionamento fatal do sistema industrial inglês que leva[va] à superprodução na Grã-Bretanha e à super-especulação em todos os outros países”.6 Ou seja, era “a mais elevada expressão do mercado mundial”, a produção inglesa, que possuía no seu ventre contradições radicalizadas que foram atingidas e reveladas pela crise comercial originada no outro lado do oceano, em solo norte-americano.

Obviamente, nosso patamar económico actual está muito longe daquele da época de Marx, mas a mesma relação pode ser estabelecida: o coronavírus apenas trouxe à tona os problemas estruturais da produção capitalista avançada. Não é por acaso que, antes da Covid-19, era a desaceleração chinesa a justificativa esperada para a nova rodada de crise – a demora do governo chinês em reconhecer a existência de uma nova epidemia se deu exactamente diante do temor de que o desempenho económico do país piorasse ainda mais. Há pelo menos dois anos os conflitos comerciais entre EUA e China têm provocado turbulências periódicas no mercado devido às tensões acumuladas e muito analistas responsabilizavam o “nacionalismo económico” de Trump pela possibilidade de um novo crash. O coronavírus não é o responsável pela epidemia económica que se desenvolve, mas apenas o gatilho de uma crise em processo há anos na economia mundial.

Desde a década de 1970, uma crise estrutural do capitalismo originada na Terceira Revolução Industrial transformou a contradição interna lógica do capital – sua fundamentação na produção de riqueza abstrata por meio de trabalho e sua tendência inversa de expulsar força de trabalho dos processos de produção – num limite objectivo para o seu desenvolvimento. Como as novas tecnologias geram mais economia de trabalho do que os mercados são capazes de criar em sua expansão, o coração da economia capitalista começa a fraquejar – a produção de valor. A partir de então, uma série de mecanismos foram utilizados para compensar os lucros cada vez mais minguados da produção capitalista, principalmente trocando os ganhos operacionais da produção por rendimentos derivados do mercado financeiro. O inchaço da “macro-estrutura financeira” foi um resultado da crise estrutural, pois somente os juros obtidos por meio da ficcionalização de riquezas poderiam manter em fluxo circulatório o capital global.

Dívida estatal crescente, bolha nos mercados imobiliários, bolha nos mercados accionários, emissão desenfreada de moeda pelos bancos centrais e endividamento do consumidor são alguns dos dispositivos accionados nas últimas décadas para manter a aparência de vitalidade da economia – ou seja, manter o capital circulando. Entretanto, esses mecanismos desencadearam mais instabilidade do que propriamente solidez económica e seus efeitos são bem conhecidos: quebra de nações inteiras, fuga de capitais de economias em dificuldade, desvalorização monetária acentuada, estouro de bolhas, falência generalizada de bancos e empresas. Desde a última grande rodada de crise mundial, em 2008, todos esses mecanismos foram accionados ao mesmo tempo, mas nenhuma solução duradoura se obteve. Talvez doze anos possa parecer um ciclo longo de “mitigação” de crise, mas é preciso lembrar que nesse intervalo outros eventos catastróficos ocorreram no mercado mundial, como a crise das dívidas soberanas europeias e o estouro da bolha das commodities que levou a periferia do capitalismo novamente à lona. Não houve ciclo de prosperidade algum, mas apenas uma administração desesperada de processos críticos.7 Agora começamos a sentir de modo mais profundo os efeitos do esgotamento dos corticoides financeiros – a epidemia se alastra.

III

Uma das informações mais utilizadas para exprimir o “impacto económico” do coronavírus é a que mede a actividade industrial da China. O “índice de gerente de compras” (PMI) apresentou em fevereiro a maior queda em sua série. Atingiu um número inferior até mesmo ao de dezembro de 2008, auge da crise do subprime. A queda brusca é usada como justificativa para a força da epidemia: mesmo durante a crise mundial, há 12 anos, o fundo do poço foi obtido gradualmente depois de vários meses de desaceleração.8

Não se pode negar esse aspecto agudo da paralisação económica provocada pelo vírus, mas o índice deveria ser lido pelo seu desempenho histórico: depois do colapso imobiliário nos EUA, nunca mais foram registrados os pontos mais elevados do aquecimento industrial anterior, nem mesmo com o pesado investimento realizado em 2012, quando a formação bruta de capital fixo mobilizou metade do PIB chinês – a partir desse ano ocorreu uma queda progressiva na actividade produtiva. Ou seja, a desaceleração chinesa acusada pelo PIB foi o resultado de uma estagnação e recuo da produção industrial devido ao peso gigantesco do excesso de produção obtido nos anos anteriores. Não é por acaso que, há dez meses, o Partido Comunista da China accionou uma série de estímulos económicos após quedas sucessivas da actividade industrial: ampliação de gastos do governo, facilidade de crédito e interferência no câmbio para aumentar a exportação. Não promoveu nada além de um espasmo imediato: em 2019 foi anotado o pior resultado do PIB em 29 anos. O bloqueio económico da Covid-19 pode colocar abaixo também a imensa pirâmide de dívida acumulada em território chinês: o problema não é apenas a dívida pública de quase 18 trilhões de dólares, mas o imenso sistema financeiro informal (não-regulado pelas autoridades) que sustenta mais de 8 trilhões de dólares em empréstimos acumulados e que há anos atormentam os membros do PCCh (shadow banking system).9

Embora tenhamos no Império do Meio o maior parque industrial do mundo, é a epidemia nos EUA que deve provocar o colapso da economia mundial, já ensaiado pelas maiores perdas accionárias desde o crash imobiliário. Não se trata obviamente de um “contágio”. Integrados por um “circuito deficitário do Pacífico” (Robert Kurz) – a demanda norte-americana acciona a produção industrial chinesa que, por sua vez, financia os déficits comerciais e fiscais dos EUA10 –, os mercados dos dois países são tão íntimos que o historiador conservador Niall Ferguson criou a expressão “Chimérica”.11 A crise no Oriente, portanto, atinge directamente as fontes de sustentação da maior economia mundial, principalmente o fluxo monetário que inflacionou a maior bolha financeira de todos os tempos.

Apesar da medíocre recuperação do crescimento da economia norte-americana a partir de 2010 – a taxa média de variação anual do PIB não chegou a 2,3 % durante essa década –, as bolsas norte-americanas registraram um impulso histórico sem equivalentes. O Nasdaq duplicou seu índice, o Dow Jones quase triplicou e o Standard & Poor’s 500, que basicamente lista as maiores empresas de Wall Street, literalmente triplicou nesse intervalo de dez anos. O altismo accionário desse período não se compara à velocidade galopante da “exuberância irracional” da década de 1990, mas naquela época o produto interno apresentou taxas de crescimento muito maiores (com picos de quase 5 %). A discrepância entre o baixo crescimento da economia americana como um todo e a multiplicação financeira nas bolsas é a mais escandalosa de todos os tempos. A injecção de dinheiro patrocinada pelo Fed (“flexibilização monetária”) resultou em investimentos produtivos, mas como eles são cada vez mais voltados para a indústria 4.0, ou seja, alta tecnologia desempregadora de força de trabalho, a multiplicação monetária efectiva foi produzida no casino das bolsas de valores, alimentando a “retomada” mesmo em meio à falta de lucros efectivos. Isso criou um fenómeno gigantesco de financiamento de empresas que não são lucrativas.

Stanley Jevons, que escreveu um Princípios de Economia Pura, ficaria assustado ao ver que, sob o sol do século XXI, algumas das maiores e mais famosas empresas do mundo se expandem de modo acelerado sem apresentar um níquel sequer de lucro. Antes mesmo do coronavírus assustar o mercado mundial, alguns colunistas económicos já se perguntavam como uma realidade dessas poderia se sustentar. Em 2018, por exemplo, foi registrado o maior número de ofertas públicas de acções por empresas que não apresentaram lucros: 81 % de todos IPOs realizados no mercado financeiro americano eram de empresas com prejuízos. Um recorde só comparado a 2000, exactamente quando a bolha das ponto-com explodiu.12

Sobrevivente do colapso da nova economia, quando quase faliu, a Amazon demorou mais de 6 anos para apresentar lucros, mas seus ganhos continuam reduzidos diante do volume de recursos mobilizados pela empresa. O mesmo é o caso da Netflix, cujos custos de operação são elevadíssimos para receitas líquidas minguadas. De qualquer modo, essas empresas ainda são exemplos a serem seguidos por outras que sequer registraram oficialmente lucro, como a Uber, que há dez nunca apresenta um saldo positivo em seus balanços, ou a Tesla e o Spotify. Para a consciência comum fixada no mundo das aparências, pode parecer um absurdo que a Uber não dê lucro, mas é a realidade do castelo de riquezas fictícias erguido pelo capital em seu período de declínio histórico.13

O paradoxo de uma empresa em expansão contínua e com prejuízos acumulados só pode ser explicado pela ampliação e barateamento do crédito. As estatísticas de crescimento dos serviços e maior abrangência na actuação de uma empresa são mais significativas para investidores do que o próprio balanço contabilístico, o que alimenta a procura incessante pelas acções e uma alta contínua de papéis que financiam as actividades, mesmo em contraste com as receitas. No caso de empresas de capital fechado, é o acesso a fundos de investimento ou recursos públicos que garante a sustentação prolongada de empresas com dificuldade. A miragem futura de um ganho, em algum momento, é a caução para o constante fluxo de dinheiro: embora isso possa se efectivar para uma empresa ou outra, uma dinâmica sistemática dessas não passa de um esquema de pirâmides onde a riqueza só circula enquanto recursos monetários continuam a entrar. A exploração energética do shale oil, por exemplo, que tornou os EUA novamente auto-suficiente em petróleo depois de décadas, só se explica por essa enxurrada de crédito farto, já que a maioria das empresas estão enfiadas em dívidas e seus custos de operação são elevadíssimos.14

Gigantescas empresas não-rentáveis são sustentadas por uma bolha acionária que ameaça explodir de vez com a agulha oferecida pelo coronavírus. E esse não é o caso somente dos EUA. O próprio governo chinês há décadas financia empresas notoriamente improdutivas devido à sua importância “estratégica”. Corporações de várias partes do mundo sustentam suas operações de produção não-lucrativas com os ganhos do mercado financeiro, até no mercado periférico do Brasil isso acontece: grandes marcas como a Netshoes nunca deram lucro e há dúvidas se a gigante iFood tem receitas líquidas devido ao pesado investimento e subsídios constantes que oferece aos seus clientes. A diferença entre o financiamento privado e o subsídio governamental pode produzir efeitos imediatos distintos (por exemplo, a manutenção de empregos), mas como o fluxo de capital é único e globalmente inter-conectado, essa rede insustentável atingirá a todos, de qualquer modo, quando o fluxo de dinheiro for bloqueado. A rápida depreciação acionária vai travar o movimento de crédito que sustenta essas empresas não-rentáveis, assim como a crise da dívida soberana deve secar os recursos dos subsídios estatais. Não é por acaso que, em setembro passado, bem antes do coronavírus, uma súbita elevação da taxa de empréstimos inter-bancários nos EUA fez o Fed intervir nesse mercado depois de uma década – o sistema financeiro americano começava a indicar a falta de fluxo monetário.15

Essa é a originalidade de nossa época. Não se trata do mesmo fenómeno de crise de sempre. É a teoria económica burguesa que acredita que “as crises sempre estiveram connosco e permanecerão para sempre”.16 A visão sempre-idêntica dos fenómenos de crise é parte da naturalização da economia capitalista e ela atinge até mesmo os seus pretensos críticos de esquerda, que se fixam num logicismo e ignoram que o capital se desdobra num processo histórico cego e destrutivo. A crise que se anuncia não resulta de uma interferência externa, muito menos é o mecanismo de “limpeza de terreno” de sempre. Aqui temos problemas estruturais em processo há quatro décadas que têm empilhado soluções mundiais fracassadas.

É verdade que o bloqueio na produção industrial deve reduzir uma parte do excesso de mercadorias disponíveis nos estoques, mas a capacidade produtiva excedente vai continuar depois da suspensão das medidas de contenção sanitárias, assim como as dezenas de milhões de imóveis continuarão sem comprador na China e o poder de compra mundial resultará mais comprimido depois das demissões em massa. Governos de todo o mundo já anunciaram pacotes de salvação com injecção de recursos, mas isso dificilmente servirá de vacina quando é a própria dívida pública que está no centro da epidemia – a depreciação de diversas moedas (à frente de todas, o real) já começou a se acelerar. Também o governo de Trump anunciou medidas de resgate, mas resta saber se o dólar não será afectado também pela desvalorização monetária geral que representa exactamente a própria incapacidade do dinheiro de circular. Uma queda da última moeda hegemónica, simultânea às demais moedas do mundo, é a verdadeira peste que se deve temer: ela representará o bloqueio completo dos fluxos sanguíneos da economia capitalista, demonstração de que o seu coração (a produção de valor) já não funciona.

* * *

NOTAS

1 “Coronavírus: ‘Talvez seja preciso restringir a circulação de mercadorias’, diz economista”, GloboNews, 27 jan. 2020.
2 “China desinfeta e destrói dinheiro para conter avanço do coronavírus”, Exame, 17 fev. 2020.
3 Milton Friedman e Rose Friedman. Liberdade de escolher: o novo liberalismo econômico (Rio de Janeiro, Record, 1978), p. 86-89.
4 “Sunspots and the Price of Corn and Wheat”, Time-Price Research.
5 Karl Marx, O capital: crítica da economia política, Livro III: o processo global da produção capitalista, São Paulo, Boitempo, 2017, p. 252..
6 Karl Marx, “The Commercial Crisis in Britain”, New-York Daily Tribune, n. 4294, 26 jan 1855.
7 Maurilio Lima Botelho, “Entre as crises e o colapso: cinco notas sobre a falência estrutural do capitalismo. Revista Maracanan, n. 18 (29), p. 157-180.
8 O índice pode ser consultado aqui.
9 Jeff Cox, “Shadow banking is now a $52 trillion industry, posing a big risk to the financial system”, CNBC, 11 abr. 2019.
10 Robert Kurz. Poder mundial e dinheiro mundial: crônicas do capitalismo em declínio (Rio de Janeiro, Consequência, 2015), p. 31-35.
11 Niall Ferguson. A ascensão do dinheiro: a história financeira do mundo (São Paulo, Planeta, 2009).
12 Camila Veras Mota, “De Uber a Nubank: as empresas que valem bilhões, mas nunca registraram lucro”, UOL, 30 set. 2019.
13 Marcelo López, “Bolha das empresas que não dão lucro está ocultando a inflação no mundo todo”, InfoMoney, 13 dez. 2019. Ver também: “Como o Uber sobrevive com prejuízo de US$ 1,2 bilhão e sem nunca ter dado lucro?”, ÉpocaNegócios, 11 nov. 2019.
14 A tênue esperança para o setor de energia para os EUA, enfiado em uma dívida total de 85 bilhões de dólares, é que a maioria das obrigações é de longo prazo e não vence em 2020, portanto, o socorro monetário do Fed pode adiar o crash. Sobre isso ver: Tim Mullaney, “In oil crash, energy debt loads are not the immediate problem for most drillers”, CNBC, 13 mar. 2020.
15 “Fed intervém para controlar taxas interbancárias pela 1ª vez em mais de uma década”, Valor, 17 set. 2019.
16 Nouriel Roubini e Stephen Mihm. A economia das crises: um curso-relâmpago sobre o futuro do sistema financeiro internacional (Rio de Janeiro, Intrínseca, 2010), p. 12.

***

Maurilio Lima Botelho é Professor de geografia urbana da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), e autor do artigo “Crise urbana no Rio de Janeiro: favelização e empreendedorismo dos pobres” que integra o livro Até o último homem: visões cariocas da administração armada da vida social, organizado por Pedro Rocha de Oliveira e Felipe Brito (Boitempo, 2013), e do artigo “Guerra aos ‘vagabundos’: sobre os fundamentos sociais da militarização em curso”, publicado na revista Margem Esquerda #30. Colabora com o Blog da Boitempo esporádicamente. Dele, leia também, “Um mundo afogado em capital: a queda global da taxa de juros e a nova rodada da crise estrutural do capitalismo“, “Rumo ao desconhecido: endividamento mundial, crise monetária e colapso capitalista“, “O suicídio da classe média” e “A aprovação do fim do mundo” (este último no dossiê “Não à PEC 241” 


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04 de Setembro 2020

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

A vacina russa contra a COVID 19, sobre os ombros da URSS

A vacina russa contra a COVID 19, sobre os ombros da URSS
por Angeles Maestro [*]

Cartoon de Serko. Se escrevo este artigo é porque creio que ninguém está a dizer o óbvio: as equipas científicas russas foram capazes de criar a vacina porque ainda existe uma poderosa estrutura estatal de laboratórios de investigação que foi desenvolvida pela União Soviética.

O anúncio de que a Rússia já dispunha de uma vacina contra a Covid-19 deu lugar a massivas desqualificações prenhes de carga política e económica. O alinhamento com os EUA por parte dos grandes meios de comunicação, correias de transmissão da servil subordinação política ao imperialismo norte-americano – que por outro lado se assemelha cada vez mais àquele que tenta salvar-se agarrando-se a quem se afoga –, leva a desqualificar tudo o que vem da Rússia com a irracionalidade e sistematicidade de uma mola.

No caso da vacina russa, a rejeição mediática generalizada está também untada pelos poderosíssimos interesses das multinacionais farmacêuticas. Os impérios do medicamento já esfregavam as mãos e preparavam os seus cofres para recolher os lucros da venda mundial de centenas de milhões de vacinas. Ainda está fresca a memória dos milhares de milhões de dólares obtidos pela Gilead [1] com o Sovaldi ou pela Roche com o Tamiflu [2] , fármaco criado contra uma epidemia, a da Gripe A, que nunca existiu.

Muito se ironizou sobre os dois lapsos de Fernando Simón ao atribuir a vacina à URSS. Desconheço qual é a opinião de Simon sobre a URSS, mas efectivamente, os avanços soviéticos em saúde pública e medicina preventiva – alguns dos quais sobreviveram à Perestroika de Gorbachev, que considerava suspeito de ineficácia tudo o que era público – tornaram possível uma vacina à qual, significativamente, chamaram Sputnik V.

A URSS e a saúde pública

A Revolução de Outubro de 1917 deu origem ao primeiro sistema público de saúde, universal, baseado na promoção da saúde e na prevenção da doença e que exigia no seu funcionamento a participação da população na tomada de decisões [3] .

Num Estado que apresentava no início do século XX taxas de mortalidade infantil elevadíssimas – de cada 1.000 mortos, dois terços eram crianças com menos de 5 anos – e de mortalidade por doenças infecciosas (a mortalidade por tuberculose era de 400/100.000), a implementação de serviços de saúde em todos os recantos do imenso território foi acompanhada pela implementação de medidas de prevenção generalizadas [4] .

A vacinação de toda a população foi mais uma medida, entre outras também decisivas. O acesso a água potável e ao tratamento de resíduos, à electricidade ("O comunismo é o poder dos sovietes mais a electrificação de todo o país" V.I. Lénine [5] ), a habitação higiénica com aquecimento, a boa alimentação, a condições de trabalho decentes, a educação, … e ao poder político – conditio sine qua non –, são muito mais importantes do que os medicamentos para melhorar a saúde das populações [6] .

A Rússia czarista já havia desenvolvido uma importante trajectória científica em microbiologia, e especificamente em vacinas, que não chegavam ao seu povo. Antes da descoberta da vacina contra a varíola por Edward Jenner em 1796 e uma vez que a doença devastava desde há séculos a vida de milhões de pessoas em todo o mundo, aplicava-se um procedimento arriscado: a variolização. Provocava-se o contágio para induzir imunidade, embora o risco de morte fosse elevado.

Após a morte por varíola do czar Pedro I em 1730, a imperatriz Catarina II, juntamente com o seu séquito, submeteu-se publicamente a tal procedimento – que teve êxito – e utilizou-o como arma propagandística a favor da ciência e contra a superstição. Efectivamente, com apoio estatal foram desenvolvidas instituições científicas relacionadas com a imunologia.

O Centro Nacional de Investigação de Epidemiologia e Microbiologia, responsável pela descoberta da vacina contra a Covid 19, tem o nome do cientista Fiodor Gamaleya . Gamaleya desenvolveu nos finais do século XIX importantes investigações sobre a raiva com Luis Pasteur e com o seu apoio fundou o primeiro Instituto Bacteriológico da Rússia, o segundo do mundo. Seguiram-se descobertas de Gamaleya e outros cientistas russos sobre vacinas e mecanismos de transmissão da cólera, peste, tifo, etc.

O triunfo da Revolução em 1917 criou as condições para a aplicação desses avanços, que tinham permanecido encerrados em laboratórios, ao conjunto da população. Realizou-se a primeira campanha de vacinação universal da história da humanidade: em 18 de Setembro de 1918, o Comissário do Povo para a Saúde Pública N.A. Semashko adoptou o "Regulamento de vacinação contra a varíola" baseado no relatório científico de Gamaleya e em Abril de 1919 o Presidente do Conselho de Comissários do Povo V.I. Lénine assinou o decreto correspondente. Foi a primeira campanha de vacinação universal da história da humanidade [7] .

No início dos anos 1930, a URSS foi o primeiro território do mundo a anunciar a erradicação da varíola. À escala mundial esse facto ocorreu 50 anos depois.

Os anos em que a OMS gozou de prestígio e autoridade mundiais – antes de ser engolida pelas multinacionais farmacêuticas – foram tempos de grande influência da URSS. Em 1958, Viktor Zhdanov, vice-ministro da Saúde soviético, propôs à Assembleia da OMS um plano para erradicar a varíola à escala global, que foi aprovado e posto em marcha. Algo mais de vinte anos depois, ao declarar a erradicação da varíola no planeta, o director da OMS lembrou a contribuição extraordinária da URSS para os países carentes de recursos: 400 milhões de doses da vacina [8] .

A vacina contra a poliomielite na URSS e a da Covid 19

Em meados do século XX uma nova epidemia causava grande mortandade e incapacitações: a poliomielite. Nos EUA, em 1955, foi desenvolvida a primeira vacina, baptizada Salk com o nome do seu descobridor. Pouco depois, o virologista Albert Sabin descobriu outro tipo de vacina mais eficaz, mais barata e mais segura (a vacina de Salk tinha apenas 60% de eficácia). Dado o sucesso da primeira não foi possível testá-la nos EUA.

Os cientistas soviéticos, Mikhail Chumakov e Anatoly Smorodintsev, foram enviados aos Estados Unidos. Sabin e Chumakov acordaram continuar a desenvolver a vacina em Moscovo. Vários milhares de doses da vacina foram trazidos dos Estados Unidos numa mala vulgar e as primeiras vacinações começaram.

Chumakov e a sua companheira, a virologista Marina Voroshilova, iniciaram a experiência em Moscovo com os seus próprios filhos. A vacina consistia num vírus debilitado, utilizava-se a via oral e era administrada por meio de um torrão de açúcar, de forma que não necessitava de pessoal qualificado.

Em ano e meio acabou a epidemia na URSS. Em 1960, 77,5 milhões de pessoas foram vacinadas. Albert Sabin foi chamado a depor acusado de actividades anti-americanas.

Uma anedota da época acaba por ser de grande actualidade. No Japão, a poliomielite assolava a população infantil e apenas a vacina Salk, de eficácia limitada e além disso em quantidade insuficiente, estava disponível. A vacina produzida na URSS não conseguia, por óbvias razões políticas e económicas, as licenças para ser importada. Depois de diversas peripécias, milhares de mulheres japonesas saíram à rua para exigir a vacina e alcançaram o seu objectivo. O filme soviético-japonês "Step" do realizador Alexander Mitta conta a história [9] .

Deve sublinhar-se que os avanços russos em matéria de vacinas continuaram após a queda da URSS. O Centro Nacional de Investigação de Epidemiologia e Microbiologia descobriu recentemente uma vacina contra o Ébola e trabalha actualmente em várias linhas de investigação, uma das mais avançadas a que tenta encontrar a vacina contra outro Coronavírus, o MERS-Cov. Desta forma, como reiteraram proeminentes investigadores russos, a rapidez do processo com a vacina contra a Covid-19 deve-se ao facto de se ter trabalhado sobre plataformas criadas há anos que avançavam em direcções semelhantes. De momento, a Rússia anunciou a fabricação de 1.000 milhões de doses para 20 países solicitantes.

A experiência continuará a escrever história. O que não se pode ignorar é que a campanha para desacreditar a vacina russa é orquestrada por gente que nada tem a ver com procedimentos científicos e tem, sim, muita relação com poderosíssimos interesses económicos, entre outros, da indústria farmacêutica.

Por outro lado, apesar dos lapsos de Fernando Simón, nem Putin é Lénine, nem a Rússia é a URSS. Mas nós, trabalhadores de todo o mundo, não deveríamos esquecer que a gigantesca gesta operária de Outubro de 1917 e a derrota do fascismo na Segunda Guerra Mundial, ainda continua a permitir alcançar, como neste caso, avanços científicos desenvolvidos sobre décadas de trabalho não sujeito aos interesses do capital e produzidos em instituições públicas.

Não é de todo provável que, apesar do sofrimento causado pela pandemia e do evidente desastre do sistema de saúde no Estado espanhol, o governo "progressista" se atreva a dar prioridade à saúde do seu povo e enfrentar, mesmo que apenas uma vez, o poder de um dos baluartes do imperialismo: a indústria farmacêutica.

A conquista da independência, da verdade, terá que vir de outras mãos, da construção de outro poder capaz de derrotar a barbárie.
 
21/Agosto/2020

[1] A multinacional norte-americana Gilead quadruplicou os seus lucros ao comprar a patente do medicamento Sofosbuvir para Hepatite C. O medicamento, descoberto em laboratórios públicos dos Estados Unidos, era vendido em função da negociação com o Estado comprador. Um tratamento na Índia custava entre 100 e 200 dólares e em Espanha, 25.000. www.nogracias.eu/2014/04/10/tamiflu-la-mayor-estafa-de-la-historia/
 
[2] O Tamiflu da farmacêutica Roche, a maior vigarice da história. Governos de todo o mundo gastaram milhares de milhões de dólares num medicamento contra uma epidemia que não existiu. A multinacional ocultou resultados de investigações que demonstraram que não encurtava os internamentos, nem reduzia as complicações e que, pelo contrário, tinha importantes efeitos secundários. O governo de Zapatero gastou 333 milhões de euros em Tamiflú em 2009, em plena crise, quando a despesa pública era maciçamente cortada na saúde e outros serviços públicos. www.nogracias.eu/2014/04/10/tamiflu-la-mayor-estafa-de-la-historia/
 
[3] Uma ampla referência à obra seminal sobre os princípios fundamentais e o desenvolvimento do sistema de saúde soviético e o ensino das profissões da saúde "Social Hygiene and Public Health Organization" por A.F. Serenko e V.V. Ermakor, acessível em espanhol, pode ser consultada em https: www.scielosp.org/article/rcsp/2017.v43n4/645-660/
 
[4] Um resumo das origens do Sistema de Saúde da URSS e da figura de Nikolai Semasko, primeiro Comissário do Povo para a Saúde, pode ser encontrado em russo, com tradução automática, aqui: regnum.ru/news/polit/ 2318307.html
 
[5] "Lâmpada de Ilyich" A primeira lâmpada foi inventada por um engenheiro russo em 1874 e sua chegada às aldeias mais remotas da Rússia tornou-se o símbolo da Revolução. Aqui pode ver pormenores do GOELRO, o plano de electrificação de toda a Rússia. https://es.wikipedia.org/wiki/GOELRO
 
[6] Sobre o médico prussiano Rudolf Virchov, patologista de destaque e considerado o fundador da Saúde Pública. http://webs.ucm.es/centros/cont/descargas/documento28401.pdf
 
[7] A história da primeira campanha de vacinação universal da história da humanidade e da erradicação da varíola na URSS pode ser consultada aqui: books.google.es/...
 
[8] https://www.who.int/mediacentre/news/notes/2010/smallpox_20100517/es/
 
[9] Com base nesta história, o realizador Alexander Mitta filmou em 1988 a coprodução sovieto-japonesa "Step", com Leonid Filatov e Komaki Kurihara nos papéis principais. Oleg Tabakov, Elena Yakovleva, Vladimir Ilyin, Garik Sukachev actuaram com eles. A sua canção "My Little Babe" é reproduzida no filme www.academia.edu/39610881
 /CINE_RUSO_Historia_y_literatura_rusa_y_española

Ver também:
Une belle histoire de virus (contre la virophobie ambiante...) , de Guillaume Suing
A vacina Sputnik V como salvadora da humanidade , de Kirill Dmitriev
Los crímenes de las grandes compañías farmacéuticas , livro de Teresa Forcades i Vila
Todo sobre la vacuna rusa (incluido lo que otros no te cuentan) , vídeo
Claves del éxito de Cuba contra el coronavirus (no lo verás en otros medios) , vídeo
Cuba’s vaccine candidate 'Sovereign' begins clinical trials today

[*] Médica, dirigente da Red Roja, Espanha

O original encontra-se em redroja.net/...

Este artigo encontra-se em https://resistir.info/ .