quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Sobre os Fundamentos do Leninismo -J. V. Stálin VI — A questão nacional


 

Sobre os Fundamentos do Leninismo

J. V. Stálin

VI — A questão nacional


Analisarei duas questões fundamentais deste tema:

a) colocação do problema;

b) o movimento de libertação dos povos oprimidos e a revolução proletária.

1) Colocação do problema.

No curso dos dois últimos decênios, a questão nacional sofreu uma série de modificações da maior importância. A questão nacional no período da II Internacional e a questão nacional no período do leninismo estão longe de ser a mesma coisa. Diferem profundamente uma da outra, não só pela amplitude, mas também pelo seu caráter interno.

Antes, a questão nacional se reduzia, em geral, a um grupo restrito de problemas que se relacionavam, na maioria das vezes, com as nações "cultas". Irlandeses, húngaros, poloneses, finlandeses, sérvios e algumas outras nacionalidades da Europa: este era o conjunto de povos privados da igualdade de direitos, por cuja sorte se interessavam os heróis da II Internacional. Dezenas e centenas de milhões de homens pertencentes aos povos da Ásia e da África, que suportaram o jugo nacional nas suas formas mais brutais e cruéis, não eram em geral tomados em consideração. Não se decidia a pôr no mesmo plano brancos e negros, "cultos" e "incultos". Duas ou três resoluções agridoces e vazias, em que se procurava fugir habilmente ao problema da libertação das colônias, eis tudo aquilo de que se podiam gabar os homens da II Internacional. Hoje, esta duplicidade e estas meias medidas na questão nacional devem considerar-se eliminadas. O leninismo desmascarou esta disparidade escandalosa; demoliu a muralha que separava brancos e negros, europeus e asiáticos, escravos "cultos" e "incultos" do imperialismo, ligando, desse modo, o problema nacional ao problema das colônias. Assim, a questão nacional deixou de ser uma questão particular e interna dos Estados, para transformar-se em questão geral e internacional, converteu-se no problema mundial da libertação do jugo do imperialismo os povos oprimidos dos países dependentes e das colônias.

Antes, o princípio da autodeterminação das nações era comumente interpretado de modo errôneo, sendo reduzido, com freqüência, ao direito das nações à autonomia. Alguns líderes da II Internacional chegaram mesmo a transformar o direito à autodeterminação no direito à autonomia cultural, isto é, no direito de as nações oprimidas terem as suas próprias instituições culturais, deixando todo o poder político nas mãos da nação dominante. Este fato tinha como conseqüência que a idéia da autodeterminação corresse o risco de transformar-se, de instrumento de luta contra as anexações, em meio para justificar as anexações. Hoje, esta confusão deve ser considerada como superada.

O leninismo ampliou o conceito da autodeterminação, interpretando-o como o direito dos povos oprimidos dos países dependentes e das colônias à separação completa, como o direito das nações à existência como Estados independentes. Desse modo se excluiu a possibilidade de justificar as anexações mediante a interpretação do direito à autodeterminação como direito à autonomia. Quanto ao princípio da autodeterminação, transformou-se deste modo, de instrumento para enganar as massas, como o foi sem dúvida nas mãos dos social-chauvinistas durante a guerra imperialista mundial, em instrumento para desmascarar toda a cobiça imperialista e as maquinações chauvinistas de toda espécie, num instrumento de educação política das massas no espírito do internacionalismo.

Antes, o problema das nações oprimidas era considerado, em geral, como um problema exclusivamente jurídico. Proclamação solene da "igualdade nacional", declarações inumeráveis sobre a "igualdade das nações": eis com que se contentavam os partidos da II Internacional, enquanto ocultavam o fato de que, sob o imperialismo, quando um grupo de nações (a minoria) vive da exploração de um outro grupo de nações, a "igualdade das nações" não passa de escárnio aos povos oprimidos. Hoje, esta concepção jurídico-burguesa da questão nacional deve ser tida como desmascarada. Das alturas das declarações pomposas o leninismo fez descer a questão nacional para a terra, afirmando que as declarações sobre a "igualdade das nações", desacompanhadas do apoio direto dos partidos proletários à luta de libertação dos povos oprimidos, são apenas declarações vazias e mentirosas. Desse modo, o problema das nações oprimidas se tornou o problema do apoio, da ajuda efetiva e contínua às nações oprimidas na sua luta contra o imperialismo, pela igualdade real das nações, pela sua existência como Estados independentes.

Antes, a questão nacional era considerada de modo reformista, como uma questão isolada, independente, sem relação com a questão geral do poder do capital, da derrubada do imperialismo, da revolução proletária. Admitia-se tacitamente que a vitória do proletariado na Europa era possível sem uma aliança direta com o movimento de libertação nas colônias, que a questão nacional e colonial podia ser resolvida em surdina, "automaticamente", à margem da grande via da revolução proletária, sem uma luta revolucionária contra o imperialismo. Hoje, este ponto-de-vista contra-revolucionário deve ser considerado como desmascarado. O leninismo provou, e a guerra imperialista e a revolução na Rússia o confirmaram, que a questão nacional só pode ser resolvida em relação com a revolução proletária e sobre a base desta; que o caminho do triunfo da revolução no Ocidente passa através da aliança revolucionária com o movimento antiimperialista de libertação das colônias e dos países dependentes. A questão nacional é parte da questão geral da revolução proletária, parte da questão da ditadura do proletariado.

O problema se coloca do seguinte modo: já se acham esgotadas, ou não, as possibilidades revolucionárias existentes no seio do movimento revolucionário de libertação dos países oprimidos e, se não estão esgotadas, existe uma esperança, uma razão de utilizar estas possibilidades para a revolução proletária, de fazer dos países dependentes e coloniais, não mais uma reserva da burguesia imperialista, mas uma reservando proletariado revolucionário, um aliado seu?

O leninismo dá a essa pergunta uma resposta afirmativa, isto é reconhece a existência de capacidade revolucionária no seio do movimento de libertação nacional dos países oprimidos e considera possível utilizá-la no interesse da derrubada do inimigo comum, o imperialismo. O mecanismo do desenvolvimento do imperialismo, a guerra imperialista e a revolução na Rússia confirmam plenamente as conclusões do leninismo a esse respeito.

Daí a necessidade do apoio, apoio decisivo e ativo, por parte do proletariado, ao movimento de libertação nacional dos povos oprimidos e dependentes.

Isso não quer dizer, naturalmente, que o proletariado deva apoiar todo movimento nacional, sempre e em qualquer parte, em todos os diferentes casos concretos. Trata-se de apoiar os movimentos nacionais que tendam a debilitar, a derrubar o imperialismo, e não a consolidá-lo e a conservá-lo. Há casos em que os movimentos nacionais de determinados países oprimidos vão de encontro aos interesses do desenvolvimento do movimento proletário. Compreende-se que, em tais casos, não se pode falar de apoio. A questão dos direitos das nações não é uma questão isolada, independente, mas uma parte da questão geral da revolução proletária, uma parte subordinada ao todo e deve ser encarada do ponto-de-vista do conjunto. Marx, entre 1840 e 1850, era favorável ao movimento nacional dos poloneses e dos húngaros e contrário ao movimento nacional dos tchecos e dos eslavos do Sul. Por quê? Porque os tchecos e os eslavos do Sul eram, então, "povos reacionários", "postos avançados russos" na Europa, postos avançados do absolutismo, ao passo que os poloneses e os húngaros eram "povos revolucionários" em luta contra o absolutismo. Porque apoiar o movimento nacional do tchecos e dos eslavos do Sul significava, então, apoiar indiretamente o tzarismo, o mais perigoso inimigo do movimento revolucionário na Europa.

«As diferentes reivindicações da democracia, — disse Lênin — inclusive a autodeterminação, não são algo absoluto, mas uma partícula do todo do movimento democrático (e hoje do todo do movimento socialista) mundial. É possível que, em casos isolados, a partícula esteja em contradição com o todo, e então, é necessário repeli-la». (Vide vol. XIX pág. 257-258).[N66]

Assim se apresenta a questão dos diferentes movimentos nacionais e do eventual caráter reacionário destes movimentos se, naturalmente, não se consideram estes movimentos de um ponto-de-vista formal, do ponto-de-vista dos direitos abstratos mas concretamente, do ponto-de-vista dos interesses do movimento revolucionário.

O mesmo se deve dizer do caráter revolucionário dos movimentos nacionais em geral. O caráter incontestàvelmente revolucionário da imensa maioria dos movimentos nacionais é tão relativo e peculiar, como o é o caráter possivelmente reacionário de alguns movimentos nacionais determinados. Nas condições da opressão imperialista, o caráter revolucionário do movimento nacional de modo algum implica necessariamente na existência de elementos proletários no movimento, na existência de um programa revolucionário ou republicano do movimento, na existência de uma base democrática do movimento. A luta do emir do Afeganistão pela independência de seu país é, objetivamente, uma luta revolucionária, apesar das idéias monárquicas do emir e dos seus adeptos, porque essa luta enfraquece, decompõe e mina o imperialismo. Por outro lado, a luta de certos "ultra" democratas e "socialistas", "revolucionários" e republicanos do tipo de, por exemplo, Kerenski e Tsereteli, Renaudel e Scheidemann, Tchernov e Dan, Henderson e Clynes, durante a guerra imperialista, era uma luta reacionária, porque tinha por objetivo adornar artificialmente, consolidar e levar ao triunfo o imperialismo. A luta dos comerciantes e dos intelectuais burgueses egípcios pela independência do Egito é, pelas mesmas razões, uma luta objetivamente revolucionária, conquanto os chefes do movimento nacional egípcio sejam burgueses por sua origem e situação social e conquanto sejam contra o socialismo, enquanto a luta do governo "operário" inglês, para manter a situação de dependência do Egito, é, pelas mesmas razões, uma luta reacionária, muito embora os membros desse governo sejam proletários, por origem e situação social e conquanto sejam "favoráveis" ao socialismo. E não falo do movimento nacional dos outros países coloniais e dependentes maiores, como a Índia e a China, cada um dos quais pelo caminho da libertação, mesmo quando contrariam as exigências da democracia formal, são golpes de malho sobre o imperialismo e, por isso, são incontestàvelmente passos revolucionários.

Tem razão Lênin quando afirma que o movimento nacional dos países oprimidos não deve ser considerado do ponto-de-vista da democracia formal, mas do ponto-de-vista dos resultados concretos no balanço geral da luta contra o imperialismo, isto é, "não isoladamente, mas em escala mundial".

2) O movimento de libertação dos povos oprimidos e a revolução proletária.

Ao resolver a questão nacional, o leninismo parte das seguintes teses:

a) o mundo está dividido em dois campos: de um lado, um punhado de nações civilizadas, que detêm o capital financeiro e exploram a enorme maioria da população do globo; de outro, os povos oprimidos e explorados das colônias e dos países dependentes, que constituem esta maioria;

b) as colônias e os países dependentes, oprimidos e explorados pelo capital financeiro, constituem uma imensa reserva e o mais importante manancial de forças do imperialismo;

c) a luta revolucionária dos povos oprimidos dos países dependentes e coloniais contra o imperialismo é a única via pela qual podem libertar-se da opressão e da exploração;

d) os principais países coloniais e dependentes já iniciaram o movimento de libertação nacional, que não pode deixar de conduzir à crise do capitalismo mundial;

e) os interesses do movimento proletário nos países avançados e do movimento de libertação nacional nas colônias exigem a união desses dois aspectos do movimento revolucionário numa frente comum de luta contra o inimigo comum, contra o imperialismo;

f) a vitória da classe operária nos países avançados e a libertação dos povos oprimidos do jugo do imperialismo não são possíveis sem a formação e a consolidação de uma frente revolucionária comum;

g) a formação de uma frente revolucionária comum não é possível sem o apoio direto e decisivo, por parte do proletariado dos países opressores, ao movimento de libertação dos povos oprimidos, contra o imperialismo "da sua pátria" porque "não pode ser livre um povo que oprime outros povos" (Engels);

h) esse apoio consiste em defender, sustentar e pôr em prática a palavra de ordem do direito das nações à separação, à existência como Estados independentes;

i) sem a aplicação dessa palavra de ordem é impossível organizar a união e a colaboração das nações numa economia mundial única, como base material da vitória do socialismo no mundo inteiro.

j) esta união só pode ser uma união voluntária, só pode surgir tendo por base a confiança mútua e relações fraternais entre os povos.

Daí resultam dois aspectos, duas tendências na questão nacional: a tendência para a libertação política das cadeias do imperialismo e para a formação de Estados nacionais independentes, tendência gerada pela opressão imperialista e a exploração colonial, e a tendência para a aproximação econômica das nações, que surge com a formação de um mercado mundial e de uma economia mundial.

«No curso do seu desenvolvimento o capitalismo — disse Lênin — conhece na questão nacional duas tendências históricas: a primeira consiste no despertar da vida nacional e dos movimentos nacionais, na luta contra toda opressão nacional, na criação de Estados nacionais. A segunda consiste no desenvolvimento e na multiplicação de toda espécie de relações entre as nações, na demolição das barreiras nacionais, na criação da unidade internacional do capital, da vida econômica em geral, da política, da ciência, etc.. Ambas as tendências são uma lei universal do capitalismo. A primeira prevalece no início do seu desenvolvimento, enquanto a segunda caracteriza o capitalismo amadurecido, em marcha a sua transformação em sociedade socialista». (Vide vol. XVII, págs. 139-140).[N67]

Para o imperialismo essas duas tendências representam uma contradição insuperável, porque o imperialismo não pode viver sem explorar e manter pela força as colônias no quadro de um "todo único", porque o imperialismo só pode aproximar as nações seguindo a via das anexações e das conquistas coloniais, sem as quais, falando de um modo geral, é ele inconcebível.

Para o comunismo, ao contrário, essas tendências não passam de dois aspectos de uma causa única, a causa da emancipação dos povos oprimidos do jugo do imperialismo, porque o comunismo sabe que a união dos povos numa economia mundial única não é possível senão na base da confiança mútua e do livre consentimento e que o processo de formação de uma união voluntária dos povos passa através da separação das colônias do "todo único" imperialista, através da sua transformação em Estados independentes.

Daí a necessidade de uma luta tenaz, incessante, decisiva, contra o chauvinismo de grande potência que é próprio dos "socialistas" das nações dominantes (Inglaterra, França, Estados Unidos, Itália, Japão, etc.), os quais não querem combater os seus governos imperialistas, não querem apoiar a luta que travam os povos oprimidos das "suas" colônias, para libertar-se da opressão e constituir-se em Estados independentes.

Sem essa luta não se pode conceber a educação da classe operária das nações dominantes no espírito de um internacionalismo real, no espírito de uma aproximação com as massas trabalhadoras dos países dependentes e as das colônias, no espírito de uma preparação real da revolução, proletária. A revolução na Rússia não teria vencido, e Koltchak e Deníkin não teriam sido derrotados, se o proletariado russo não tivesse conquistado a simpatia e o apoio dos povos oprimidos do antigo império russo. Mas, para conquistar a simpatia e o apoio desses povos, o proletariado russo teve, em primeiro lugar, de romper as cadeias do imperialismo russo e libertar esses povos da opressão nacional, sem o que teria sido impossível consolidar o Poder Soviético, implantar um verdadeiro internacionalismo, criar esta admirável organização de colaboração entre os povos que se chama União de Repúblicas Socialistas Soviéticas e que é o protótipo vivo da futura união dos povos numa economia mundial única.

Daí a necessidade da luta contra o isolamento, a estreiteza o particularismo nacional dos socialistas dos países oprimidos, que não querem ir além do seu campanário nacional e não compreendem os laços que unem o movimento de emancipação do seu país ao movimento proletário dos países dominantes.

Sem essa luta não se pode defender a política independente do proletariado das nações oprimidas, não se pode defender a sua solidariedade de classe com o proletariado dos países dominantes na luta para abater o inimigo comum, para abater o imperialismo; sem essa luta não seria possível o internacionalismo.

Tal é o caminho que se deve seguir para educar as massas trabalhadoras das nações dominantes e das nações oprimidas no espírito do internacionalismo revolucionário.

Eis o que disse Lênin a propósito desse duplo aspecto; do trabalho dos comunistas para educar os operários no espírito do internacionalismo:

«Esta educação. . . pode ser concretamente igual nas grandes nações, nas nações opressoras, e nas nações pequenas e oprimidas? Nas nações que anexam e nas nações anexadas?

Evidentemente, não. A marcha para o objetivo comum — a completa igualdade de direitos, a mais estreita aproximação e a ulterior fusão de todas as nações — segue, aqui, evidentemente, por diferentes vias concretas, do mesmo modo que, por exemplo, o trajeto para chegar a um ponto situado no centro desta página vem da esquerda, se se parte de uma das margens, e da direita, se se parte da margem oposta. Se o social-democrata de uma grande nação que oprime e anexa outras, professando a fusão das nações em geral, se esquece, por um instante que seja de que o «seu» Nicolau II, o «seu» Guilherme, George, Poincaré e companhia são também pela fusão com as pequenas nações (mediante a anexação), de que Nicolau II é pela «fusão» com a Galícia, Guilherme II pela «fusão» com a Bélgica, etc., um tal social-democrata acabará sendo, em teoria, um doutrinário ridículo na prática, um cúmplice do imperialismo.

O centro de gravidade da educação internacionalista dos operários dos países opressores deve residir, necessariamente, na propaganda e na defesa da liberdade de separação dos países oprimidos. De outro modo, não há internacionalismo.

Temos o direito e o dever de tratar de imperialista e de canalha todo social-democrata de um país opressor que não faça esta propaganda. Esta é uma exigência incondicional, muito embora até o advento do socialismo a separação só seja possível e «realizável» em um caso dentre mil.

Pelo contrário, o social-democrata de uma pequena nação deve tomar como centro de gravidade das suas campanhas de agitação a segunda palavra da nossa fórmula geral: união voluntária das nações. Sem faltar aos seus deveres de internacionalistas, pode pronunciar-se tanto a favor da independência política da sua nação, como a favor da sua incorporação ao Estado vizinho X, Y, Z, etc.. Mas deverá lutar em todos os casos contra a mesquinhez das pequenas nações, o seu isolamento, o seu particularismo, lutar por que se leve em conta o todo, o conjunto do movimento, por que o interesse particular seja subordinado ao interesse geral.

Aqueles que não se aprofundaram na questão acham «contraditório» que os social-democratas dos países opressores insistam na «liberdade de separação» e os social-democratas das nações oprimidas na «liberdade de união». Mas com um pouco de reflexão compreende-se que não há, nem pode haver, outro caminho para chegar ao internacionalismo e à fusão das nações, não há nem pode haver outro caminho para alcançar este objetivo, partindo-se da situação atual». (Vide vol. XIX, págs. 261-262).[N68]

sábado, 26 de dezembro de 2020

Um "retorno ao normal" com Biden significa sofrimento contínuo para a Palestina

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Enquanto milhões de americanos suspiram de alívio ou celebram a derrota eleitoral de Donald Trump, é fundamental reconhecer o grande grau de continuidade que existe entre as administrações presidenciais dos EUA. A transferência de poder de Trump para Joe Biden não será exceção. O poder do capitalismo e do imperialismo permanecerá entrincheirado, e em nenhum lugar isso é mais claro do que na política dos Estados Unidos em relação à Palestina.

Biden tem sido um apoiador declarado de Israel desde que ele teve uma carreira política. Em uma conferência de 2013 do Comitê de Assuntos Públicos de Israel (AIPAC), Biden contou uma anedota de como apoiou Israel desde criança - que seu pai lhe ensinou que manter Israel como um estado judeu era a única maneira de prevenir outro Holocausto . Ele se lembrou de seu pai ficar perplexo sobre por que alguém se oporia à criação de um estado judeu. Talvez tivesse esclarecido a confusão se ele soubesse dos massacres de milhares e do deslocamento de centenas de milhares que foram realizados em 1948 para criar o Estado de Israel.

Em 1986, Biden elogiou enfaticamente Israel perante o Senado, enquanto se posicionava como se estivesse assumindo uma postura corajosa. Ele chamou Israel de "o melhor investimento de $ 3 bilhões de dólares que fazemos", antes de continuar dizendo "se não houvesse um Israel, os Estados Unidos da América teriam que inventar um Israel para proteger nossos interesses na região". Este comentário captura não apenas o apoio total de Biden a um estado de apartheid, mas também seu descarado imperialismo americano.

Durante a presidência de George HW Bush, Biden resistiu à política de Bush de reter empréstimos de Israel em resposta à expansão dos assentamentos. Biden co-patrocinou um projeto de lei liderado pelos republicanos de 1991 para continuar os empréstimos incondicionalmente. O projeto de lei não foi aprovado, o que mostra a disposição de Biden em adotar uma postura anti-palestina de linha dura, mesmo que ele seja minoria.

Como vice-presidente de Barack Obama, Biden continuou o apoio bipartidário aos crimes israelenses estabelecido por governos anteriores. Obama assumiu o cargo enquanto os escombros do horrível massacre da Operação Chumbo Fundido em Israel ainda fumegavam, mas mesmo a brutalidade israelense mais grave seria executada durante sua presidência. Em 2014, Israel realizou um massacre chamado Operação Protective Edge, que matou mais de 2.000 palestinos em Gaza, mais de um quarto dos quais eram crianças. Os Estados Unidos continuaram a armar Israel durante a atrocidade de 7 semanas.  

A administração Obama também concedeu imunidade a Israel do direito internacional ao vetar quase todas as resoluções da ONU contra a expansão dos assentamentos, com a única exceção sendo uma abstenção em dezembro de 2016. Mas Obama não deixou Israel no frio em seus últimos dias no cargo - bastante o contrário. Em vez disso, ele deu a Israel um acordo de ajuda militar de no mínimo US $ 38 bilhões a ser pago ao longo de dez anos. As principais autoridades israelenses disseram ao Jerusalem Post que planejam iniciar negociações com Biden nos próximos meses para a renovação do acordo em 2027. As autoridades israelenses deram a entender que pedirão um aumento na ajuda militar: “O novo plano precisará responsável pelas mudanças de ameaças e desafios no Oriente Médio ”. Biden está fortemente inclinado a concordar com esse aumento, como seu histórico sugere.

Tudo isso não é para negar o tremendo dano que a administração Trump causou ao povo palestino. Muitas das políticas de Trump foram desvios da política externa de longa data, e é improvável que Hillary Clinton tivesse feito essas mesmas mudanças. Trump mudou a embaixada dos EUA para Jerusalém, reconheceu a anexação de Jerusalém Oriental por Israel e reconheceu Jerusalém como a capital de Israel. Ele reconheceu as Colinas de Golã como terra israelense, embora seja uma terra síria que foi tomada em 1967, durante a guerra de seis dias de agressão e expansão de Israel. Trump também interrompeu a ajuda humanitária aos palestinos, fechou uma missão diplomática palestina e assinou uma ordem executiva pressionando as universidades a tomarem medidas contra os ativistas pró-palestinos.

Dessas mudanças importantes na política, Biden provavelmente restaurará a ajuda humanitária e a missão diplomática, deixando todo o resto exatamente como Trump o deixou. Na verdade, ele prometeu manter a embaixada em Jerusalém. Essa continuidade é talvez uma das razões pelas quais Biden ganhou a preferência do lobby de Israel. Enquanto a administração Obama enfrentou duras críticas de grupos como a AIPAC, Biden fomentou uma relação amigável com eles. Outro fator pode ser a tendência de Trump de alienar os neoconservadores fingindo uma postura anti-guerra. Além disso, o lobby de Israel está preocupado com a virada pró-palestina que está se desenvolvendo na base eleitoral democrata, particularmente entre os eleitores mais jovens. Uma administração democrática fortemente pró-Israel poderia servir como uma barreira contra a perda do Partido Democrata no longo prazo.

A escolha de Kamala Harris para vice-presidente por Joe Biden apenas ajuda a cimentar este novo governo como totalmente anti-palestino. Quando questionada por uma repórter do New York Times se ela acha que Israel atende aos padrões internacionais de direitos humanos, ela waffled sobre “valores compartilhados” antes de a repórter ter que repetir a pergunta. Desta vez, ela perguntou a ele, "a que especificamente você está se referindo?" Esta entrevista foi conduzida em abril de 2019, então os crimes de Israel durante a Grande Marcha do Retorno - como atiradores de elite, jornalistas e manifestantes desarmados - estavam frescos na consciência do público. No entanto, estranhamente, ela não conseguia se lembrar de nenhuma contenção de direitos humanos em torno de Israel. Finalmente, ela respondeu: “no geral, sim”.

Apesar das afirmações absurdas e francamente racistas dos republicanos de que Kamala Harris é uma radical de esquerda, ela está firmemente no ramo de direita do Partido Democrata. Sua postura sobre Israel não é exceção e é, de fato, exemplar disso. Como senadora, a primeira resolução que ela co-patrocinou foi uma condenando a decisão do governo Obama de se abster, ao invés de vetar, a resolução do Conselho de Segurança da ONU contra a expansão dos assentamentos em 2016. Como Biden, ela se opõe a cortar ou condicionar a ajuda militar a Israel. De acordo com Halie Soifer, ex-assessor de Harris e chefe do Conselho Democrático Judaico para a América, Biden e Harris estão "alinhados" em seu apoio a Israel e "a única diferença entre os dois é a quantidade de tempo que Joe Biden esteve trabalhando neste problema. ”

Trabalhadores e estudantes nos Estados Unidos devem estar vigilantes para resistir ao governo Biden desde o dia em que tomarem posse. Não importa o quão catártico possa ser ver Trump cair em chamas, as mudanças que Trump fez nas relações americano-israelenses permanecerão quase inalteradas sob Biden. O pior é que veremos uma continuação de décadas de políticas norte-americanas implacavelmente anti-palestinas que estabeleceram as bases para as greves de terras, massacres e apartheid que Israel comete hoje.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Sobre os Fundamentos do Leninismo . V — A questão camponesa -- JVStalin

 

Sobre os Fundamentos do Leninismo

J. V. Stálin

V — A questão camponesa


Analisarei quatro questões deste tema:

a) colocação do problema;

b) os camponeses durante a revolução democrático-burguesa;

c) os camponeses durante a revolução proletária;

d) os camponeses depois da consolidação do Poder Soviético.

1) Colocação do problema.

Alguns pensam que o essencial do leninismo é a questão camponesa, que o ponto de partida do leninismo é a questão dos camponeses, do seu papel, do seu peso específico. Isto e absolutamente falso. A questão essencial do leninismo, o seu ponto de partida, não é a questão camponesa, mas a da ditadura do proletariado, das condições da conquista e da consolidação desta ditadura. A questão camponesa, como questão do aliado do proletariado na sua luta pelo Poder, é uma questão derivada.

Esta circunstância, contudo, não deduz de modo algum a grande importância, a palpitante importância que ela tem, sem dúvida, para a revolução proletária. É sabido que o estudo sério da questão, camponesa nas fileiras dos marxistas russos começou precisamente nas vésperas da primeira revolução (1905), quando o problema da derrubada do tzarismo e da realização da hegemonia do proletariado surgia diante do Partido em toda a sua amplitude, e o problema de estabelecer quem seria o aliado do proletariado na revolução burguesa iminente assumia um caráter de palpitante atualidade. É sabido também que á questão camponesa na Rússia assumiu caráter ainda mais atual durante a revolução proletária, quando, partindo do problema da ditadura do proletariado, da conquista e da manutenção da mesma, se chegou a colocar o problema dos aliados do proletariado na revolução proletária iminente. É compreensível: quem marcha e se prepara para tomar o Poder não pode deixar de se interessar pela questão dos seus verdadeiros aliados.

Neste sentido, a questão camponesa é uma parte da questão geral da ditadura do proletariado e e, como tal, uma das questões mais palpitantes do leninismo.

A atitude de indiferença e até francamente negativa dos partidos da II Internacional em face da questão camponesa não se explica apenas pelas condições especiais do desenvolvimento do Ocidente. Explica-se sobretudo com o fato de que esses partidos não confiam na ditadura do proletariado, temem a revolução e não pensam em levar o proletariado ao Poder. E quem teme a revolução, quem não quer levar o proletariado ao Poder, não pode interessar-se pelo problema dos aliados do proletariado na revolução; para essa gente o problema dos aliados é um problema sem importância, sem atualidade. A atitude irônica dos heróis da II Internacional em face da questão camponesa é por eles considerada como indício de boas maneiras, de marxismo "autêntico". Na realidade, nessa atitude não há nem sombra de marxismo, porque a indiferença, às vésperas da revolução proletária, por uma questão de tanta importância como é a questão camponesa, é corresponder à negação da ditadura do proletariado, é um sintoma inegável de traição aberta ao marxismo.

Assim coloca-se a questão: já estão esgotadas, ou não, as possibilidades revolucionárias que se ocultam no seio da massa camponesa em conseqüência de determinadas condições da sua existência e, se não estão esgotadas, existe uma esperança, uma razão de utilizar essas possibilidades para a revolução proletária, de fazer dos camponeses, da sua maioria explorada, não, mais uma reserva da burguesia, como eram durante as revoluções burguesas do Ocidente e como continuam a ser até hoje, mas uma reserva do proletariado, um dos seus aliados?

O leninismo responde afirmativamente a esta pergunta, isto é, no sentido de reconhecer a existência de capacidade revolucionária na maioria dos camponeses e no sentido de considerar possível a utilização dessa capacidade no interesse da ditadura proletária. A história das três revoluções na Rússia confirma plenamente as conclusões do leninismo a esse respeito.

Daí a conclusão prática sobre a necessidade de apoiar, de apoiar obrigatoriamente as massas trabalhadoras dos camponeses na sua luta contra a escravização e a exploração, na sua luta para redimir-se da opressão e da miséria. Isso não significa, naturalmente, que o proletariado deve apoiar qualquer movimento camponês. Trata-se de apoiar os movimentos e as lutas dos camponeses que, direta ou indiretamente, ajudem o movimento de emancipação do proletariado, que de um modo ou de outro levem água ao moinho da revolução proletária, que contribuam para fazer do camponês uma reserva e um aliado da classe operária.

2) Os camponeses durante a revolução democrático-burguesa.

Este período abrange o intervalo de tempo que vai da primeira revolução russa (1905) à segunda (fevereiro de 1917), inclusive. Traço característico deste período é a libertação dos camponeses da influência da burguesia liberal, o afastamento dos camponeses dos democratas constitucionalistas, a virada dos camponeses para o proletariado, para o Partido bolchevique. A história deste período é a história da luta entre os cadetes (burguesia liberal) e os bolcheviques (proletariado) pela conquista dos camponeses. O período das Dumas decide do êxito desta luta, porque o período das quatro Dumas foi uma lição prática para os camponeses e esta lição lhes mostrou nitidamente que eles não receberiam nada das mãos dos democratas constitucionalistas, nem a terra, nem a liberdade, que o tsar estava por completo ligado aos latifundiários e que os democratas constitucionalistas apoiavam o tsar, que a única força com cujo apoio os camponeses podiam contar eram os operários urbanos, o proletariado. A guerra imperialista não fez senão confirmar os ensinamentos deste período das Dumas, afastando definitivamente os camponeses da burguesia, isolando definitivamente a burguesia liberal, pois os danos de guerra demonstraram o quanto era vã e ilusória a esperança de obter a paz do tsar e dos seus aliados burgueses. Sem as lições práticas do período da Duma, a hegemonia do proletariado seria impossível.

Assim se criou a aliança dos operários e dos camponeses na revolução democrático-burguesa. Assim se realizou a hegemonia (direção) do proletariado na luta comum pela derrubada do tsarísmo, hegemonia que levou à Revolução de Fevereiro de 1917.

As revoluções burguesas do Ocidente (Inglaterra, França, Alemanha, Áustria) seguiram, como se sabe, outro caminho. Nestas revoluções a hegemonia não pertenceu ao proletariado, que pela sua fraqueza não representava e não podia representar uma força política independente, mas à burguesia liberal.

Ali, os camponeses não receberam a libertação do regime feudal das mãos do proletariado, pouco numeroso e desorganizado, mas das mãos da burguesia. Ali, os camponeses marcharam contra o velho regime ao lado da burguesia liberal. Ali, os camponeses constituíam uma reserva da burguesia e a revolução, em virtude disso, conduziu a um enorme aumento do peso político da burguesia.

Na Rússia, ao contrário, a revolução burguesa produziu resultados diametralmente opostos. A revolução, na Rússia, não levou a um fortalecimento, mas a um debilitamento da burguesia como força política, não a um aumento das suas reservas políticas, mas à perda da sua reserva fundamental, à perda dos camponeses. A revolução burguesa na Rússia pôs em primeiro plano não a burguesia liberal, mas o proletariado revolucionário, que agrupava em torno de si milhões e milhões de camponeses.

A esta, entre outras razões, se deve o fato de que a revolução burguesa na Rússia se transformou em revolução proletária num período de tempo relativamente curto. A hegemonia do proletariado foi o germe da ditadura do proletariado, constituiu a passagem à ditadura proletária.

Como se explica este fenômeno original da revolução russa, que não tem precedentes na história das revoluções burguesas do Ocidente? De onde se origina esta peculiaridade?

Explica-se pelo fato de que a revolução burguesa se desenvolveu na Rússia num momento em que as condições da luta de classes eram mais desenvolvidas do que no Ocidente, pelo fato de que o proletariado russo já havia alcançado, naquele momento, a posição de força política independente, enquanto a burguesia liberal, assustada com o espírito revolucionário do proletariado, havia perdido todos os resquícios de espírito revolucionário (sobretudo depois dos ensinamentos de 1905) e se aliava ao tsarísmo e aos latifundiários contra a revolução, contra os operários e os camponeses.

É necessário levar em consideração as seguintes circunstâncias que determinaram a peculiaridade da revolução burguesa russa;

a) A concentração excepcional da indústria russa às vésperas da revolução. É sabido, por exemplo, que nas empresas de mais de 500 operários trabalhavam, na Rússia, 54 por cento do total dos operários, enquanto, num país desenvolvido como os Estados Unidos, nas empresas de tamanho análogo não trabalhavam mais de 33 por cento do total dos operários. Não é necessário demonstrar que esta circunstância, por si só, dada a existência de um partido revolucionário como o Partido dos bolcheviques, havia feito da classe operária russa a força mais importante da vida política do país.

b) As escandalosas formas de exploração que imperavam nas empresas, unidas ao intolerável regime policial dos esbirros tzaristas, transformavam toda greve de envergadura dos operários num ato político de enorme importância e temperavam a classe operária como uma força revolucionária conseqüente.

c) A fraqueza política da burguesia russa, que depois da revolução de 1905 se transformou em servilismo diante da autocracia tzarista e em contra-revolução aberta, não só porque o espírito revolucionário do proletariado russo fez com que a burguesia se lançasse nos braços do tzarismo, mas também porque esta burguesia dependia diretamente das encomendas do governo.

d) A existência das mais escandalosas e intoleráveis sobrevivências do regime feudal no campo, a que se juntava a onipotência do latifundiário: circunstância que colocava os camponeses nos braços da revolução.

e) O tzarismo, que asfixiava todas as forças vivas e exacerbava, com o seu arbítrio, o jugo do capitalista e do latifundiário: circunstância que fazia confluir num só caudal revolucionário a luta dos operários e dos camponeses.

f) A guerra imperialista, que fundiu todas estas contradições da vida política da Rússia numa profunda crise revolucionária e deu formidável impulso à revolução.

Nestas condições, para onde podiam orientar-se os camponeses? Em quem procurar apoio contra a onipotência do latifundiário, contra o Poder arbitrário do tsar, contra a guerra funesta que os arruinava economicamente? Na burguesia liberal? Mas esta era sua inimiga: a longa experiência de todas as quatro Dumas o demonstrava. Nos socialistas revolucionários? Os socialistas revolucionários eram, naturalmente, "melhores" do que os democratas constitucionalistas e tinham um programa "aceitável", quase camponês, mas que lhes podiam dar os socialistas revolucionários, se só pensavam em apoiar-se nos camponeses e eram débeis nas cidades, onde, sobretudo, o adversário recrutava as suas forças? Onde estava a nova força que não se deteria diante de nenhum obstáculo, nem no campo nem na cidade, que se colocaria valentemente na primeira linha da luta contra o tsar e o latifundiário, que ajudaria os camponeses a se libertarem da escravização, da falta de terra, da opressão, da guerra? Existia, em geral, na Rússia, semelhante força? Sim, existia. Esta força era o proletariado russo, que já em 1905 havia demonstrado a sua potência, a sua capacidade de conduzir a luta de modo conseqüente, a sua coragem, o seu espírito revolucionário.

De qualquer maneira, não existia outra força semelhante e não havia onde encontrá-la.

Por isso, os camponeses, depois de se afastarem dos democratas constitucionalistas e de se aproximarem dos socialistas revolucionários, terminaram por compreender a necessidade de colocar-se sob a direção de um chefe revolucionário tão valoroso quanto o proletariado russo.

Estas são as circunstâncias que determinaram a peculiaridade da revolução burguesa russa.

3) Os camponeses durante a revolução proletária.

Este período abrange o intervalo de tempo que vai da Revolução de Fevereiro (1917) à Revolução de Outubro (1917). Este período é relativamente curto, oito meses ao todo, mas estes oito meses, do ponto-de-vista da formação política e da educação revolucionária das massas podem ser comparados a decênios inteiros de desenvolvimento constitucional normal, porque são oito meses de revolução. O traço característico deste período é o aguçamento do espírito revolucionário dos camponeses, o desmoronamento das suas ilusões em face dos socialistas revolucionários, o seu afastamento dos socialistas revolucionários, a nova virada dos camponeses, que tendem a agrupar-se diretamente em torno do proletariado, única força revolucionária conseqüente, capaz de levar o país à paz. A história deste período é a história da luta entre os socialistas revolucionários (democracia pequeno-burguesa) e os bolcheviques (democracia proletária) pela conquista dos camponeses, pela conquista da maioria dos camponeses. A sorte desta luta foi decidida pelo período da coalizão, pelo período do governo de Kerenski, pela recusa dos socialistas revolucionários e dos mencheviques a confiscar as terras dos latifundiários, pela luta dos socialistas revolucionários e dos mencheviques em favor da continuação da guerra, pela ofensiva de junho no "front", pela pena de morte para os soldados, pela revolta de Kornilov.

Se antes, no período anterior, a questão essencial da revolução consistia em derrubar o tsar e o Poder dos latifundiários, agora, rio período seguinte à Revolução de Fevereiro, quando já não havia o tsar, mas a guerra interminável que dava o golpe de graça na economia nacional, depois de ter arruinado inteiramente os camponeses, a questão fundamental da revolução era pôr fim à guerra. O centro de gravidade se havia deslocado de modo claro das questões de caráter exclusivamente interno para uma questão fundamental, a da guerra. "Acabar com a guerra", "sair da guerra", era o clamor geral do país exausto e, sobretudo, dos camponeses.

Mas, para sair da guerra era preciso derrubar o governo provisório, era necessário derrubar o Poder da burguesia, era necessário derrubar o Poder dos socialistas revolucionários e dos mencheviques, porque eles, e somente eles, se esforçavam por prolongar a guerra até a "vitória final". Não existia, na prática, outro meio para sair da guerra, a não ser a derrubada da burguesia.

Era uma nova revolução, uma revolução proletária, porque alijava do Poder a última fração da burguesia imperialista, a fração da extrema esquerda, o partido dos socialistas revolucionários e dos mencheviques, para criar um novo Poder, um Poder proletário, o Poder dos Soviets, para levar ao Poder o partido do proletariado revolucionário, o Partido bolchevique, o partido da luta revolucionária contra a guerra imperialista, por uma paz democrática. A maioria dos camponeses apoiou a luta dos operários pela paz, pelo Poder dos Soviets.

Não havia outra saída para os camponeses. Não podia haver outra saída.

O período do governo de Kerenski foi, portanto, uma grandiosa lição prática para as massas trabalhadoras camponesas, porque demonstrou por completo que, enquanto o Poder estivesse nas mãos dos socialistas revolucionários e dos mencheviques, o país não sairia da guerra e os camponeses não obteriam nem a terra nem a liberdade; demonstrou que os mencheviques e os socialistas revolucionários só se distinguiam dos democratas constitucionalistas pelos seus discursos melífluos e as suas promessas hipócritas, mas na realidade seguiam a mesma política imperialista, a política dos democratas constitucionalistas; demonstrou que o único Poder capaz de tirar o país do atoleiro era o Poder dos Soviets. A prolongação ulterior da guerra não fez senão confirmar a justeza desta lição, estimulou a revolução e impulsionou milhões de camponeses e de soldados a agrupar-se diretamente em torno da revolução proletária. O isolamento dos socialistas revolucionários e dos mencheviques tornou-se um fato irrecorrível, Sem as lições práticas do período da coalizão a ditadura do proletariado teria sido impossível.

Tais foram as circunstâncias que facilitaram o processo de transformação da revolução burguesa em revolução proletária.

Assim se chegou na Rússia à ditadura do proletariado.

4) Os camponeses depois da consolidação do Poder Soviético.

Se, antes, no primeiro período da revolução, a questão consistia principalmente em derrubar o tzarismo e, em seguida, depois da Revolução de Fevereiro, tratava-se, em primem lugar, de sair da guerra imperialista mediante a derrubada da burguesia, agora, ao contrário, depois de terminada a guerra civil e consolidado o Poder Soviético, passavam ao primeiro plano os problemas da edificação econômica. Reforçar edesenvolver a indústria nacionalizada; unir, para tal fim, indústria à economia camponesa através do comércio regulado pelo Estado, substituir o sistema de entrega dos produtos excedentes pelo imposto em espécie, com o objetivo de passar, em seguida, diminuindo gradualmente esse imposto, à troca de artigos industriais por produtos agrícolas; reanimar o comércio e desenvolver o cooperativismo, fazendo com que deste participem milhões de camponeses: eis como Lênin traçava as tarefas da edificação econômica para a construção das bases da economia socialista.

Diz-se que essas tarefas podem revelar-se superiores às forças de um país agrário, como a Rússia. Alguns céticos chegam a dizer que essas tarefas são inteiramente utópicas, irrealizáveis, porque os camponeses são camponeses, isto é, pequenos produtores, e por isso não podem ser utilizados para organizar as bases da produção socialista.

Mas os céticos se enganam, porque não levam em conta algumas circunstâncias que têm, no caso em foco, uma importância decisiva. Vejamos as principais:

Primeira: Não se podem confundir os camponeses da União Soviética com os camponeses do Ocidente. Os camponeses que passaram pela escola de três revoluções, que lutaram contra o tsar e o Poder burguês, ao lado do proletariado e sob a direção do proletariado, os camponeses que obtiveram a terra e a paz pela revolução proletária e se tornaram, por isso, uma reserva do proletariado, esses camponeses não podem deixar de se distinguir dos camponeses que combateram durante a revolução burguesa sob a direção da burguesia liberal, que receberam a terra das mãos desta burguesia e se tornaram, por isso, uma reserva da burguesia. É desnecessário demonstrar que os camponeses soviéticos, habituados a apreciar a amizade política e a colaboração política do proletariado, devedores da sua liberdade a esta amizade e a esta colaboração, não podem deixar de estar extraordinariamente predispostos à colaboração econômica com o proletariado.

Engels dizia que "a conquista do Poder político pelo partido socialista tornou-se tarefa de um futuro próximo", que, "com o objetivo de conquistá-lo, o partido deve começar a ir da cidade para o campo e converter-se numa força no campo". (Vide Engels, "A questão camponesa").[N63]

Engels escreveu estas palavras no último decênio do século passado, referindo-se aos camponeses do Ocidente. Será necessário demonstrar que os comunistas russos, que desenvolveram neste sentido um trabalho colossal no curso de três revoluções, conseguiram criar no campo uma influência e um apoio com os quais os nossos camaradas do Ocidente não podem sequer sonhar? Como é possível negar que esta circunstância não pode deixar de facilitar, de modo radical, a colaboração econômica entre a classe operária e os camponeses da Rússia?

Os céticos continuam a falar dos pequenos camponeses como de um elemento incompatível com a edificação socialista. Mas ouvi o que disse Engels a propósito dos pequenos camponeses do Ocidente:

«Nós somos resolutamente pelo pequeno camponês; faremos todo o possível para tornar-lhe a vida mais suportável, para facilitar-lhe a passagem ao regime cooperativista, se ele assim o quiser. Por outro lado, caso ainda não esteja, em condições de tomar esta decisão, esforçar-nos-emos para lhe dar o tempo necessário a fim de que ele reflita sobre o seu palmo de terra. Agiremos assim, não só porque consideramos possível que o pequeno camponês, que cultiva a sua terra, se passe para o nosso lado, mas também no interesse direto do Partido. Quanto maior for o número de camponeses; que não deixarmos descer até o nível dos proletários e. que atrairmos para o nosso lado enquanto forem camponeses, tanto mais rápida e fácil será a transformação social. Para esta transformação não precisamos esperar que a produção capitalista se tenha desenvolvido em toda parte até as suas últimas conseqüências, até que o último pequeno artesão e o último pequeno camponês tenham caído vítimas da grande produção capitalista. Os sacrifícios materiais que se tenha de fazer neste sentido, no interesse dos camponeses, à custa dos fundos públicos, poderão ser considerados, do ponto de vista da economia capitalista, como um desperdício, mas serão, ao invés disso, um excelente emprego de capital, pois pouparão somas talvez decuplicadas nos gastos necessários para a transformação da sociedade, no seu conjunto. Neste sentido, podemos, por conseguinte, ser muito generosos com camponeses». (Vide obra citada).

Assim falava Engels a propósito dos camponeses do Ocidente. Mas, por acaso, não está claro que tudo o que dizia Engels não pode ser realizado em nenhum outro lugar de modo tão fácil e completo como no país da ditadura do proletariado? Não é claro que só na Rússia Soviética pode ocorrer, sem demora e por completo, "a passagem para o nosso lado do pequeno camponês que cultiva a sua terra" e que os "sacrifícios materiais" e a "generosidade para com os camponeses", indispensáveis para esse fim, assim como outras medidas análogas, em benefício dos camponeses, já se aplicam na Rússia? Como é possível negar que esta circunstância, por sua vez, deve facilitar e levar avante a edificação econômica do país dos Sovietes?

Segunda: Não se pode confundir a economia agrícola da Rússia com a economia agrícola do Ocidente. No Ocidente o desenvolvimento da economia agrícola segue a linha habitual do capitalismo, que provoca uma profunda diferenciação dos camponeses, com grandes propriedades e latifúndios capitalistas privados, num dos pólos, e, no outro, pauperismo, miséria e escravidão assalariada. Ali são de todo naturais, em consequência disso, a desagregação e a decomposição. Não ocorre o mesmo na Rússia. No nosso país, o desenvolvimento da. economia agrícola não pode seguir esse caminho, de vez que a existência do Poder Soviético e a nacionalização dos instrumentos e meios de produção fundamentais não permitem tal desenvolvimento. Na Rússia, o desenvolvimento da economia agrícola deve seguir outro caminho, o caminho do ingresso de milhões de pequenos e médios camponeses nas cooperativas, o caminho do desenvolvimento, no campo, de um movimento cooperativista de massas, apoiado pelo Estado por meio de créditos concedidos em condições favoráveis. Lênin, nos artigos sobre o cooperativismo, indicava justamente que o desenvolvimento da economia agrícola no nosso país devia seguir um caminho novo, o caminho da participação da maioria dos camponeses na edificação socialista por meio da cooperação o caminho da aplicação gradual do princípio do coletivismo na agricultura, primeiro no terreno da venda dos produtos agrícolas e depois no da sua produção.

Nesse sentido são sumamente interessantes alguns fenômenos novos que se apresentam no campo, em relação com a cooperação agrícola. É sabido que, no seio da União das Cooperativas Agrícolas[N64] se criaram novas e fortes organizações, segundo os ramos da economia rural, para a produção do linho, das batatas, da manteiga, etc., e que tais organizações têm um grande futuro. A Cooperativa Central do Linho, por exemplo, compreende toda uma rede de cooperativas de produção de camponeses que cultivam o linho. A Cooperativa se ocupa de fornecer aos camponeses sementes e instrumentos de produção, compra depois aos mesmos toda a sua produção, vende-a em larga escala no mercado, assegura aos camponeses uma participação nos lucros e, desse modo, liga a economia camponesa, através da União das Cooperativas Agrícolas, com a indústria do Estado. Que nome se deve dar a semelhante forma de organização da produção? Trata-se, a meu ver, de um sistema de grande produção socialista de Estado a domicílio, no campo da agricultura. Falo aqui de sistema de produção socialista de Estado a domicílio, por analogia com o sistema capitalista do trabalho a domicílio, no terreno, por exemplo, da produção têxtil, em que os artesãos, que recebiam do capitalista as matérias-primas e os instrumentos de produção e lhe entregavam toda a sua produção, eram, na realidade, operários semi-assalariados a domicílio. Este é um dos muitos indícios que demonstram o caminho pelo qual deve desenvolver-se, no nosso país, a economia agrícola. E não falo de outros indícios do mesmo gênero nos outros ramos da agricultura.

Não é necessário demonstrar que a enorme maioria dos camponeses seguirá de bom grado esse novo caminho de desenvolvimento, rejeitando o dos latifúndios privados capitalistas e da escravidão do salariato, que é a via da miséria e da ruína.

Eis o que disse Lênin das vias do desenvolvimento da nossa economia agrícola:

«Todos os grandes meios de produção em poder do Estado e o Poder do Estado nas mãos do proletariado, a aliança deste proletariado com milhões e milhões de camponeses pobres e paupérrimos, a direção dos camponeses assegurada ao proletariado, etc., não é porventura tudo isso que se torna necessário para edificar a sociedade socialista completa, partindo da cooperação, e somente com a cooperação, que antes tratávamos como mercantilista e que agora, durante a N.E.P., ainda temos o direito, em certo sentido, de considerar do mesmo modo; não é tudo isso, porventura, aquilo de que se precisa para levar a termo a construção de uma sociedade socialista completa? Isto não é ainda a construção da sociedade socialista, mas, sim, tudo o que é necessário e suficiente para levar a termo a construção». (Vide vol. XXVII, pág. 392).[N65]

Falando em seguida da necessidade de dar apoio financeiro e de outra espécie à cooperação, como "novo princípio de organização da população" e um novo "regime social" sob a ditadura do proletariado, prossegue Lênin:

«Todo regime social surge somente com o apoio financeiro de uma classe determinada. É inútil recordar as centenas e centenas de milhões de rublos que custou o nascimento do capitalismo «livre». Agora, devemos compreender e pôr em prática esta verdade: atualmente, o regime social que devemos apoiar mais do que qualquer outro é o regime cooperativo. Mas devemos apoiá-lo no verdadeiro sentido da palavra, isto é, não basta entender por esse apoio a ajuda prestada a uma forma qualquer de cooperação, mas por esse apoio se deve entender a ajuda prestada à cooperação de que participem efetivamente as verdadeiras massas da população». (Vide vol. citado, pág. 393).

Que nos dizem todos estes fatos?

Dizem-nos que os céticos não têm razão.

Dizem-nos que quem tem razão é o leninismo, que vê nas massas trabalhadoras do campo a reserva do proletariado.

Dizem-nos que o proletariado no Poder pode e deve utilizar essa reserva, para ligar a indústria à agricultura, para dar impulso à construção socialista e assegurar à ditadura do proletariado a base indispensável e sem a qual é impossível passar à economia socialista.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Há 141 anos na cidade de Gori na Georgia nascia JVStalin, o fiel discípulo de Lênin! --Honra e glória a toda a sua obra!

Josef Stalin, o fiel discípulo de Lênin


Jossif Vissarionóvich Dzugasvili Stálin nasceu em 21 de dezembro de 1879 em Gori, província de Tífilis, Geórgia, região da Transcaucásia. Seu pai, Vissarion Ivanovich, era filho de camponês pobre, tornou-se sapateiro autônomo e, depois, operário de uma fábrica de calçados. Sua mãe, Catarina Gueorguievna, era filha de servo (camponês pobre).

A Rússia era o país mais atrasado da Europa, tinha como base a agricultura caracterizada pelo latifúndio e regime de servidão. Mas nas últimas décadas, o capitalismo avançava, lutas operárias vinham acontecendo, formando-se um campo fértil às ideias revolucionárias. Círculos clandestinos para estudo e divulgação do marxismo foram formados por intelectuais. O desafio era como fundir a teoria marxista com o movimento operário, o que foi conseguido por Lênin, com a União de Luta pela Emancipação da classe operária de São Petersburgo. Em 1898 fundou-se o Partido Operário Social-Democrata da Rússia (POSDR).

No seminário de Tífilis, Stálin conheceu a literatura marxista, entrou em contato com grupos ilegais, organizou um círculo de estudos e ingressou no POSDR no ano de sua fundação, sendo expulso do seminário no ano seguinte, em razão de suas atividades.

A partir de então, dedicou-se inteiramente à atividade revolucionária, editando publicações clandestinas, redigindo textos e artigos e fazendo a propaganda do marxismo entre os operários.

O lutador e o dirigente

No levante operário de 1905, as divergências dentro do PSODR se clarificaram: de um lado, os mencheviques, defendendo meios pacíficos de luta e, de outro, os bolcheviques que propunham transformar a greve operária em insurreição armada. Stálin defendeu esta posição firmemente na Primeira Conferência Bolchevista de toda a Rússia, ocasião em que se encontrou com Lênin pela primeira vez e, juntos, redigiram as resoluções do Encontro. A insurreição aconteceu em dezembro de 1905 e foi derrotada.

Stálin redobrou o trabalho de base, concentrando suas atividades na região petrolífera de Baku: “Dois anos de atividade revolucionária entre os operários da indústria petrolífera temperaram-me como lutador e como dirigente. Conheci pela primeira vez o que significava dirigir grandes massas operárias”.

Em 1912, na Conferência de Praga (Checoslováquia), dada a impossibilidade de realizá-la na Rússia, os bolcheviques decidem organizar-se em partido independente, afastando completamente os mencheviques e adotando o nome POSDR (b), isto é, bolcheviques. Stálin estava na prisão, de onde fugiu pouco depois, participando com Lênin da criação do jornal PRAVDA (A Verdade). Indicado para dirigir o grupo bolchevique na Duma (parlamento russo), foi detido mais uma vez e enviado para longínqua cidade da Sibéria, de onde só sairia com a revolução (burguesa) de fevereiro de 1917.

A jornada de luta dos operários, que acontecia desde o início do ano de 1917, se amplia e obtém a adesão de um grande número de soldados sublevados em razão das precárias condições em que enfrentavam os alemães (1ª guerra mundial). A insurreição culmina com a derrubada do czarismo e constituição de um governo burguês, provisório. Livre, Stálin se desloca para Petrogrado e no dia 16 de abril está à frente de uma delegação operária, recebendo Lênin, que retornava do exílio, na estação Finlândia. Uma semana depois, realizou-se a sétima Conferência e ele foi eleito para o birô político do Partido Bolchevique.

Organizam-se os sovietes (conselhos) de operários, camponeses e soldados, que em pouco tempo instauram uma situação de dualidade de poder. Lênin propõe a passagem da revolução demo- crático-burguesa para a revolução socialista e em julho/agosto realiza-se o II Congresso do Partido. Alguns delegados defenderam que não era o momento para esse salto, por falta de apoio dos camponeses ou mesmo porque só era possível construir o socialismo com a vitória da revolução nos países europeus. Stálin pronunciou: “ …É necessário desprezar essa ideia caduca de que só a Europa pode nos indicar o caminho. Há um marxismo dogmático e um marxismo criador. Eu me situo no terreno do segundo”. Esta era também a visão de Lênin e da esmagadora maioria dos bolcheviques, o que tornou possível a revolução socialista de outubro.

Stálin esteve à frente de todos os preparativos para a insurreição e integrou o grupo que conduziu o Comitê Militar Revolucionário. O levante começou no dia 6 de novembro, à noite. No dia 7, rapidamente, as tropas revolucionárias tomaram os principais pontos de Petrogrado e o Palácio de Inverno, onde se tinha refugiado o governo provisório. Quando o II Congresso dos Sovietes se instalou naquele mesmo dia, proclamou: “… apoiando-se na vontade da imensa maioria dos operários, soldados e camponeses e na insurreição triunfante levada a cabo pelos operários e a guarnição de Petrogrado, o Congresso toma em suas mãos o poder”.

No período de 1917 a 1924, Stálin atua ao lado de Lênin na condução do Partido e dos negócios do Estado. Durante a guerra contra-revolucionária desencadeada pela burguesia e pelos latifundiários russos, e pelos exércitos de uma dezena de potências estrangeiras, destacou-se como estrategista militar, principalmente nas frentes onde havia insegurança ou indisciplina. Sempre envolvendo a massa popular da região, Stálin conseguia debelar o foco do problema e devolver a confiança e o ânimo às tropas vermelhas que voltavam a obter êxitos.

Transformando o sonho em realidade

 Em (1922), no XI Congresso, Stálin, que sempre esteve ao lado de Lênin, foi eleito para o cargo de secretário-geral e assumiu a tarefa de organizar a união livre e voluntária dos povos, vindo a constituir a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Com o agravamento da saúde de Lênin, Stálin assumiu a direção do XII Congresso, propugnando o combate à tendência de retorno ao capitalismo, por má interpretação da Nova Política Econômica ( NEP) em alguns setores da economia e propôs um programa que acabasse com a desigualdade econômica e cultural entre os povos da URSS.

Lênin faleceu no dia 21 de janeiro de 1924. No XIV Congresso (1925), definiu-se como caminho para fortalecer o socialismo na URSS: “Transformar nosso país, de um país agrário num país industrial, capaz de produzir com seus próprios meios, as máquinas e ferramentas necessárias”. Não havia unanimidade quanto a essa estratégia, à qual se opunham os dirigentes Kamenev e Zinoviev, que propunham maior fortalecimento da agricultura e um ritmo de crescimento industrial mais lento. Trostki também se opunha, argumentando que Stálin estava desviando energias para o desenvolvimento econômico interno, em vez de canalizá-la para a revolução proletária mundial. Na concepção de Stálin, a melhor forma de contribuir com a revolução mundial, de fortalecer o inter- nacionalismo proletário, seria fortalecendo o socialismo na URSS.

Para implementar a industrialização, a URSS só podia contar com as próprias forças. Havia de contar com o entusiasmo da classe trabalhadora e eliminar ideológica e organicamente os setores que se opunham à aplicação das resoluções do Congresso. “Não se podia alcançar a industrialização sem a destruição ideológica e orgânica do bloco trotskista-zinovievista” (Stálin, Instituto Mel).

A luta contra os kulaks e os restauradores do capitalismo

O XV Congresso, realizado em 1927, constatou os êxitos da industrialização. Stálin ressaltou que era necessário avançar, superando o único obstáculo existente ainda, o atraso na agricultura e indicou a solução: “passagem das explorações camponesas dispersas para grandes explorações unificadas sobre a base do cultivo comum da terra com técnica nova e mais elevada”. Destacou que essa agrupação deveria se dar pelo exemplo e pelo convencimento, não pela coerção dos pequenos e médios agricultores.

A Revolução de 1917 havia eliminado o latifúndio, transformando-o em sovkozes (fazendas estatais) e incentivava os pequenos camponeses a se organizarem em cooperativas, os kolkhozes. Agora, tratava-se de intensificar essa campanha e de neutralizar os camponeses ricos (kulaks), setor que se fortalecera durante a Nova Política Econômica (NEP).

Dentro do Partido, um grupo liderado por Bukharin, Rikov e Tomski se opôs à repressão aos kulaks, defendendo um processo gradual e pacífico de coletivização da terra. Stálin avaliava que o grupo pretendia na verdade restaurar o capitalismo e agia como agentes dos camponeses ricos e promoveu “o esmagamento dos capitulacionistas”. Em 1927, em comemoração ao XII aniversário da Revolução, escreveu: “O ano transcorrido foi o ano da grande virada em todas as frentes de edificação socialista”. Com a liquidação dos kulaks, procedeu-se à coletivização total do campo. Stálin criticou excessos praticados em alguns lugares onde se impuseram medidas para as quais os camponeses não estavam preparados e ensinou aos militantes: “…não se pode ficar à retaguarda do movimento, já que retardar-se significa afastar-se das massas, mas tampouco deve-se adiantar, já que isto significa perder os laços com as massas” (J. Stálin, Problemas do Leninismo).

Com base nos resultados alcançados, o informe dado por Stálin no XVI Congresso (1930) afirmou: “nosso país entrou no período do socialismo”. O congresso aprovou o primeiro plano qüinqüenal, cuja meta era a reconstrução de todos os ramos da economia com base na técnica moderna. Eis o balanço apresentado por Stálin no XVII Congresso (1934): “…Triunfou a política de industrialização, da coletivização total da agricultura, da liquidação dos Kulaks, triunfou a possibilidade de construção do socialismo num só país”. É lançado o segundo plano qüinqüenal, que prevê realizações em todos os ramos da economia e nos campos da cultura, das ciências, da educação pública e da luta ideológica.

Em quatro anos e três meses, o plano estava cumprido. Afigurava-se agora a necessidade de uma revolução cultural no sentido de capacitar quadros oriundos do proletariado para que dominassem a técnica e assumissem funções de direção no governo soviético. A partir do apelo de Stálin, surge o movimento stakanovista “ iniciado na bacia do Donets, na indústria do carvão, se espalhou por todo o país. Dezenas e centenas de milhares de heróis do trabalho deram exemplo de como se devia assimilar a técnica e conseguir aumentar a produtividade socialista do trabalho na indústria, na agricultura e no transporte”. (Stálin, Instituto Mel).

Em 1936, o XVIII Congresso dos sovietes aprovou a nova constituição da URSS, a constituição do socialismo, garantindo não apenas liberdades formais como as constituições burguesas, mas “amplíssimos direitos e liberdades aos trabalhadores, material e economicamente, assegurados por todo o sistema da economia socialista que não conhece as crises, a anarquia nem o desemprego”.

O XVIII Congresso ocorreu em 1939. Enquanto os soviéticos comemoravam êxitos, os países capitalistas viviam profunda crise e Hitler já ocupava as nações vizinhas da Alemanha. Em relação à política externa, o congresso aprovou a orientação de Stálin no sentido de se continuar aplicando a política de paz e de fortalecimento das relações com todos os países, não permitindo que a URSS seja arrastada a conflitos por provocadores.

Em nível interno, a tarefa lançada foi a de ultrapassar nos 10 ou 15 anos seguintes os países capitalistas no terreno econômico. No seu informe ao XVIII Congresso, Stálin concluía: “É possível construir o comunismo em nosso país, mesmo no caso de se manter o cerco capitalista”.

Comandando a guerra contra Hitler e o nazifascismo

O ano de 1940 registrou um aumento sem precedentes da produção na URSS e em 1941, quando o povo soviético se preparava para comemorar novas vitórias, Hitler rompeu o pacto de não-agressão assinado anteriormente com a URSS e invadiu o território socialista. Para centralizar a defesa e coordenar a luta de libertação nacional, o Conselho de Comissários do Povo criou o Comitê de Defesa do Estado, nomeando Stálin seu presidente. O povo respondeu com toda disposição e os invasores, que acreditavam dominar a URSS em dois meses, fracassaram. Em 1944, se retiravam humilhados.

“Para Berlim!”, bradou Stálin, e o Exército Comunista foi libertando do jugo capitalista os países da Europa Oriental, até erguer a Bandeira Vermelha na capital alemã no dia 9 de maio de 1945.

A URSS foi o país que mais sofreu com a agressão nazista, tanto em perdas econômicas quanto em humanas, mas, poucos anos depois, já se recuperava e alcançava os níveis anteriores de produção na indústria e na agricultura, apesar da guerra fria (corrida armamentista, boicote econômico) lançada pelas potências capitalistas, especialmente os EUA, rompendo o acordo assinado na conferência de Ialta que resultara na criação da ONU.

No dia 5 de março de 1953, morreu Stálin, deixando uma lacuna jamais preenchida na URSS e enlutando também o movimento comunista em todo o mundo. Em toda a União Soviética, os operários fizeram cinco minutos de silêncio e em Moscou, 4 milhões e meio de pessoas acompanharam o enterro do seu herói e líder. Também em vários países os operários pararam para se despedir de Stálin.

Sobre uma infinidade de acusações lançadas sobre Stálin pela burguesia mundial e pelos dirigentes russos após o XX Congresso do PCUS, fala o genial arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer: “Foi tudo invenção capitalista”.

Luiz Alves
(Publicado no Jornal A Verdade, nº 51 )

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Sobre os Fundamentos do Leninismo. IV – A ditadura do proletariado


Sobre os Fundamentos do Leninismo

J. V. Stálin

IV – A ditadura do proletariado


Analisarei três questões fundamentais deste tema:

a) a ditadura do proletariado, instrumento da revolução proletária;

b) a ditadura do proletariado, domínio do proletariado sobre a burguesia;

c) o Poder dos Soviets, forma estatal da ditadura do proletariado.

1) A ditadura do proletariado, instrumento da revolução proletária.

A questão da ditadura proletária é, sobretudo, a questão do conteúdo essencial da revolução proletária. A revolução proletária, o seu movimento, a sua amplitude, as suas conquistas só tomam corpo através da ditadura do proletariado. A ditadura do proletariado é o instrumento da revolução proletária, o seu órgão, o seu ponto de apoio mais importante, criado com o, fim, em primeiro lugar, de esmagar a resistência dos exploradores derrubados e consolidar as conquistas da revolução e, em segundo lugar, de levar a termo a revolução proletária, levar a revolução até a vitória completa do socialismo. Vencer a burguesia e derrubar o seu Poder é coisa que a revolução também poderia fazer sem a ditadura do proletariado. Mas esmagar a resistência da burguesia, sustentar a vitória e continuar avançando até o triunfo definitivo do socialismo, a revolução já não o poderia fazê-lo, se não criasse, ao chegar a uma determinada fase do seu desenvolvimento, um órgão especial, a ditadura do proletariado, o seu apoio fundamental .

"A questão fundamental da revolução é a questão do Poder" (Lênin). Quer isso dizer que tudo se reduz à tomada do Poder, à conquista do Poder? Não. A tomada do Poder é apenas o começo da obra. A burguesia, derrocada em um país, contínua a ser, por muito tempo, por várias razões, mais forte do que o proletariado que a derrubou. Por conseguinte, tudo reside em conservar o Poder, em consolidá-lo, em torná-lo invencível. Que é preciso para alcançar este objetivo? E preciso cumprir, pelo menos, três tarefas principais, que se apresentam à ditadura do proletariado, "um dia depois da vitória":

a) vencer a resistência dos latifundiários e dos capitalistas derrubados e expropriados pela revolução, esmagar as suas tentativas de toda espécie para restaurar o Poder do capital;

b) organizar a edificação de modo que todos os trabalhadores se agrupem em torno do proletariado e desenvolver esta obra com vistas a preparar a liquidação, a supressão das classes;

c) armar a revolução, organizar o exército da revolução para a luta contra os inimigos externos, para a luta contra o imperialismo.

A ditadura do proletariado é necessária para resolver, para cumprir estas tarefas.

«A passagem do capitalismo ao comunismo — disse Lênin — enche toda uma época histórica. Enquanto não chegar ao fim esta época, os exploradores abrigarão, inevitavelmente, a esperança de uma restauração, e esta esperança se traduz em tentativas de restauração. Também depois da primeira derrota séria, os exploradores derrubados, que não esperavam, sua queda, que não acreditavam na sua derrubada, que nem sequer admitiam a sua possibilidade, se lançam à batalha, com energia decuplicada, com furiosa paixão, com ódio cem vezes mais intenso, para reconquistar o «paraíso» perdido para as suas famílias, que viviam uma vida tão doce e que a «canalha popular» agora condena à ruína e à miséria (ou a um trabalho «vil»...). E atrás dos capitalistas exploradores se arrasta a grande massa da pequena burguesia que, como demonstram decênios de experiência histórica em todo os países, oscila e hesita, hoje acompanha o proletariado, amanhã se assusta ante as dificuldades da revolução, deixa-se tomar de pânico à primeira derrota ou semi-derrota dos operários, cai presa do nervosismo, se agita, choraminga, passa-se de um campo a outro». (Vide vol. XXIII, pág. 355).[N47]

E a burguesia tem as suas razões para fazer tentativas de restauração, porque, depois da sua derrubada, continua, ainda por muito tempo, mais forte do que o proletariado que a derrubou.

«Se os exploradores – disse Lênin — são derrotados apenas num país, e esta é naturalmente a regra, porque uma revolução simultânea em vários países constitui rara exceção, continuarão, não obstante, mais fortes, do que os explorados». (Obra citada, pág. 354).

Em que consiste a força da burguesia derrubada?

«Em primeiro lugar, «na força do capital internacional, na força e na solidez dos vínculos internacionais da burguesia». (Vide vol. XXV, pág. 173).[N48]

«Em segundo lugar, no fato de que «ainda por longo tempo depois da revolução os exploradores conservam, inevitavelmente, uma série de enormes vantagens reais: restam-lhes o dinheiro (que não se pode suprimir imediatamente) e uma certa quantidade de bens móveis, com freqüência valiosos; restam-lhes as relações, a prática de organização e administração, o conhecimento de todos os «segredos» da administração (hábitos, procedimentos, meios, possibilidades); restam-lhes uma instrução mais elevada e a sua intimidade com o alto pessoal técnico (que vive e pensa como a burguesia), resta-lhes uma experiência infinitamente superior da arte militar (o que é muito importante), etc., etc..» (Vide vol. XXIII, pág. 354).[N49]

«Em terceiro lugar, «na força do hábito, na força da pequena produção; porque, por infelicidade, a pequena produção ainda existe em grande, em enorme medida, e a pequena produção gera o capitalismo e a burguesia, diariamente, de hora em hora, de modo espontâneo e em massa»... porque «suprimir as classes não significa apenas expulsar os latifundiários e os capitalistas — isto nós o fizemos com relativa facilidade — mas quer dizer eliminar os pequenos produtores de mercadorias, aos quais é impossível expulsar, é impossível esmagar; com este é preciso conviver, e só podem (e devem) ser transformados, reeducados, mediante um trabalho de organização muito longo, muito lento e prudente». (Vide vol. XXV pág. 173 e189).[N50]

Eis porque disse Lênin:

«A ditadura do proletariado é a guerra mais heróica e mais implacável da classe nova contra um inimigo mais poderoso, contra a burguesia, cuja resistência é decuplicada em virtude da sua derrubada;

«a ditadura do proletariado é uma luta tenaz, cruenta e incruenta, violenta e pacífica, militar e econômica, pedagógica e administrativa, contra as forças e as tradições da velha sociedade». (Obra citada, págs. 173 e 190).[N51]

Não é necessário demonstrar que o cumprimento dessas tarefas em prazo curto, que realizar tudo isso em alguns anos, é coisa absolutamente impossível. Por isso, é necessário considerar a ditadura do proletariado, a passagem do capitalismo ao comunismo, não como um período curto de atos e decretos "ultra-revolucionários", mas como toda uma época histórica, cheia de guerras civis e de conflitos externos, de tenaz trabalho organizativo e de edificação econômica, de avanços e recuos, de vitórias e derrotas. Esta época histórica é necessária não somente para criar as premissas econômicas e culturais da vitória completa do socialismo, mas também para dar ao proletariado a possibilidade, em primeiro lugar, de educar-se e temperar-se como força capaz de dirigir o país e, em segundo lugar, de reeducar e transformar as camadas pequeno-burguesas de modo a assegurar a organização da produção socialista.

«Tendes de passar — dizia Marx aos operários — por quinze, vinte, cinqüenta anos de guerras civis e de batalhas internacionais, não só para transformar as relações existentes mas também para vos transformardes a vós mesmos e vos tornardes aptos ao domínio político». (Vide K. Marx—F. Engels, «Obras Completas», vol. VIII, pág. 506). [N52]

Continuando e desenvolvendo o pensamento de Marx, escreve Lênin:

«...durante a ditadura do proletariado... é necessário reeducar milhões de camponeses e de pequenos proprietários, centenas de milhares de empregados, de funcionários, de intelectuais burgueses, subordiná-los todos ao Estado proletário e à direção proletária, vencer os seus hábitos e tradições burgueses», assim como será necessário «... reeducar, no curso de uma luta prolongada, sobre a base da ditadura do proletariado, os próprios proletários, que não se desvencilharão dos seus preconceitos pequeno-burgueses de golpe, por milagre, por obra e graça do espírito-santo ou por efeito mágico de uma palavra de ordem, de uma resolução, de um decreto, mas somente no curso de uma luta de massas, prolongada e difícil, contra as influências pequeno-burguesas entre as massas». (Vide vol. XXV, págs. 247 e 248).[N53]

2) A ditadura do proletariado, domínio do proletariado sobre a burguesia.

Do que ficou dito já se depreende que a ditadura do proletariado não é uma simples mudança de homens no governo, uma mudança de "gabinete", etc., que deixe intacta a velha ordem econômica e política. Os mencheviques e os oportunistas de todos os países, que temem a ditadura como ao fogo e que, por medo, substituem o conceito de ditadura pelo conceito de "tomada do Poder", costumam reduzir a "tomada do Poder" a uma mudança de "gabinete", a subida ao Poder de um novo ministério, composto de homens do tipo de Scheidemann e Noske, Mac Donald e Henderson. Não é necessário explicar que estas mudanças de gabinete e outras semelhantes não têm nada a ver com a ditadura do proletariado, com a conquista do verdadeiro proletariado. Quando os Mac Donald e os Scheidemann estão no Poder, deixando intacta a velha ordem burguesa, os seus governos — chamemo-los assim — não podem representar senão um aparelho a serviço da burguesia, um véu sobre as chagas do imperialismo, um instrumento da burguesia contra o movimento revolucionário das massas oprimidas e exploradas. Tais governos são necessários ao capital, como um biombo, quando lhe é inconveniente, desvantajoso, difícil explorar e oprimir as massas sem um disfarce. Naturalmente, a aparição de tais governos é um sintoma de que "entre eles" (isto é, entre os capitalistas), "em Tchipka"[N54], não reina a tranqüilidade, mas, não obstante, os governos desse tipo não deixarão de ser, por mais disfarçados que se apresentem, governos do capital. Do governo de Mac Donald ou de Scheidemann à conquista do Poder pelo proletariado vai uma distância como da terra ao céu. A ditadura do proletariado não è uma mudança de governo, mas um novo Estado, com novos órgãos do Poder do centro à base, é o Estado do proletariado, saído das ruínas do velho Estado, do Estado da burguesia.

A ditadura do proletariado surge não sobre a base da ordem burguesa, mas no processo da sua demolição, depois da derrubada da burguesia, no curso da expropriação dos latifundiários e dos capitalistas, no curso da socialização dos meios e dos instrumentos essenciais de produção, no curso da revolução violenta do proletariado. A ditadura do proletariado é um Poder revolucionário que se apóia na violência contra a burguesia.

O Estado é uma máquina nas mãos da classe dominante para esmagar a resistência dos seus inimigos de classe. Sob este aspecto, a ditadura do proletariado realmente não se distingue, em essência, da ditadura de qualquer outra classe, porque o Estado proletário é uma máquina para esmagar a burguesia. Há, porém, uma diferença essencial. Consiste esta diferença no fato de que todos os Estados de classe existentes até hoje eram a ditadura de uma minoria exploradora sobre a maioria explorada, enquanto a ditadura do proletariado é a ditadura da maioria explorada sobre a minoria exploradora.

Era poucas palavras:

"a ditadura do proletariado é o Poder do proletariado sobre a burguesia, Poder não limitado por lei e baseado na violência e que goza da simpatia e do apoio das massas trabalhadoras e exploradas". (Lênin, "O Estado e a Revolução").

Daí se depreendem duas conclusões fundamentais.

Primeira conclusão: A ditadura do proletariado não pode ser uma democracia "integral", uma democracia para todos, para os ricos e para os pobres; a ditadura do proletariado "deve ser um Estado democrático de modo novo (para(6) os proletários e os não proprietários em geral) e ditatorial de modo novo (contra (7) a burguesia)..." (Vide vol. XXI, pág. 393).[N55]

Os discursos de Kautsky e cia. sobre a igualdade universal, sobre a democracia "pura", sobre a democracia "perfeita", etc.. são uma cobertura burguesa do fato incontestável de que é impossível a igualdade entre explorados e exploradores. A teoria da democracia "pura" é a teoria da aristocracia operária domesticada e mantida pelos bandidos imperialistas. Foi criada para encobrir as chagas do capitalismo, para embelezar o imperialismo e dar-lhe força moral na luta contra as massas exploradas. Sob o capitalismo não existe nem podem existir "liberdades" verdadeiras para os explorados, além de outras razões pelo fato de que os locais, as oficinas gráficas, os depósitos de papel, etc., necessários para o exercício das "liberdades", constituem um privilégio dos exploradores. Sob o regime capitalista, não há nem pode haver uma efetiva participação das massas exploradas na direção do país, entre outros fatos, porque, sob o capitalismo, mesmo no regime mais democrático, os governos não são formados pelo povo, mas pelos Rotschild e os Stinnes, pelos Rockefeller e os Morgan. A democracia, no regime capitalista, é uma democracia capitalista, é a democracia da minoria exploradora, baseada na limitação dos direitos da maioria explorada e voltada contra esta maioria. Somente sob a ditadura do proletariado se tornam possíveis as verdadeiras liberdades para os explorados e uma verdadeira participação dos proletários e dos camponeses no governo do país. A democracia, sob a ditadura do proletariado, é uma democracia proletária, é a democracia da maioria explorada, baseada na limitação dos direitos da minoria exploradora e voltada contra esta minoria.

Segunda conclusão: A ditadura do proletariado não pode surgir como resultado de um desenvolvimento pacífico da sociedade burguesa e da democracia burguesa; ela só pode surgir como resultado da demolição da máquina estatal burguesa, do exército burguês, do aparelho administrativo burguês, da polícia burguesa.

«A classe operária não pode tomar posse pura e simplesmente de uma máquina estatal já pronta e pô-la em marcha para os seus próprios fins», escrevem Marx e Engels no prefácio do «Manifesto do Partido Comunista».[N56]

«A revolução não deve consistir na... «passagem de umas mãos para outras da máquina militar e burocrática, como ocorreu até agora, mas na sua destruição... tal é a condição preliminar de toda verdadeira revolução popular no continente», disse Marx na sua carta a Kugelmann, em 1871.[N57]

A ressalva de Marx relativa ao continente forneceu aos oportunistas e aos mencheviques de todos os países um pretexto para gritar que Marx admitia, por isso, a possibilidade da transformação pacífica da democracia burguesa em democracia proletária, pelo menos em alguns países que não fazem parte do continente europeu (a Inglaterra, os Estados Unidos). Efetivamente, Marx admitia esta possibilidade, e tinha razões para isso, no caso da Inglaterra e dos Estados Unidos da década de 70 do século passado, quando ainda não existia o capitalismo monopolista, quando não existia o imperialismo nem existiam ainda, naqueles países, em virtude das condições especiais do seu desenvolvimento, nem uma burocracia nem um militarismo desenvolvidos. Assim estavam as coisas antes do aparecimento de um imperialismo desenvolvido. Mas em seguida, trinta ou quarenta anos depois, quando a situação nesses países mudou radicalmente, quando o imperialismo se desenvolveu e abarcou todos os países capitalistas, sem exceção, quando o militarismo e a burocracia fizeram a sua aparição também na Inglaterra e nos Estados Unidos, quando desapareceram as condições particulares que permitiam uma evolução pacífica da Inglaterra e dos Estados Unidos, deixou de existir por si mesma a ressalva feita a respeito desses países.

«Atualmente, em 1917, na época da primeira grande guerra imperialista — disse Lênin — esta ressalva feita por Marx perdeu a razão de ser. A Inglaterra e os Estados Unidos que eram — em todo o mundo — os maiores e últimos representantes da «liberdade» anglo-saxônica no sentido da ausência de militarismo e de burocracia, se precipitaram inteiramente no imundo e sangrento pântano, comum a a Europa, das instituições militares e burocráticas que tudo submetem e esmagam. Agora, na Inglaterra e nos Estados Unidos, a «condição prévia de toda revolução verdadeiramente popular» é a demolição, a destruição da «máquina estatal existente» (levada, nestes países, de 1914 a 1917, a uma perfeição «européia», imperialista)». (Vide vol. XXI, pág. 395).[N58]

Noutros termos, a lei da revolução violenta do proletariado, a lei da demolição da máquina estatal da burguesia como condição prévia desta revolução, é a lei inelutável do movimento revolucionário dos países imperialistas de todo o mundo.

Claro está que, em futuro remoto, se o proletariado triunfar nos principais países capitalistas e se o atual cerco capitalista for substituído por um cerco socialista, será de todo possível uma trajetória "pacífica" de desenvolvimento para alguns países capitalistas, onde os capitalistas, diante de uma situação internacional "desfavorável", julgarem conveniente fazer "voluntariamente" concessões importantes ao proletariado.

Mas esta hipótese se refere apenas a um futuro distante e provável. Quanto ao futuro próximo, esta hipótese não tem nenhum fundamento, absolutamente nenhum. Por isso, tem razão Lênin quando diz:

«A revolução proletária é impossível sem a destruição violenta da máquina estatal burguesa e a sua substituição por uma nova». (Vide vol. XXIII, pág. 342).[N59]

3) O Poder Soviético, forma estatal da ditadura do proletariado.

A vitória da ditadura do proletariado significa o esmagamento da burguesia, a demolição da máquina estatal burguesa, a substituição da democracia burguesa pela democracia proletária. Isto é claro. Mas, por meio de que organizações se pode levar a cabo esta gigantesca obra? Éindubitável que as velhas formas de organização do proletariado, surgidas sobre a base do parlamentarismo burguês, não são suficientes. Quais são, pois, as novas formas de organização do proletariado, capazes de desempenhar o papel de coveiros da máquina estatal burguesa, capazes não somente de demolir esta máquina e não só de substituir a democracia burguesa pela democracia proletária, mas também de constituir a base do Poder estatal proletário?

Esta nova forma de organização do proletariado são os Soviets.

Em que consiste a força dos Soviets em relação às velhas formas de organização?

No fato de que os Soviets são as mais amplas organizações de massas do proletariado, pois eles e somente eles abrangem todos os operários, sem exceção.

No fato de que os Sovietes são as únicas organizações de massas que abrangem todos os oprimidos e explorados, operários e camponeses, soldados e marinheiros e nas quais, por isso, a direção política da luta das massas por parte da sua vanguarda, por parte do proletariado, se pode exercer mais facilmente e de modo mais completo.

No fato de que os Sovietes são os órgãos mais poderosos da luta revolucionária das massas, dos movimentos políticos das massas, da insurreição das massas, dos órgãos capazes de destruir a onipotência do capital financeiro e dos seus satélites políticos.

No fato de que os Sovietes são organizações diretas das próprias massas, isto é, as mais democráticas, e, por conseguinte as que têm a maior autoridade entre as massas, as que facilitam ao máximo a participação das massas na organização e no governo do novo Estado, as que desenvolvem ao máximo a energia revolucionária, a iniciativa, a capacidade criadora das massas na luta pela destruição do velho regime, na luta por um regime novo, proletário.

O Poder Soviético é a unificação e a integração dos Sovietes locais numa só organização estatal geral, numa organização estatal do proletariado como vanguarda das massas exploradas e oprimidas e como classe dominante, é a sua unificação na República dos Sovietes.

A essência do Poder Soviético consiste no fato de que as organizações mais vastas e mais revolucionárias, próprias das classes que eram oprimidas pelos capitalistas e pelos latifundiários, são agora "a base permanente e única de todo o Poder estatal, de todo o aparelho do listado; de que "precisamente as massas que, mesmo nas repúblicas burguesas mais democráticas", embora sendo iguais perante a lei, "vivem de fato excluídas, por mil expedientes e subterfúgios, da participação na vida política e do gozo dos direitos e das liberdades democráticas, são chamadas a participar de modo permanente e seguro e, além disso, de modo decisivo na direção democrática do Estado".(8) (Vide Lênin, vol. XXJV, pág. 13).[N60]

Por isso, o Poder Soviético é uma forma nova de organização estatal, que se distingue por princípio da velha forma democrático-burguês a e parlamentar, é um tipo novo de Estado, adaptado não aos fins da exploração e da opressão das massas trabalhadoras, mas aos fins da sua completa libertação de toda opressão e exploração, aos fins da ditadura do proletariado.

Lênin tem razão quando diz que, com o advento do Poder Soviético,

"a época do parlamentarismo democrático burguês chegou ao fim, começou um novo capítulo da história mundial: a época da ditadura proletária".

Em que consistem os traços característicos do Poder Soviético?

No fato de que o Poder Soviético é, entre todas as organizações estatais possíveis enquanto existem as classes, a que tem o mais destacado caráter de massas, a mais democrática, porque, sendo a arena da aliança e da colaboração dos operários e dos camponeses explorados na sua luta contra os exploradores e apoiando-se, para realizar a sua obra, nesta obra, nesta aliança e nesta colaboração, é, por isso mesmo, o Poder da maioria da população sobre a minoria, o Estado desta maioria, expressão da sua ditadura.

No fato de que o Poder Soviético é, numa sociedade dividida em classes, a mais internacionalista entre todas as organizações estatais, destruindo toda opressão nacional e apoiando-se na colaboração das massas trabalhadoras das diversas nacionalidades, facilita, por isso mesmo, a unificação destas massas numa única união estatal.

No fato de que o Poder Soviético, pela sua própria estrutura, facilita a direção das massas oprimidas e exploradas por parte da vanguarda destas massas, por parte do proletariado, que é o núcleo mais coeso e mais consciente dos Sovietes.

"A experiência de, todas as revoluções e de todos os movimentos das classes oprimidas, a experiência do movimento socialista mundial nos ensina — diz Lênin — que somente o proletariado está em condições de unificar e arrastar as camadas atrasadas e dispersas da trabalhadora explorada". (Vide vol. XXIV, pág. 14).[N61]

A estrutura do Poder Soviético facilita a aplicação dos ensinamentos desta experiência.

No fato de que o Poder Soviético, reunindo o Poder Legislativo e o Poder Executivo numa só organização estatal e substituindo as circunscrições eleitorais de base territorial pelas unidades de produção — as fábricas e as oficinas — liga de maneira direta os operários e as massas trabalhadoras em geral aos aparelhos administrativos do Estado, ensinando-lhes governar o país.

No fato de que somente o Poder Soviético pode libertar o exército da submissão ao comando burguês e transformá-lo de instrumento da opressão do povo, como ocorre no regime burguês, em instrumento de libertação do povo do jugo da burguesia nacional e estrangeira.

No fato de que

"só a organização soviética do Estado está em condições de destruir realmente, de um golpe, e de destruir definitivamente o velho aparelho, isto é, o aparelho administrativo e judiciário burguês". (Vide lugar citado) .

No fato de que somente a forma soviética de Estado fazendo com que as organizações de massas dos trabalhadores e dos explorados participem, de modo contínuo e incondicional, do governo do Estado, está em condições de preparar a extinção do Estado, o que é um dos elementos essenciais da futura sociedade sem Estado, a sociedade comunista.

A República dos Soviets é, portanto, a forma política procurada, e finalmente descoberta, em cujo quadro se deve levar a termo a emancipação econômica do proletariado, se deve obter a vitória completa sobre o capitalismo.

A Comuna de Paris foi o embrião desta forma. O Poder Soviético é o seu desenvolvimento e o seu coroamento.

Eis porque diz Lênin:

«A República dos Sovietes de Deputados Operários, Soldados e Camponeses não é somente uma forma de instituição democrática de tipo mais elevado..., mas também a única(9) forma capaz de assegurar a passagem ao socialismo do modo menos doloroso». (Vide vol. XXII, pág. 131).[N62]