Sobre a Comuna
Karl Marx e Friedrich Engels
30 de Maio de 1871
"Na alvorada de 18 de Março (1871), Paris foi
despertada por este grito de trovão: VIVE LA COMMUNE! O que é pois a
Comuna, essa esfinge que põe tão duramente à prova o entendimento burguês?
"Os proletários da capital - dizia o Comité Central
no seu manifesto de 18 de Março - no meio das fraquezas e das traições das
classes governantes, compreenderam que chegara para eles a hora de salvar a
situação assumindo a direcção dos assuntos públicos... O proletariado...
compreendeu que era seu dever imperioso e seu direito absoluto tomar nas suas
mãos o seu próprio destino e assegurar o triunfo apoderando-se do poder."
Mas a classe operária não se pode contentar com tomar
o aparelho de Estado tal como ele é e de o pôr a funcionar por sua própria
conta.
O poder centralizado do Estado, com os seus órgãos
presentes por toda a parte: exército permanente, polícia, burocracia, clero e
magistratura, órgãos moldados segundo um plano de divisão sistemática e
hierárquica do trabalho, data da época da monarquia absoluta, em que servia à
sociedade burguesa nascente de arma poderosa nas suas lutas contra o
feudalismo."
"Em presença de ameaça de sublevação do proletariado,
a classe possidente unida utilizou então o poder de Estado, aberta e
ostensivamente, como o engenho de guerra nacional do capital contra o trabalho.
Na sua cruzada permanente contra as massas dos produtores, foi forçada não só a
investir o executivo de poderes de repressão cada vez maiores, mas também a
retirar pouco a pouco à sua própria fortaleza parlamentar, a Assembleia
Nacional, todos os meios de defesa contra o executivo."
"O poder de Estado, que parecia planar bem acima da
sociedade, era todavia, ele próprio, o maior escândalo desta sociedade e, ao
mesmo tempo, o foco de todas as corrupções."
"O primeiro decreto da Comuna foi pois a
supressão do exército permanente e a sua substituição pelo povo em armas.
A Comuna era composta por conselheiros municipais,
eleitos por sufrágio universal nos diversos bairros da cidade. Eram responsáveis
e revogáveis a todo o momento. A maioria dos seus membros eram naturalmente
operários ou representantes reconhecidos da classe operária. A Comuna devia
ser, não um organismo parlamentar, mas um corpo activo, ao mesmo tempo executivo
e legislativo. Em vez de continuar a ser o instrumento do governo central, a
polícia foi imediatamente despojada dos seus atributos políticos e transformada
num instrumento da Comuna, responsável e revogável a todo o momento. O mesmo se
deu com os outros funcionários de todos os outros ramos da administração. Desde
os membros da Comuna até ao fundo da escala, a função pública devia ser
assegurada com salários de operários."
" Uma vez abolidos o exército permanente e a polícia,
instrumentos do poder material do antigo governo, a Comuna teve como objectivo
quebrar o instrumento espiritual da opressão, o"poder dos padres"; decretou a
dissolução e a expropriação de todas as igrejas, na medida em que elas
constituíam corpos possidentes. Os padres foram remetidos para o calmo retiro
da vida privada, onde viveriam das esmolas dos fiéis, à semelhança dos seus
predecessores, os apóstolos. Todos os estabelecimentos de ensino foram
abertos ao povo gratuitamente e, ao mesmo tempo, desembaraçados de toda a
ingerência da Igreja e do Estado. Assim, não só a instrução se tornava
acessível a todos, como a própria ciência era libertada das grilhetas com que os
preconceitos de classe e o poder governamental a tinham
acorrentado.
Os funcionários da justiça foram despojados dessa
fingida independência que não servira senão para dissimular a sua vil
submissão a todos os governos sucessivos, aos quais, um após outro, haviam
prestado juramento de fidelidade, para em seguida os violar. Assim como o resto
dos funcionários públicos, os magistrados e os juizes deviam ser eleitos,
responsáveis e revogáveis."
"Após uma luta heróica de cinco dias, os operários
foram esmagados. Fez-se então, entre os prisioneiros sem defesa, um massacre
como se não tinha visto desde os dias das guerras civis que prepararam a queda
da República romana. Pela primeira vez, a burguesia mostrava a que louca
crueldade vingativa podia chegar quando o proletariado ousa afrontá-la, como
classe à parte, com os seus próprios interesses e as suas próprias
reivindicações. E, no entanto, 1848 não passou de um jogo de crianças, comparado
com a raiva da burguesia em 1871."
"Proudhon, o socialista do pequeno campesinato
e do artesanato, odiava positivamente a associação. Dizia dela que comportava
mais inconvenientes do que vantagens, que era estéril por natureza e até mesmo
prejudicial, pois entravava a liberdade do trabalhador; dogma puro e simples...
E é também por isso que a Comuna foi o túmulo da escola proudhoniana do
socialismo."
"As coisas não correram melhor aos blanquistas.
Educados na escola da conspiração, ligados pela estrita disciplina que lhe é
própria, partiam da ideia de que um número relativamente pequeno de homens
resolutos e bem organizados era capaz, chegado o momento, não só de se apoderar
do poder, mas também, desenvolvendo uma grande energia e audácia, de se manter
nele durante um tempo suficientemente longo para conseguir arrastar a massa do
povo para a Revolução e reuni-la à volta do pequeno grupo dirigente. Para isso
era preciso, antes de mais nada, a mais estrita centralização ditatorial de todo
o poder entre as mãos do novo governo revolucionário. E que fez a Comuna que, em
maioria, se compunha precisamente de blanquistas? Em todas as suas proclamações
aos franceses da província, convidava-os a uma livre federação de todas as
comunas francesas com Paris, a uma organização nacional que, pela primeira vez,
devia ser efectivamente criada pela própria nação. Quanto à força repressiva do
governo outrora centralizado, o exército, a polícia política, a burocracia,
criada por Napoleão em 1798, retomada depois com prontidão por cada novo governo
e utilizada por ele contra os seus adversários, era justamente esta força que
devia ser destruída por toda a parte, como o fora já em Paris."
"Para evitar esta transformação, inevitável em todos
os regimes anteriores, do Estado e dos órgãos do Estado em senhores da
sociedade, quando na origem eram seus servidores, a Comuna empregou dois meios
infalíveis. Primeiro, submeteu todos os lugares, da administração, da justiça e
do ensino, à escolha dos interessados através de eleição por sufrágio universal
e, evidentemente, à revogação, em qualquer momento, por esses mesmos
interessados. E segundo, retribuiu todos os serviços, dos mais baixos aos mais
elevados, pelo mesmo salário que recebiam os outros operários. O vencimento mais
alto que pagou foi de 6000 francos. Assim, punha-se termo à caça aos lugares e
ao arrivismo, sem falar da decisão suplementar de impor mandatos imperativos aos
delegados aos corpos representativos.
Esta destruição do poder de Estado, tal como fora até
então, e a sua substituição por um poder novo, verdadeiramente democrático,
estão detalhadamente descritas na terceira parte de A Guerra Civil.(Karl
Marx) Mas era necessário voltar a referir aqui brevemente alguns dos seus
traços, porque, precisamente na Alemanha, a superstição do Estado passou da
filosofia para a consciência comum da burguesia e mesmo de muitos operários. Na
concepção dos filósofos, o Estado é"a realização da Ideia" ou o reino de Deus
na terra traduzido em linguagem filosófica, o domínio onde a verdade e a justiça
eternas se realizam ou devem realizar-se. Daí esta veneração que se instala
tanto mais facilmente quanto, logo desde o berço, fomos habituados a pensar que
todos os assuntos e todos os interesses comuns da sociedade inteira não podem
ser tratados senão como o foram até aqui, quer dizer, pelo Estado e pelas suas
autoridades devidamente estabelecidas. E julga-se que já se deu um passo
prodigiosamente ousado ao libertarmo-nos da fé na monarquia hereditária e ao
jurarmos pela república democrática."
(FRIEDRICH ENGELS: Introdução á Guerra Civil em
França )
"Em presença de ameaça de sublevação do
proletariado, a classe possidente unida utilizou então o poder de Estado, aberta
e ostensivamente, como engenho de guerra nacional do capital contra o trabalho"
"A constituição comunal restituiria ao corpo
social todas as forças até então absorvidas pelo Estado parasita que se alimenta
da sociedade e lhe paralisa o livre movimento"
"A unidade da nação não deveria ser
quebrada, mas, pelo contrário organizada pela Constituição comunal; ela deveria
tornar-se uma realidade pela destruição do poder de Estado que pretendia ser a
encarnação desta unidade mas que queria ser independentemente desta mesma nação
e superior a ela, quando não era mais do que uma sua excrescência parasitária."
"Em vez de se decidir de três em três, ou de
seis em seis anos, qual o membro da classe dirigente que deveria"representar" e
calcar aos pés o povo no Parlamento, o sufrágio universal devia servir um povo
constituído em comunas, tal como o sufrágio individual serve qualquer patrão à
procura de operários, de capatazes ou de contabilistas para a sua empresa."
"A Comuna era composta por conselheiros
municipais, eleitos por sufrágio universal nos diversos bairros da cidade. A
maioria dos seus membros eram naturalmente operários ou representantes
reconhecidos da classe operária. A Comuna devia ser, não um organismo
parlamentar, mas um corpo activo, ao mesmo tempo executivo e legislativo. Em vez
de continuar a ser o instrumento do governo central, a polícia foi imediatamente
despojada dos seus atributos políticos e transformada num instrumento da Comuna,
responsável e revogável a todo o momento. O mesmo se deu com os outros
funcionários de todos os ramos da administração. Desde os membros da Comuna até
ao fundo da escala, a função pública devia ser assegurada com salários de
operários. Os benefícios habituais e os emolumentos de representação dos altos
dignatários do Estado desapareceram ao mesmo tempo que os altos dignatários. Os
serviços públicos deixaram de ser propriedade privada das criaturas do governo
central. Não só a administração municipal, mas toda a iniciativa até então
exercida pelo Estado, foi posta nas mãos da Comuna."
"Uma vez abolidos o exército permanente e a
polícia, instrumentos do poder material do antigo governo, a Comuna teve como
objectivo quebrar o instrumento espiritual da opressão, o"poder dos padres";
decretou a dissolução e a expropriação de todas as igrejas, na medida em que
elas constituíam corpos possidentes. Os padres foram remetidos para o calmo
retiro da sua vida privada, onde viveriam das esmolas dos fiéis, à semelhança
dos seus predecessores, os apóstolos."
"A Comuna realizou a palavra de ordem de
todas as revoluções burguesas, um governo barato, abolindo essas duas grandes
fontes de despesas que são o exército permanente e o funcionalismo de Estado."
"A supremacia política do produtor não pode
coexistir com a eternização da sua escravatura social. A Comuna devia pois
servir de alavanca para derrubar as bases económicas em que se fundamenta a
existência das classes e, por conseguinte, a dominação de classe. Uma vez
emancipado o trabalho, todo o homem se torna um trabalhador e o trabalho
produtivo deixa de ser o atributo de uma classe."
"A Comuna tinha perfeitamente razão ao dizer
aos camponeses:"A nossa vitória é a vossa única esperança".
"O domínio de classe já não se pode esconder
sob um uniforme nacional, pois os governos nacionais formam um todo unido contra
o proletariado."
"A Paris operária, com a sua Comuna,
será para sempre celebrada como a gloriosa percursora de uma sociedade nova. A
recordação dos seus mártires conserva-se piedosamente no grande coração da
classe operária. Quanto aos seus exterminadores, a História já os pregou a um
pelourinho eterno, e todas as orações dos seus padres não conseguirão
resgatá-los.
Karl Marx (Guerra Civil em França - 30 de
Maio de 1871)