sábado, 29 de dezembro de 2018

Do romance "A lã e a Neve" de Ferreira de Castro


Os primeiros teares criaram-se, em já difusos e incontáveis dias, para a lã que produziam os rebanhos dos Hermínios. O homem trabalhava, então no seu tugúrio, erguido nas faldas ou a meio da serra. No inverno, quando os zagais se retiravam das soledades alpestres, os lobos desciam também e vinham rondar, famintos, a porta fechada do homem. A solidão enchia-se dos seus uivos e a neve reflectia a sua temerosa sombra. A serra, porque só a pé ou a cavalo se podia vencer, parecia incomensurável, muito maior do que era, e de todos os seus recantos, de todos os seus picos e refegos brotavam superstições e lendas - histórias que os pegureiros contavam, ao lume, a encher de terror as noites infindas.


O homem viera para ali há muitos séculos, mas poucos tinham sido e poucos eram ainda os que lamentavam o seu abrigo de granito nos sítios mais propícios; e, quando faziam, achegavam-se uns aos outros, como se se quisessem defender da bruteza circundante.

Os génios da montanha e as fúrias do céu possuíam assim, quase toda a majestosa extensão da serrania, ermáticos domínios onde podiam transitar com passos de fantasmas ou bramir livremente.

No começo do Verão, antes de demandar os altos da serra, ovelhas e carneiros deixavam, em poder dos donos, a sua capa de Inverno. Lavada por braços possantes, fiada depois, a lã subia, um dia ao tear. E começava a tecelagem. O homem movia, com os pés, a tosca construção de madeira, enquanto as sua mãos iam operando o milagre de transformar a grosseira matéria em forte tecido. Constítuia o acto uma industria doméstica, que cada qual exercia em seu proveito, pois a serra não dava, nessas recuadas eras, mais do lã e centeio.

Pouco a pouco, porém,foi sendo tradição no reino que os homens da Covilhã e suas redondezas eram mestres, como nenhuns outros, em tecer bifas almafegas e buréis. Então, os monarcas e seus acólitos acabaram atentando nesses tecelões dispersos pelas abadas da serra; e com ordenações, pragmáticas, alvarás e regimentos, ora os estimulavam em seu solitário labor, ora os constrangiam sob pesadas sisas. Da Flandres vinham panos concorrentes, que exibiam mais esmerada tessitura; apesar disso, os humildes teares continuavam a mover-se, alimentados pelos rebanhos da Estrela.

Depois, Portugal descobriu longínguas terras e também a rota marítima da India; e houve que vestir a muitas gentes exóticas a troco do que elas, forçadas ou voluntariamente. entregavam aos descobridores. E os teares da serra multiplicaram-se.Cada tecelão trabalhava, ainda, no seu casebre, de lume aceso no Inverno e porta escancarada no Estio. A maior casa pertencia, então, ao deus do povoado. Mas um dia, na Covilhã, ergue-se uma casa maior do que a do deus. Era a primeira fábrica de tecidos.Muitos tecelões deixavam a faina individual e iam trabalhar em conjunto.

Da Inglaterra e da  Irlanda chegavam outros homens para lhes ensinar os últimos progressos da sua arte.A lã da serrajá não bastava;ia-se merca-la ao Alentejo e a outras terras do paísE os teares começaram a vestir os exércitos reais. Cada século aportava novos aperfeiçoamentos à tecelagem e levantava novas fábricas nas margens das duas ribeiras que desciam da serra, cantando, a um lado e outro da cidade.

Um dia, tudo se revolucionou.Já não se tratava de melhores debuxos, de mais gratas cores, mas de coisa mais profunda - da produção automática. Lá nas nevoentas terras inglesas o padre Cartwright inventara o tear mecânico. A água,fazendo girar grandes rodas, começara a produzir o movimento dado, até aí, pelos pés do homem. Mas continuavam a aser precisos os homens junto das novas máquinas.

Os serranos, que nas solidões da Estrela ora pastoreavam as suas ovelhas, ora teciam a lã que elas forneciam, tornaram-se cada vez mais raros. A maioria entrara nas fábricas. Eles tinham de pautar, agora, a sua vida por um salário fixo, chegasse ou não chegasse para as exigèncias de cada dia. Issoporém, carecia de importância, ninguém pensava em aumentar-lhes os ganhos, pois havia de se ter sempre em conta o preço da mão-de-obra para a concorrência dos tecidos nos mercados.

Os homens passavam os dias e as noites dentro das fábricas, s´saindo aos domingos, para olvidar o cárcere. Já não viam as ovelhas, nem ouviam  o melancólico tanger dos seus chocalhos nos pendores da serra, ao crespúsculo; viam apenas a sua lã, lã que eles desensurravam, que eles lavavam, cardavam, penteavam, fiavam e teciam, lã por toda a parte.

A industria ia crescendo sempre. Agora não eram grandes apenas a casa do deus dos homens e as casas das fábricas; ao lado destas , outras casas grandes tinham surgido - as residências dos industriais.E todo o país falava da prosperidade da Covilhã.

Mais tarde, operou-se nova revolução. As enormes rodas que giravam nas ribeiras detiveram-se: o poder da água fora substituído pelo da eléctricidade. E fábricas existiam onde já laboravam pais, filhos e netos. Os centos de tecelões que, outrora, viviam nos lugarejos da serra, tinham-se multiplicado e constituíam, agora milhares. Ladinas personagens, que, de magros dinheiros dispondo, compravam o fio a uns, mandavam-no tecer a outros e a terceiros vendiam os panos, acabaram desaparecendo também, devoradas pelos industriais poderosos. E só ficavam as grandes fábricas, com seus milhares de operários.

A lã do país já não chegava; tinha-se de procurá-la em terras estrangeiras. Da Austrália, da Nova Zelândia, da África do Sul, passaram a vir grandes carregamentos.Rebanhos distantes alimentavam, através dos mares,as fábricas quase escondidas nas ribeiras da Estrela.

A industria sofria, porém, constantes oscilações. Ora fabricava sem descanso, ora, por escassez de matéria prima ou pouco consumo, diminuía os dias de seu trabalho. Então, homens e mulheres, que à lã haviam entregue a sua vida, defrontavam-se com uma miséria mais descarnada ainda que o normal. Com seu fabrico reduzido, a Covilhã, em vez de exportar panos, passara a exportar raparigas para o meretrício de Lisboa.

A sujeição ao destino comum criara, .todavia, alguns vínculos entre os descendentes dos primeiros tecelões.No século XX,mais do que sons de flautas pastorais descendo do alto da serra para os vales, subiam dos vales para o alto da serra queixumes, protestos, rumores dos homens que, às vezes, se uniam e reivindicavam um pouco mais de pão.

terça-feira, 25 de dezembro de 2018

Inicio da vida revolucionária de :VLADIMIR ILITCH LÊNIN



Extraído da Biografia sobre a (SUA VIDA E SUA OBRA)

Filho de Iliá Nicolaevitch Ulianov e de Maria Alexândrovna Blank


VLADIMIR ILITCH ULIÂNOV (Lênin), o fundador do bolchevismo e do primeiro Estado socialista do mundo, nasceu a 9 (22 ) de abril de 1870 na cidade de Simbirsk (hoje Uliânovsk), sobre o Volga.


Natureza viva e ricamente dotada, Lênin aos cinco anos já sabia ler. Aos nove, foi aluno do primeiro ano ginasial no Collio de Simbirsk. Graças à sua capacidade excepcional e à sua aplicação, realizou brilhantes estudos: todos os anos obtinha o primeiro prêmio. Ao sair do ginásio, conhecia bem
o latim, o grego, o francês e o alemão. Lênin era igualmente versado em história e literatura. Apreciava principalmente as obras literárias cujos heróis eram dotados de um caráter firme,
inabalável.


Lênin passou sua infância e adolescência na região do Volga, nas províncias de Simbirsk, Kazan e Samara, que eram províncias essencialmente camponesas. Ali, observa de perto a vida dos camponeses, a miséria e a ignorância, a servidão desumana e a exploração feroz que reinavam no campo; estabelece contato estreito com os trabalhadores. Vê que a par das massas trabalhadoras russas, são oprimidas as numerosas nacionalidades: os tchuvachos, os mordvos, os tártaros, etc.
Adolescente ainda, toma ódio pela opressão das massas trabalhadoras e pela opressão nacional.


Os anos de estudos e a juventude de Lênin coincidiram  com um dos períodos mais sombrios da História russa. Lênin dirá mais tarde que foi uma época de "reação desenfreada, incrivelmente insensata e feroz". o governo autocrático apressava-se a anular mesmo as reformas espúrias da década de 60.


Fôra proibida não somente a imprensa democrá-tica, mas quase tôda a imprensa liberal. A reação campeava igualmente no ensino; o Ministério da Instrução Pública, ou, como chamá-lo-á mais tarde Lênin, o "ministério do obscurecimento público", empenhava-se em fazer dos jovens estudantes fiéis lacaios da autocracia. O desenfreado arbítrio do governo do tzar, a servidão absoluta e a opressão inaudita que pesavam sôbre os operários e os camponeses, a monstruosa opressão nacional, a covardia e o baixo servilismo dos liberais diante dos reacionários: tal é a imagem da vida russa desse tempo.


Desde cedo, Lênin começa a refletir sôbre a vida ambiente, a prestar atentamente ouvidos às conversas políticas dos adultos. Apaixonado pela leitura, 'travara conhecimento, desde o verdor de sua juventude, com tudo quanto os publicistas democratas revolucionários haviam dado de melhor na Rússia.


Com a idade de 14 ou 15 anos, Lênin leu o romance de Tchernichevski Que Fazer?, que produziu nêle uma grande impressão. Lera igualmente as obras de Dobroliúbov, de Pissariev e outros livros "proibidos" na época. Conhecia a fundo os poetas democratas da época de Nekrássov.
» Seu irmão mais velho, Alexandre Uliânov, com o qual estava ligado por sólida amizade, exerceu sôbre o jovem Lênin uma influência considerável. Alexandre era um jovem sério, refletido, muito severo para consigo próprio e para com seus deveres. Quando veio passar as férias em casa, no verão de 1885 e 1886, trouxe de Petersburgo, onde fazia seus estudos na Faculdade de Física e Matemática, O Capital de Marx.

Desde essa época, Lênin empreende o estudo dessa obra.

Bem cedo Lênin concebera um sentimento de hostilidade contra o regime político e social da Rússia tzarista. Desde os últimos anos do ginásio, estava penetrado de espírito revolu cionário. E êsse estado de espírito revelou-se em suas composições escolares. Por isso, o diretor do colégio, devolvendo-lhe o caderno de composição, disse-lhe certo dia com um tom zangado: "Que classes oprimidas são essas de que você fala? E que é que elas têm que ver aqui?"
.
. O ano de 1887 assinala uma reviravolta na vida de Lênin, que toma definitivamente o caminho revolucionário.

Nesse ano uma grande dor se abate sobre os Uliânov.

Em 1 de março, o irmão de Vladimir Ilitch, Alexandre Uliânov, é preso em Petersburgo por haver participado dos preparativos de um atentado contra o tzar Alexandre III. Ao mesmo tempo, é prêsa a irmã mais velha, Ana, que também fazia seus estudos em Petersburgo.

Amiga íntima dos Uliânov, V. Kachkadámova relata que, tendo recebido de Petersburgo a notícia da prisão de Alexandre, foi encontrar Lênin no colégio (êle. estava então no oitavo ano, último do curso ginasial) para decidir com êle como preparar Maria Alexândrovna para essa ^dolorosa notícia.

Tendo corrido os olhos pela carta, Lênin, de sobrecenho carregado, manteve-se em prolongado silêncio. "Não tinha maisdiante de mim — escreve ela em suas memórias — o jovem de outrora, cheio de despreocupação e transbordante da alegria de viver, mas um adulto meditando sôbre um problema de importância." — é grave de fato, — disse êle — isso pode acabar mal para Sacha"
.
Todos os esforços de Maria Alexândrovna para salvar da morte o filho mais velho foram em vão. Foi executado na fortaleza de Schliisselburg a 8 de maio de 1887
.
Assim que soube da prisão de Alexandre Uliânov, toda a "sociedade" liberal de Simbirsk afastou-se dos Uliânov; foram abandonados mesmo pelos conhecidos mais íntimos.

Essa pusilanimidade geral causou forte impressão no jovem Lênin. Sabia agora o quanto valia a tagarelice dos liberais.


A morte do irmão influiu consideràvelmente na decisão que Lênin tomaria de enveredar pelo caminho da revolução.

Entretanto, por maior que fôsse sua admiração pelo heroísmo do irmão, Lênin, já nessa época, considerava o terrorismo na luta contra a autocracia como um caminho errado, que não atingia o alvo. Ao saber que Alexandre fizera parte de uma organização terrorista, Lênin disse: "Não, seguiremos outro caminho. Não é êsse caminho que se deve tomar".


Saindo do ginásio com medalha de ouro, Lênin matriculou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Kazan, a 13 de agosto de 1887.
Pouco depois, estabelecia contatos com os revolucionários de Kazan e tomava parte num círculo de estudantes "de tendência muito nociva", segundo a definição da Ocrana tzarista.


Nesse meio estudantil Lênin destacou-se a todos os respeitos: tinhà espírito revolucionário, muita energia, vastas leituras, e sabia defender com convicção sua maneira de ver. Durante sua permanência na Universidade, foi objeto de estreita vigilância por parte da polícia e das autoridades universitárias.


O govêrno do tzar tomara o cuidado de só confiar a professores reacionários as cátedras universitárias, e perseguia todas as organizações dos estudantes, sobre as quais se exercia uma vigilância particularmente rigorosa. Círculos e sociedades, mesmo que se propusessem prestar uma ajuda material, eram suspeitos de desígnios antigovernamentais. Os estudantes eram encarcerados por delitos de opinião. A política das perseguições policiais provocava entre os estudantes protestos veementes.


Em 1887, a entrada em vigor do reacionário "estatuto universitário de 1884" foi o impulso direto que contribuiu para acentuada agitação entre os estudantes. Em fins de novembro, irromperam tumultos entre os estudantes de Moscovo, tumultos êsses que logo se estenderam à província. A 4 de dezembro de 1887, um movimento de efervescência estala também na Universidade de Kazan. Lênin toma parte das mais activas, tanto nas conferências que prepararam a ação dos estudantes, quanto na própria ação. As autoridades administrativas tzaristas não tardam a desencadear contra os estudantes repressões sobre repressões, Na noite de 4 para 5 de dezembro, Lênin é prêso em seu domicílio; são detidos ao mesmo tempo vários outros participantes e organizadores activos do movimento revolucionário dos estudantes. " — Você se revolta, jovem, mas tem um muro diante de você" — disse a Lênin o comissário de polícia que o conduzia à prisão." — Um muro, sim, mas podre. Um pequeno empurrão, e ei-lo por terra" — respondeu Lênin.


Encontrando-se um dia reunidos na prisão, os estudantes debatiam a questão do que faria cada qual quando estivessem em liberdade. Quando chegou a vez de Lênin e lhe formularama pergunta: "E você, Uliânov, que pensa fazer depois?" — êle respondeu que não via senão um caminho diante dêle, o da luta revolucionária.


A 5 de dezembro, Lênin é expulso da Universidade, e,dois dias depois, em 7 de dezembro de 1887, deportado para a aldeia de Kokúchkino, província de Kazan, sob a vigilância secreta da polícia. Foi ali que veio instalar-se sua irmã, Ana Ilinitchna, cuja deportação para a Sibéria fôra substituída pela
vigilância oficial da polícia.


Assim é que com a idade de dezessete anos Lênin recebia o baptismo da revolução num primeiro conflito com a autocracia tzarista. A partir de então, Lênin consagra sua vida inteiramente à luta contra a autocracia e o capitalismo, à obra de libertação dos trabalhadores do regime de opressão e de exploração.


A Ocrana tzarista marcou, à sua maneira, o início da actividade revolucionária do jovem Lênin. Os gendarmes informaram o Governador de Kaz^n de que o deportado de Kokúchkino, Lênin, tomara "parte activa na organização de círculos revolucionários entre a juventude estudantil de Kazan". A 27 de dezembro de 1887, os beleguins da polícia foram encarregados de exercer sobre êle uma vigilância diária. Desde esse momento, o ôlho da gendarmaria espiona incessantemente Lênin e tôda a família Uliânov. O menor gesto de Lênin é objeto de um relatório que voa ao Departamento da Polícia. Lênin passa cêrca de um ano nessa aldeiazinha perdida.

Lê muito e aplica-se na formação de seu espírito. Já nessa época, revela o dom de trabalhar metodicamente, de acordo "com um plano rigorosamente estabelecido. Desde jovem, obstina-se em desenvolver consigo próprio uma grande capacidade de trabalho.


Em princípios de outubro de 1888, Lênin foi autorizado a fixar residência em Kazan, onde se encontrava sua mãe com os filhos mais moços. Mas recusam-lhe o acesso à Universidade.
Havendo Lênin solicitado autorização para ir continuar seus estudos no estrangeiro, o Departamento da Polícia recomendou ao Governador "não lhe conceder passaporte para o estrangeiro",


Em Kazan, Lênin travou conhecimento com os membros dos diferentes círculos revolucionários ilegais. As obras de Marx, originais ou traduzidas, do mesmo modo que os livros de Plekhanov dirigidos contra o populismo — em particular Nossas Divergências — eram lidos e vivamente discutidos nesses círculos. Os relatórios de polícia, redigidos de acordo com as informações fornecidas pela vigilância secreta de que Lênin era objeto, assinalavam que êle tinha "uma tendência nociva", e mantinha "relações com indivíduos suspeitos".


No outono de 1888, Lênin pôs-se a estudar seriamente O Capital de Karl Marx. Esse livro produziu nele uma impressão indelével. "Foi com um ardor e uma animação extremos — conta A. Uliânova-EIizárova — que êle me expôs os princípios  da teoria de Marx, bem como o horizonte novo que ela entreabria... Ele transpirava serena confiança que se comunicava a seus interlocutores. Já nesse momento conhecia a arte de convencer e de empolgar o espírito por sua palavra.


Entregando-se a alguma análise ou descobrindo um caminho novo, seria incapaz de não participá-lo aos outros, de não aliciar partidários.


Esses adeptos, jovens de espírito, revolucionário que também estudavam o marxismo, ele logo os encontrou em Kazan".


Na mesma época, Lênin ingressava num dos círculos marxistas de Kazan, organizados por N. Fedosseiev, morto tragicamente no exílio, na Sibéria (1898). Durante os meses que passou no círculo de Fedosseiev, Lênin trabalhou obstinadamente para realizar sua própria educação, para assimilar a teoria marxista.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Se há e houve “avanços” e “aspectos positivos” bem como recuperação económica, tais foram para a burguesia capitalista.



Apesar de a sua mão estar presente e dar acordo prévio ao novo OGE, a EU não deixa de constantemente ingerir contra a devolução de parte do assalto capitalista que foi feito pelo governo PSD/CDS, (com o acordo do PS e da UGT, diga-se), e de exigir novos cortes no que resta dos direitos laborais e a implementação de novas reformas estruturais que mais não visam do que a destruição dos direitos sociais conquistados no após Abril 1974.

O mesmo acontece com o PSD e CDS que concordando no essencial com a estratégia macro económica no novo OGE, utilizam de forma demagógica o campo de manobra que previamente lhes foi concedido pelas decisões politicas do BE e do PCP de votar favoravelmente o novo OE, para votarem contra e exigir um OGE mais subserviente em relação às exigências da UE e ainda mais amigo dos interesses capitalistas e ao mesmo tempo procurar retirar dividendos eleitorais e poder responsabilizar as tímidas “devoluções” previstas, pelas consequências económicas e sociais que a nova crise económica capitalista, que já anunciam, possa vir a trazer .

O novo OGE vai para lá da convergência que as regras imperialistas da EU impõem, a subserviência do governo consegue ir mais longe na redução do défice publico do que aquilo que lhe é exigido.

A convergência de interesses com os grupos financeiros, a banca, as PPPs e outros apoios à burguesia continuam na ordem dos vários milhares de milhões de euros.

Converge com a estratégia militar imperialista norte-americana, elevando a participação financeira na NATO, em mais 330 milhões, passando para 2.728 milhões de euros, estando previsto que até 2024 segundo o acordo realizado em Bruxelas  esta participação sob para 2% do PIB, o que ultrapassará a módica quantia de 4.ooo milhões de euros por ano.

Como “o carro não pode andar sem travões”: Ou seja se o crescimento económico abrandar mais que o previsto a convergência com o investimento público sofrerá novas cativações, particularmente aqueles que tenham a ver com o melhoramento dos serviços públicos, tais como a saúde, a educação e transportes, na medida que em primeiro lugar e mais importante para o governo estão as outras convergências que representam os interesses da NATO e da EU

O “rigor económico” no novo OGE, será mais do mesmo, manter os salários baixos e os direitos laborais e sociais no mínimo possível para garantir a competitividade às empresas capitalistas e poder atrair capitais internacionais.

Os “avanços” e “aspectos positivos” do novo OGE:

A “devolução” de parte do confisco capitalista levado a cabo pelo anterior governo PSD/CDS , pelo actual governo capitalista PS não é um “avanço“, como afirmam os social liberais que à esquerda do PS, colaboram e apoiam o governo, o muito que se poderá dizer é que se trata de uma tímida  recuperação de rendimentos, que o governo tem tido o cuidado, por via dos vários ajustamentos de impostos indirectos recuperado e a manter quase tudo na mesma praticamente como se tem verificado, 50% da população vive abaixo dos 550 euros, 25% desta vive com  rendimentos a roçar ou mesmo abaixo do que a burguesia e seus governos de serviço consideram o limite de pobreza. O mesmo se vai manter com o novo OGE. 

O aumento do salário mínimo nacional e as reformas mínimas têm um aumento miserável e continua com a forte desvalorização , que ao longo dos anos , foi praticada pelos efeitos da inflação, pelos congelamentos e desvalorização da antiga moeda (o escudo)
.
Baixa-se o IVA para as touradas e continua-se a PUNIR as famílias pobres, com a manutenção do IVA a 23%  na electricidade, que conjuntamente com as outras taxas que configuram na factura, eleva a totalidade dos impostos para perto de 50%

Para compensar a redução do preço das propinas, e a “gratuitidade” dos manuais escolares, está previsto a cativação de 19 milhões de euros referentes às bolsas de mérito.

Portanto, se há ou houve “avanços” e “aspectos positivos” bem como recuperação económica, no qual o BE e o P”C”P fazem questão de se rever e em  reclamar a sua cota parte, tais foram para a burguesia capitalista na medida em que para manter a sua competitividade e com isso obter altos lucros, sujeitam os trabalhadores a baixos e miseráveis salários, perdas de direitos laborais e altas cargas de exploração.

A exemplo do movimento laboral que em França obriga o governo a recuar na sua ofensiva capitalista e a repor rendimentos, é necessário organizar a luta a partir dos locais de trabalho e de habitação e ir muito mais longe, na medida em que estas “devoluções” e pequeníssimas cedências não só ficam muito aquém da nossa necessidade, como é apenas parte do rendimento auferido de que há muitos anos a esta parte o capitalismo e a burguesia nos vêm roubando.


sexta-feira, 30 de novembro de 2018

A Atitude dos Socialistas em Relação às Guerras. Por Vladimir Lenin


O Socialismo e a Guerra (A atitude do POSDR em relação à guerra). 

 V. I. Lénine

O Socialismo e a Guerra (A atitude do POSDR em relação à guerra)

V. I. Lénine

Os Princípios do Socialismo e a Guerra de 1914-1915 (excertos)

A Atitude dos Socialistas em Relação às Guerras

Os socialistas sempre condenaram as guerras entre os povos como coisa bárbara e brutal. Mas a nossa atitude em relação à guerra é fundamentalmente diferente da dos pacifistas (partidários e pregadores da paz) burgueses e dos anarquistas. Distinguimo-nos dos primeiros pelo facto de compreendermos a ligação inevitável das guerras com a luta de classes no interior do país, de compreendermos a impossibilidade de suprimir as guerras sem a supressão das classes e a edificação do socialismo, e também pelo facto de reconhecermos inteiramente o carácter legítimo, progressista e necessário das guerras civis, isto é, das guerras da classe oprimida contra a classe opressora, dos escravos contra os escravistas, dos camponeses servos contra os senhores feudais, dos operários assalariados contra a burguesia. Nós, marxistas, distinguimo-nos tanto dos pacifistas como dos anarquistas pelo facto de reconhecermos a necessidade de estudar historicamente (do ponto de vista do materialismo dialéctico de Marx) cada guerra em particular. Na história houve repetidamente guerras que, apesar de todos os horrores, atrocidades, calamidades e sofrimentos inevitavelmente ligados a qualquer guerra, foram progressistas, isto é, foram úteis ao desenvolvimento da humanidade, ajudando a destruir instituições particularmente nocivas e reaccionárias (por exemplo a autocracia ou a servidão), os despotismos mais bárbaros da Europa (o turco e o russo). Por isso é necessário analisar as particularidades históricas da guerra actual.

A Guerra Actual é uma Guerra Imperialista

Quase todos reconhecem que a actual guerra é uma guerra imperialista, mas na maior parte dos casos deturpam este conceito ou aplicam-no unilateralmente, ou insinuam em todo o caso a possibilidade de que esta guerra tenha um significado progressista burguês, nacional-libertador. O imperialismo é o grau superior de desenvolvimento do capitalismo, atingido apenas no século XX. O capitalismo passou a sentir-se, apertado nos velhos Estados nacionais, sem cuja formação ele não teria podido derrubar o feudalismo. O capitalismo desenvolveu de tal modo a concentração que ramos inteiros da indústria foram açambarcados pelos consórcios, trusts e associações de capitalistas milionários, e quase todo o globo terrestre está dividido entre esses «senhores do capital», sob a forma de colónias ou enredando países estrangeiros com os milhares de fios da exploração financeira. O comércio livre e a concorrência foram substituídos pela tendência para o monopólio, para a conquista de terras para o investimento do capital, para a extracção de matérias-primas, etc. De libertador de nações que o capitalismo foi na luta contra o feudalismo, o capitalismo imperialista tornou-se o maior opressor das nações. De progressista o capitalismo tornou-se reaccionário, desenvolveu as forças produtivas a tal ponto que a humanidade terá ou de passar ao socialismo ou de sofrer durante anos ou mesmo decénios a luta armada das «grandes» potências pela manutenção artificial do capitalismo por meio das colónias, dos monopólios, dos privilégios e de opressões nacionais de toda a espécie.
(...)
«A Guerra é a continuação da Política por outros meios (a saber: pela violência)»

Esta célebre sentença pertence a Clausewitz um dos autores mais profundos sobre as questões militares. Os marxistas sempre consideraram justamente esta tese como base teórica das concepções sobre o significado de cada guerra determinada. Marx e Engels sempre encararam as diferentes guerras precisamente deste ponto de vista.

Apliquemos esta concepção à presente guerra. Veremos que durante decénios, durante quase meio século, os governos e as classes dominantes da Inglaterra, da França, da Alemanha, da Itália, da Áustria e da Rússia praticaram uma política de pilhagem das colónias, de opressão de nações estrangeiras, de repressão do movimento operário. É precisamente essa política, e apenas essa, que é continuada na actual guerra. Em particular, na Áustria e na Rússia a política tanto do tempo de paz como do tempo de guerra consiste na escravização das nações e não na sua libertação. Pelo contrário, na China, na Pérsia, na Índia e noutros países dependentes vemos ao longo dos últimos decénios uma política de despertar para a vida nacional de dezenas e centenas de milhões de pessoas, da sua libertação da opressão das «grandes» potências reaccionárias. A guerra nesse terreno histórico pode ser ainda hoje uma guerra progressista burguesa, uma guerra de libertação nacional.

Basta considerar a presente guerra do ponto de vista da continuação nela da política das «grandes» potências e das classes fundamentais no seio delas para ver imediatamente o carácter clamorosamente anti-histórico, mentiroso e hipócrita da opinião segundo a qual seria possível justificar a ideia de «defesa da pátria» na actual guerra.
(….)

O Social-Chauvinismo é o oportunismo acabado

Durante toda a época da II Internacional decorreu por toda a parte uma luta no interior dos partidos sociais-democratas entre a ala revolucionária e a ala oportunista. Em vários países houve cisão segundo esta linha (Inglaterra, Itália, Holanda, Bulgária). Nenhum marxista duvidava de que o oportunismo expressava a política burguesa no movimento operário, expressava os interesses da pequena burguesia e da aliança de uma ínfima parte de operários aburguesados com a «sua» burguesia contra os interesses da massa dos proletários, da massa dos oprimidos.

As condições objectivas de fins do século XIX reforçavam particularmente o oportunismo, transformando a utilização da legalidade burguesa em servilismo para com ela, criando a pequena camada da burocracia e da aristocracia da classe operária, atraindo para as fileiras dos partidos sociais-democratas muitos «companheiros de jornada» pequeno-burgueses.

A guerra acelerou o desenvolvimento, transformando o oportunismo em social-chauvinismo, transformando a aliança secreta dos oportunistas com a burguesia numa aliança aberta. Além disso, as autoridades militares decretaram por toda a parte a lei marcial e a mordaça para a massa operária, cujos velhos chefes se passaram, quase sem excepção, para a burguesia.

A base económica do oportunismo e do social-chauvinismo é a mesma: os interesses de uma ínfima camada de operários privilegiados e da pequena burguesia, que defendem a sua situação privilegiada, o seu «direito» às migalhas dos lucros obtidos pela «sua» burguesia nacional com a pilhagem de outras nações, com as vantagens da sua situação de grande potência, etc.

O conteúdo ideológico-político do oportunismo e do social-chauvinismo é o mesmo: a colaboração de classes em vez da sua luta, a renúncia aos meios revolucionários de luta, a ajuda ao «seu» governo em situação difícil em vez da utilização das suas dificuldades para a revolução. Se considerarmos todos os países europeus no conjunto, se não tivermos em atenção personalidades isoladas (mesmo as de maior prestígio), verificaremos que foi precisamente a corrente oportunista que se tornou o principal esteio do social-chauvinismo, e no campo dos revolucionários se ouve quase por toda a parte um protesto mais ou menos consequente contra ele. E se considerarmos, por exemplo, o agrupamento das tendências no congresso socialista internacional de Estugarda de 1907, verificaremos que o marxismo internacional era contra o imperialismo, enquanto o oportunismo internacional já então era a favor dele.

A Unidade com os oportunistas é a aliança dos operários com a «sua» burguesia nacional e a cisão da classe operária revolucionária internacional

Na época passada, antes da guerra, o oportunismo era frequentemente considerado um «desvio», um «extremismo», mas em todo o caso uma parte constitutiva legítima do partido social-democrata. A guerra mostrou que isso é impossível no futuro. O oportunismo «amadureceu», levou até ao fim o seu papel de emissário da burguesia no movimento operário. A unidade com os oportunistas tornou-se uma hipocrisia completa, de que vemos um exemplo no partido social-democrata alemão. Em todos os casos importantes (por exemplo na votação de 4 de Agosto) os oportunistas aparecem com o seu ultimato, pondo-o em prática com a ajuda das suas numerosas ligações com a burguesia, da sua maioria nas direcções dos sindicatos, etc. A unidade com os oportunistas significa presentemente de facto a subordinação da classe operária à «sua» burguesia nacional, a aliança com ela para oprimir outras nações e lutar pelos privilégios de grande potência, sendo uma cisão do proletariado revolucionário de todos os países.

Por mais dura que seja em certos casos a luta contra os oportunistas que dominam em muitas organizações, por mais peculiar que seja em certos países o processo de depuração dos partidos operários dos oportunistas, esse processo é inevitável e fecundo. O socialismo reformista agoniza; o socialismo que renasce «será revolucionário, intransigente, insurrecto», segundo a justa expressão do socialista francês Paul Golay (N167).
(….)

Sobre a derrota do «seu» governo na guerra imperialista

Os defensores da vitória do seu governo na presente guerra, tal como os defensores da palavra de ordem «nem vitória nem derrota», adoptam do mesmo modo o ponto de vista do social-chauvinismo. Numa guerra reaccionária, a classe revolucionária não pode deixar de desejar a derrota do seu governo, não pode deixar de ver a ligação entre os fracassos militares deste e a facilitação do seu derrubamento. Só o burguês, que acredita que uma guerra iniciada pelos governos terminará necessariamente como uma guerra entre governos, e que o deseja, acha «ridícula» ou «absurda» a ideia de que os socialistas de todos os países beligerantes afirmem que desejam a derrota de todos os «seus» governos. Pelo contrário, essa afirmação corresponderia precisamente aos pensamentos secretos de qualquer operário consciente e inscrever-se-ia na linha da nossa actividade, orientada para a transformação da guerra imperialista em guerra civil.

Sem dúvida que a importante agitação contra a guerra de uma parte dos socialistas ingleses, alemães e russos «enfraquecia o poderio militar» dos respectivos governos, mas essa agitação foi um mérito dos socialistas. Os socialistas devem explicar às massas que para elas não há salvação a não ser no derrubamento revolucionário dos «seus» governos e que as dificuldades desses governos na guerra actual devem ser utilizadas precisamente com esse objectivo.


sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Viva a justa luta dos estivadores, pela conquista dos seus direitos: Abaixo a exploração capitalista !

 A Chispa apoia e apela a todos os trabalhadores a prestar a sua solidariedade e a ter como exemplo, pela sua coragem, a justa luta dos estivadores, diversas vezes demonstrada pela defesa e conquista dos seus direitos.

"Sindicato dos estivadores diz que porto de Setúbal está parado porque 90% dos trabalhadores são precários.

O presidente do Sindicato dos Estivadores do Centro e Sul, António Mariano, disse hoje que 90% dos trabalhadores do Porto de Setúbal são precários e por isso “está tudo parado” à espera que terminem as “manobras de intimidação”.

Sindicato dos estivadores diz que porto de Setúbal está parado porque 90% dos trabalhadores são precários
Segundo António Mariano, as empresas que contratam estes trabalhadores – cerca de 150 de acordo com os dados do sindicato – estão a tentar fazer contratos com alguns trabalhadores, que são “ilegais em tempo de greve” e cujos termos são desconhecidos.


“Sabemos que um ou dois trabalhadores assinaram, mas nem ficaram com uma cópia do contrato”, denunciou.

Os trabalhadores exigem assim o retomar das negociações com os sindicatos para um acordo coletivo de trabalho que garanta os direitos destes trabalhadores precários que chegam a trabalhar 30 e 40 turnos por mês.

“Os trabalhadores estão fartos, muitos estão nesta situação há mais de 20 anos. Estão a ser alvo de manobras de intimidação e coação e decidiram parar totalmente desde dia 05 [de novembro]. Está tudo parado em Setúbal”, indica o sindicalista, depois do jornal Público ter avançado na sua edição de hoje que “não há movimento de contentores no Porto de Setúbal, nem operações no terminal usado pela construtora automóvel Autoeuropa para expedir veículos para o mercado de destino”.

A par desta paralisação dos precários decorre um greve ao trabalho suplementar, decretada pelos estivadores do SEAL, até 01 de janeiro de 2019 em defesa da liberdade de filiação sindical.

A greve em, causa abrange os portos de Lisboa, Setúbal, Sines, Figueira da Foz, Leixões, Caniçal (Madeira), Ponta Delgada e Praia da Vitória (Açores)."


sábado, 10 de novembro de 2018

Tarefas Urgentes do Nosso Movimento!: V. I. Lenine

V. I. Lenine

Novembro de 1900

A social-democracia russa já declarou, em diversas ocasiões, que a tarefa política mais imediata do partido operário russo deve ser o derrubamento da autocracia, a conquista da liberdade política. Declararam isto, há mais de 15 anos, os representantes da social-democracia russa, os membros do Grupo Emancipação do Trabalho; declararam-no também, há dois anos e meio, os representantes das organizações social-democratas russas que, na Primavera de 1898, constituíram o Partido Operário Social-Democrata da Rússia. Apesar dessas reiteradas declarações, o problema das tarefas políticas da social-democracia na Rússia torna a surgir nos dias que correm. Numerosos representantes do nosso movimento manifestam as suas dúvidas quanto ao acerto da mencionada solução do problema. Dizem que a luta económica tem uma importância predominante, relegam para plano secundário as tarefas políticas do proletariado, menosprezam e restringem estas tarefas e afirmam, inclusive, que as longas exposições sobre a constituição de um partido operário independente na Rússia são simples decalques de palavras ditas por outros, e que os operários devem sustentar exclusivamente a luta económica, deixando a política para os intelectuais aliados com os liberais. Esta última declaração do novo símbolo da fé (o tristemente famoso Credo(1)) significa simplesmente considerar-se o proletariado russo de menoridade e negar-se, por completo, o programa social-democrata. Na realidade, Rabotchaia Mysl (sobretudo no Suplemento) manifestou-se no mesmo sentido. A social-democracia russa atravessa um período de vacilações e de dúvidas que a fazem mesmo negar-se a si própria. Por um lado, o movimento operário está desligado do socialismo: ajudam-se os operários a impulsionar a luta económica, mas de forma alguma se lhes explicam, ao mesmo tempo, ou explicam-se-lhes insuficientemente, os fins socialistas e as tarefas políticas de todo o movimento no seu conjunto. Por outro lado, o socialismo está desvinculado do movimento operário: os socialistas russos começam novamente a dizer, cada vez mais, que a luta contra o governo deve ser sustentada apenas pelos intelectuais, pois os operários limitam-se à luta económica.

No nossa opinião, são três as circunstâncias que preparam o terreno para estes lamentáveis fenómenos. Em primeiro lugar, no início da sua actividade, os social-democratas russos limitaram-se ao simples trabalho de propaganda nos círculos. Ao passar-se à agitação entre as massas, nem sempre pudemos evitar cair no outro extremo. Em segundo lugar, na fase inicial da nossa actuação tivemos que defender constantemente o direito à existência, em luta contra os partidários de «A Vontade do Povo»(2), que concebiam a «política» como uma actividade divorciada do movimento operário e a reduziam a uma simples conspiração. Ao repelir essa «política», os social-democratas caíram no outro extremo, relegando para segundo plano a política em geral. Em terceiro lugar, ao actuarem dispersos em pequenos círculos operários locais, os social-democratas não deram a devida atenção à necessidade de organizar um partido revolucionário que coordenasse toda a actividade dos grupos locais e permitisse estruturar com acerto o trabalho revolucionário. O predomínio de uma actividade dispersa caminha unido espontaneamente ao predomínio da luta económica.

Todas estas circunstâncias deram lugar à propensão para um só aspecto do movimento. A corrente «economista» (na medida em que aqui se pode falar de «corrente») deu origem aos planos de se erigir esta estreita concepção numa teoria particular, aos planos de utilizar para este fim o bernsteinianismo(3) em voga, à «crítica do marxismo» na moda, que preconizava as velhas ideias burguesas sob uma nova roupagem. Estes propósitos originaram o perigo de se enfraquecerem os vínculos entre o movimento operário russo e a social-democracia russa, como combatente de vanguarda pela liberdade política. Daí a tarefa mais urgente do nosso movimento consistir em reforçar estes vínculos.

A social-democracia é a união do movimento operário com o socialismo. A sua missão não se baseia em servir passivamente o movimento operário em cada uma das suas fases, mas em representar os interesses de todo o movimento no seu conjunto, indicar o objectivo final deste movimento, as suas tarefas políticas, e salvaguardar a sua independência política e ideológica. Desligado da social-democracia, o movimento operário restringe-se e transforma-se forçosamente num movimento burguês: ao promover exclusivamente a luta económica, a classe operária perde a independência política, converte-se num apêndice de outros partidos e trai o grande preceito: «A emancipação da classe operária deve ser a obra da própria classe operária»(4). Em todos os países houve um período em que o movimento operário e o socialismo existiram isoladamente, seguindo caminhos distintos, e em todos os países esta separação debilitou o socialismo e o movimento operário; em todos os países, só a união do socialismo com o movimento operário criou uma sólida base tanto para um como para o outro. Em cada país, porém, esta união do socialismo com o movimento operário foi obtida durante todo um processo histórico, seguindo um caminho particular, de acordo com as condições de lugar e tempo. Na Rússia, a necessidade da união do socialismo com o movimento operário foi afirmada, há muito, no terreno teórico, mas, na prática, esta união só nos nossos dias se vai tornando efectiva. Este processo é muito difícil, e nada há de estranho que seja acompanhado de diferentes vacilações e dúvidas.

Que ensinamentos tiramos do passado? A história de todo o socialismo russo indica que a tarefa mais urgente é a luta contra o governo autocrático, a conquista da liberdade política; o nosso movimento socialista concentrou-se, por assim dizer, na luta contra a autocracia. Por outro lado, a história mostra que na Rússia a separação entre o pensamento socialista e os representantes avançados das classes trabalhadoras é muito maior do que noutros países e que, se continuar esta separação, o movimento revolucionário russo está condenado à impotência. Daí se deduz logicamente o dever que a social-democracia russa é chamada a cumprir; levar as ideias socialistas e a consciência política à massa do proletariado e organizar um partido revolucionário ligado indissoluvelmente ao movimento operário espontâneo. Neste sentido, muito já foi feito pela social-democracia russa; mas, o que ainda está por fazer é muito mais. À medida que o movimento cresce, amplia-se o campo da actividade da social-democracia, o trabalho é cada vez mais diverso e aumenta o número de militantes do movimento que concentram as energias na realização de diferentes tarefas parciais determinadas pelas necessidades diárias da propaganda e da agitação. Este fenómeno é perfeitamente natural e inevitável, exige, porém, uma extraordinária atenção para que as tarefas parciais e as diferentes formas de luta não se convertam em algo que se baste a si mesmo e o trabalho preparatório não adquira foros de trabalho principal e único.

A nossa primeira e fundamental missão consiste em promover o desenvolvimento político e a organização política da classe operária. Quem relega esta incumbência para segundo plano e a ela não subordina todas as tarefas parciais e as diferentes formas de luta, toma um caminho errado e inflige grave dano ao movimento. Desprezam esta missão, em primeiro lugar, aqueles que induzem os revolucionários a lutar contra o governo com as forças dos círculos de conspiradores, desligados do movimento operário. Desprezam esta missão, em segundo lugar, aqueles que restringem o conteúdo e o alcance da propaganda, agitação e organização políticas; aqueles que consideram possível e oportuno convidar os operários a intervir na «política» só em momentos excepcionais da sua vida, apenas em casos graves; aqueles que sentem excessiva ânsia de substituir a luta política contra a autocracia pela simples reclamação a esta de certas concessões e se preocupam muito pouco em que a reivindicação de concessões se transforme na luta sistemática e ininterrupta do partido operário revolucionário contra a autocracia.

«Organizai-vos!», repete aos operários nos mais diversos tons Rabotchaia Mysl, e com ele todos os partidários da corrente «economista». Como é natural, solidarizamo-nos inteiramente com este apelo, mas acrescentando: organizai-vos não só em sociedades de ajuda mútua, em caixas de resistência e em círculos operários, mas também num partido político, para a luta decidida contra o governo autocrático e contra toda a sociedade capitalista. Sem esta organização, o proletariado não é capaz de se elevar ao nível de uma luta consciente de classe; sem esta organização, o movimento operário está condenado à impotência; exclusivamente com as caixas de resistência, os círculos e as sociedades de ajuda mútua, a classe operária não conseguirá jamais cumprir a grande missão histórica que lhe está reservada; emancipar-se a si mesma e emancipar todo o povo russo da sua escravidão política e económica. Nenhuma classe conseguiu instaurar o seu domínio na história, sem criar os seus próprios chefes políticos, os seus representantes de vanguarda, capazes de organizar e dirigir o movimento. A classe operária russa já demonstrou, também, que é capaz de criar tais homens: a luta dos operários russos, que alcançou grande desenvolvimento nos últimos cinco ou seis anos, mostra que a classe operária possui um grande potencial de forças revolucionárias e que as perseguições do governo, por ferozes que sejam, não diminuem, mas, pelo contrário, aumentam o número de operários que se inclinam para o socialismo, para a consciência política e para a luta política. O congresso dos nossos camaradas, em 1898, expôs acertadamente a tarefa, e não repetiu palavras alheias nem expressou uma simples tendência de «intelectuais»... E devemos empreender com decisão o cumprimento destas tarefas, colocando na ordem do dia o problema do programa, da organização e da táctica do Partido. Já dissemos como concebemos os pontos fundamentais do nosso programa, mas, naturalmente, este não é o lugar para desenvolver em detalhe esses pontos. Temos o propósito de dedicar às questões de organização uma série de artigos nos próximos números. Este é um dos nossos problemas mais urgentes. Neste sentido, ficamos muito atrás dos velhos militantes do movimento revolucionário russo; é preciso reconhecer abertamente esta falha e dedicar as nossas forças a uma organização mais conspirativa do trabalho, a uma propaganda sistemática das suas normas e dos métodos para desorientar os polícias e não cair nas suas malhas. É necessário preparar homens que não dediquem à revolução as tardes livres, mas toda a sua vida; preparar uma organização tão numerosa, que possa aplicar uma rigorosa divisão do trabalho nos diferentes aspectos da nossa actividade. Finalmente, no que toca às questões tácticas limitar-nos-emos ao seguinte: a social-democracia não ata as suas próprias mãos, não limita as actividades a um plano qualquer, previamente preparado, ou a um único método de luta política, mas, ao contrário, admite como bons todos os métodos de luta, contanto que correspondam às forças do Partido e permitam alcançar os melhores resultados possíveis em determinadas condições. Se existe uma forte organização do Partido, cada greve pode converter-se numa demonstração política, numa vitória política sobre o governo. Se existe uma forte organização do Partido, a insurreição numa localidade isolada pode transformar-se em revolução triunfante. Devemos ter presente que a luta reivindicativa contra o governo e a conquista de certas concessões não são mais do que pequenas escaramuças com o adversário, ligeiras refregas nas frente de luta, e que a batalha decisiva está por vir. Temos pela frente a fortaleza inimiga, bem armada, de onde se lança sobre nós uma chuva de metralha que abate os melhores lutadores. Devemos tomar essa fortaleza, e tomá-la-emos se unirmos, em um só partido, todas as forças do proletariado que desperta às forças dos revolucionários russos, para o que se inclinam todos os elementos activos e honestos da Rússia. Só então se verá cumprida a grande profecia do operário revolucionário Piotre Alexeiev:

«Levantar-se-ão os braços vigorosos de milhões de operários, e o jugo do despotismo, protegido pelas baionetas dos soldados, saltará em pedaços!»


(1) Credo: com este título foi publicado em «1899 um documento no qual se expunham as teses fundamentais do «economismo», corrente oportunista que surgiu nos fins do século passado entre uma parte dos sociais-democratas russos. Os «economistas» consideravam que a luta política contra o czarismo devia ser tarefa principalmente da burguesia liberal e que os operários deviam limitar-se à luta económica pelo melhoramento das condições de trabalho, à elevação de salários, etc. Os «economistas» opunham-se à criação de um partido político operário independente e negavam a importância da teoria revolucionária no movimento operário. No seu livro Que Fazer?, publicado em 1902, e em outros trabalhos, V. I. Lenine demonstrou a total inconsistência e o carácter pernicioso das opiniões dos «economistas».

(2) A Vontade do Povo: organização secreta fundada em 1879. Na luta contra o czarismo, os adeptos de A Vontade do Povo recorriam ao terror individual e organizaram diversos atentados contra dignatários czaristas. A 1 de Março de 1881 assassinaram o czar Alexandre II. Os membros de A Vontade do Povo acreditavam erroneamente que um pequeno grupo de revolucionários, sem se apoiar no movimento revolucionário de massas, podia conquistar o poder e acabar com a autocracia. A Vontade do Povo deixou de existir na segunda metade da década de 80.

(3) Bernsteinianismo: corrente oportunista do movimento socialista alemão e internacional, fundada pelo social-democrata alemão Bernstein. A sua exigência era a revisão e supressão das teses fundamentais do marxismo revolucionário sobre a revolução socialista e a ditadura do proletariado. Em essência, o bernsteinianismo propunha à social-democracia renunciar à luta pelo socialismo e esforçar-se por conseguir apenas a realização de algumas reformas nos quadros da sociedade capitalista.

(4) Lenine cita a tese fundamental dos Estatutos Gerais da Associação Internacional dos Trabalhadores, escritos por K. Marx. Ver K. IMarx e F. Engels, Obras Escolhidas, em dois tomos, t. I, pág. 355, ed. em espanhol.