A Verdade entrevistou Ivan Pinheiro, 70 anos,
secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Advogado, Ivan iniciou
sua militância política ainda na juventude, no movimento estudantil do Rio de
Janeiro. Em 1976, ingressou no PCB e foi eleito presidente do Sindicato dos
Bancários, importante trincheira de resistência à Ditadura Militar. Nesta
entrevista, expõe a opinião do PCB sobre a conjuntura nacional, a luta contra o
governo golpista de Michel Temer e defende a unidade das forças populares na
construção de uma alternativa à esquerda para a crise capitalista. Da
Redação
A Verdade – Qual é a avaliação do
PCB sobre a conjuntura brasileira?
Ivan Pinheiro – Os governos do PT só
interessaram à burguesia enquanto garantiam lucros ao capital “como
nunca antes na história do País”, nas palavras de Lula, e, ao mesmo tempo,
funcionavam como eficientes bombeiros da luta de classe, cooptando entidades
sindicais e de massas e passando para os trabalhadores a ilusão de que o
governo (e não as suas lutas) garantiria seus direitos e seu futuro.
Em junho de 2013, veio o primeiro sinal de esgotamento
desse ciclo de conciliação de classe, quando começaram a chegar ao Brasil
fortes ventos da crise mundial sistêmica do capitalismo e os indícios de que o
PT já não mais controlava e desmobilizava os trabalhadores e os setores
populares.
Nesse quadro, para vencer a reeleição em 2014, Dilma
fez um discurso desenvolvimentista, negando a crise econômica, dizendo que era
mais fácil “a vaca tossir” do que retirar direitos
trabalhistas. Vencendo a eleição, passou a governar com o programa neoliberal
do candidato do PSDB, chamando Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda para
fazer o ajuste fiscal, cortes em programas sociais e serviços públicos,
flexibilizar direitos trabalhistas e previdenciários, privatizações em grande
escala, etc. A presidente implanta a Lei Antiterrorismo para reprimir os
movimentos populares e, em 18 de dezembro de 2015, assina o Acordo Militar
Brasil/Estados Unidos¹, junto com Aldo Rabelo, então ministro da Defesa, de um
partido que se apresenta como comunista.
Mesmo o governo cedendo às exigências do capital, a
economia continua em recessão, criando um ambiente de ingovernabilidade. Mas,
já no início de 2015, parte da burguesia começara a pautar o afastamento de
Dilma porque – por mais que Lula e o PT palaciano aceitassem ceder mais às
pressões burguesas – as contradições internas com alguns setores petistas
ligados aos movimentos de massa atrasavam a conciliação. Durante 2015,
continuaram as divergências no seio das classes dominantes em relação ao impeachment.
Mas, no início de 2016, com o anúncio de mais queda no PIB e o aprofundamento
da ingovernabilidade, o “comitê central” da burguesia fecha
questão em afastar a presidente e impor o ilegítimo governo Temer, para tentar
acelerar os ajustes que o PT vinha fazendo aos poucos.
O impeachment não foi um golpe de
Estado clássico, até porque não se tratava de um governo de esquerda, nem mesmo
reformista. Nos 13 anos de governos petistas, não houve qualquer avanço
estrutural ou institucional. Mas é óbvio que a direita usou e abusou de
manipulações midiáticas e jurídicas escandalosas e evidentes manobras
institucionais e parlamentares, nos marcos “legais” da democracia burguesa. Na
verdade, uma ditadura das classes dominantes. O PT havia cavado sua própria
sepultura ao optar, desde a primeira posse de Lula, por alianças com partidos
de centro-direita.
Como analisam o Governo Temer?
O surgimento do ilegítimo governo interino Temer deve
ser usado didaticamente pelos comunistas para combatermos as ilusões de classe
entre os trabalhadores, como a falácia de que é possível reformar e humanizar o
capitalismo, de que nesse sistema há uma “democracia”, um “Estado Democrático
de Direito”. Reparem que o partido que “traiu” o PT era seu principal aliado.
No governo afastado, o PMDB tinha o vice-presidente, os presidentes da Câmara e
do Senado e sete ministérios! Temos que combater Temer com toda energia, não
lhe dar trégua um minuto sequer, para impedir que aplique as receitas que lhe
encomendaram as classes dominantes. O governo interino é tão ilegítimo e corrupto
que está também diante de uma crise de governabilidade. Minha impressão pessoal
é de que o tiro da burguesia saiu pela culatra e que novas manobras
institucionais estão sendo preparadas. Mas não podemos subestimar nem ficar
esperando soluções dentro do sistema, pois a pauta neoliberal vai avançando no
Parlamento.
A meu ver, as forças anticapitalistas e populares não
devem gastar energias pela volta de um governo social-liberal petista, seja com
a volta de Dilma ou com a eleição de Lula. Durante toda esta crise, ficou
evidente que a trajetória do PT para a direita é um caminho sem volta. Para
garantir a governabilidade, Dilma chegou ao ponto de propor publicamente um
pacto nacional com a oposição de direita e de fazer de tudo para criar um novo
“centrão” com as legendas mais fisiológicas e corruptas. Não esqueçamos que o
czar da economia no governo Temer é o mesmo Henrique Meirelles, presidente do
Banco Central nos oito anos de Governo Lula que, no auge do impeachment,
tentava convencer Dilma a nomear esse banqueiro ministro da Fazenda para
agradar ao “mercado”, aos credores e aos investidores nacionais e estrangeiros.
Não devemos também alimentar ilusões reformistas, como
as propostas que circulam na esquerda, de novas eleições, reforma política ou
constituinte. Com o possível fracasso do vergonhoso Governo Temer, essas
alternativas institucionais serão a tábua de salvação para a burguesia: com a
hegemonia que mantém na sociedade, eleger um “novo” governo do capital, agora
legitimado pela “vontade popular”, para seguir com sua ofensiva contra os
direitos sociais e trabalhistas.
Como o PCB vê a importância da
unidade das forças populares e as alternativas para a crise?
O centro da nossa luta hoje deve ser o FORA TEMER,
entendido como a resistência à ofensiva do capital, que atribuiu a ele a tarefa
de flexibilizar mais ainda os direitos trabalhistas, generalizar a
terceirização, privatizar o que resta de público e aprofundar os cortes nos
programas sociais e a exploração do proletariado, além de saquear o orçamento
público, tudo para garantir a recuperação das taxas de lucro dos grandes
monopólios, o que se dará ao preço de mais repressão às lutas populares e
restrições aos direitos de organização e manifestação.
Com o agravamento da crise mundial do capitalismo, que
chega ao Brasil agora de forma dramática, haverá um acirramento das
contradições entre o capital e o trabalho, portanto, da luta de classes, agora
sem a cooptação do movimento sindical e de massas e com mais possibilidades de
unidade na ação das forças da esquerda socialista. Seja qual for o governo de
turno (a volta de Dilma, a permanência de Temer ou um novo presidente eleito),
a ofensiva do capital seguirá. Mas estão criadas as condições para um grande
crescimento do movimento de massas. No movimento sindical e operário, acredito
em uma explosão semelhante à que ocorreu entre 1978 e 1985, quando os
trabalhadores varreram os pelegos dos sindicatos. Haverá um grande crescimento
das lutas por terra, teto, trabalho, direitos civis, saúde, educação e transportes
públicos, e contra as discriminações de qualquer tipo.
Os comunistas e as forças populares de orientação
anticapitalista têm o dever de contribuir para a unidade de ação nessas lutas.
É preciso que essas forças promovam uma reunião nacional, o mais breve
possível, para criarmos as condições de construir uma Frente Anticapitalista e
Anti-imperialista e realizarmos, no primeiro semestre de 2017, um Encontro
Nacional da Classe Trabalhadora e dos Movimentos Populares – independente do
nome que venha a ter esse evento –, para que possamos dar amplitude nacional a
um grande movimento de resistência às ofensivas do capital, que acumule para o
surgimento de uma alternativa do proletariado na construção do poder popular e
para pavimentar o caminho ao socialismo.
Nota: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8609.htm
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