terça-feira, 1 de junho de 2021

“Estamos diante de uma multidão de desesperançados que não conhecem o medo”


 


Colombianos relatam abuso policial sem precedentes em meio a protestos contra Reforma Tributária. Com 51 mortos, mais de mil feridos e centenas de desaparecidos, a repressão aos protestos tem sido brutal.

Maicon Schlosser


 

INTERNACIONAL – Desde o dia 28 de abril ocorrem manifestações por várias cidades da Colômbia contra um projeto de reforma tributária que prejudicaria majoritariamente as camadas mais pobres do país. Chamada de “PARO” pelos colombianos, as manifestações que num primeiro momento foram convocadas por grupos sindicais, acabaram recebendo apoio de universitários e assim atraiu organicamente milhares de pessoas, especialmente dos bairros mais pobres do país, numa organização espontânea e livre.

Leandro Pérez, engenheiro que tem participado das manifestações nos contou:

“Quem sustenta as manifestações nesse momento é amplamente os setores marginais e populares que não tem nada a perder. Não importa se precisam aguentar fome, porque fome aguentam todos os dias. Por isso não sabemos até quando as manifestações vão durar, porque estamos diante de uma multidão de desesperançados que não conhecem o medo

Em resposta aos protestos, o governo deu início a uma repressão violenta e assassina, comandada pelo Esquadrão Móvel Anti-Distúrbios (Esmad). Polícia militar, paramilitares e infiltrados também auxiliam na repressão, que ao longo dos dias se transformou num massacre amplamente divulgado nas redes sociais e ignorado pela grande mídia colombiana.

Os relatos e vídeos que chegam do país nesse momento expõem um nível de brutalidade com precedentes apenas em governos ditatoriais. Segundo o último relatório da ONG Human Rights International, 51 pessoas foram mortas por policiais nas manifestações e mais de mil ficaram feridas. Ainda há relatos de estupros e desaparecimentos de manifestantes.

O engenheiro topógrafo Leandro Pérez que tem participado dos protestos em Cali e colabora levando leite e bicarbonato para ajudar os manifestantes que são atingidos por gases lacrimogênios. A repressão, segundo ele, tem sido cruel. 

“Eu vi um menino correndo de um policial, que ao vê-lo cair deu-lhe duas facadas, uma no estômago e outra na perna”, conta Leandro, que ao tentar ajudar foi atingido por uma bomba de efeito moral que o levou ao chão, causando sua hospitalização. “A repressão tem sido cruel. Não contam apenas com armas de dispersão, mas comprovadamente também com armas de fogo e facas. E se não acreditam em mim, podem assistir aos vídeos que já se tornaram virais, em que pode se evidenciar o uso dessas armas”, afirma Leandro.

Porém, nos últimos dias manifestantes têm relatado que os sinais de internet de cidades onde ocorrem as maiores atos, como Bogotá, Cali e Medellín, estão sendo desligados, num ato de censura, que impede que sejam transmitidas as cenas bárbaras de abuso de força por parte do ESMAD e aliados.

Além disso, há denúncias de desligamento de energia elétrica durante a noite nos bairros que concentram o maior número de manifestantes. “A polícia aproveita a escuridão para atacar. Em um bairro de Cali foi cortada a luz, para encurralar os manifestantes e atirar contra eles e para que as pessoas não pudessem gravar. É um absurdo!”, relata a fotojornalista Camila.

Para uma das responsáveis pela organização colombiana de direitos humanos JustaPaz, Paula Marcela Villani, a situação é preocupante: 

“A cidade está militarizada. Os manifestantes estão em risco iminente. Continuam fazendo detenções arbitrárias e estão fichando alguns desses jovens detidos como terroristas e rebeldes, numa tentativa de impor medo ao restante dos manifestantes e organizações independentes”

Outra situação grave, em sua opinião, é o caso das pessoas desaparecidas, que somam números alarmantes, com mais de 200 manifestantes sem paradeiro certo. Ainda de acordo com ela, há um silêncio institucional em relação ao massacre que está em curso. No lugar de punições aos envolvidos, o governo e seus aliados buscam apenas justificar o violência.

“É pior morrer de fome do que de Covid”. A Pandemia não impediu manifestantes de irem às ruas

RESISTÊNCIA POPULAR – Em meio a crise social, a pandemia perdeu importância e manifestantes saem às ruas sem medo de contaminação.

“Muita coisa aconteceu na Colômbia nesse último ano de pandemia. Seguem matando líderes sociais, as pessoas não tem o que comer, a vacinação contra o Covid-19 está muito lenta e a corrupção é impressionante. Então a verdade é que o povo colombiano cansou. Cansou do governo Duque, de toda essa sistematização de corrupção e de violência”, exclama a fotojornalista Camila Andre Diaz Ariza, que cobriu as manifestações em Bogotá.

Segundo a jornalista, a pandemia exacerbou os problemas sociais da Colômbia, causando um aumento nos números de desempregados e consequentemente da fome no país. “Muitas pessoas ficaram sem trabalho, sem saúde, sem casa. Não aguentamos mais. Por isso, já estamos há oito dias em protestos nacionais”, afirma ela.

Os indicadores sociais são preocupantes, com o desemprego chegando a 14%, a taxa de inflação em 2% e a taxa de crescimento anual do PIB em -3.6%. Portanto, quando o governo anunciou a medida para o aumento de impostos em produtos básicos, a população colombiana se revoltou.

“Os problemas sociais superam as mortes por covid. Há muita pobreza, muita fome. É pior morrer de fome do que de Covid”

A engenheira civil Daniela Duran, que tem frequentado o PARO desde os primeiros dias, diz que a pandemia perdeu a importância em meio aos problemas sociais da Colômbia: “Os problemas sociais superam as mortes por covid. Há muita pobreza, muita fome. É pior morrer de fome do que de Covid”. 

Ainda segundo Daniela, o povo colombiano está cansado de reformas abusivas, como as que colocam impostos sobre produtos básicos, que no momento é tudo que as famílias mais carentes têm para comer. O doutorando Galileo Santacruz reafirma a opinião de Daniela e diz que a população da Colômbia já não teme mais a Covid-19, mas sim a miséria e a fome. “Isso fez com que a gente saísse às ruas sem medo de morrer por covid”, relata.

O que querem os manifestantes?

UNIDADE NA LUTA – Multidão toma conta das ruas de Bogotá, unidas por um um objetivo em comum: retirada de qualquer reforma tributária que venha a prejudicar os cidadãos mais vulneráveis. (Foto: Colprensa Camila Díaz)

Os manifestantes alegam que o principal objetivo das manifestações é impedir que seja feita qualquer reforma tributária que venha a prejudicar os mais pobres. No dia 3 de maio, o presidente Ivan Duque voltou atrás e retirou a atual proposta de reforma tributária, mas deixou claro que esta será transformada numa nova proposta. A medida desagrada grande parcela dos colombianos, que temem que a nova reforma seja ainda mais prejudicial às camadas mais carentes da população, que já passam por um momento muito difícil devido à pandemia e a crise econômica da Colômbia.

Ainda de acordo com os frequentadores do PARO, há uma reforma da saúde sendo preparada às escuras e sem diálogo algum com a população. Essa reforma também se tornou pauta dos protestos, que após receberem uma repressão criminosa, cobram o afastamento do presidente. Embora seja difícil de acontecer, vê com bons olhos e esperança a politização e apoio da população, que em 2022 vai às urnas novamente, escolher o futuro do país.

“Há uma falta de credibilidade nas instituições do país e o povo que recuperá-la, mas de maneira totalmente diferente do que foi visto nas últimas eleições”, afirma Leandro Pérez, que ainda ressalta: “Assim começou o Chile. Não estou dizendo que aqui se repetirá a mesma coisa. Mas começou assim”, fazendo referência a jornada de protestos no Chile, que ocasionou na obtenção de uma nova Constituição.

Em reunião no dia 6 de maio, no auditório da Universidade do Valle, na cidade de Cali, delegações de diversos movimentos sindicais, trabalhadores, universitários, indígenas e políticos formularam um documento com suas reivindicações:

  1. Retirar imediatamente a assistência militar em todas as cidades do país.
  2. Reforma da polícia e fim do ESMAD.
  3. Pedido público de perdão pelas mortes causadas pela força pública nas manifestações iniciadas em 28 de abril.
  4. Retirada dos projetos de reforma tributária, laboral e da previdência social.
  5. Renda básica para todas as pessoas em situação de pobreza e vulnerabilidade social.
  6. Justiça por todos os crimes cometidos pelo estado durante as manifestações.
  7. Reparação às vítimas do PARO.
  8. Garantias de que não haja mais mortes de líderes sociais.

No dia 10 de maio houve uma reunião entre o presidente, ministros e líderes dos manifestantes, que terminou sem acordo. Enquanto isso, os protestos seguem e o povo colombiano continua nas ruas, exigindo melhores condições de vida e justiça por todos os crimes cometidos pelo Estado nas últimas semanas de manifestações.


Nota da Redação: 

A colaboração de Maicon foi produzida no dia 12 de maio e atualizada em 21 de maio, desde então as manifestações continuam a ocorrer na Colômbia e o povo obrigou Ivan Duque a reconhecer os abusos policiais cometidos por suas forças de Estado e estabelecer um processo de negociação sobre as reivindicações das ruas. Segundo a Defensoría del Pueblo, o número de mortos nas manifestações já chega a 52, além de 715 feridos, 41 lesões oculares, 87 mulheres vítimas de violência de gênero e mais de 1645 pessoas detidas. O número de desaparecidos continua a crescer, já são pelo menos 89. 

Se quiser ajudar de alguma forma, compartilhe informações e reportagens sobre a situação do país, começando por essa. É de extrema importância que o maior número de pessoas possível saibam o que está acontecendo na Colômbia.

Confira outros materiais de A Verdade sobre a luta do povo colombiano:

https://averdade.org.br/2021/05/solidariedade-com-a-luta-do-povo-colombiano/

https://averdade.org.br/2021/05/protestos-derrubam-projeto-antipovo-na-colombia/

https://averdade.org.br/2021/04/centrais-sindicais-realizam-paralisacao-nacional-na-colombia/

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A Chispa!: Se tal repressão e massacres tivessem ocorrido na Venezuela, na Biélorusia, o que já não teria dito os midias capitalistas ao serviço do imperialismo EUA e UE?

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