Depois de uma brutal campanha de intoxicação contra ele, hoje todos os meios de comunicação franceses, incluindo o juiz Marsaud, reconhecem que Abdallah nada teve a ver com os atentados pelos quais foi condenado, nem com a vaga de explosões que se verificou em França na altura (*)
Públicado a 6 de outubro 2024
Nunca se tinha registado um caso semelhante. Deveria ter saído da prisão em 1999, mas os juízes pós-modernos, mesmo os franceses, têm uma contabilidade muito criativa. Sabe-se quando se entra, mas nunca quando se sai.
A situação é tão vergonhosa que até o Le Monde, o jornal de prestígio por excelência, foi obrigado - finalmente! - a escrever uma reportagem sobre o assunto e, como sempre, mais do que a realidade em si, o que gostamos de ver é a forma como os espanadores a contam.
O Le Monde conta a história em torno de Louis Caprioli, um antigo polícia da DST, a contraespionagem francesa dos anos 1980. Foi o líder da "luta antiterrorista" e o tempo não o impede de continuar com as suas armações e ficções, apesar de já não ter de ir a tribunal, mas aos microfones dos media.
O caso é único desde o primeiro momento, quando, a 24 de outubro de 1984, Abdallah se dirigiu à esquadra de Lyon para pedir proteção: acreditava estar a ser perseguido por assassinos da Mossad para o matarem. "Fomos nós", diz Caprioli, que considera Abdallah culpado porque numa das suas casas "encontrámos a arma que tinha sido utilizada para matar um agente americano [Charles Ray, da CIA] e um agente israelita [Yacov Barsimentov, da Mossad]", diz Madero.
Abdallah foi inicialmente acusado apenas de posse de armas e documentos falsos, mas os EUA e Israel pressionaram os juízes e não descansaram enquanto não conseguiram uma sentença de prisão perpétua por meios mais do que bizarros.
Vejamos: pouco depois da detenção de Abdallah, a organização a que pertencia, as FARL (Forças Armadas Revolucionárias Libanesas), raptou o diretor do centro cultural francês de Tripoli (Líbano) e exigiu a sua libertação.
Como a pena de Abdallah não era muito longa, quatro anos de prisão, o então diretor da DST, Yves Bonnet, tentou negociar a sua libertação com os serviços secretos argelinos. Foi nesse preciso momento que a arma apareceu miraculosamente em casa de Abdallah.
Os capangas de Caprioli revistaram duas vezes a casa de Abdallah. No início não viram nada, mas quando voltaram uma segunda vez "descobrimos uma mala e a arma do crime lá dentro". Mas também uma pequena garrafa de "tipp-ex", um líquido branco que servia de borracha no tempo das máquinas de escrever. Uma impressão digital de Abdallah foi encontrada na garrafa.
Outro lapso deste manipulador: na mala milagrosa estava um diário datado de uma altura em que Abdallah já estava na prisão.
É assim que as "provas" dos processos políticos manipulados por polícias do calibre de Caprioli são tão pouco sólidas, o que os jornais sérios e rigorosos como Le Monde consideram um dado adquirido, tal como os procuradores e os juízes. Se os franceses ainda estão chocados com o caso Dreyfus, o que os espera com o caso Abdallah é ainda mais esclarecedor sobre o rumo dos aparelhos repressivos na velha Europa.
A organização a que Abdallah pertencia, as FARL (Forças Armadas Revolucionárias Libanesas), foi acusada da morte de dois técnicos de desactivação de bombas que morreram em agosto de 1982 quando tentavam desarmar uma bomba colocada no centro de Paris. Abdallah foi também acusado de duplo crime, no qual nem ele nem as FARL tiveram qualquer envolvimento.
Em 1985 e 1986, o exército israelita tinha invadido o Líbano e os atentados eram galopantes na Europa, em solidariedade com a resistência libanesa. Na altura, Abdallah estava na prisão e Caprioli e os seus sequazes apontaram o dedo aos amigos de Abdallah. Afirmou que os atentados tinham por objetivo libertar o seu chefe.
Acompanhado por alguns polícias e pelo juiz Marsaud, Caprioli dirigiu-se à prisão para o obrigar a confessar que estava efetivamente a ordenar os atentados a partir da prisão. É paradoxal porque, se ele tivesse confessado o seu envolvimento, já estaria na rua.
Depois de uma brutal campanha de intoxicação contra ele, hoje todos os meios de comunicação franceses, incluindo o juiz Marsaud, reconhecem que Abdallah nada teve a ver com os atentados pelos quais foi condenado, nem com a vaga de explosões que se verificou em França na altura (*).
As pistas conduzem ao Irão, que queria punir a França pelo seu apoio, através da venda de armas, ao Iraque, então em guerra com Teerão. Além disso, o Irão queria recuperar o acesso à central de enriquecimento de urânio Eurodif; após a queda do Xá em 1979, a França tinha suspendido a participação do Irão na Eurodif.
'Matámo-lo e depois não teremos de falar mais sobre o assunto'.
Mas no caso Abdallah não é a França mas os Estados Unidos, o que é o mesmo que dizer Israel.
Em 1986, o ministro do Interior francês enviou um emissário da DGSE, os serviços secretos franceses, a Washington para se encontrar com o grande padrinho da CIA, William Casey, para que este autorizasse a libertação de Abdallah. Explicaram-lhe que o problema é que a CIA não perdoa. Uma das vítimas do duplo atentado de 1982, Charles Ray, também era da CIA.
Depois, foi Casey que se deslocou pessoalmente a Paris. Jantou com o Ministro da Segurança francês, Robert Pandraud, e chegou a mostrar-lhe o seu garfo como uma ameaça: "Se a França não condenar Abdallah a prisão perpétua, as coisas correrão mal entre os nossos dois países, haverá uma rutura diplomática. Será um grande escândalo.
Pandraud propõe outra solução: "Vamos simplificar as coisas: libertamos Abdallah e mandamo-lo para o Médio Oriente. Depois liquidamo-lo e não se fala mais nisso.
As pressões americanas sobre a França aparecem num documento desclassificado da CIA, datado de novembro de 1986, que menciona "as pressões exercidas pelo governo dos EUA para impedir a libertação de Abdallah". Entretanto, "as FARL poderiam começar a atacar os interesses americanos devido à frustração com o papel desempenhado pelos EUA na manutenção de Abdallah na prisão".
(*) https://www.radiofrance.fr/franceinter/podcasts/secrets-d-info/secrets-d-info-du-samedi-22-juin-2024-7526241
Sem comentários:
Enviar um comentário
Por favor nâo use mensagens ofensivas.