Um parlamento agachado
Via: jornalmudardevida.net
Editor — 14 Abril 2022
Teria sido simples, como já foi dito, evitar a guerra na Ucrânia. Bastaria cumprir os acordos de Minsk de 2014-15 e garantir que o país não entraria na NATO, como a Rússia reclamou até 24 de fevereiro. Teria sido ainda mais simples se, em 2014, os EUA e a UE não tivessem promovido um golpe de estado em Kiev e instalado um governo ao seu jeito com a missão de afrontar a Rússia.
Ainda mais simples teria sido se, na conferência da NATO de 2008, em Bucareste, os EUA não tivessem imposto na declaração final (mesmo contra a vontade de franceses e alemães) o “convite” para a entrada da Ucrânia e da Geórgia na Aliança.
Também se pode dizer que, já com a guerra desencadeada, as conversações entre ucranianos e russos teriam podido evoluir por melhores caminhos se não fosse a pressão que os EUA — seguidos de perto pelos fascistóides polacos e, logo atrás, pelos servis-acobardados europeus em nome da “unidade do mundo ocidental” — sempre exerceram e continuam a exercer para empurrar os ucranianos para o conflito armado.
Só os EUA, com efeito, têm interesse na guerra e no seu prolongamento indefinido. Por duas razões evidentes e primeiras: desgastar a Rússia e submeter a Europa. E por mais umas quantas vantagens colaterais, tais como vender armas e gás a preços de monopólio.
Na lógica imposta pelos EUA de “matem-se uns aos outros e durante o maior tempo possível” — como fizeram, por exemplo, na guerra Irão-Iraque de 1980-88 — os norte-americanos encontraram em Zelensky o instrumento ideal, uma vez vencida (a troco de quê?) a sua resistência inicial em aceitar a fatalidade da guerra.
Zelenski tornou-se o porta-voz do extremismo guerreiro do imperialismo norte-americano, da guerra a todo o custo, a pretexto de interpretar os interesses e a vontade patriótica do povo ucraniano. O papel que lhe dão a desempenhar faz dele o arauto das mais loucas exigências que conduziriam em linha recta à guerra generalizada, pelo menos na Europa — como seja a ideia de uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia ou a de uma intervenção directa da NATO no conflito.
A acreditar nas suas palavras, tanto lhe faz que os ucranianos sejam sacrificados até ao último numa guerra perdida à partida, ou que a Europa seja engolfada num conflito destruidor e mortífero. O que lhe parece importar é apenas que se cumpra o script norte-americano.
É este factotum travestido de herói nacional que a Assembleia da República resolveu acolher, dispondo-se a ouvir com ar reverente mais uma das suas palestras de propaganda rasteira — protegida pelo bloqueio informativo das fontes russas — em que acaba sempre por pedir armas e mais armas, vendendo a mistificação de que vai vencer a guerra. E, tal como no caso dos parceiros europeus, também as autoridades e os propagandistas de serviço portugueses verão no número de Zelensky uma razão suplementar para continuarem a alimentar o esforço de guerra e a pagar-lhe os custos.
Não espanta que, do Chega ao PS, a AR tenha achado a proposta do PAN oportuna: é a NATO e a sacrossanta “unidade” europeia a ditar regras.
Também começa a não espantar o apoio sem reticências do BE: é a necessidade de dar mostras de fidelidade a um sistema de poder que o tem hoje como apêndice dispensável. Num acesso de zelo, o líder parlamentar do BE chegou a lastimar que a palestra de Zelensky não seja presencial … Pedro Filipe Soares considerou importante que “a casa da democracia portuguesa seja solidária com o povo ucraniano”. E acrescentou: “Não há melhor forma de demonstrar essa solidariedade do que a presença, mesmo que por videoconferência, do presidente Zelensky no parlamento português”. (Dinheiro Vivo, 6.4.22, sublinhado nosso)
Valeu o não do PCP, mas foram frouxas as justificações: o regimento da AR foi deturpado? a palestra não ajuda à paz? Certo — mas o que dizer do papel dos EUA, da UE e da NATO na moldagem da política nacional, como no caso é por de mais evidente?
A quase unanimidade da AR retrata um parlamento agachado diante das determinações que vêm de fora. Mas mostra também, através da grande maioria dos seus representante políticos, uma classe dominante conivente, por vontade própria, com os interesses mais obscuros do imperialismo a que por necessidade se encosta — sabendo que os custos políticos, sociais, económicos de aventuras como esta serão sempre descarregados sobre a população portuguesa.
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