Felipe Annunziata | Redação Rio
A luta dos povos da Ucrânia é uma só: derrotar o fascismo e impedir qualquer intervenção imperialista em seu país. As ameaças de guerra promovidas por EUA/União Europeia, de um lado, e pela Rússia, de outro, devem ser repudiadas, bem como toda solidariedade aos que enfrentam o fascismo naquele país deve ser prestada.
O ano de 2022 tem sido marcado pelo confronto diplomático entre Rússia e OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) diante da crise na Ucrânia. Desde 2014, quando ocorreu um golpe patrocinado pelos EUA e realizado por grupos neonazistas, o país do leste europeu vem passando por sucessivos governos reacionários.
Mas uma questão fundamental tem se colocado: por que e quais as origem dessa crise envolvendo a Ucrânia?
Temos visto várias narrativas da mídia sobre o tema. No Brasil, a maior parte dos meios de comunicação da burguesia já tomou o lado dos EUA e da OTAN, chamando a Rússia de agressora. Por outro lado, a imprensa social-democrata, liderada pelos blogs e canais de youtube ditos “de esquerda”, tem tomado o partido da Rússia, sob o argumento da expansão imperialista dos EUA e da OTAN sobre o leste europeu após o fim da URSS.
Rússia e Ucrânia: relações milenares entre dois países irmãos
O fato é que nenhum dos dois lados explica a origem das disputas e da crise entre esses países. Na verdade, quando a Ucrânia não é usada para insuflar discursos anticomunistas, ela é colocada apenas como um apêndice da Rússia.
A história dos povos que compuseram o antigo Império Russo e, posteriormente, a URSS, é muito rica. O Estado russo surgiu onde hoje é o território ucraniano, ainda no século 10, na Idade Média. Com o tempo, invasões, guerras e mudanças de governo finalmente levaram o centro político da Rússia de Kiev (capital ucraniana) para Moscou.
Essas mudanças também levaram a transformações culturais, linguísticas e econômicas, que tornaram cada vez mais clara a diferença entre ucranianos e russos. No entanto, a estrutura opressora e colonial da Rússia czarista nunca permitiu à Ucrânia se constituir enquanto nação independente.
De fato, foi só com a Revolução Socialista de 1917 e a vitória bolchevique na Guerra Civil, em 1921, que pela primeira vez na história a Ucrânia criou um Estado próprio. A República Socialista Soviética Ucraniana foi um dos países, junto com Rússia e Bielorrússia, a fundar a URSS, em 1922.
Os ucranianos lutaram fortemente contra a ocupação nazista durante a 2ª Guerra Mundial. Muitos generais e marechais que lideraram o Exército Vermelho eram ucranianos. No entanto, como a parte do extremo-oeste do país só havia entrado na URSS em 1940, a Ucrânia também foi um dos territórios soviéticos com mais colaboradores nazistas.
Na época do socialismo, a independência da Ucrânia era tão grande que o país contava com exército e corpo diplomático próprios. No entanto, o golpe kruchovista, em 1956, e a restauração capitalista na URSS, na década de 1980, levou à dissolução e à separação da Ucrânia.
Restauração capitalista e disputas interimperialistas
Com o fim da URSS, em 1991, uma onda de privatizações e políticas neoliberais abateu os povos das antigas repúblicas soviéticas. Empresas estatais, fábricas e terras eram vendidas a preço de banana para uma nova burguesia nascente.
Na Ucrânia não foi diferente. Lá, a burguesia local se dividiu em facções distintas e rivais. No leste, se constituiu uma maioria russa na população, enquanto que no oeste a maioria é ucraniana. Isso também se refletiu na formação da nova classe burguesa.
Os oligarcas bilionários ucranianos, que tomaram o poder com o golpe fascista de 2014, construíram nos últimos 30 anos grandes laços econômicos com o capital financeiro europeu e norte-americano. A história da Ucrânia pós-URSS coincidiu com o surgimento do euro e a expansão da Zona do Euro para o Leste Europeu.
Enquanto isso, no leste do país, a grande burguesia buscou continuar suas relações econômicas e históricas com a Rússia. Os principais gasodutos russos para a Europa passam por território ucraniano, e a economia nessa área do país é muito interligada com a economia russa.
Governo fascista e guerra civil
Essa conjuntura levou a uma disputa interna muito grande no país, culminando no golpe de 2014. O atual governo ucraniano, de viés fascista, começou a perseguir russos e falantes da língua russa, tornou ilegal qualquer referência positiva ao período soviético e colocou o Partido Comunista na ilegalidade.
Para a burguesia ucraniana ligada ao governo de Kiev, isso se alinhava com seus interesses, pois abria as portas para a entrada do país na OTAN e na UE. Por isso também que eles financiam até hoje grupos neonazistas que perseguem a população russa do leste da Ucrânia.
A situação levou a uma mobilização armada da população de diversas cidades do leste ucraniano, que se concentra principalmente em Donetsk e Lugansk, cidades próximas à fronteira com a Rússia. No sul, a população da península da Crimeia decidiu abandonar a Ucrânia e aceitar a anexação da Rússia.
Disputas interimperialistas pela Ucrânia
Esse cenário vem sendo explorado de forma oportunista pela oligarquia russa, liderada pelo presidente Vladimir Putin, e pela burguesia russo-ucraniana. O avanço dos neonazistas em Kiev despertou na maioria da população da Ucrânia (principalmente a de etnia russa) os sentimentos antifascistas mais legítimos.
De fato, a luta armada nas cidades de Donetsk e Lugansk contra o governo fascista ucraniano tem sua raiz na memória das atrocidades do nazismo e seus colaboradores. Na Rússia, entretanto, esse discurso vem sendo usado de forma a insuflar posições nacionalistas conservadoras.
Putin não tem demonstrado que seu apoio aos rebeldes ucranianos é por conta do avanço dos grupos neonazistas (embora cite isso em alguns de seus discursos). A única preocupação dele é com dois pontos: o fim da expansão imperialista da OTAN rumo ao leste e a consolidação de todas as ex-repúblicas soviéticas como áreas de influência da Rússia. Logo, engana-se profundamente quem pensa e defende que Putin é progressista ou antiimperialista.
Não é à toa que o presidente russo se encontrou no último dia 2/02 com um dos principais líderes da extrema-direita europeia, o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán. Putin também vai se encontrar com o presidente fascista Jair Bolsonaro nas próximas semanas. O objetivo é claro: buscar apoio, até de líderes fascistas, para conter a escalada da OTAN.
Do lado dos EUA e da Europa, os objetivos também não chegam nem perto de levar a “liberdade” e a “democracia” aos ucranianos. Tampouco o objetivo deles é defender a soberania do país. Essa história já conhecemos muito bem.
O objetivo dos imperialistas do Ocidente é o de sempre: garantir sua expansão para leste, subordinar mais um país, apossando-se de suas riquezas e recursos naturais, e, principalmente, conter qualquer avanço do bloco liderado por China e Rússia contra seus interesses.
Lutar contra a ameaça de guerra e o imperialismo
O que está posto neste momento é que a luta dos povos da Ucrânia é uma só: lutar contra o fascismo e qualquer intervenção imperialista em seu país. As ameaças de guerra de parte a parte devem ser repudiadas, bem como toda solidariedade aos que enfrentam o fascismo naquele país deve ser feita.
A Ucrânia hoje é palco de mais uma disputa interimperialista. Embora haja diferenças concretas entre a ação dos EUA, que apoiam grupos abertamente fascistas, e a Rússia, o que está em jogo é a disputa por zonas de influência e pela dominação do país.
O desafio do povo ucraniano é o mesmo que acomete todos os povos do antigo bloco socialista: a reorganização das forças revolucionárias. É fato que, desde o fim da URSS, esses países passaram por uma grande repressão aos comunistas e viram a ascensão de forças reacionárias e fascistas. Sem também superar essa tarefa histórica, as bases sob as quais se darão a luta antifascista e antiimperialista naquele país serão muito precárias.
Via jornal "averdade.org.br"
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