terça-feira, 19 de maio de 2020

19 de Maio de 1954: Catarina Eufémia é morta a tiro em Baleizão

19 de Maio de 1954: Catarina Eufémia é morta a tiro em Baleizão, numa manifestação de trabalhadores agrícolas por aumento do salário.
 
Ceifeira alentejana, Catarina Eufémia, filha de José Diogo e de Maria Eufémia, nasceu em 1928, na aldeia de Baleizão, concelho e distrito de Beja. Era uma assalariada rural pobre e analfabeta, como tantas outras mulheres do seu Alentejo natal. Casou ainda nova, em 1946, tendo depois três filhos. A sua vida teria sido anónima e esquecida como a de tantos outros alentejanos da sua condição se não tivesse acabado em circunstâncias tenebrosas, guindando-a a símbolo da resistência e contestação ao regime salazarista.
 
O Alentejo, naqueles tempos difíceis, era uma região de latifúndios e de emprego sazonal, onde as condições de vida dos  assalariados eram extremamente difíceis. Esta situação sócio-económica e laboral penosa e dura agitou as massas camponesas da região a partir de meados dos anos 40, vindo-se a agudizar nas duas décadas seguintes, gerando-se um permanente clima de agitação social no campesinato. 
 
Eram inúmeros tumultos e mais frequentes ainda as greves rurais, que acabavam sempre com a intervenção da GNR e eram devidamente vigiadas pela PIDE, em busca então de infiltrados e agitadores comunistas.Numa dessas greves de trabalhadores agrícolas, ocorrida a 19 de maio de 1954 na aldeia de Baleizão, um grupo de operários assalariados dirigiu-se à residência do patrão. Entre esses trabalhadores rurais, contava-se Catarina Eufémia,com um filho de oito meses ao colo. 
 
Entre outras pretensões, reivindicava-se para as mulheres um aumento da jorna (salário de um dia de trabalho) de 16 para 23 escudos (o que representa na moeda atual - o Euro - um aumento de 8 para 11 ou 12 cêntimos), na campanha da ceifa. 
 
No entanto, a GNR apareceu, como tantas outras vezes, acabando por intervir duramente. Para além dos tiros para o ar, de intimidação e para dispersar a concentração dos operários rurais, outros houve que tiveram um destino mais cruel e sangrento. 
 
De facto, o tenente Carrajola, da GNR, no caminho do grupo de assalariados para a casa do patrão, matara Catarina Eufémia com vários tiros, que caíra para o chão com o filho ao colo. Este assassinato a sangue-frio foi uma das mais brutais ações do regime de Salazar, causando uma revolta surda e contida entre as massas rurais alentejanas. 
 
Catarina tornou-se, depois da sua morte trágica, como um símbolo, principalmente entre o Partido Comunista Português, como um modelo de mulher, mãe e militante. Muitas vezes se lhe jurou vingança, tal foi a raiva de dor que pulsou durante décadas no Alentejo por aquela morte cruel, aparecendo também flores na campa de Catarina, no cemitério de Quintos, depositadas por desconhecidos. 
 
Os cantores de intervenção e os poetas opositores ao regime não deixaram também de cantar a pobre assalariada rural assassinada: José Afonso, Sophia de Mello Breyner ou José Carlos Ary dos Santos, entre outros. 
 
No imaginário popular e oposicionista, o assassinato de Catarina Eufémia era a demonstração clara da crueldade e brutalidade dos métodos e formas de resposta por parte do regime às desigualdades e injustiças que apoiava e mantinha.
 
Catarina Eufémia. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2012.
CATARINA EUFÉMIA

Sophia de Mello Breyner Anderson
O primeiro tema da reflexão grega é a justiça
E eu penso nesse instante em que ficaste exposta
Estavas grávida porém não recuaste
Porque a tua lição é esta: fazer frente
Pois não deste homem por ti
E não ficaste em casa a cozinhar intrigas
Segundo o antiquíssimo método obíquo das mulheres
Nem usaste de manobra ou de calúnia
E não serviste apenas para chorar os mortos
Tinha chegado o tempo
Em que era preciso que alguém não recuasse
E a terra bebeu um sangue duas vezes puro
Porque eras a mulher e não somente a fêmea
Eras a inocência frontal que não recua
Antígona poisou a sua mão sobre o teu ombro no instante em que morreste
E a busca da justiça continua

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