sexta-feira, 14 de outubro de 2016

AS TORPES NUANCES DO CAPITALISMO

Qualquer análise científica obedece a princípios de rigor na observação, na teorização e na experimentação. Qualquer análise de caráter social reconhecendo unicamente o regime como capitalista e a burguesia como classe dominante, enferma de simplificação não científica impeditiva de procedimentos concretos numa realidade concreta. A análise de classes e a clarificação da estrutura do poder, é um princípio marxista. Daí nasce a fundamentação que permite a elaboração da estratégia e da tática a seguir, ao serviço dessa mesma estratégia.
Este entendimento aplicado à realidade russa, fez Lénine perspetivar alianças internas e tratados externos. A revolução pelo fim do czarismo e derrube do regime feudal, com a implementação transitória do parlamento burguês, bem como o Tratado de Brest Litovsky, obedeceram a um plano estratégico claro e definido - A REVOLUÇÃO SOCIALISTA. A adoção de alianças e acordos temporários destinados a persevarem os interesses e o poder revolucionário, como o acordo posterior da União Soviética com a Alemanha nazi em defesa do socialismo e da preparação da resistência à invasão, serão sempre táticamente exemplares e relevantes para a história do movimento comunista internacional.
O capitalismo, com as suas variadas nuances, desde ditatoriais e conservadoras, liberais ou democráticas burguesas mais "ternurentas" e apreciadas pelos sociais democratas que circulam em torno da esquerda, afirmando-se até como radicais, deve ser analisado sob ponto de vista de quem trabalha, enquadrado na cientificidade analítica de como se exerce e estrutura esse poder. Neste procedimento, importa discernir que espécie de alianças ou acordos devem ser prosseguidos, na procura da concretização do principal princípio estratégico - a revolução como transformação radical da sociedade.
Admitindo que em tempos de crise, as torpes nuances democráticas do capitalismo, evoluem para cúpulas neoliberais e conservadoras, não podemos alienar o sentido da análise considerando o liberalismo como ideia social democrata, justificativa das suas ações para melhoria do sistema apresentada como uma difusa espécie de mudança de regime. Este pensamento facilitista e redutor de toda a teoria que possamos elaborar sobre a situação política vivida em cada momento histórico, abdica, igualmente, de perceber a existência de centros teóricos da burguesia que estuda modelos económicos e políticos, não só sob bases da economia clássica e do exercício do poder tradicionalmente dito democrático. A escola de Chicago e a sua famosa política de choque, são um exemplo fundamentalista do pressuposto antes exposto, onde o aproveitamento do teorizado como inevitável origina a política da inevitabilidade do conservadorismo imposto.
O neoliberalismo existe como continuador ideológico do liberalismo, prosseguindo as metas liberais de ausência de regulação dos direitos trabalhistas e sociais. A atração por regimes fascistas foi notória pelos teóricos liberais, nomeadamente por cartas escritas a Salazar e Pinochet, salientando o virtuosismo destes modelos autoritários quanto à eliminação dos direitos dos trabalhadores.
O período crítico capitalista do pós 2007, foi antecedido pelo financiamento generalizado ao consumo de carros e casas, tendente ao "aburguesamento" da classe operária. Era a chamada democracia das oportunidades, sustentando uma burguesia com mais valias produtivas fruto da exploração e com juros financeiros resultantes dos empréstimos.
A crise do casino financeiro, desembocou na união europeia do pesadelo, contrastando com as promessas de sonhos e benesses. As políticas de choque sucederam-se, atacando salários, pensões, direitos sociais, sobreponde-se o conservadorismo e o imperialismo à soberania dos povos. Era o regresso da vileza a exigir o regresso da audácia revolucionária, emergindo o oportunismo aliado a encapotamentos sociais democratas, pronto a confundir ostensivamente audácia com sentido de estado ou "reformismo progressista".
Transplantando a observação para o panorama político nacional, os setores denominados à esquerda do PS, BE e PCP, avalizaram o governo de Costa, sendo inaceitável e injustificável a manutenção da política direitista. Como diz o povo "enquanto o pau vai e vem, folgam as costas". Esta observação efetuada sob o ponto de vista de quem trabalha ou trabalhou, é táticamente correta, obedecendo a uma estratégia de confrontação com o imperialismo alemão e seus aliados do eurogrupo. A estratégia definida pelo BE e PCP de forte resistência e confronto europeu, não esquecendo que a linha vermelha traçada seria o tratado orçamental (recorde-se a grande recolha nacional de assinaturas pelo BE com fim desconhecido), alimentou a teoria da prática adotada obedecer a este princípio. A não cedência ao tratado orçamental, chegou a ser o princípio dos princípios como barreira impeditiva de acordos com o PS, conforme a penúltima convenção do BE havia decidido, embora, convenhamos, que as convenções ou congressos (PCP), não passam de mero exercício "litúrgico".
O apelo a uma nova realidade eleitoral fez cair o tratado, nascendo uma nova procupação alusiva à pressecução das metas orçamentais por intervenientes da esquerda, como fundamento governativo e não como imposição europeia. Até o novo imposto proposto, incididindo e bem sobre fortunas imobiliárias, a consenso com o PS claramente para cumprir metas orçamentais quanto ao défice, é apresentado como contrapartida ao aumento das pensões(Centeno nunca o afirmou). As metas orçamentais do tratado, com indicadores de níveis de défice impeditivos de investimento público e de medidas de apoio social e salarial, restrigem qualquer sentido de renegociação de prazos e juros da dívida, impedindo ainda a consideração de dívida ilegitima ou de parcialmente paga por juros usurários. Falar em reestruturação da dívida, para além de miragem, é demagogia perante a chantagem e a infâmia imposta pelo imperialismo dominador dos destinos europeus.
A oposição à cúria europeia revela-se por um assomo pertinente contra as sanções, em nome de um défice que está a ser cumprido por imposição. Em nome dessa mesma contenção, o BE já admitiu que os 600€ só entrará em vigor em 2019 e o PCP entende que as pensões mais baixas, terão de subir 10€. A Catarina Martins, sobre este assunto, já declarou que terão que acompanhar ou serem acima da inflação, a qual ronda os 2 por cento. Há que cuidar das finanças públicas, pobrezinhas que são, porque apesar do novo imposto a despesa deve ser controlada. Cuidado com o Schauble.
A deriva estratégica da esquerda, inicialmente em torno da reestruturação da dívida, da saída do euro, da resistência aos tratados, esbarrou no muro da anuência do PS aos principais fundamentos europeus, como recentemente juntando a sua voz na defesa do TTIP. Todos lamentam, e até lamentam muito, o encontro Costa/Temer, a vitalidade do Vital Moreira em defesa do tratado das imposições políticas, jurídicas e comerciais das multinacionais, o encontro do "esquerdista" Tsypras com os partidos socialistas liberais europeus em nome do anti austeritarismo que virou defesa do militarismo, o pedido de explicações sobre Barroso junto da CE por desigualdede de tratamento, o Azeredo e a amada NATO, quando a lamentação deveria ser substituída pelo mais veemente repúdio.
A estratégia, porque o apoio ao governo é tido como desarticulável se quebrarem a "simpatia", deixou de ser definida em função da realidade concreta, mas em nome da salvação da situação concreta. O acordo tático de apoio a um governo em torno da luta contra o empobrecimento, vira realidade contrária com a não adoção do salário mínimo de 600€ para 2017 e as pensões mínimas para 90 por cento desse mesmo salário mínimo. Os salários de 557€, as pensões entre os 200 e 400€, os subsídios de desemprego (para quem os tem) e os ditos subsídios de reinserção continuarão a ser honrados. Pobres, humildes mas honrados, como disse quem abstenho de nomear. Estavamos pior com Passos e o servilismo para além da troika, é verdade, mas não foi só para isto que andaram a anunciar uma eficácia na luta e no esticar da corda.
Realmente a estratégia da esquerda passa pela ausência de estratégia ou pela salvação do sistema, resumindo-se a procedimentos institucionais parlamentares, vangloriando-se pela quantidade infinita de proposta legislativa apresentada, reconhecidamente voltadas para a anulação de desigualdade e a melhoria da vida das pessoas, levando à conclusão que a social democracia se impôs nos movimentos de esquerda, hoje tradicional. A esquerda radical, segundo Marx é aquela que vai à raíz dos problemas, deve aproveitar o parlamento e as eleições como tribuna da voz popular e revolucionária, articulada com propostas sobre ambiente, desigualdade, segregação, violência, exploração, nunca abdicando, sob pena de desagregação, dos fundamentos organizativos capazes de tornar a rua e os locais de trabalho como palco principal da atuação e do discurso. O reformismo, independentemente de reformas aceites e até reinvindicadas pela esquerda radical, não é um fim para o poder da burguesia. O reformismo, nem por uma soma infinita de reformas, desembocou num processo revolucionário.
Por muitas bandeiras que nos acenem em nome da salvação da democracia ou de medidas contra o empobrecimento, mantendo-se os meios de produção nas mãos dos exploradores, os centros económicos e financeiros na mão de privados, a salvação do banqueiro numa troca de mil milhões por dois a cinco euros nas reformas e, principalmente, trabalhando para continuar a ser pobre, bandeiras incolores de quaisquer aditamentos reformistas, nunca substituirão a bandeira vermelha da grandeza da revolução socialista.
Stalin tem um pensamento emblemático nesse sentido: Socialismo não significa pobreza e privações, mas destruição da miséria e das privações.


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