Por Michael Roberts
A morte de Nelson Mandela recorda-nos a grande vitória que as massas negras da África do Sul alcançaram sobre o odioso, cruel e regressivo sistema do apartheid, primeiramente encorajado pelo imperialismo britânico e, depois, adotado por uma reacionária e racista classe dominante branca sul-africana, para preservar os privilégios de uma reduzidíssima minoria.
Mandela passou 27 anos na prisão e o povo que ele representou combateu numa longa e árdua batalha para derrubar um regime grotesco, apoiado durante décadas pelas maiores potências imperialistas, incluindo os EUA.
Apesar dos esforços dos conservadores britânicos, particularmente sob o consulado de Margaret Thatcher– a vencedora e, globalmente, conselheira de todos os reacionários – e dos outros líderes imperialistas, o regime da África do Sul foi finalmente derrubado com os sacrifícios de milhões de negros sul-africanos: das forças operárias nas minas; dos adolescentes nas escolas; e do povo nas cidades.
Estes foram apoiados pelas acções de solidariedade dos trabalhadores e do povo nos principais países, através de boicotes, greves e campanhas políticas. Foi uma grande derrota para as forças da reação na Grã-Bretanha e América.
Mas o fim do apartheid deveu-se também a uma mudança de atitude por parte da classe dominante branca na África do Sul e das classes dominantes dos principais estados capitalistas. Houve uma pragmática decisão para não considerar mais Mandela como "um terrorista" e reconhecer que um presidente preto era inevitável e, mesmo, necessário. Porquê? A economia capitalista da África do Sul estava de joelhos.
Isso não aconteceu só por causa do boicote, mas porque a produtividade do trabalho negro nas minas e fábricas piorou muito. A qualidadedo investimento na indústria e a disponibilidade de investimento do exterior caíram drasticamente. Isto expressou-se na rentabilidade do capital, que atingiu o ponto mais baixo do pós-guerra na
recessão global do início da década de 1980. E, ao contrário de outras economias capitalistas, a África do Sul não conseguiu encontrar um caminho de regresso em torno ou através da exploração da força de trabalho.
A classe dominante tinha de mudar a estratégia. A liderança branca, sob FW de Klerk, inverteu décadas da política anterior e optou por libertar Mandela e avançar para um governo de maioria negra, que pudesse restaurar a disciplina laboral e recuperar a rentabilidade. Por esse seu abandono, de Klerk obteve o Prémio Nobel da Paz, juntamente com Mandela, que se tornou presidente com a idade de 76 anos! E, de facto, a rentabilidade cresceu dramaticamente sob a primeira administração Mandela, pois a taxa de exploração da força de trabalho disparou.
O crescimento da rentabilidade diminuiu gradualmente no princípio da década de 2000, pois a composição orgânica do capital subiu drasticamente, através do aumento da mecanização, embora isso, mais adiante, provocasse uma nova subida na taxa de exploração. A indústria sul-africana está agora em dificuldade, o desemprego e o crime permanecem em alta e o crescimento económico está a afundar-se
.
A África do Sul sob Mandela, e, depois, sob Thabo Mbeki, teve alguma melhoria no nível de vida verdadeiramente medonho da maioria negra – no saneamento básico, habitação, electricidade, educação, saúde, etc. –, acabando o controle cruel e arbitrário da movimentação e a desigualdade do regime do apartheid. Mas a África do Sul ainda tem a maior desigualdade de rendimentos e riqueza do mundo, e a desigualdade nunca foi tão elevada como quando os capitalistas negros se juntaram aos brancos na economia. Apesar da sua declarada ideologia socialista, o ANC nunca
avançou para a substituição do modo de produção capitalista, com a propriedade comum, nem mesmo das minas ou dos recursos industriais.
Como diz a OCDE no seu relatório sobre a desigualdade de rendimentos em economias emergentes: “Num extremo, o forte crescimento da produção durante a última década andou de mão dada com o declínio da desigualdade de rendimento em dois países (Brasil e Indonésia). No outro extremo, quatro países (China, Índia, Federação Russa e África do Sul) registaram aumentos pronunciados nos níveis de desigualdade durante o mesmo período, apesar de as suas economias estarem a expandir-se fortemente.”
A minúscula minoria de ricos, principalmente branca, quase não foi afetada pelo fim do regime do apartheid. Mais uma vez, como a OCDE diz: “Isto é um desafio particularmente sério para a África do Sul, onde as divisões geográficas refletem desigualdades entre as raças. Embora os rendimentos reais tenham estado a crescer para todos os grupos, desde o fim do apartheid, muitos africanos ainda vivem na pobreza. Seja qual for a medida da pobreza, os africanos são muito mais pobres do que os de outra cor – são muito mais pobres do que indianos/asiáticos,
eles próprios mais pobres do que os brancos.” E, agora, os brancos ricos são acompanhados por negros ricos que dominam os negócios e exercem influência esmagadora na liderança negra do partido governante, o ANC. O ANC exprime as agudas divisões entre a maioria da classe operária negra e a pequena classe dirigente negra, que se tem desenvolvido. Estas clivagens irrompem
de vez em quando, mas ainda sem uma ruptura decisiva (como vimos recentemente com os disparos da polícia sobre mineiros grevistas, sob um governo negro). O legado de Mandela foi o fim do apartheid; a luta pela igualdade e uma vida melhor continua com as gerações seguintes do seu povo.
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