09 DEZEMBRO 2013
O oportunismo, reformismo e revisionismo procuram actualmente, num discurso renovado, os velhos objectivos de separar a classe operária e os seus partidos comunistas dos fundamentos do marxismo, da luta revolucionária contra o capitalismo, do princípio da ditadura do proletariado, do papel revolucionário da classe operária e o seu partido de vanguarda na revolução socialista e na construção do socialismo-comunismo.
Constitui uma grande lição contra o oportunismo e a degeneração da II Internacional a iniciativa liderada pelos bolcheviques e outros marxistas que se agruparam na esquerda de Zimmerwald os espartaquistas na Alemanha e muitos partidos, tendências e grupos que estariam na base da III Internacional, a Internacional Comunista.
Historicamente, o oportunismo procurou deformar, caluniar, suavizar, domesticar o marxismo, submetendo-o ao ataque directo, tergiversando sobre os clássicos, chegando até à mutilação grosseira dos textos (1) para apresentar versões úteis à política do gradualismo, do parlamentarismo, à coexistência com o capitalismo e abandono da luta pelo poder. O oportunismo levou os partidos da II Internacional a uma posição claudicante e assumiu cumplicidade criminosa com o imperialismo durante a I Guerra Mundial; serviu directamente como aparelho de repressão do capital contra a revolução alemã e foi responsável pelo assassínio de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht.
Todas as forças do oportunismo se voltaram contra a Grande Revolução Socialista de Outubro e apoiaram a contra-revolução que procurou derrubar o poder soviético dos operários e camponeses, justificando a intervenção imperialista, o cerco sanitário.
A experiência veio demonstrar que a luta contra o oportunismo, reformismo e revisionismo é de grande importância ideológica, visto ser um problema de vida ou morte para a existência do partido da classe operária, para a revolução proletária e para a construção do poder operário. Vladimir Illich Lenine insistiu em várias obras que a luta pelo socialismo é incompleta sem a luta contra o oportunismo, e isso foi o traço de identidade dos novos partidos construídos pela Internacional Comunista, como se reflecte em vários dos seus documentos, que falam da luta constante e implacável contra os «auxiliares da burguesia», em reconhecer a necessidade de um ruptura total e absoluta com o reformismo «já que sem isso é impossível uma política comunista consequente» (2), senão a III Internacional acabaria — alertava — por se assemelhar muito à II Internacional.
E esta frente ideológica não se pode considerar temporal, concluída ou reduzida a uma etapa que ficou no passado da história do movimento comunista.
O oportunismo é uma força auxiliar da burguesia para atrasar os processos de incremento na luta de classes, conter a vaga revolucionária e fomentar a contra-revolução, mas não devemos subestimar que a sua actuação é constante e em todos os períodos, mas com uma periculosidade crescente quando é possível que, pelo ciclo do capital, entre a classe trabalhadora haja condições para a radicalização da consciência. Hoje mesmo, na Europa e na América, é um suporte fundamental do imperialismo, recebendo inclusive financiamento dos monopólios para a acção política, desde ONG’s, actividades ideológicas e, sobretudo, promoção de formas alternativas da gestão capitalista de «rosto humano». Este é o papel do Partido da Esquerda Europeia, a que perigosamente se liga cada vez mais o Foro de São Paulo (3), apesar de uma retórica que critica a gestão neoliberal e que promove políticas públicas assistencialistas (4)
As manifestações do oportunismo existem hoje em nível duplo. O primeiro, solapando internamente os partidos comunistas e operários para perderem os seus traços de identidade, as suas características revolucionárias e acabarem transformados em partidos formalmente comunistas, mas na verdade social-democratas, transformando-se em organizações oportunistas. O segundo é a promoção de agrupamentos directamente com esse carácter, integradas por ex-comunistas, maoístas, trotskistas, social-democratas, como o Bloco de Esquerda em Portugal e o Syriza na Grécia.
A frente ideológica contra o oportunismo é uma necessidade: não estar atento a ele, desdenhá-lo, omiti-lo, leva à liquidação dos partidos comunistas. Por exemplo, o PCM abraçou a tendência browderista, como outros partidos da América Latina (como sabemos, o PC dos Estados Unidos esteve a um passo da dissolução com a intentona de o transformar numa associação, uma espécie de clube ideológico). No México, esse modelo era a Liga Socialista, onde deveria dissolver-se o PCM. Os partidos colombiano, cubano e dominicano mudaram de nome inscritos naquela corrente. O PCM dissolveu as suas células na indústria e sindicatos e renunciou provisoriamente ao centralismo democrático, e mudou de nome de Partido Comunista do México para Partido Comunista Mexicano; além das graves lesões à estrutura leninista, adoptaram-se políticas de coexistência com secções da burguesia a que se chamou «nacional» e «progressista» e se renunciou à via revolucionária para a conquista do poder. A Carta de J. Duclos, assim como as críticas de outros partidos, geraram reacções de reagrupamento militante dos comunistas para evitar a liquidação e reconstruir os partidos.
A frente ideológica contra o oportunismo é uma necessidade; descuidá-la, desdenhá-la, omiti-la, leva à liquidação dos partidos comunistas.
Em documentos posteriores, (5) o PCM reconhecia que a condenação ao browderismo foi apenas formal e isso repercutiu-se nos anos seguintes, pois não se ligou a certas políticas de orientação oportunista promovidas a partir do XX Congresso do PCUS, como o caso das chamadas «vias nacionais» para o socialismo, a possibilidade do caminho pacífico, adoptando-a não como uma excepção, mas sim como uma generalidade para o movimento comunista, apoiado nas políticas dos partidos francês e italiano.
O PCM deixou-se permear e começou a corroer-se até à sua dissolução em 1981, para se transformar, primeiro, num partido socialista e, logo depois, no Partido da Revolução Democrática (filiado na Internacional Socialista, promotor da gestão keynesiana e repressor do movimento operário e popular), um partido da classe dominante apresentado pela propaganda como o partido da esquerda no México. As condições difíceis de reconstrução do PCM e o nível de desenvolvimento político da classe operária na luta mostram que o objectivo de liquidar nos anos 80 o PCM era o de assestar um golpe demolidor na luta proletária, atrasá-la em décadas.
É tão actual este assunto que hoje mesmo, nos Estados Unidos, o Partido Comunista enfrenta um problema semelhante ao que teve com Earl Browder, quando a corrente oportunista chefiada por Sam Webb, o Presidente do Partido, propôs uma plataforma para o despojar das suas características, liquidá-lo e transformá-lo numa força auxiliar do Partido Democrata. Essa plataforma contém muitos elementos promovidos pelo eurocomunismo, pelo processo que levou à liquidação do PCM, e que hoje corroem vários partidos comunistas, incluindo alguns da América.
Insistimos na importância de combater as tendências oportunistas; enunciar os traços que se manifestam na América vai mostrar-nos que, para além de algumas especificidades, é geral o oportunismo internacional.
O geral e o específico, e o desvio que implica acentuar as particularidades
O marxismo-leninismo, base ideológica dos partidos comunistas, teoria revolucionária da classe operária, apoia-se no materialismo dialéctico, o materialismo histórico e a economia política. Procura extrair o que é mais geral da realidade ao estudar o desenvolvimento da história, os modos de produção, o conflito socio-classista, as regularidades na sociedade, as leis que regem as mudanças e revoluções.
As particularidades, o específico, devem levar-se em conta, pois o marxismo-leninismo enriquece-se criativamente, mas não podem ser o determinante nos pontos essenciais, na análise.
Com o argumento de se demarcar do dogmatismo e da análise alheia à realidade produz-se um apelo à adulteração do marxismo, reproduzindo a crítica academicista que assume como objectivo dissociar Engels de Marx e Lenine de Marx. Alguns partidos latino-americanos, demarcam-se do leninismo – hoje mesmo, o PC dos Estados Unidos tem essa posição – que, afirmam, corresponde às particularidades da Rússia e a outra etapa histórica. No fundo, trata-se da renúncia às posições revolucionárias do marxismo o que, do ponto de vista teórico, é insustentável. É também uma fonte de desvios políticos que levam ao movimentismo, desvirtuam o papel do partido e o papel da classe operária.
A chamada latino-americanização do marxismo tem muito em comum com operações corrosivas anteriores, como as de Santiago Carrillo e dos eurocomunistas e o «marxismo ocidental», já que recusa abertamente o materialismo dialéctico, a ditadura do proletariado e dirige um ataque à história dos partidos comunistas.
É notável como alguns partidos comunistas se deixam assimilar acriticamente por essas posições e as promovem, por exemplo ao assumir a distribuição da editora Ocean Sur de origem trotskista, em cujo catálogo de publicações predomina o ataque ao socialismo construído no século XX, e se difundem críticas ao marxismo-leninismo chamando-lhe «ideologia estatal soviética»; tudo isso, apoiado na promoção editorial de materiais relativos à Revolução Cubana.
Aspectos essenciais do materialismo dialéctico e o ateísmo filosófico, são postos de lado pela pressão de correntes como a teologia da libertação.
É da mesma fonte o argumento de que o marxismo é eurocêntrico; mas a uma mescla eclética de verniz místico é alcandorada ao latino-americano como o alfa e o ómega.
Não há preocupação com a reedição dos clássicos, mas sim com a divulgação destes deformadores modernos que, por estarem delimitados ao claustro universitário, colocamo-los no folclore, mas que exercem grande influência em alguns partidos comunistas. A debilidade na frente ideológica, o desenvolvimento limitado de investigações e trabalhos teórico-científicos a partir das nossas posições de classe leva alguns partidos a serem surpreendidos pelo contrabando ideológico dos que atacam o marxismo apresentando-se como «marxistas». Como exemplo, recordamos o caso ocorrido não há muitos anos de H. Dieterich, um dos ideólogos do «socialismo do século XXI», a que a imprensa de alguns partidos comunistas dava algum espaço.
O desvio ideológico, o ecletismo, o acento pela especificidade, estão na base de novas revisões do marxismo.
Outro traço negativo é o que deixa de lado as leis gerais da revolução, apelando à «originalidade» de processos sociais anteriores e em curso. Uma premissa do movimento comunista internacional sustentada desde o triunfo da Grande Revolução Socialista de Outubro é o carácter da época, que situamos como a do imperialismo e das revoluções proletárias, a da transição do capitalismo ao socialismo; nós consideramos que o triunfo intemporal da contra-revolução não altera a premissa.
Programaticamente, o oportunismo introduz um debate e uma estratégia sobre a transição, que deixam para trás as tarefas da classe operária e do seu partido comunista. Qual é o argumento? Sobretudo a partir do triunfo da Revolução Chinesa, nova recepção das ideias de Mao Tse Tung sobre as contradições no seio da burguesia e a existência de um «sector nacional» desta em antagonismo com o imperialismo. Esta burguesia nacional transforma-se, segundo aquela perspectiva, numa aliada estratégica da classe operária na luta anti-imperialista e para alcançar a meta programática de romper os grilhões da dependência com o imperialismo norte-americano. Existem matizes em torno das causas da dependência; alguns defendem a concepção errada que o colonialismo é idêntico às relações feudais ou semifeudais; outros defendem a caracterização de um capitalismo deformado e incompleto, o que coloca uma série de questões a uma política de classe marxismo-leninista e às tarefas dos partidos comunistas.
Em primeiro lugar, as do próprio desenvolvimento das relações capitalistas mostram que o posicionamento sobre dependência não é dialéctico. Os processos de acumulação, concentração e centralização levam ao aparecimento dos monopólios, que acabam por predominar na economia e na política, independentemente de fronteiras ou nacionalidades. O que existe é uma relação de interdependência que coloca de um lado os monopólios e do outro a classe operária; ou seja, a contradição capital-trabalho. Vejamos:
Aqueles que no México afirmam que a principal tarefa é conquistar a independência em relação aos Estados Unidos e trabalham para uma aliança pluriclassista com sectores da burguesia interessados, esquecem que o que chamam burguesia nacional subentende hoje monopólios que fazem já parte do imperialismo, que exportam capitais e exploram trabalhadores em vários países (6). Alguns desses monopólios mexicanos são dominantes a nível continental e, inclusive no interior dos Estados Unidos (como o caso das telecomunicações e algumas mineradoras).
A luta pela independência assim concebida não é nada mais do que a procura de uma nova forma de gestão do capitalismo com aliados demasiado fictícios.
De resto, é incompleta a apreciação de que o imperialismo só existe nos Estados Unidos. O imperialismo é o capitalismo dos monopólios e tem um dos seus centros nos Estados Unidos, mas também os tem na União Europeia e em toda a acção dos monopólios e relações inter-estatais. Damos como exemplo o sul do continente, onde a expansão dos monopólios brasileiros é uma realidade; o Mercosul, é uma aliança inter-estatal de carácter capitalista e tem relações de interdependência cada dia mais estreitas com a União Europeia (7).
Esta concepção de alianças com sectores da burguesia foi rebatizada contemporaneamente como «progressismo», e vários partidos comunistas colaboram com eles na formação de governos que não ocultam a sua natureza de classe e praticam políticas de superlucros dos monopólios, de que o Brasil é exemplo evidente.
Numa tal política de alianças, o papel da classe operária e dos partidos comunistas é secundário; é um problema perigoso, pois a independência de classe e a autonomia do partido deixam de ser as tarefas prioritárias, o dever absoluto; deixam de ser organizações de militantes e transformam-se em agrupamentos de filiados, para quem o socialismo se torna uma opção distante, e ao fixarem uma etapa intermédia de longa duração coloca-as na colaboração de classes, nos pactos sociais e num parlamentarismo funcional ao progressismo, que é uma forma de gestão do capitalismo.
O imperialismo é o capitalismo dos monopólios e tem como um dos seus centros os Estados Unidos mas também a União Europeia
Os processos da Venezuela, Equador e Bolívia apresentam uma problemática diferente devido à posição de alguns partidos que renunciam à teoria marxista do Estado. O processo social venezuelano é muito importante, mas ainda não é uma revolução. Como chamar revolução a um processo de onde não surgiu um novo Estado, onde o anterior não foi destruído e constitui a estrutura com que se continua a governar? Onde não se socializaram os meios de produção nem se impulsionou o sector primário e secundário da economia? Reconhecemos que é uma disjuntiva com tensões e conflitos, onde ainda está por resolver o rumo definitivo, onde hoje predominam as posições das camadas médias, e sujeito a ataques financiados pelos monopólios. Não temos uma posição neutra, colocamo-nos solidários com as forças mais avançadas, a começar pelo PCV. Mas é inexacto e erróneo promove-la como caminho, chamando revolução ao que ainda não o é.
O ataque ao socialismo construído no século XX, argumento do oportunismo
Um dos traços distintivos do oportunismo é o ataque à experiência da construção socialista na URSS e outros países, a quem injuria, retomando argumentos do trotskismo e do anticomunismo.
Os oportunistas resumem as suas posições na ausência de condições objectivas para o socialismo, como o fez Kautski na sua época, em supostas tendências antidemocráticas e burocráticas, atacando a planificação da economia e propondo a coexistência de diversos tipos de propriedade, assim como das relações mercantis.
Toda a artilharia acumulada pelo capital é apresentada em novas versões. Alguns partidos comunistas confrontam esta situação, outros omitem o tema e outros ainda, juntam-se a tais posições. Por isso, vários partidos comunistas incorporam, não apenas a nível de propaganda mas como concepção programática, a proposta do «socialismo do século XXI» que, como já alertaram os marxistas-leninistas é uma manifestação contra a revolução socialista e o trabalho dos comunistas.
Estes indícios do oportunismo no continente não são desconexos, e embora não se expressem com coerência, nitidez e em certas ocasiões procurem misturar-se com o marxismo-leninismo, colocam o movimento comunista perante sérios problemas.
Inclusive, certos indícios de beligerância com uma preocupante tendência oportunista foram expressos pelo PC do B durante o último Encontro dos Partidos Comunistas e Operários efectuado em Atenas, em Dezembro de 2011, quando eufemisticamente afirmou que a participação dos comunistas em governos progressistas é uma demonstração de maturidade, e que a crítica a isso é uma posição sectária e afastada das massas; a colaboração de classes será assim o correcto, enquanto a independência de classe e autonomia do Partido Comunista seriam o incorrecto. É evidente que as posições oportunistas minam o PC do B.
Numa apreciação muito geral, na América – excepção feita a Cuba – predominam as relações capitalistas, independentemente de em alguns países se afirmarem ainda relações pré-capitalistas no campo. Está definido o antagonismo entre capital e trabalho, e a tendência para a proletarização, aumenta entre as camadas médias. Como em todo o mundo, os limites históricos do capitalismo situam o impostergável objectivo para a classe operária de lutar pelo derrubamento da burguesia e a construção do socialismo-comunismo. O oportunismo, como força de choque do capital, procura evitá-lo. É necessário que os partidos comunistas estejam em guarda e o combatam permanentemente.
(1) Por exemplo, a Introdução à luta de classes em França de 1895, de F.Engels.
(2) Por exemplo, Condições de Ingresso na Internacional Comunista, redigido por Lenine para o Congresso Mundial do Comintern.
(3) Base objectiva disso é a maior interdependência do Mercosul com a União Europeia, o aumento das relações económicas.
(4) O anti-neoliberalismo questiona uma forma de gestão do capitalismo, mas a alternativa não é necessariamente anticapitalista, socialista-comunista, mas em muitos casos opta por outras gestões, como o keynesianismo, tal como o demonstram os processos «progressistas» na Argentina, Uruguai e Brasil.
(5) A luta interna no Partido durante os anos de 1939 a 1948. Características principais, Comité Central do Partido Comunista Mexicano.
(6) Por exemplo, América Móvil, Industrial Minera México, Cemex, Grupo Bimbo.
(7) Não há que ignorar que o chamado «progressismo», predominante no Forum de São Paulo e em outros governantes no Brasil, Argentina e Uruguai, é o que impulsiona a internacionalização do Forum de São Paulo, sobretudo baseado em fortes ligações ao Partido da Esquerda Europeia.
* Pável Blanco Cabrera é Primeiro-Secretário do Partido Comunista do México; Héctor Colío Galindo é membro do Bureau Político do PCM.
Este texto foi publicado na Revista Comunista Internacional nº 4
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