Sobre os Fundamentos do Leninismo
J. V. Stálin
VII — Estratégia e tática
Analisarei seis questões deste tema:
a) a estratégia e a tática como a ciência da direção da luta de classe do proletariado;
b) as etapas da revolução e a estratégia;
c) os fluxos e refluxos do movimento e a tática;
d) a direção estratégica;
e) a direção tática;
f) reformismo e revolucionarismo.
1) A estratégia e a tática, como a ciência da direção da luta de classe do proletariado.
O período do domínio da II Internacional foi, principalmente, o período da formação e da instrução dos exércitos proletários, numa situação de desenvolvimento mais ou menos pacífico. Foi o período cm que o parlamentarismo era a forma preponderante da luta de classes. Os problemas relativos aos grandes conflitos de classes, à preparação do proletariado para as batalhas revolucionárias, aos meios para conquistar a ditadura do proletariado não estavam, então, segundo parecia, na ordem do dia. A tarefa reduzia-se a utilizar todos, os caminhos de desenvolvimento legal para formar e instruir os exércitos proletários, a utilizar o parlamentarismo tendo-se em conta uma situação em que o proletariado assumia e, segundo parecia, devia assumir o papel de oposição. Não creio que seja necessário demonstrar que em semelhante período e com uma tal concepção das tarefas do proletariado não podia existir nem uma estratégia completa, nem uma tática bem elaborada. Havia pensamentos fragmentários, idéias isoladas sobre tática e estratégia, mas não havia nem tática nem estratégia.
O pecado mortal da II Internacional não consiste em ter aplicado, em seu tempo, a tática da utilização das formas parlamentares de luta, mas em ter superestimado a importância dessas formas, até considerá-las quase como as únicas existentes, tanto assim que, quando chegou o período das batalhas revolucionárias abertas e a questão das formas extraparlamentares de luta, se tornou a mais importante, os partidos da II Internacional fugiram às novas tarefas, não se reconheceram.
Somente no período seguinte, período de ações abertas do proletariado, período da revolução proletária, quando o problema da derrubada da burguesia se tornou um problema prático imediato, quando a questão das reservas do proletariado (estratégia) se tornou uma das questões mais palpitantes, quando todas as formas de luta e de organização — parlamentares e extraparlamentares (tática) — se manifestaram com toda nitidez, somente nesse período foi possível elaborar uma estratégia completa e uma tática aprofundada da luta do proletariado. As idéias geniais de Marx e Engels sobre tática e estratégia, que os oportunistas da II Internacional haviam sepultado, foram trazidas à luz do dia por Lênin, precisamente nesse período. Mas Lênin não se limitou a restaurar as diferentes teses táticas de Marx e Engels. Desenvolveu-as e completou-as com idéias e teses novas, compendiando-as num sistema de regras e princípios de orientação para dirigir a luta de classe do proletariado. Obras de Lênin como: "Que fazer?", "Duas táticas", "O imperialismo", "O Estado e a Revolução", "A revolução proletária e o renegado Kautsky", "A doença infantil" constituem, incontestàvelmente, uma contribuição preciosíssima ao tesouro comum do marxismo, ao seu arsenal revolucionário. A estratégia e a tática do leninismo são a ciência da direção da luta revolucionária do proletariado.
2) As etapas da revolução e a estratégia.
A estratégia consiste em fixar, numa determinada etapa da revolução, a .direção do golpe principal do proletariado, em elaborar um plano correspondente de disposição das forças revolucionárias (reservas principais e secundárias) e em lutar pela execução desse plano durante todo o curso dessa etapa da revolução.
A nossa revolução já percorreu duas etapas e, após a Revolução de Outubro, entrou na terceira. De acordo com isso, foi modificada a estratégia.
Primeira etapa: 1903–fevereiro de 1917.
- Objetivo: derrubar o tzarismo, liquidar por completo as sobrevivências medievais.
- Força fundamental da revolução: o proletariado.
- Reserva imediata: os camponeses.
- Direção do golpe principal: isolamento da burguesia monárquica liberal, que se esforça por atrair para o seu lado os camponeses e por liquidar a revolução mediante uma composição com o tzarismo.
- Plano de disposição das forças: aliança da classe operária com os camponeses.
"O proletariado deve levar a termo a revolução democrática unindo a si a massa dos camponeses, para esmagar pela força a resistência da autocracia e paralisar a instabilidade da burguesia". (Vide Lênin. vol. VIII, pág. 96).[N69]
Segunda etapa: Março de 1917—Outubro de 1917.
- Objetivo: derrubar o imperialismo na Rússia e sair da guerra imperialista.
- Força fundamental da revolução: o proletariado.
- Reserva imediata: os camponeses pobres. O proletariado dos países vizinhos como reserva provável. O prolongamento da guerra e a crise do imperialismo como circunstância favorável.
- Direção do golpe principal: isolar a democracia pequeno-burguesa (mencheviques, social-revolucionários) que se esforça por atrair para o seu lado as massas trabalhadoras dos camponeses e por liquidar a revolução mediante uma composição com o imperialismo.
- Plano de disposição das forças: aliança do proletariado com os camponeses pobres.
"O proletariado deve fazer a revolução socialista unindo a si a massa dos elementos semiproletários da população, para esmagar pela força a resistência da burguesia e paralisar a instabilidade dos camponeses e da pequena burguesia". (Vide obra citada).
Terceira etapa: Começa depois da Revolução de Outubro.
- Objetivo: consolidar a ditadura do proletariado num só país e utilizá-la como ponto de apoio para derrubar o imperialismo em todos os países. A revolução sai dos limites de um só país; começou a época da revolução mundial.
- Forças fundamentais da revolução: a ditadura do proletariado num país, o movimento revolucionário do proletariado em todos os países.
- Reservas principais: as massas de semiproletários e de pequenos camponeses nos países avançados, o movimento de libertação nas colônias e nos países dependentes.
- Direção do golpe principal: isolar a democracia pequeno-burguesa, isolar os partidos da II Internacional, que são o principal ponto de apoio da política de composição com o imperialismo.
- Plano de disposição das forças: aliança da revolução proletária com o movimento de libertação das colônias e países dependentes.
A estratégia se ocupa das forças fundamentais da revolução e das suas reservas. Ela se modifica com a passagem da revolução de uma etapa a outra e permanece inalterada, em essência, por todo o curso de uma etapa determinada.
3) Os fluxo e refluxos do movimento e a tática.
A tática tem por objeto fixar a linha de conduta do proletariado para um período relativamente curto de fluxo ou de refluxo do movimento, de ascenso ou de descenso da revolução; lutar pela aplicação dessa linha, substituindo por novas as velhas formas de luta e de organização, por novas palavras de ordem as velhas palavras de ordem, coordenando estas formas, etc.. Se a estratégia se propõe, por exemplo, o objetivo de vencer a guerra contra o tzarismo, ou contra a burguesia, de levar a termo a luta contra o tzarismo ou a burguesia, a tática persegue os objetivos menos essenciais, pois não se propõe vencer a guerra, no seu conjunto, mas esta ou aquela batalha, este ou aquele combate, levar a cabo esta ou aquela campanha, estas ou aquelas ações, correspondentes à situação concreta de um determinado período de ascenso ou de descenso da revolução. A tática é uma parte da estratégia; a ela está subordinada e a serve.
A tática muda segundo os fluxos e refluxos. Enquanto que, durante a primeira etapa da revolução (1903–fevereiro de 1917), o plano estratégico permanecia imutável, a tática, durante esse período, mudou várias vezes. No período de 1903-1905, a tática do partido era ofensiva, porque existia um fluxo revolucionário, o movimento revolucionário seguia uma linha ascendente e a tática devia basear-se neste fato. Em consonância com isso, as formas de luta eram também revolucionárias e correspondiam às exigências do fluxo da revolução. Greves políticas locais, manifestações políticas, greve política geral, boicote à Duma, insurreição, palavras de ordem revolucionárias combativas;tais eram as formas de luta que se sucederam umas às outras nesse período. Em relação com as formas de luta mudaram também as formas de organização. Comitês de fábrica e de usina, comitês revolucionários de camponeses, comitês de greve, Soviets de deputados operários, partido operário mais ou menos legal: tais eram as formas de organização desse período.
No período de 1907-1912, o Partido foi obrigado a passar a uma tática de retirada, porque nos achávamos diante de um descenso do movimento revolucionário, de um refluxo da revolução, e a tática não podia deixar de levar em conta este fato. Em relação com isto, mudaram tanto as formas de luta quanto as formas de organização. Ao invés de boicote à Duma, participação na Duma; ao invés de ações revolucionárias abertas, extraparlamentares, discursos e trabalho na Duma; ao invés de greves gerais políticas, greves econômicas parciais, ou simplesmente calma. É claro que o Partido devia nesse período, passar à atividade clandestina, enquanto as organizações revolucionárias de massas eram substituídas por organizações legais, culturais, educativas, cooperativas, de ajuda mútua, etc..
O mesmo se deve dizer da segunda e da terceira etapas da revolução, no curso das quais a tática mudou dezenas de vezes, enquanto os planos estratégicos continuavam imutáveis.
A tática se ocupa das formas de luta e das formas de organização do proletariado, da sua substituição, da sua coordenação. Numa determinada etapa da revolução, a tática pode mudar várias vezes, segundo os fluxos e refluxos, o ascenso ou o descenso da revolução.
4) A direção estratégica.
As reservas da revolução podem ser:
Diretas: a) os camponeses e, em geral, as camadas intermediárias da população do próprio país; b) o proletariado dos países vizinhos; c) o movimento revolucionário nas colônias e nos países dependentes; d) as conquistas e as realizações da ditadura do proletariado, a uma parte das quais o proletariado pode renunciar, temporariamente, conservando, porém, a superioridade de forças, com o objetivo de obter, em troca desta renúncia, uma trégua de um adversário poderoso.
Indiretas: a) as contradições e os conflitos entre as classes não proletárias do próprio país, suscetíveis de serem utilizadas pelo proletariado para enfraquecer o adversário e reforçar as suas próprias reservas; b) as contradições, os conflitos e as guerras (por exemplo, a guerra imperialista) entre os Estados burgueses hostis ao Estado proletário, conflito e guerras suscetíveis de serem utilizados pelo proletariado no curso de uma ofensiva, ou de uma manobra sua, em caso de retirada forçada.
Não é necessário deter-se sobre as reservas do primeiro gênero, porque a sua importância é conhecida de todos, sem exceção. No que se relaciona às reservas do segundo gênero, cuja importância nem sempre é clara, deve-se dizer que têm àsvezes uma importância primordial para a marcha da revolução. Dificilmente se poderia negar, por exemplo, a enorme importância do conflito entre a democracia pequeno-burguesa (social-revolucionários) e a burguesia monárquico-liberal (democratas constitucionalistas) durante a primeira revolução e depois dela, conflito que, sem dúvida, contribuiu para subtrair os camponeses à influência da burguesia. E há ainda menos razões para negar a enorme importância que teve a guerra de morte entre os grupos fundamentais dos imperialistas, no período da Revolução de Outubro, quando os imperialistas, ocupados em guerrear uns contra os outros, não puderam concentrar as suas forças contra o jovem Poder Soviético, e o proletariado, justamente por isso, pôde dedicar-se seriamente à organização das suas forças e à consolidação do seu Poder e preparar o esmagamento de Koltchak e Deníkin. É de supor que, hoje, quando os antagonismos entre os grupos imperialistas se aprofundam cada vez mais e uma nova guerra entre eles se torna inevitável, essa espécie de reservas terá para o proletariado uma importância cada vez maior.
A missão da direção estratégica consiste em utilizar acertadamente todas essas reservas para alcançar o fim essencial da revolução numa determinada etapa do seu desenvolvimento.
Em que consiste o saber utilizar acertadamente as reservas?
Em observar algumas condições necessárias, entre as quais devem ser consideradas principais as seguintes:
Primeira: Concentrar o grosso das forças da revolução no ponto mais vulnerável do inimigo, no momento decisivo, quando a revolução já está madura, quando a ofensiva marcha a todo vapor, quando a insurreição bate às portas e quando a reunião das reservas em torno da vanguarda é condição decisiva para o êxito. A estratégia do Partido, no período de abril-outubro de 1917, pode ser considerada como um exemplo de utilização das reservas desse modo. É indubitável que o ponto mais vulnerável do inimigo, nesse período, era a guerra. Não há dúvida de que justamente sobre esta questão, considerada como questão fundamental, o Partido reuniu em torno da vanguarda proletária as maiores massas da população. A estratégia do Partido, nesse período, consistia no seguinte: preparar a vanguarda para ações de ruas, por meio de manifestações e demonstrações, e, ao mesmo tempo, reunir em torno da vanguarda as reservas, por meio dos Soviets na retaguarda e dos comitês de soldados na frente de batalha. O êxito da revolução demonstrou que essa utilização das reservas era justa.
Eis o que disse Lênin, parafraseando as conhecidas teses de Marx e Engels sobre a insurreição, a propósito dessa condição de emprego estratégico das forças da revolução:
«1) Não brincar jamais com a insurreição, mas, uma vez iniciada, saber firmemente que é preciso ir até o fim.
2) É preciso concentrar, no lugar e no momento decisivos, forças muito superiores às do inimigo, porque, em caso contrário, o inimigo, melhor preparado e organizado, aniquilará os insurretos.
3) Uma vez iniciada a insurreição, é necessário agir com a maior decisão e passar obrigatória e incondicionalmente à ofensiva «A defensiva é a morte da insurreição armada».
4) É necessário esforçar-se para tomar o inimigo de surpresa, aproveitando o momento em que as suas tropas estejam dispersas.
5) É necessário alcançar êxitos diários, ainda que sejam pequenos (e poderia dizer-se, também, êxitos de «hora em hora», se se trata de uma só cidade), conservando a todo custo a «superioridade moral».» (Vide vol. XXI, págs. 319-320).[N70]
Segunda: Escolha do momento do golpe decisivo, do momento para desencadear a insurreição, que deve ser aquele em que a crise tenha alcançado o ponto culminante, quando a vanguarda estiver disposta a lutar até o fim, quando as reservas estiverem prontas para apoiar a vanguarda e, no campo do inimigo, existir o máximo de confusão.
«Pode-se considerar completamente madura a batalha decisiva — disse Lênin — se:
(1) todas as forças de classe que nos são hostis estiverem suficientemente submersas na confusão, suficientemente divididas entre si, suficientemente enfraquecidas numa luta superior às suas forças; se (2) todos os elementos intermédios, hesitantes, vacilantes, instáveis, isto é, a pequena burguesia, a democracia pequeno-burguesa, que se distingue da burguesia, estiverem suficientemente desmascarados diante do povo, suficientemente desacreditados em virtude da sua falência política no terreno prático»; se (3) no proletariado surgir e afirmar-se poderosamente uma tendência de massas para apoiar as ações revolucionárias mais decisivas, mais ousadas e corajosas contra a burguesia. Então, a revolução estará madura, então, se tivermos levado na devida conta todas as condições acima enumeradas e se tivermos escolhido com acerto o momento, a vitória estará assegurada». (Vide vol. XXV, pág. 229).[N71]
A insurreição de Outubro pode ser considerada como modelo dessa estratégia.
Se não se leva em conta essa condição, cai-se num erro perigoso, chamado "perda do ritmo", que ocorre quando o Partido se atrasa em relação à marcha do movimento ou se adianta demasiado, expondo-se ao perigo de fracassar. Um exemplo dessa "perda do ritmo", um exemplo do modo como não se deve escolher o momento da insurreição, deve ser considerada a tentativa de urna parte dos camaradas para começar a insurreição com a prisão dos membros da Conferência Democrática, em setembro de 1917, quando havia hesitação nos Soviets, quando o "front" ainda estava numa encruzilhada e as reservas ainda não estavam reunidas em torno da vanguarda.
Terceira: Aplicar firmemente a linha adotada, apesar de todas as dificuldades e complicações que possam surgir no caminho que conduz ao objetivo, para que a vanguarda não perca de vista o objetivo essencial da luta e para que não se dispersem as massas enquanto marcham na direção desse objetivo e enquanto se esforçam para reunir-se em torno da vanguarda. Se não se leva em conta essa condição, cai-se em grave erro, bem conhecido dos marinheiros pelo nome de "perda da rota". Um exemplo desta "perda da rota" deve ser considerada a errônea posição do nosso Partido, imediatamente após a Conferência Democrática, quando decidiu participar do ante-Parlamento. Era como se o Partido se tivesse esquecido, Daquele momento, de que o ante-Parlamento era uma tentativa da burguesia para desviar o país do caminho dos Soviets para o caminho do parlamentarismo burguês e de que a participação do Partido numa instituição desse gênero podia confundir todas as cartas e desviar do seu caminho os operários e os camponeses, que travavam uma luta revolucionária sob a palavra de ordem de "Todo o Poder aos Soviets!" Este erro foi corrigido com a saída dos bolcheviques do ante-Parlamento.
Quarta: Saber manobrar com as reservas de modo a poder efetuar uma retirada em boa ordem, quando o inimigo é forte, quando a retirada é inevitável, quando é visivelmente prejudicial aceitar a batalha que o inimigo quer impor e quando a retirada, em virtude da correlação das forças existentes, é para a vanguarda, o único meio de esquivar-se ao golpe e de conservar as reservas ao seu lado.
«Os partidos revolucionários — disse Lênin — devem completar a sua instrução. Aprenderam a avançar. Agora, precisam compreender a necessidade de completar esta ciência com a de saber retirar-se acertadamente. É preciso compreender — e a classe revolucionária aprende a compreendê-lo pela sua própria e amarga experiência — que não se pode triunfar sem aprender a lançar a ofensiva e a efetuar, a retirada com acerto». (Vide vol. XXV, pág. 177).[N72]
O objetivo dessa estratégia consiste em ganhar tempo, desmoralizar o adversário e acumular forças para passar em seguida à ofensiva.
Pode-se considerar modelo dessa estratégia a conclusão da paz de Brest-Litovsk, que permitiu ao Partido ganhar tempo, explorar os conflitos no campo do imperialismo, desmoralizar as forças do adversário, manter os laços com os camponeses e acumular forças para preparar a ofensiva contra Koltchak e Deníkin.
«Concluindo a paz em separado — dizia então Lênin — desembaraçamo-nos, o máximo possível no momento atual, dos dois grupos imperialistas adversários, aproveitando-nos da sua hostilidade e da sua guerra, que os impedia de se porem de acordo contra nós; assim conseguimos ter as mãos livres, durante certo tempo, para prosseguir e consolidar a revolução socialista». (Vide vol. XXI, pág. 198).[N73]
«Agora — escrevia Lênin, três anos depois da paz de Brest-Litovsk — até o último dos imbecis compreende que «a paz de Brest-Litovsk» foi uma concessão que aumentou as nossas forças e fracionou as do imperialismo internacional». (vide vol. XXVII, pág.7).[N74]
Tais são as condições principais que asseguram uma justa direção estratégica.
5) A direção tática.
A direção tática é parte da direção estratégica, a cujas exigências e tarefas se acham subordinadas. A missão da direção tática consiste em dominar todas as formas de luta de organização do proletariado e em assegurar a sua justa utilização, com o fim de alcançar, dada a correlação de forças existente, o máximo de resultados, necessário à preparação do êxito estratégico.
Em que consiste a justa utilização das formas de luta e de organização do proletariado?
No cumprimento de algumas condições indispensáveis, das quais podem ser consideradas principais as seguintes:
Primeira. Pôr em primeiro plano precisamente as formas de luta e de organização que, melhor correspondendo às condições do fluxo ou do refluxo do movimento, facilitem e assegurem o deslocamento das massas para posições revolucionárias, o deslocamento de massas de milhões de homens para a frente da revolução, o seu alinhamento na frente da revolução.
O que importa não é que a vanguarda esteja consciente da impossibilidade de manter-se a antiga ordem de coisas e da inevitabilidade da sua derrubada. O que importa é que as massas, massas de milhões de homens, compreendam esta necessidade e se mostrem prontas a apoiar a vanguarda. Mas as massas só podem compreendê-lo através da própria experiência. Dar às massas de milhões de homens a possibilidade de constatar, à base da sua experiência, a inevitabilidade da derrubada do velho Poder, empregar meios de luta e formas de organização que permitam às massas comprovar na base da experiência a justeza das palavras de ordem revolucionárias: esta é a tarefa a resolver.
A vanguarda se distanciaria da classe operária e a classe operária perderia o contato com as massas se, no momento oportuno, o Partido não tivesse decidido participar da Duma se não tivesse resolvido concentrar as forças no trabalho parlamentar e desenvolver a luta na base desse trabalho, a fim de permitir que as massas se convencessem, pela sua própria experiência, da inutilidade da Duma, da falácia das promessas dos democratas constitucionalistas, da impossibilidade de um acordo com o tzarismo, da inevitabilidade da aliança dos camponeses com a classe operária. Sem a experiência das massas no período da Duma, teriam sido impossível desmascarar os democratas constitucionalistas e assegurar a hegemonia do proletariado.
O perigo da tática do otsovismo consistia no fato de que ameaçava separar a vanguarda das suas reservas de milhões de homens.
O Partido se teria desligado da classe operária e a classe operária teria perdido a sua influência entre as grandes massas de camponeses e soldados, se o proletariado tivesse seguido os comunistas de esquerda, que lançaram o apelo à insurreição; em abril de 1917, quando os mencheviques e os social-revolucionários ainda não tinham tido tempo de se desmascararem como partidários da guerra e do imperialismo, quando as massas ainda não tinham tido tempo de se convencer, pela sua própria experiência, da falsidade dos discursos dos mencheeiques e dos social-revolucionários sobre a paz, sobre a terra, sobre a liberdade. Sem a experiência das massas no período do governo de Kerenski, os mencheviques e os social-revolucionários não teriam sido isolados e a ditadura do proletariado teria sido impossível. Por isso, a tática da "explicação paciente" dos erros dos partidos pequeno burgueses e da luta aberta no seio dos Soviets era a única tática justa.
O perigo da tática dos comunistas de esquerda consistia no fato de que ameaçava transformar o Partido, de chefe da revolução proletária, num grupo de conspiradores vazios e sem base.
«Somente com a vanguarda — dizia Lênin — não se pode vencer. Lançar sozinha a vanguarda à batalha decisiva, antes que toda classe, antes que as grandes massas tenham tomado uma posição de apoio direto à vanguarda ou, pelo menos, de benévola neutralidade para com esta... não seria só uma estupidez, mas também um crime. Mas para que efetivamente toda a classe, para que efetivamente as grandes massas dos trabalhadores e dos oprimidos pelo capital cheguem a tomar essa posição, não bastam a propaganda e a agitação por si sós. Para isso torna-se necessária a experiência política das próprias massas. Tal é a lei fundamental de todas as grandes revoluções, confirmada, hoje, com uma força e um relevo surpreendentes, não só pela Rússia, mas também pela Alemanha. Não somente as massas russas incultas e, mesmo, analfabetas, mas também as massas alemãs, dotadas de alto grau de cultura e entre as quais não há analfabetos, para se voltarem resolutamente para o comunismo, tiveram que verificar por si mesmas toda a impotência, toda a falta de caráter, toda a incapacidade, todo o servilismo, diante da burguesia, toda a infâmia do governo dos paladinos da II Internacional, toda a inevitabilidade da ditadura dos ultra-reacionários (Kornilov na Rússia, Kapp e cia. na Alemanha), como única alternativa para a ditadura do proletariado». (Vide vol. XXV, pág.228).[N75]
Segunda. Encontrar, em cada momento dado, na cadeia dos acontecimentos, o elo especial, segurando-se ao qual será possível dominar toda a cadeia e preparar as condições do êxito estratégico.
Trata-se de destacar, entre as várias tarefas que se colocam diante do Partido, precisamente a tarefa imediata, cuja solução constitua o ponto central e cujo cumprimento assegure a feliz solução de todas as outras tarefas imediatas.
A importância dessa tese poderia ser demonstrada com dois exemplos, um tomado do passado distante (período da formação do Partido) e o outro de um passado mais recente (período da N.E.P.).
No período da formação do Partido, quando existia uma quantidade enorme de círculos e de organizações ainda não ligados entre si, quando os métodos artesãos de trabalho e este espírito estreito de grupo corroíam o Partido de cima a baixo, quando a confusão ideológica era o traço característico da vida interna do Partido, naquele período o elo básico da corrente, a tarefa fundamental da cadeia de tarefas que estavam diante do Partido, era a criação de um jornal ilegal para toda a Rússia (a Iskra"). Por quê? Porque somente por meio de um jornal ilegal para toda a Rússia era possível, nas condições daquela época, criar um núcleo coeso de Partido, capaz de reunir num todo único os círculos e as organizações inumeráveis, de preparar as condições da unidade ideológica e tática e lançar assim, as bases para a formação de um verdadeiro partido.
No período da passagem da guerra à edificação econômica quando a indústria vegetava nas garras da desorganização e a agricultura sofria da falta de produtos industriais, quando a ligação entre a indústria do Estado e a economia camponesa se tornara a condição essencial do êxito da edificação socialista, naquele período o elo essencial na cadeia dos processos, ai tarefa fundamental entre todas as outras era o desenvolvimento do comércio. Por quê? Porque, durante a N.E.P. a ligação da indústria com a economia camponesa não era possível senão através do comércio; porque durante a N.E.P., a produção sem escoamento era a morte da indústria; porque a indústria só poderia ampliar-se mediante a extensão das vendas em conseqüência do fomento do comércio; porque, somente depois deconsolidar-se no campo do comércio, somente depois de dominar o comércio, pode-se contar com a ligação da indústria com o mercado camponês e resolver com êxito as outras tarefas imediatas, com o objetivo de criar as condições para a construção das bases da economia socialista.
«Não basta — dizia Lênin — ser revolucionário do socialismo, ou comunista em geral... É necessário saber encontrar, a cada momento, aquele elo especial da cadeia, ao qual deve agarrar-se com todas as forças, para dominar toda a cadeia e preparar sòlidamente a passagem ao elo seguinte...
No presente momento... este elo é a reanimação do comércio interno, com a condição de que seja bem regulado (orientado) pelo Estado. O comércio: eis o «elo» na cadeia histórica dos acontecimentos, das formas de transição da nossa edificação socialista nos anos de 1921-1922, «ao qual é preciso agarrar-se com todas as forças»... (Vide vol. XXVII, pág. 82).[N76]
Tais são as condições principais que asseguram uma justa direção tática.
6) Reformismo e revolucionarismo.
Em que a tática revolucionária se distingue da tática reformista?
Alguns acham que o leninismo é contra as reformas, contra os compromissos e os acordos, em geral. Isso é absolutamente falso. Os bolcheviques sabem melhor do que ninguém que, em certo sentido, "tudo o que cai na rede é peixe", sabem que, em determinadas circunstâncias, as reformas em geral, os compromissos e os acordos em particular, são necessários e úteis.
«Fazer a guerra — disse Lênin. — para derrubar a burguesia internacional, guerra cem vezes mais difícil, mais prolongada e mais complexa do que as mais encarniçadas das guerras habituais entre os Estados, e de antemão renunciar a toda manobra, renunciar ao aproveitamento dos antagonismos de interesses (mesmo temporários) entre os próprios inimigos, renunciar aos acordos e aos compromissos com possíveis aliados (mesmo temporários, pouco firmes, hesitantes, condicionais), não é coisa sumamente ridícula? Não é como se, na árdua escalada de um monte ainda inexplorado e inacessível, se renunciasse antecipadamente a fazer às vezes ziguezagues, a voltar às vezes sobre os próprios passos, a deixar o rumo tomado no início para tentar rumos diversos?» (Vide vol. XXV, pág. 210).[N77]
Não se trata, evidentemente, das reformas ou dos compromissos e acordos em si, mas do uso que se faz deles.
Para o reformista, a reforma é tudo; o trabalho revolucionário, ao contrário, serve apenas, por assim dizer, para lançar poeira aos olhos dos outros. Por isso, com a tática reformista, enquanto existir o Poder burguês, uma reforma se converte inevitavelmente em instrumento de reforço deste Poder, em instrumento de desagregação da revolução.
Para o revolucionário, ao invés disso, o essencial é o trabalho revolucionário, não a reforma; para ele, a reforma não passa de produto acessório da revolução. Por isso, com a tática revolucionária, enquanto existir o Poder burguês, uma reforma se converte naturalmente em instrumento de desagregação desse Poder, em instrumento para reforçar a revolução, em ponto de apoio para o desenvolvimento do movimento revolucionário.
O revolucionário aceita a reforma com o fim de utilizá-la como ajuda para combinar o trabalho legal com o ilegal, cora o fim de servir-se dela como cobertura para o reforço do trabalho ilegal, que tem por objeto a preparação revolucionária das massas para a derrubada da burguesia.
Esta é a essência da utilização revolucionária das reformas e dos acordos nas condições existentes no período do imperialismo.
O reformista, ao contrário, aceita as reformas para renunciar a todo trabalho ilegal, para sabotar a preparação das massas para a revolução e repousar à sombra da reforma "concedida".
Esta é a essência da tática reformista.
Assim se apresenta o problema das reformas e dos acordos nas condições existentes no período do imperialismo.
As coisas mudam, porém, depois da derrocada do imperialismo, durante a ditadura do proletariado. Em certos casos, em certas condições, o Poder proletário pode ver-se obrigado a abandonar provisoriamente a via da reconstrução revolucionária da ordem de coisas existente e a tomar a via da sua transformação gradual, "a via reformista", como disse Lênin no seu artigo "A importância do ouro", a via dos movimentos envolventes, a via das reformas e das concessões às classes não proletárias, com o objetivo de desagregar essas classes e conceder à revolução uma trégua, com o fim de reunir as próprias forças e preparar as condições para uma nova ofensiva. Não se pode negar que esta via é, em certo sentido, uma via reformista. É necessário, porém, relembrar que nos achamos aqui diante de uma particularidade fundamental, que consiste no fato de que a reforma emana, neste caso, do Poder proletário, que ela reforça o Poder proletário, que ela lhe oferece a trégua necessária, que esta trégua se destina a desagregar, não a revolução, mas as classes não proletárias.
A reforma, nessas condições, se transforma, por conseguinte, no seu contrário.
A adoção de uma tal política por parte do Poder proletário torna-se possível, exclusivamente porque, no período anterior, a revolução se ampliou suficientemente e por isso deixou espaço suficiente para bater em retirada, para substituir a tática da ofensiva pela tática de uma retirada temporária, a tática dos movimentos envolventes.
Se, antes, portanto, sob o Poder burguês, as reformas eramum produto acessório da revolução, agora, durante a ditadura do proletariado, a origem das reformas está nas conquistas revolucionárias do proletariado, nas reservas acumuladas nas mãos do proletariado e constituídas por estas conquistas.
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