quinta-feira, 13 de agosto de 2020

As Divergências no Movimento Operário Europeu

 As Divergências no Movimento Operário Europeu

 V. I. Lénine 16 de Dezembro de 1910

As principais divergências no movimento operário contemporâneo da Europa e da América reduzem-se à luta contra as duas grandes tendências que se desviam do marxismo, que se tornou de facto a teoria dominante nesse movimento. Essas duas tendências são o revisionismo (oportunismo, reformismo) e o anarquismo (anarco-sindicalismo, anarco-socialismo). Ambos esses desvios da teoria marxista e da táctica marxista, dominantes no movimento operário, se observam sob diferentes formas e com diferentes matizes em todos os países civilizados, ao longo de história de mais de meio século do movimento operário de massas.

Este simples facto torna já evidente que se não pode explicar esses desvios nem pelo acaso nem pelos erros de determinadas pessoas ou grupos, nem mesmo pela influência de particularidades ou tradições nacionais, etc. Deve haver causas essenciais, assentes no regime económico e no carácter do desenvolvimento de todos os países capitalistas e que geram constantemente esses desvios. O pequeno livro do marxista holandês Anton Pannekoek As Divergências Tácticas no Movimento Operário (Anton Pannekoek. Die Taktischen Differenzen in der Arbeiterbewegung. Hamburg, Erdmann Dubber, 1909), publicado no ano passado, constitui uma interessante tentativa de estudar cientificamente essas causas. Na exposição que se segue daremos a conhecer ao leitor as conclusões de Pannekoek, que se não pode deixar de reconhecer como inteiramente correctas.

Uma das causas mais profundas que geram as divergências periódicas a propósito da táctica é o próprio facto do crescimento do movimento operário. Se não se medir este movimento pela medida de um qualquer ideal fantástico, encarando-o antes como um movimento prático de homens comuns, torna-se evidente que a incorporação constante de novos «recrutas», a participação de novas camadas da massa trabalhadora, têm inevitavelmente de ser acompanhadas por vacilações no domínio da teoria e da táctica, por repetições de velhos erros, pelo regresso temporário a concepções caducas e a métodos caducos, etc. O movimento operário de cada país gasta periodicamente na «instrução» dos recrutas reservas mais ou menos importantes de energia, de atenção, de tempo.

Continuemos. A rapidez de desenvolvimento do capitalismo não é igual nos diferentes países e nos diferentes sectores da economia nacional. É nas condições do máximo desenvolvimento da grande indústria que o marxismo é assimilado mais facilmente, mais rápida, completa e solidamente pela classe operária e pelos seus ideólogos. As relações económicas atrasadas ou que se atrasam no seu desenvolvimento conduzem constantemente ao surgimento de partidários do movimento operário que assimilam apenas alguns aspectos do marxismo, apenas certas partes da nova concepção do mundo ou certas palavras de ordem e reivindicações, não sendo capazes de romper decididamente com todas as tradições da concepção do mundo burguesa em geral e da concepção do mundo democrática burguesa em particular.

Seguidamente, uma fonte constante de divergências é o carácter dialéctico do desenvolvimento social, que avança nas contradições e por meio das contradições. O capitalismo é progressivo porque suprime os velhos modos de produção e desenvolve as forças produtivas, e ao mesmo tempo, num determinado grau de desenvolvimento, entrava o crescimento das forças produtivas. Ele desenvolve, organiza, disciplina os operários — e esmaga-os, oprime-os, à degenerescência, à miséria, etc. O capitalismo cria ele próprio o seu coveiro, cria ele próprio os elementos do novo regime, e ao mesmo tempo, sem um «salto», esses elementos isolados não modificam em nada o estado de coisas geral, não afectam o domínio do capital. O marxismo, como teoria do materialismo dialéctico, consegue apreender essas contradições da vida viva, da história viva do capitalismo e do movimento operário. Mas é por si mesmo evidente que as massas aprendem na vida e não nos livros, e é por isso que determinadas pessoas ou grupos exageram continuamente, erigem numa teoria unilateral, num sistema unilateral de táctica, ora um ora outro traço do desenvolvimento capitalista, ora uma ora outra «lição» deste desenvolvimento.

Os ideólogos burgueses, liberais e democratas, não compreendendo o marxismo, não compreendendo o movimento operário contemporâneo, saltam constantemente de um extremo impotente para outro. Ora explicam tudo pelo facto de que pessoas más «lançam» classe contra classe, ora se consolam a si próprios dizendo que o partido operário é «um partido pacífico de reformas». Devem considerar-se produto directo dessa concepção do mundo burguesa e da sua influência tanto o anarco-sindicalismo como o reformismo, que se agarram a um único aspecto do movimento operário, que erigem esse carácter unilateral em teoria, que declaram que se excluem mutuamente tendências ou traços deste movimento que constituem uma particularidade específica de um ou outro período, de umas ou outras condições da actividade da classe operária. Mas a vida real, a história real, contêm essas diferentes tendências, tal como a vida e o desenvolvimento na natureza contêm tanto a evolução lenta como os saltos rápidos, as soluções de continuidade.

Os revisionistas consideram como meras frases todas as considerações acerca dos «saltos» e do antagonismo essencial entre o movimento operário e toda a velha sociedade. Eles consideram as reformas como realização parcial do socialismo. O anarco-sindicalista rejeita o «pequeno trabalho», particularmente a utilização da tribuna parlamentar. Na realidade esta última táctica reduz-se a esperar os «grandes dias», ao mesmo tempo que é incapaz de reunir as forças que criam os grandes acontecimentos. Tanto uns como outros entravam a tarefa mais importante, mais vital: a coesão dos operários em organizações grandes, fortes, que funcionem bem, que sejam capazes de funcionar bem em todas as condições, impregnadas do espírito da luta de classe, que tenham uma clara consciência dos seus objectivos, educadas na concepção do mundo verdadeiramente marxista.

Permitir-nos-emos aqui uma pequena digressão e assinalaremos entre parênteses, para evitar possíveis mal-entendidos, que Pannekoek ilustra a sua análise exclusivamente com exemplos retirados da história da Europa ocidental, principalmente da Alemanha e da França, não tendo de modo nenhum em vista a Rússia. Se parece por vezes que ele alude à Rússia, isso depende apenas do facto de que as tendências fundamentais que geram determinados desvios da táctica marxista se manifestam também no nosso país, apesar das enormes diferenças culturais, de costumes e histórico-económicas entre a Rússia e o Ocidente.

Por fim, uma causa extremamente importante que gera divergências entre os participantes no movimento operário são as mudanças de táctica das classes governantes em geral e da burguesia em particular. Se a táctica da burguesia fosse sempre uniforme, ou pelo menos sempre semelhante, a classe operária rapidamente aprenderia a responder-lhe com uma táctica igualmente uniforme ou semelhante. Na realidade a burguesia em todos os países elabora inevitavelmente dois sistemas de governo, dois métodos de luta pelos seus interesses e pela salvaguarda da sua dominação, e estes dois métodos, ora se sucedem um ao outro ora se entrelaçam em combinações diversas. Trata-se em primeiro lugar do método da violência, do método da recusa de quaisquer concessões ao movimento operário, do método do apoio a todas as instituições velhas e caducas, do método da negação intransigente das reformas. Tal é a essência da política conservadora, que na Europa ocidental deixa cada vez mais de ser a política das classes detentoras da terra e se torna cada vez mais uma das variantes da política burguesa geral. O segundo método é o método do «liberalismo», das medidas no sentido do desenvolvimento dos direitos políticos, no sentido das reformas, das concessões, etc.

A burguesia não passa de um método para o outro por cálculo malévolo de determinadas pessoas nem por acaso, mas em consequência da contradição fundamental da sua própria situação. Uma sociedade capitalista normal não pode desenvolver-se com êxito sem um regime representativo consolidado, sem determinados direitos políticos da população, que não pode deixar de apresentar uma exigência relativamente elevada no aspecto «cultural». Essa exigência quanto a um certo mínimo de cultura é gerada pelas condições do próprio modo de produção capitalista, com a sua elevada técnica, complexidade, flexibilidade, mobilidade, rapidez do desenvolvimento da concorrência mundial, etc. As flutuações na táctica da burguesia, as passagens do sistema da violência ao sistema de pretensas concessões, são em consequência disso, características da história de todos os países europeus no último meio século, desenvolvendo alguns países principalmente a utilização de um ou outro método durante determinados períodos. Por exemplo, a Inglaterra foi, nos anos 60 e 70 do século XIX, o país clássico da política burguesa «liberal», a Alemanha dos anos 70 e 80 ateve-se ao método da violência, etc.

Quando na Alemanha reinava este método, um efeito unilateral desse sistema de governo burguês foi o crescimento do anarco-sindicalismo ou, como se dizia então, do anarquismo no movimento operário (os «jovens» no início dos anos 90(N42)*, Johann Most no princípio dos anos 80). Quando em 1890 se iniciou uma viragem para as «concessões», essa viragem revelou-se, como sempre, ainda mais perigosa para o movimento operário, gerando o efeito igualmente unilateral do «reformismo» burguês: o oportunismo no movimento operário.

«O objectivo positivo, real, da política liberal da burguesia», diz Pannekoek, «é induzir em erro os operários, introduzir a cisão no seu seio, transformar a sua política num apêndice impotente de um pretenso reformismo impotente, sempre impotente e efémero.»

Frequentemente a burguesia alcança por um certo tempo o seu objectivo por meio da política «liberal», que constitui, segundo a justa observação de Pannekoek, uma política «mais subtil». Uma parte dos operários, uma parte dos seus representantes, deixam-se por vezes enganar por concessões aparentes. Os revisionistas proclamam que a doutrina da luta de classes está «ultrapassada» ou começam a levar a cabo uma política que na prática concretiza a renúncia a ela. Os ziguezagues da táctica burguesa provocam o reforço do revisionismo no movimento operário e levam não poucas vezes as divergências no seu seio até à cisão aberta.

Todas as causas deste género provocam divergências relativamente à táctica no interior do movimento operário, nos meios proletários. Mas não há nem poderia haver uma muralha da China entre o proletariado e as camadas da pequena burguesia, incluindo o campesinato, que lhe estão próximas. Compreende-se que a passagem de determinadas pessoas, grupos e camadas da pequena burguesia para o proletariado não pode deixar de gerar, por sua vez, vacilações na táctica deste último.

A experiência do movimento operário de diferentes países ajuda a esclarecer, com base em questões concretas da prática, a essência da táctica marxista, ajuda os países mais jovens a discernir mais claramente o verdadeiro significado de classe dos desvios do marxismo e a combater mais eficazmente esses desvios.
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*(N42) Jovens: grupo pequeno-burguês semianarquista na social-democracia alemã no princípio dos anos 90 do século XIX. O seu núcleo central era constituído por jovens literatos e estudantes (saí a sua designação), que aspiravam ao papel de teóricos e dirigentes do partido. Os «jovens» pronunciavam-se contra a utilização das possibilidades legais que se abritam à social-democracia depois da abolição, em 1890, da lei de excepção contra os socialistas. Em Outubro de 1891 o congresso de Erfurt da social-democracia alemã expulsou do partido uma parte dos dirigentes dos «jovens».

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