domingo, 13 de setembro de 2020

Os Destinos Históricos da Doutrina de Karl Marx. Por V. I. Lénine

Os Destinos Históricos da Doutrina de Karl Marx
V. I. Lénine
1 de Março de 1913
O principal na doutrina de Marx é ter posto em evidência o papel histórico mundial do proletariado como criador da sociedade socialista. O curso dos acontecimentos em todo o mundo confirmou esta doutrina desde que ela foi exposta por Marx?
Foi em 1844 que Marx a formulou pela primeira vez. O Manifesto Comunista, de Marx e Engels, publicado em 1848, oferece já uma exposição completa e sistemática, que continua a ser a melhor até aos nossos dias, desta doutrina. Daí para cá a história universal divide-se nitidamente em três períodos principais:

da revolução de 1848 até à Comuna de Paris (1871);
da Comuna de Paris até à revolução russa (1905);
a partir da revolução russa.

Lancemos um olhar às vicissitudes da doutrina de Marx em cada um destes períodos.
 I
No começo do primeiro período, a doutrina de Marx não era de modo nenhum dominante. Era apenas uma das extraordinariamente numerosas fracções ou correntes do socialismo. Imperam então formas de socialismo no fundo aparentadas com o nosso populismo: incompreensão da base materialista do movimento histórico, incapacidade de distinguir o papel e a importância de cada classe da sociedade capitalista, ocultamente da essência burguesa das transformações democráticas com diferentes frases pseudo-socialistas sobre «o povo», «a justiça», «o direito», etc.

A revolução de 1848 desfere um golpe mortal a todas essas formas ruidosas, heterogéneas e gritadoras do socialismo anterior a Marx. Em todos os países, a revolução mostra as diferentes classes da sociedade em acção. O massacre dos operários pela burguesia republicana nas jornadas de Junho de 1848, em Paris, demonstra definitivamente que só o proletariado é socialista por natureza. A burguesia liberal teme cem vezes mais a independência desta classe do que qualquer reacção. O liberalismo cobarde roja-se diante dela. O campesinato contenta-se com a abolição dos vestígios do feudalismo e passa para o lado da ordem, só raramente vacilando entre a democracia operária e o liberalismo burguês. Todas as doutrinas sobre um socialismo não de classe e uma política não de classe se revelam um oco disparate.

A Comuna de Paris (1871) completa este desenvolvimento das transformações burguesas; a república, isto é, a forma de organização do Estado na qual as relações de classe se manifestam da forma menos dissimulada, só ao heroísmo do proletariado deve a sua consolidação.

Em todos os outros países da Europa, um desenvolvimento mais confuso e menos acabado conduz a essa mesma sociedade burguesa já formada. Em fins do primeiro período (1848-1871), período de tempestades e de revoluções, o socialismo pré-marxista morre. Nascem partidos proletários independentes: a I Internacional (1864-1872) e a social-democracia alemã.
II
O segundo período (1872-1904) distingue-se do primeiro pelo seu carácter «pacífico», pela ausência de revoluções. O Ocidente acabou com as revoluções burguesas. O Oriente ainda não está maduro para elas.

O Ocidente entra na fase de preparação «pacífica» para a época das transformações futuras. Formam-se por toda a parte partidos socialistas de base proletária, que aprendem a utilizar o parlamentarismo burguês, a criar a sua imprensa diária, as suas instituições educativas, os seus sindicatos, as suas cooperativas. A doutrina de Marx alcança uma vitória completa e cresce em extensão. Lentamente, mas com firmeza, avança o processo de concentração e agrupamento das forças do proletariado, da sua preparação para as batalhas futuras.

A dialéctica da história é tal que a vitória teórica do marxismo obriga os seus inimigos a mascararem-se de marxistas. O liberalismo, interiormente podre, tenta reanimar-se sob a forma de oportunismo socialista. Eles interpretam o período de preparação das forças para as grandes batalhas como uma renúncia a essas batalhas. A melhoria da situação dos escravos para a luta contra a escravatura assalariada é por eles explicada como uma venda pelos escravos a troco de uns tostões do seu direito à liberdade. Pregam cobardemente a «paz social» (isto é, a paz com o escravismo), a renúncia à luta de classes, etc. Têm numerosíssimos partidários entre os parlamentares socialistas, entre os diversos funcionários do movimento operário e a intelectualidade «simpatizante».
III

Não tinham ainda os oportunistas acabado de congratular-se com a «paz social» e a desnecessidade de tempestades sob a «democracia» quando uma nova fonte de grandes tempestades mundiais se abriu na Ásia. À revolução russa seguiram-se a turca, a persa e a chinesa(1). Vivemos precisamente na época destas tempestades e da sua «repercussão» na Europa. Qualquer que seja o destino da grande república chinesa, pela qual afiam hoje os dentes diversas hienas «civilizadas», nenhuma força no mundo restabelecerá a velha servidão na Ásia nem varrerá da face da Terra o democratismo heróico das massas populares dos países asiáticos e semi-asiáticos.

Os longos adiamentos da luta decisiva contra o capitalismo na Europa conduziram algumas pessoas, desatentas das condições de preparação e desenvolvimento da luta de massas, ao desespero e ao anarquismo. Vemos agora como é míope e pusilânime o desespero anarquista.

Não é desespero, mas ânimo, que devemos tirar do facto de a Ásia, com os seus 800 milhões de pessoas, ter entrado na luta por esses mesmos ideais europeus.

As revoluções asiáticas mostraram-nos a mesma falta de carácter e a mesma baixeza do liberalismo, a mesma importância excepcional da independência das massas democráticas, a mesma delimitação precisa entre o proletariado e a burguesia de toda a espécie. Quem, depois da experiência da Europa e da Ásia, fala de uma política não de classe e de um socialismo não de classe merece simplesmente ser enjaulado e exibido ao lado de um qualquer canguru australiano.

Depois da Ásia, também a Europa começou a mexer-se, embora não à maneira asiática. O período «pacífico» de 1872-1904 passou definitivamente e para sempre. A carestia da vida e a opressão dos trusts provocam uma agudização sem precedentes da luta económica, que pôs em movimento os próprios operários ingleses, os mais corrompidos pelo liberalismo. Sob os nossos olhos amadurece uma crise política até no mais «inabalável» país burguês-junker, a Alemanha. O armamento desenfreado e a política imperialista fazem da Europa actual uma «paz social» que mais se assemelha a um barril de pólvora. Contudo, a decomposição de todos os partidos burgueses e a maturação do proletariado avançam firmemente.

Desde o aparecimento do marxismo, cada uma destas três grandes épocas da história universal lhe trouxe novas confirmações e novos triunfos. Mas a época histórica futura trará ao marxismo, como doutrina do proletariado, um triunfo ainda maior.



(1) A primeira revolução democrática burguesa russa de 1905-1907 exerceu uma enorme influência no desenvolvimento do movimento de libertação nacional numa série de países. Assim, na Turquia o movimento revolucionário burguês desse período terminou com uma insurreição do exército turco, em resultado da qual foi restabelecida a constituição de 1876 e criado um parlamento. No Irão (Pérsia), durante o movimento revolucionário anti-feudal e anti-imperialista encabeçado pela burguesia comercial e industrial, foi convocado o primeiro parlamento da história do país, que elaborou a constituição de 1905. Na China, em 1905-1911 decorre também uma luta da burguesia por uma constituição e pela autonomia das províncias, lança-se a palavra de ordem de luta contra o imperialismo. Nesses mesmos anos cresce o movimento revolucionário também entre os camponeses e os operários. Em 1911 a dinastia tsin da Manchúria foi derrubada, a China foi proclamada uma república. Como presidente provisório da república foi eleito o democrata revolucionário Sun Iat-Sen. (retornar ao texto)

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