(Escrito por ocasião do 25º aniversário
do colapso da União Soviética)
Mal completaram-se 25 anos desde que, no
final de 1991, a União Soviética colapsou. São inegáveis os reveses sofridos
pelo campo socialista em consequências dos acontecimentos que desenrolaram-se
na URSS e na Europa oriental.
Eu escrevi este livro logo após o
desaparecimento do que fora a gloriosa União Soviética. Em sua escrita, me
deparei com uma tarefa dupla: primeiro, eu tinha de expor a falência total, bem
como seu desvio completo do marxismo-leninismo, das políticas postas em prática
por Gorbachev e seus aliados. Em segundo lugar, eu tinha que explicar as
origens e o desenvolvimento disto que pode ser chamado de “fenômeno Gorbachev”.
Muitas pessoas, e infelizmente mesmo
muitos Partidos, continuam, mesmo nos dias de hoje, atribuindo as origens do
processo de restauração capitalista na URSS apenas nos anos de Gorbachev, isto
é, no período entre março de 1985 e agosto de 1991. Sem dúvidas, com a ascensão
de Gorbachev houve um salto qualitativo: o acúmulo de políticas e práticas
revisionistas se deram com uma virulência até então desconhecida, pavimentando
o caminho para a restauração do capitalismo em ritmo acelerado.
Mas, como diz o velho ditado chinês, é
preciso mais do que uma noite fria para que um rio congele de verdade. O ímpeto
deste livro é mostrar que a raiz, o início do caminho que levou até a
restauração capitalista, se encontra no triunfo do revisionismo kruschevista no
20º Congresso do PCUS em 1956, bem como na distorção completa do
marxismo-leninismo, por ele sustentada e diretamente estimulada em campos como
da economia-política e luta de classes. Em outras palavras, foi a ruptura
completa, não sua adesão, aos fundamentos do marxismo-leninismo que levaram ao
desmantelamento da União Soviética.
No 20º Congresso, Kruschev lançou um
ataque virulento contra a figura de Joseph Stalin, que havia dirigido o PCUS e
a União Soviética durante três décadas. Estas foram décadas de grandes
dificuldades e extraordinárias conquistas. Nestes anos, a União Soviética se
industrializou; a agricultura foi coletivizada; suas defesas foram
fortalecidas; saúde e educação universais foram garantidas; uma classe
trabalhadora poderosa, educada, técnico e cientificamente equipada e possuidora
de uma elevada cultura socialista, foi criada. De um dos países mais atrasados,
a União Soviética se tornou uma poderosa nação socialista, que derrotara,
praticamente sozinha, a mais poderosa máquina de guerra de todos os tempos,
nomeadamente, a Alemanha hitlerista.
O ataque de Kruschev contra Stalin
serviu, conforme planejado, para renegar a União Soviética como ditadura do
proletariado, seus feitos históricos e as conquistas mundiais do socialismo.
Acalentou os corações dos imperialistas e seus agentes nas fileiras da classe
operária – os revisionistas, trotskistas e social-democratas – provendo-lhes
com uma arma para que destruíssem o movimento comunista.
O ataque kruschovista contra Stalin
serviu, e fora feito para tanto, para cobrir a completa revisão, feita a toque
de caixa, do marxismo-leninismo em inúmeros aspectos centrais. Entre o 20º e o
22º Congresso do PCUS, o movimento comunista do mundo todo presenciou o
espetáculo do nascimento, desenvolvimento e crescimento sistemático do
revisionismo kruschevista, que eventualmente levaria a União Soviética ao seu
fim.
Através do 22º Congresso, o revisionismo
kruschovista tornou-se sistemático, vigoroso e aberto, resultando ser capaz de
assegurar a adoção e incorporação de suas propostas errôneas em um novo
programa adotado nesta ocasião. O novo programa declarava que a ditadura do
proletariado deixava de ser indispensável para o país e que deveria ser
substituído pelo Estado de todo o povo – um absurdo evidente, uma vez que um
Estado existe somente para servir como instrumento nas mãos de uma classe para
oprimir, reprimir e subjugar outra.
Igualmente, de acordo com este novo
programa, o Partido Comunista deixava de ser o Partido da classe operária, se
tornando o Partido de todo o povo da União Soviética – outro absurdo evidente,
uma vez que um Partido só existe para representar os interesses de uma
determinada classe. Então, há distorção e revisão de ensinamentos fundamentais
do leninismo em questões como guerra, paz e a política de coexistência
pacífica. Além disso, o kruschovismo propagaram a errônea política da via
pacífica e parlamentar para o socialismo, ao invés de insistir para a classe
trabalhadora sobre a necessidade de se esmagar a burguesia e sua máquina de
Estado através da violência revolucionária das classes exploradas.
Lenin repetidamente insistiu e enfatizou
a necessidade e a inevitabilidade da “...guerra civil, sem a qual nenhuma única
revolução na história foi possível lograr êxito, e sem a qual nenhum marxista
sério cogitou a transição do capitalismo para o socialismo” (“Palavras
proféticas” Obras escolhidas, vol. 27, p. 496).
Paralelamente às distorções políticas e
ideológicas, os kruschovistas instituíram reformas econômicas que levaram as
mais destrutivas consequências. A motivação ao lucro se tornou o regulador da
produção soviética sob estas reformas, levando, nesta época, a um crescimento
da iniciativa privada, a segunda economia, e dos estratos beneficiados com este
crescimento. A economia privada, que fora restrita até os limites mais
estreitos no período de Stalin, emergiu com novo vigor na era de Kruschev,
registrou um próspero crescimento na época de Brejvnev e superou a economia
primária (socialista) soviética sob o amoroso cuidado de Gorbachev.
A economia privada, legal e ilegal, além
de ser uma fonte de renda alternativa, criou corrupção e criminalidade
generalizadas, deu um estímulo adicional às ideias, sentimentos e teorias que
justificavam a iniciativa privada; proveu de fundos os críticos do socialismo
soviético e mobilizou uma base material para a restauração capitalista na URSS.
A economia privada legal inevitavelmente
traz em seu rastro atividades ilegais, que assumem uma impressionante variedade
de formas, penetrando, por fim, em todos os aspectos da sociedade soviética.
Nessa época, toda essa atividade fez
surgir uma nova burguesia, que fez grandes investimentos em capital,
organizaram a produção em larga escala, contrataram e exploraram trabalhadores
e venderam suas mercadorias no mercado negro. Uma abundância de fábricas
privadas se espalharam pelo país, chegando as dezenas de milhares, fabricando
malhas, sapatos, óculos de sol, discos de música pop ocidental, bolsas e muitos
outros bens de consumo. Estes fabricantes começaram como donos de pequenas
oficinas e se tornaram famílias multimilionárias que controlam dezenas de
fábricas.
A segunda economia forneceu o solo para
o crescimento do crime organizado, por um lado, e de uma pequena-burguesia
dissidente, com palavras de ordem de “liberdade” – liberdade para propagarem o
obscurantismo religioso, especialmente se forem críticas do socialismo e suas
conquistas. Estimulado pelas forças do mercado, pelas distorções do
marxismo-leninismo, postas em marcha pelo kruschovismo, bem como pelo apoio
material e ideológico recebido pelo campo imperialista, estes dissidentes, que
somavam várias dezenas de milhares em meados dos anos 80, promoveram o
individualismo burguês, a ganância e o consumismo. Ao mesmo tempo que
espalhavam veneno contra tudo que fosse socialista, faziam verdadeiras
campanhas em favor da propriedade privada, livre iniciativa, livre mercado e
todo tipo de “liberdades” burguesas.
Nos 30 anos que seguiram a ascensão de
Kruschev ao cargo de Secretário-Geral do PCUS, essa segunda economia cresceu em
um ritmo cada vez mais acelerado. De acordo com provas de especialistas de
confiança, enquanto a renda nacional e os preços dos produtos e serviços na
União Soviética como um todo cresceram de quatro a cinco vezes entre o início
da década de 1960 e o final da década de 1980, a segunda economia cresceu
dezoito vezes. De 3,4% da renda nacional em 1960, passaram a representar 20% em
1988. E estes são números certamente conservadores.
O número de pessoas engajadas na parte
ilegal da economia privada (segunda economia), cresceu de 8 milhões no início
dos anos 1960, para 16-17 milhões em 1974 e 30 milhões (12% da população) em
1989. Se economia privada legal é incluída, então, no final dos anos 1970, a
população urbana (62% do total) adquiriu cerca de 30% de toda sua renda de
fontes não-oficiais, isto é, da economia privada legal ou ilegal.
Na medida em que a economia ilegal
crescia, mais era minada a economia soviética legítima. Uma vez que a segunda
economia necessariamente deveria roubar tempo e materiais da setor estatal,
isso não poderia resultar em outra coisa senão a redução da eficiência deste
setor, levando-o a dissipar-se neste “negócio”.
A segunda economia possuía uma grande
influência corruptiva entre os membros do Partido e oficiais do Estado, sem a
qual, tais atividades não poderiam ter durado um mês.
Através das “reformas econômicas”
kruschevistas, os revisionistas criaram as condições para fazer crescer a
segunda economia, que por sua vez, minou a economia socialista, espalhou a
descrença na eficiência do socialismo, da economia planificada e, através da generalização
da corrupção, destruiu a fé da classe operária soviética na integridade de seu
próprio Partido. Ao mesmo tempo, a segunda economia criou um estrato cujos
interesses finais não poderiam ser alcançados nos limites do socialismo. Assim
estavam postas as condições para a restauração do capitalismo.
Enquanto toda essa atividade de
demolição, destinada a destruir o socialismo e restaurar o capitalismo, ocorria
em ritmo acelerado, a liderança revisionista estava ocupada enganando as massas
soviéticas, afirmando que o país estava marchando no caminho que levava ao
estágio superior do socialismo, ao comunismo.
Na época da ascensão de Gorbachev, todas
as condições materiais e ideológicas estavam preparadas. Para acelerar o
processo de restauração capitalista, tendo expurgado vários elementos do
Partido com os quais não poderia contar, Gorbachev iniciou suas notórias
políticas da glasnost e perestroika. A primeira desempenhou, no plano
ideológico, o mesmo papel que a segunda no plano econômico. Se a perestroika
visava restaurar completamente as relações capitalistas de produção destruindo
todos os remanescentes de uma planificação centralizada, glasnost almejava
destruir o que restara da ciência marxista-leninista na vida política e
institucional da URSS, substituindo-a, então, pelas normas características da
democracia burguesa. Combinadas, estas duas políticas se tornaram um autêntico
atentado contra o socialismo – um programa contra-revolucionário que visava
minar a liderança do Partido Comunista, a propriedade estatal, a planificação
central e a integridade multinacional da União Soviética.
A glasnost se tornou sinônimo de
anti-comunismo. As reformas econômicas se materializaram como a completa
privatização e desmantelamento do que havia sobrado da economia socialista, com
o apoio ao “socialismo de mercado” que se tornava o “mercado do socialismo” –
em linguagem clara: capitalismo. O anti-stalinismo, com suas palavras de ordem
sobre “democratização” e “descentralização”, se tornaram, como fora também na
época de Kruschev, o slogan das reformas de Gorbachev. Sob o pretexto de
aperfeiçoar o Partido e a economia, em nome da crítica ao “culto à
personalidade”, realizou, a toque de caixa, a distorção completa da história do
Partido e denegriu todas as conquistas históricas do socialismo.
Enquanto a “democratização” marcou a
separação total do marxismo-leninismo, o Partido tornou-se uma espécie de
organização social-democrata, rejeitando o papel de dirigente deste e o
centralismo democrático como seu princípio organizativo. O conceito de
coexistência pacífica, transformado em um “valor humano universal”, tornou-se
um eufemismo para uma aliança aberta com o capitalismo e imperialismo.
Determinado como estava a destruir o que
restara do socialismo na URSS, Gorbachev, à despeito de seu desprezo pelo
Partido, permaneceu tempo o suficiente em seu cargo de Secretário-Geral para
supervisionar o desmantelamento do campo socialista, bem como a desintegração
da URSS e a liquidação do PCUS.
Na arena internacional mais ampla, o grupo
de Gorbachev traiu os movimentos de libertação nacional e países socialistas
menores, como Cuba.
Na época do 28º Congresso do PCUS,
realizado em julho de 1990, a questão já não era mais SE a economia de mercado
seria completamente restaurada, mas simplesmente saber QUE TIPO de economia de
mercado deveria substituir a economia planificado que, tendo sido sabotada
durante as três últimas décadas, recebeu o golpe de misericórdia da corja de
Gorbachev.
Em sua mensagem por ocasião do 73º
aniversário da revolução de outubro, em 7 de novembro de 1990, Gorbachev, com
sua característica cara de pau, retratou sua traição completa ao socialismo e
capitulação ao imperialismo com seus atos de “liberdade e emancipação”.
“Perestroika, diz ele, trouxe-nos
liberdade e emancipação. Nós nos abrimos ao mundo... estando em conflito com o
mundo, negamos a nós mesmos a oportunidade de participar do progresso da
civilização em seu momento mais crucial. Nós sofremos terríveis reveses, talvez
nossas maiores perdas, por conta disso”.
Há um ano do 28º Congresso, Gorbachev
logrou destruir o que restava dos defensores da economia socialista dentro do
PCUS.
Em 6 de novembro de 1991, um dia antes
do 74º aniversário da revolução de outubro, Yeltsin, que fora eleito Presidente
da Federação Russa em junho deste mesmo ano, baniu o PCUS e ordenou sua
dissolução. Em dezembro, ordenou a remoção da bandeira vermelha do Kremlin. Em
25 de dezembro, tendo realizado o trabalho de sua vida, Gorbachev se retirou da
vida política. Em 31 de dezembro, a União Soviética já não existia mais.
Assim, teve um fim ignóbil o que fora
uma vez a gloriosa União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a primeira
pátria-mãe do proletariado internacional e primeira base da revolução
proletária mundial. Tudo graças ao revisionismo kruschevista que desolou o país
durante três décadas e meia.
É crucialmente importante para o
proletariado internacional e aos povos oprimidos do mundo entenderem as causas
da dissolução da URSS e do PCUS, pois as interpretações do colapso soviético
estão intimamente ligadas com a luta pelo futuro. O proletariado fará duras
lutas e fará, necessariamente, sacrifícios para alcançar o socialismo,
impossível se considerarem o socialismo um sistema falido, como constantemente
nos dizem os agentes da burguesia infiltrados nos movimentos populares.
Dificilmente haverá uma tentativa séria de superar o capitalismo se estivermos
convencidos que uma economia de mercado é a chave para a libertação da
humanidade.
A burguesia entende, nos dizia Lenin,
que “os militantes operários que seguem tendências oportunistas e
revisionistas, são melhores defensores da burguesia do que a própria
burguesia!”. (Obras escolhidas, Vol. 31).
Estas observações foram os princípios
que me guiaram para entender a calamidade que foi a dissolução da União
Soviética. Meu livro Perestroika foi uma tentativa de mostrar que a URSS e o
PCUS colapsaram não por causa de falhas intrínsecas na ciência do
marxismo-leninismo, mas sim por conta das distorções realizadas nesta ciência
pela liderança kruschevista que tomara o Partido e é culpada pela completa
revisão e distorção dos princípios do marxismo-leninismo nos campos da ciência
política, filosofia e luta de classes, por um período de mais de três décadas.
Durante estas três décadas, distorções e
falsificações do marxismo-leninismo se multiplicaram, e eventualmente a
quantidade se tornou qualidade. O que começou como um gotejar no kruschevismo,
tornou-se inevitavelmente uma correnteza de rio no período de Gorbachev,
acabando por restaurar o capitalismo na terra soviética, na terra de Lenin e
Stalin – a terra que uma vez fora a do triunfo socialista. Assim, o que
colapsou não foi o marxismo-leninismo; foi o próprio revisionismo que acabou em
um inevitável e escandaloso colapso, derrubando toda a URSS consigo.
O colapso do revisionismo, que é uma
manifestação da “influência burguesa no proletariado e a corrupção burguesa dos
trabalhadores” foi, de forma gradual mas incessante, se impondo sobre os
Partidos operários de todo o mundo, diante da urgente necessidade de se
analisar de forma mais abrangente os desdobramentos do que aconteceu na Europa
oriental e na União Soviética, afim de ter as conclusões adequadas e tirar as
lições devidas.
Isso deveria leva-los a necessidade de
afiar suas armas ideológicas, combater o baixo nível teórico, imperante desde
que a liderança do PCUS fora usurpado pela corja kruschevista no 20º Congresso
de 1956. É este baixo nível teórico que explica porque tantos Partidos
operários mostraram-se apenas como meros espectadores indefesos diante do
avanço do revisionismo. O colapso deste mesmo revisionismo leva-os uma
crescente necessidade de reconhecer que “sem teoria revolucionária, não há
movimento revolucionário”.
É uma tarefa posta aos Partidos
Comunistas reconhecerem que “só se pode desempenhar o papel de vanguarda, se
possuir uma teoria de vanguarda”.
Com estas palavras, encerro este
prefácio, na esperança de que meus leitores hindus encontrem contribuições
úteis para a compreensão dos grandes eventos tratados neste livro.
Outubro de 2016
Harpal Brar
Traduzido por Guilherme Nogueira
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