sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Intervenção do PC da Turquia, no recente encontro internacional comunista, realizado em Istambul.

 Caros camaradas,  Não gosto de começar com o cliché: “nestes tempos difíceis por que estamos a passar...”. Nunca houve um tempo fácil para o movimento da classe operária. Não é surpreendente que, hoje, as classes capitalistas ataquem o movimento operário e se esforcem por abolir todas as aquisições que as classes trabalhadoras alcançaram ao longo de séculos – eles têm-no feito sempre que o capitalismo passou por sucessivas crises económicas e políticas. Também não é surpreendente que as contradições entre as potências imperialistas se aprofundem e cresçam a ameaça de guerra e o fascismo. É verdade que estas ameaças trazem dificuldades adicionais para o movimento comunista. 

Restrições, proibições, prisões, perseguições, assassinatos... Temos incontáveis exemplos de tais agressões por parte da burguesia na história do movimento comunista. Aqui mesmo, no nosso país, os comunistas foram forçados à luta clandestina, durante décadas. Hoje não é excepção. Só há uma conclusão dos injustos desenvolvimentos, contra os quais protestamos, no Cazaquistão, na Ucrânia, na Hungria, nos países Bálticos e noutros: não podemos falar de uma verdadeira liberdade ou democracia sob o capitalismo!

Camaradas
Não há razões para dizer que certos períodos contêm condições “mais suaves” para os comunistas. E refiro-me aos períodos em que o capitalismo consegue uma relativa estabilidade e, seja por que motivo for, alarga o âmbito da democracia burguesa. Claro, isto só pode ser afirmado se ainda estivermos comprometidos com a nossa única razão de existir: a criação de uma sociedade sem classes, livre da exploração. 

 Um capitalismo estabilizado não quer e não pode resolver a exploração, o desemprego, as desigualdades, a pobreza e as possibilidades de crises. A estabilidade do capitalismo arma a classe dominante com oportunidades adicionais para enganar as massas trabalhadoras. A este respeito e de certa maneira, as dificuldades para os comunistas aumentar. 

Caros camaradas
Temos de nos livrar do capitalismo. A humanidade não pode suportar mais esta barbárie. Atrevo-me a dizer isto num país onde estamos confrontados com um dos piores resultados eleitorais que um partido comunista pode alcançar, precisamente há quatro meses. Atrevo-me a dizê-lo, não porque somos sonhadores, utópicos, aventureiros ou tolos, mas porque somos comunistas! 

É claro que a luta pelo socialismo exige paciência e persistência. Não faríamos uma revolução, mas criaríamos caricaturas, com um voluntarismo que não tivesse em conta as condições objetivas, nem o conseguiríamos sem sacrifícios. A caricatura é uma arte impressiva, criativa e alegre; ainda que aqueles que a si próprios se transformam em caricaturas na política não alegrem ninguém, a não ser o nosso inimigo. E isto não é tudo! O que também anima o nosso inimigo, a classe capitalista, é o objetivo de o socialismo se afundar no esquecimento. 

Camaradas
 A história do movimento comunista está cheia de grandes vitórias e conquistas. Indo mais longe, posso dizer que se os comunistas fossem retirados da história dos últimos 160 anos, o mundo não só se teria transformado num inferno, mas ter-se-ia tornado estéril, em todos os sentidos da palavra. Os comunistas deixaram as suas marcas, nas suas épocas, nos domínios da ciência, da arte e da cultura.

 Então, por que somos hoje menos influentes? Devemos, corajosamente, fazer esta pergunta. Devemos fazê-la, a fim de que nosso inimigo não possa animar-se mais. Somos menos influentes hoje, por que a ideia e a esperança de que outro mundo é possível têm estado em declínio. É um golpe mortal para o movimento comunista se deixarmos que o objetivo da revolução socialista perca a sua atualidade. 

Embora seja verdade que os comunistas tomam partido pela paz e pela liberdade, a sua legitimação histórica não deriva de outra coisa a não ser do seu objetivo de uma sociedade sem classes. O objetivo da revolução socialista, colocado na linha da frente, em 1919, quando a Comintern foi criada, não foi assumido porque os partidos membros eram poderosos. Todos nós sabemos que muitos dos partidos que então tomaram o nome de “comunistas” não eram mais fortes do que os partidos a que hoje chamamos “pequenos”. 

O avanço da Revolução de Outubro realçou os traços intermitentes e com altos e baixos da luta pelo socialismo. Os revolucionários russos obtiveram uma vitória, em que ninguém acreditaria um par de anos antes de 1917. Hoje, o socialismo não está de modo algum mais longínquo do que em 1914. Sabemos disso pela nossa experiência neste país. 

Caros camaradas
 Se perguntasse o que vos vem à mente como políticos revolucionários quando ouvem o nome Turquia... É um país bonito e alegre, com as suas riquezas históricas e naturais. É a terra natal do grande poeta Nazim Hikmet e de dedicados revolucionários. No entanto, isso não é tudo. Iriam certamente pensar em golpes militares, fascistas, e em militarismo e fanáticos religiosos. Hoje, muitos dizem-nos que não faz sentido falar de socialismo num tal país. Dizem-nos que as nossas prioridades devem mudar, quando as liberdades são postergadas em tão grande extensão. 

No entanto, sabemos que os ataques militares aconteceram no nosso país, precisamente por esta razão: a de garantir a ordem capitalista como um todo. Quando os generais pró-NATO realizaram o golpe de Estado de 1980, um dos capitalistas proeminentes da Turquia declarou: “agora é a nossa vez de rir”. O mesmo vale para o fanatismo religioso. Sim, a religião em si é muito mais antiga do que o capitalismo, mas invadiu a esfera política da Turquia através dos dólares dos EUA e dos marcos da Alemanha. 

O racional era impedir o renascimento social da Turquia. A este respeito, é um grande erro entender o movimento islâmico apenas como um fenómeno anacrónico. Só pode chegar-se a uma correta indução se se usar o termo “anacrónico” também para o capitalismo. Temos de compreender que, hoje, os mais proeminentes monopólios do mundo estão a travar uma guerra contra a modernidade.

 Caros representantes de partidos irmãos. A luta do nosso partido é baseada em três elementos indissociáveis e fundamentais. O primeiro, é o facto do imperialismo. O que deveremos entender por isso? 
Em primeiro lugar, não devemos olhar para o imperialismo como uma questão de negócios estrangeiros para a Turquia. Nem o imperialismo significa simplesmente um problema de dependência para o país. Não temos dúvida de que a Turquia é frágil e aberta à influência e às intervenções dos poderosos centros imperialistas, nomeadamente dos EUA e da Alemanha, em termos económicos, políticos, militares e culturais. Nós lutamos contra isso e defendemos uma Turquia independente e soberana.

 Fazemo-lo, não por razões táticas, mas porque somos comunistas e patriotas. Em conexão com isto, lutamos pela aniquilação das instituições imperialistas, como a NATO e a UE, que afetam não apenas a Turquia mas todos os oprimidos do mundo. 

 Mas como se pode distinguir esta luta da desenvolvida contra os monopólios nacionais e estrangeiros e contra a efetiva ordem fundamental desses monopólios, o capitalismo? Como podemos continuar a lutar contra o imperialismo, se não lutarmos também contra as reivindicações regionais da burguesia da Turquia e os seus esforços e intenções para se tornar, a si própria, um poder imperialista? 

Um país capitalista mas independente, um país capitalista mas soberano, um país capitalista mas dignificado é um sonho vão. Há mais do que exemplos suficientes na história do movimento comunista, que mostram com o que nos iríamos confrontar quando abandonássemos a perspetiva de classe e o objetivo do socialismo pela luta anti-imperialista.

 A história ensina-nos que, após abandonarmos o objetivo do socialismo, vem o abandono da luta contra a NATO e, finalmente, o objetivo de quebrar os laços com ele! Nós definimos assim o patriotismo: o patriotismo é a vontade de libertar um país dos exploradores! Não a loucura de mostrar empatia com a burguesia desse país. É a mesma razão e a mesma necessidade por que os comunistas não podem e não devem preferir um poder imperialista em detrimento de outro. O mais poderoso inimigo hoje pode ser os EUA ou outro centro imperialista. Além disso, o choque de interesses entre os imperialistas pode dar algumas oportunidades ao movimento comunista. Mas tudo isso pode atingir um significado histórico, apenas e só, se assumirmos uma posição firme na nossa independência de classe e não orientarmos a classe operária para fazer a paz com esta ou aquela fação da classe capitalista. 

O segundo elemento da nossa luta é o esclarecimento. Temos aqui muitos camaradas de países islâmicos. A mesma experiência, que todos nós compartilhamos, mostra que os comunistas nunca conseguirão ganhar força real se não tiveram uma posição laica. Sem dúvida que, por esclarecimento, vou além dos limites do sentido burguês do termo. O legado histórico das revoluções burguesas, desde 1789, passou com um conteúdo alterado para a classe operária, que, hoje, agita a bandeira do progresso por sua conta e risco. 

Precisamos de desenvolver uma luta sem hesitações contra as forças reacionárias e contra a introdução da religião na sociedade e nas políticas, não só nos países islâmicos, mas em todo o mundo. Não nos podemos esquecer de que, hoje, o terror religioso é o produto da introdução da religião na esfera política, quer isso tenha sido efetuado de forma moderada ou radical. Esta invasão da esfera política não é simplesmente uma questão de interesse geopolítico dos imperialistas. A sacralização como um todo contribui para a persistência do domínio do capitalismo. 

Assim, é inaceitável para os comunistas, que sempre defenderam a liberdade de crença e de culto, abandonar o princípio de manter a religião fora da vida política. Opomo-nos à redução da luta contra o fanatismo religioso apenas a uma luta contra o ISIS. Também nos opomos às tentativas de nos colocar, com os países imperialistas, no mesmo terreno de luta contra essa organização sanguinária. Não só recusamos as tendências para aceitar o menor dos males, como também sabemos quem criou tudo isto.

  Caros camaradas, O terceiro elemento essencial da nossa luta, o anti-capitalismo, é sem dúvida a vertente determinante de um partido comunista. No entanto, não podemos tomar isto como um cliché, muitas vezes repetido, a aguardar o momento certo para entrar em cena. Também não vemos as lutas pela paz, pelas liberdades e pelo esclarecimento como passos prévios para ajudar uma futura luta pelo socialismo. Para nós, a perspetiva da revolução socialista deve ser o princípio fundamental dos partidos comunistas em todas as situações e em todos os momentos.

 Camaradas
Permitam-me que explique tudo isto de forma mais clara, exemplificando com a situação concreta na Turquia. Quando o AKP (Partido da Justiça e Desenvolvimento) chegou ao poder, há quase 15 anos, sob a liderança de Erdogan, a maioria da esquerda na Turquia deu o seu apoio direto ou indireto ao AKP; e justificou-o com a necessidade de democratização, desmilitarização e desenvolvimento da sociedade civil na Turquia. Alguns partidos da Esquerda Europeia também se envolveram neste processo. Somos capazes de provar com documentos que declararam Erdogan como revolucionário, reformista e progressista. Nós, por outro lado, avaliámos os acontecimentos de um ponto de vista de classe, e são reavaliados várias vezes.

 Aqueles que anteciparam a democracia vinda da classe capitalista e os que esperaram pela liberdade vinda dos fundamentalistas islâmicos enganaram o povo da Turquia. Mais tarde, à medida que o governo do AKP atacava a classe operária, as mulheres e os jovens, a indignação e as reações acumularam-se na sociedade. A influência dos comunistas, que tinham levantado a bandeira da luta anti-AKP quase sozinhos, alargou-se. Como Erdogan polarizava cada vez mais a sociedade, fações significativas da burguesia também ficaram perturbadas. Nesse momento, em 2013, rebentou uma grande revolta social, conhecida como os protestos de Gezi. Milhões foram para as ruas contra o governo. A classe capitalista tentou várias vezes influenciá-la, através de vários canais, de forma a transformá-la numa revolução colorida. No entanto, a presença de forças e tendências ideológicas revolucionárias e da participação das massas não permitiu a passagem de qualquer intervenção liberal, pró-EUA ou pró- UE. O movimento curdo, por outro lado, absteve-se de participar, acusando o movimento de uma tentativa de golpe contra o AKP. 

Caros camaradas
Se perguntarem como estão as nossas relações com o Movimento Nacionalista Curdo, a nossa resposta será esta: o povo curdo é oprimido; não podemos virar as costas às suas reivindicações de igualdade e liberdade. Lutamos por um país onde os curdos, os turcos e todos os outros povos possam viver juntos em paz e fraternidade. Há muitos curdos no nosso partido que lutam com este propósito. Dito isto, queridos camaradas, não podemos aprovar escolhas pragmáticas de um movimento nacionalista, baseado na colaboração de classes, ou nas suas relações com os centros imperialistas. Também não podemos esquecer como eles apoiaram o governo do AKP durante anos. O socialismo também é necessário para os curdos, a menos que eles pensem a libertação como a dominância de Barzani e similares. 

Camaradas
 O Movimento Nacionalista Curdo salvou Erdogan de cair, em 2013. Os líderes do movimento expressaram explicitamente e repetidamente que essa não é a sua reivindicação. E então... o quê? E então, a burguesia e os principais estados imperialistas, que desconfiavam dos milhões de pessoas que tomaram as ruas, iniciaram desde então uma intervenção abrangente, que nós apelidamos de “uma tentativa de restauração”. O objetivo era uma ampla coligação com um AKP sem Erdogan, um renovado e reformado CHP (Partido Republicano do Povo) e o HDP (Partido Democrático do Povo), com um partido curdo integrado no sistema. Hoje, Erdogan resiste contra essa alternativa, que significará a sua exclusão. A tentativa não teve êxito nas eleições de junho e, agora, fações poderosas da classe capitalista tentam o mesmo, mais uma vez, nas próximas eleições. Quase todas as facções da esquerda turca estão por trás deste projeto. A sua justificação é a seguinte: “Erdogan deve ir primeiro, para que possamos dar um suspiro de alívio”. 

Caros camaradas
 Não deve surpreender-vos que o nosso partido, nas passadas eleições, só tenha recebido votos dos seus militantes. Não fomos negativamente afectados pelos resultados, pois estamos conscientes do terror intelectual existente. Hoje, não há uma organização de esquerda que mencione a classe operária ou a contradição entre o trabalho e o capital! 

O HDP, que se transformou num partido social-democrata, continua a receber o apoio de certos monopólios dos média. Alguns políticos do HDP, que se auto-assumem como “marxistas”, visitam organizações de capitalistas, posando alegremente nas mesmas fotos e molduras. Na verdade, a classe capitalista bem precisa da esquerda. 

O sistema na Turquia está com pressa de criar a sua própria esquerda persuasiva, pois, caso contrário, ficará num grande risco. Sem o SYRIZA, o sistema na Grécia também estaria sob ameaça. O mesmo vale para os outros países – o Podemos, em Espanha; os últimos desenvolvimentos no Partido Trabalhista, na Grã-Bretanha... Pode tudo isto estar desligado da necessidade de gestão da crise e da sustentação do capitalismo? 

Hoje, semelhantes desenvolvimentos têm lugar na Turquia. Aqueles que, até aqui, mantiveram Erdogan a salvo do povo, pressionam-nos agora para participarmos na coligação contra Erdogan. Mas por que atribuem eles tanta importância a um partido que teve menos de 1% dos votos? Porque têm medo! Não estou a exagerar. Têm medo da nossa boa organização, da nossa sagacidade política, da nossa influência, dos nossos quadros e dos nossos militantes, que agitaram a bandeira vermelha da classe operária na Praça Taksim, em 7 maio, quando ela foi ocupada por dezenas de milhares de polícias. 

No dia após as eleições, em que tivemos uma taxa ridiculamente insignificante de votos, 780 mil pessoas visitaram a publicação em linha do nosso partido. Por que é isto assim? Como pode um fracasso eleitoral não causar angústia? Por que estamos seguros de nós mesmos! O nosso partido auto-protegeu-se e ganhou boa reputação por, muitas vezes, correr o risco de ficar sozinho. Nós sempre assumimos posições, que seriam mais tarde compreendidas, sobre a UE, a NATO e o governo do AKP. 

Quando o processo chamado de Primavera Árabe abalou o Médio Oriente, nós denunciámos imediatamente que estavam a sequestrar a raiva das pobres massas árabes. Os sequestradores eram os monopólios internacionais. Aqueles que disseram “em primeiro lugar, deixemos a democracia desenvolver-se” e aqueles que apoiaram partidos islâmicos, adiantando a justificação de que “é tudo o que uma revolução pode ser nos países árabes”, ficaram decepcionados. Mursi, Sisi, Erdogan, ou Tsipras... Estes são os representantes de diferentes fações da burguesia e frustrarão sempre quem confiar neles, em nome da democracia, da liberdade ou do progresso. 

Sim, queridos camaradas, o nosso partido, que no ano passado se deixou levar numa crise pelo vento liberal e reformista, avança no seu próprio caminho. A minha intenção não é fanfarronar. Aqui, somos todos membros da mesma família. Pretendemos mostrar aos nossos camaradas que não precisam de se preocupar sobre como os comunistas podem ter sucesso neste difícil país. 

Caros camaradas
É possível que possamos ter de novo uma votação insignificante nas próximas eleições. Claro que tiramos sempre algumas lições de tais resultados. Mas nunca baseamos os nossos planos no aumento dos nossos votos. Organizamos, fortalecendo a nossa unidade nas fábricas e nos locais de trabalho.

 Como um partido da classe operária, lutamos numa dura batalha ideológica com aqueles que tentam sitiar-nos. Não temos dúvidas de que, no final, teremos sucesso na nossa luta, neste país problemático e surpreendente. 

Também não temos nenhuma dúvida de que, de igual modo, triunfarão nas vossas lutas. Juntos, livrar-nos-emos desta bárbara ordem chamada capitalismo. De tudo o que precisamos é do marxismo-leninismo; não como um slogan desgastado, mas como um guia vivo que ilumina o nosso caminho. Mais uma vez, bem-vindos camaradas...

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