
A transformação a que estamos assistir em Portugal será semelhante ou maior do que a que teria acontecido se tivesse havido revolução industrial no século XIX. Transformações no campo económico e social, e subsequentemente a nível do regime político. E talvez maior, porque mais rápida e num contexto de globalização (transformação) mundial, razão pela qual não se poder escapar mesmo que quiséssemos ou quanto muito ganhar algum adiamento.
E vamos ver a diferença da crise presente e do que foi visto há 140 anos: «Vimos como a perfeição do maquinismo moderno, levada ao extremo, se transforma, por efeito da anarquia existente na produção social, numa lei coerciva que força o capitalismo industrial a melhorar constantemente os seus instrumentos e a aumentar continuamente a sua força de produção. Para ele, a pura possibilidade real de ampliar o domínio da sua produção transforma-se, igualmente, numa lei coerciva. A colossal força de expansão da grande indústria, ao lado da qual a expansão do gás não passa de uma brincadeira de crianças, apresenta-se-nos, agora, como uma necessidade de extensão, simultaneamente qualitativa e quantitativa, que destrói toda a força oposta. As forças antagónicas são constituídas pelo consumo, pela exportação, pelos mercados para os produtos da grande indústria. A capacidade de extensão qualitativa e quantitativa dos mercados regula-se, todavia, por leis muito diferentes, muito menos enérgicas. A extensão do mercado não pode manter-se a par da extensão da produção. O conflito torna-se inevitável, e como não pode ter solução enquanto não se destruir a forma de produção capitalista, esse conflito torna-se periódico. A produção capitalista cria um novo círculo vicioso » (Marx, “O Capital”, pág. 671).
Não há diferença significativa.
Neste tempo de crise, o comércio afrouxa, os mercados estão a abarrotar, os produtos acumulam-se em massa, sem lhes poder dar saída, o dinheiro some-se, o crédito desaparece, as fábricas param, as massas trabalhadoras carecem de meios de vida, porque os produziram em excesso; a bancarrota sucede à bancarrota, as liquidações sucedem às liquidações. É o que está a acontecer presentemente e que explica a crise financeira, o facto de os bancos estarem na falência e sejam os governos dos estados, formalmente soberanos, a intervir na salvação dos banqueiros e do sistema de produção e de troca capitalista com os dinheiros públicos, extorquidos aos trabalhadores, e mais recentemente com o confisco dos dinheiros que os cidadãos possuem depositados nos bancos insolventes. Chipre foi o ponto de partida para o que irá suceder por toda a Europa, a seguir serão os países do Sul já intervencionados pela troika. O capitalismo mostra agora a sua verdadeira face, à rasca com a sua sobrevivência, passou rapidamente do roubo institucionalizado para o roubo de pura delinquência.
Claro que – dizem os defensores do dito cujo – que o capitalismo já venceu outras crises, recorrendo inclusivamente à guerra como maneira rápida de destruição das forças produtivas e poder recuperar as taxas de lucro (que é, ao cabo e ao resto, o que move todo o capitalista, e o ideal seria que os trabalhadores trabalhassem à borla, então seria ouro sobre azul). Na crise, «a paralisação dura anos inteiros, as forças produtivas e os produtos malbaratam-se e destroem-se até que as mercadorias acumuladas circulam, por fim, com uma depreciação maior ou menor, até que a produção e a troca se restabelecem, pouco a pouco. Progressivamente, acelera e converte-se em trote, depois em galope e, rapidamente, converte-se em corrida desenfreada da indústria, do comércio, do crédito, da especulação, para cair, de pois de saltos perigosíssimos… no fosso da crise» (Engels, “Anti-Dühring”, pág. 339). E o processo tem-se renovado sem cessar até agora, em crises cíclicas – parece que desta vez veio para ficar.
As crises não acabam enquanto perdurar o capitalismo, desiludam-se quem pensa que tudo voltará ao mesmo com o “fim” da crise. Desiludem-se os trabalhadores, porque se houver crescimento económico em Portugal, seja pela vinda de grandes monopólios estrangeiros, seja pela revitalização de uma economia nacional (sem espaço nem condições, nem que seja pela mentalidade, ou falta dela, como se vê em alguns merceeiros nacionais), será feito com mais desemprego e com salários mais baixos. Não será assim, se acabarmos com o capitalismo… e os operários, e os cidadãos portugueses que trabalham em geral, dispor-se-ão a isso quando perceberem que jamais voltaremos ao mesmo.
Os Bárbaros