quinta-feira, 23 de maio de 2019

"Sobre o capitalismo pré-industrial e a acumulação primitiva de capital"

Ainda que os Marxistas deem crédito ao capitalismo por ter sido um avanço econômico em comparação com o feudalismo, expõem ao mesmo tempo as brutais desumanidades através das quais este acumulou primeiramente seu capital. A acumulação primitiva do capital é explicada em O Capital, mas seu foco é o capitalismo industrial, quando a produção de mercadoria se torna dominante na sociedade.

A semente do capitalismo cresceu em meio à crise da sociedade feudal. Com uma economia predominantemente natural, dependente sobretudo da terra, a produção de mercadorias desenvolveu-se gradualmente por um longo período.

Antes de a produção de mercadorias, sob a forma do capitalismo industrial, ter se tornado o modo de produção dominante no século XIX, atravessou duas etapas: a etapa artesanal; e a etapa manufatureira, que durou por centenas de anos na Europa.

As corporações de ofício eram as unidades básicas de produção nas cidades que emergiram durante as Idades Médias. Sob a direção do mestre de ofício numa pequena unidade produtiva, cada um dos artesãos fabricava por si só o produto completo com instrumentos manuais que eles próprios possuíam.

Foi no final das Idades Médias, particularmente na Itália do século XIII, que a manufatura pré-industrial começou a desenvolver-se. A base era ainda artesanal, mas as manufaturas trouxeram um nível maior de produtividade através da divisão do trabalho. No dia a dia, grupos de operários cumpriam apenas partes limitadas de todo o processo. A produção era mais rápida e maior que aquela que havia sob as corporações.

À medida que se desenvolviam as manufaturas, as corporações de ofício eram dissolvidas. Os artesãos perdiam seus instrumentos e eram compelidos a trabalharem nas linhas de produção do sistema fabril.

A manufatura amadureceu e começou a se tornar capitalismo industrial no final do século XVIII. A indústria capitalista moderna foi impulsionada por invenções como o tear mecânico e a máquina a vapor.

As etapas artesanal e manufatureira podem ser colocadas conjuntamente como o período da acumulação primitiva do capital. As origens históricas da classe capitalista industrial e da classe operária remontam a este período. O capitalista manufatureiro despojou o artesão de suas ferramentas e acumulou capital por meio das formas mais desumanas de exploração.

O período da acumulação primitiva de capital não significou simplesmente a adoção de meios mais eficientes de organização produtiva. Há toda uma expansão da exploração desumana perpetrada pelo manufatureiro e o comerciante.

No sistema fabril, homens, mulheres e crianças eram obrigados a trabalhar de 16 a 18 horas por dia, e até mesmo 20 horas em casos extremos. Até a primeira metade do século XIX, as horas de trabalho eram prolongadas. Os salários eram tão baixos que até mesmo crianças de menos de dez anos de idade tinham de trabalhar. Os ambientes de trabalho eram insalubres a ponto de os operários poderem ser facilmente mortos ou feridos pelas máquinas. Castigos físicos eram impostos sobre os operários, que viviam em alojamentos semelhantes a chiqueiros.

O crescimento da manufatura pré-industrial levou ao movimento dos cercamentos. Camponeses foram expulsos das terras que eram transformadas em pasto para as ovelhas (para a produção de lã como principal produto) e a produção especializada de lavouras comerciais (algodão, beterraba, batata, etc.). À medida que os camponeses eram expulsos das terras, tinham de competir pelos empregos disponíveis nas manufaturas. Havia sempre muitos para poucos empregos, depreciando assim as condições salariais. O pauperismo e o banditismo disseminaram-se no século XVI. Imensas rebeliões camponesas também ocorreram no século XVII.

A classe manufatureira e a monarquia feudal cooperaram na condução da política mercantilista. O manufatureiro tinha interesses na consolidação do mercado nacional contra os concorrentes de outros países, e também se colocava contra os barões feudais que cobravam taxas pelas passagens das mercadorias pelas estradas e rios. O interesse do manufatureiro coincidia com os interesses do rei na consolidação de seu poder e no apoio financeiro por parte dos manufatureiros e comerciantes às guerras.

O mercantilismo foi também o principal motivo econômico das expedições coloniais do século XVI. Num primeiro momento, o objeto de interesse das colônias era o ouro, especiarias e outros produtos exóticos. 

Posteriormente, as metrópoles decidiram produzir lavouras comerciais nessas colônias para seu próprio benefício.

Não apenas os povos nativos foram forçados a cultivar lavouras comerciais como tabaco, cana de açúcar, algodão, pimenta e demais, mas também dado que no sul e no norte da América havia escassez de índios nativos para trabalhar sob o chicote, escravos tiveram de ser trazidos à força da África pelas potências coloniais. 

Incidentalmente, até mesmo isso foi uma desculpa para catequizar os negros. Os jesuítas portugueses enriqueceram muito com o comércio de escravos, principalmente após terem causado a morte de milhares de indígenas no Brasil, ao colocarem-nos em campos de concentração.

1981-1982

Escrito por José M. Sison

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