quarta-feira, 26 de julho de 2017

O Estado - V.I. Lenine


Conferência de V. I. Lenine na Universidade Sverdlov, em 11 de Julho de 1919


Em 2016, segundo sondagem do Cevipof7 (Centre d'étude de la vie politique française), 7 em cada 10 polícias votavam na Frente Nacional. Em Portugal, como será?

Para compreendermos a luta principiada contra o capital mundial, para percebermos a essência do Estado capitalista, devemos lembrar que, quando ascendeu o Estado capitalista contra o Estado feudal, entrou na luta sob a palavra de ordem da liberdade. A abolição do feudalismo significou a liberdade para os representantes do Estado capitalista e serviu aos seus fins, já que a servidão desabava e os camponeses tinham a possibilidade de possuir, em plena propriedade, a terra adquirida por eles mediante um resgate ou, em parte, pelo pagamento de um tributo; isto não interessava ao Estado, que protegia a propriedade sem importar-se com a sua origem, pois o Estado se baseava na propriedade privada. Em todos os Estados civilizados modernos, os camponeses tornaram-se proprietários privados. Inclusive, quando o senhor feudal cedia parte das suas terras aos camponeses, o Estado protegia a propriedade privada, ressarcindo o proprietário com uma indemnização, permitindo-lhe obter dinheiro pela terra. O Estado, por assim dizer, declarava que ampararia totalmente a propriedade privada e lhe outorgava toda a classe de apoio e protecção. O Estado reconhecia os direitos de propriedade de todo comerciante, dono de fábrica e industrial. E esta sociedade, baseada na propriedade privada, no poder do capital, na sujeição total dos operários despossuídos e das massas trabalhadoras dos camponeses, proclamava que o seu regime se baseava na liberdade. Ao lutar contra o feudalismo, proclamou a liberdade de propriedade e sentia-se especialmente orgulhosa de que o Estado tivesse deixado de ser, supostamente, um Estado de classe.

Porém, o Estado continuava a ser uma máquina que ajudava os capitalistas a manterem submetidos os camponeses pobres e a classe operária, embora, na sua aparência exterior, estes fossem livres. Proclamava o sufrágio universal e, por meio dos seus defensores, pregadores, eruditos e filósofos, que não era um Estado de classe. Inclusive, agora, quando as repúblicas socialistas soviéticas começaram a combater o Estado, acusam-nos de sermos violadores da liberdade e de erigirmos um Estado baseado na coerção, na repressão de uns por outros, enquanto eles representam um Estado de todo o povo, um Estado democrático. E este problema, o problema do Estado, é agora, quando principiou a revolução socialista mundial e quando a revolução triunfa em alguns países, quando a luta contra o capital tem se agudizado ao extremo, um problema que tem adquirido a maior importância e pode dizer-se que tem se tornado o problema mais candente, no foco de todos os problemas políticos e de todas as polémicas políticas do presente.

Qualquer que for o partido que tomarmos na Rússia ou em qualquer dos países mais civilizados, vemos que todas as polémicas, discrepâncias e opiniões políticas giram agora em torno da concepção do Estado. É o Estado, num país capitalista, numa república democrática – nomeadamente em repúblicas como a Suíça ou os Estados Unidos da América —, nas repúblicas democráticas mais livres, a expressão da vontade popular, resultante da decisão geral do povo, a expressão da vontade nacional, etc., ou o Estado é uma máquina que permite aos capitalistas desses países conservarem o seu poder sobre a classe operária e os camponeses e camponesas? Eis o problema fundamental em torno do qual giram todas as polémicas políticas no mundo inteiro. O que se diz sobre o bolchevismo? A imprensa burguesa deita injúrias sobre os bolcheviques. Não acharão um só jornal que não repita a acusação na moda de que os bolcheviques violam a soberania do povo. Se os nossos mencheviques e esseristas (“socialistas-revolucionários”), na sua simplicidade de espírito (e porventura não simplicidade, ou talvez aquela simplicidade a que se refere o provérbio de que é pior do que a ruindade) julgam que inventaram e descobriram a acusação de que os bolcheviques violaram a liberdade e a soberania do povo, enganam-se do jeito mais ridículo. Hoje, todos os jornais mais ricos dos países mais ricos, que gastam dezenas de milhões na sua difusão e disseminam mentiras burguesas e a política imperialista em dezenas de milhões de exemplares, todos esses jornais repetem esses argumentos e acusações fundamentais contra o bolchevismo, a saber: que os EUA, a Inglaterra e a Suíça são Estados avançados, baseados na soberania do povo, enquanto a república bolchevique é um Estado de bandidos em que não se conhece a liberdade e que os bolcheviques são violadores da ideia da soberania do povo e mesmo chegaram ao extremo de dissolverem a Assembleia Constituinte. Estas terríveis acusações contra os bolcheviques repetem-se no mundo todo. Estas acusações conduzem-nos directamente à pergunta: o que é o Estado? Para compreendermos estas acusações, para podermos estudá-las e adoptar a respeito delas uma atitude plenamente consciente e não examiná-las baseando-se em boatos, mas numa firme opinião própria, devemos ter uma clara ideia do que é o Estado. Temos ante nós Estados capitalistas de todo o tipo e todas as teorias que, na sua defesa, se elaboraram antes da guerra. Para respondermos correctamente à pergunta, devemos examinar com uma focagem crítica todas estas teorias e concepções.

Já lhes aconselhei que recorressem ao livro de Engels “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”. Nele diz-se que todo Estado em que existe a propriedade privada da terra e os meios de produção, em que domina o capital, por mais democrático que for, um Estado capitalista será sempre uma máquina em mãos dos capitalistas para a sujeição da classe operária e dos camponeses pobres. E o sufrágio universal, a Assembleia Constituinte ou o Parlamento são meramente formas, espécies de obrigação de pagamento que não mudam a essência do assunto.

As formas de dominação do Estado podem variar: o capital manifesta o seu poder de um modo onde existe uma forma e doutro onde existe outra forma, mas o poder está sempre, essencialmente, em mãos do capital, quer com a existência do voto restrito ou outros direitos, quer se trate de uma república democrática ou não; na realidade, quanto mais democrática for, mais grosseira e cínica é a dominação do capitalismo. Uma das repúblicas mais democráticas do mundo são os Estados Unidos da América do Norte, e no entanto, em nenhum lugar (e quem tiver estado lá após 1905 provavelmente o saiba) é tão cru e abertamente corrompido como nos EUA o poder do capital, o poder de uma empresa de multimilionários sobre toda a sociedade. O capital, desde que existe, domina a sociedade inteira, e nenhuma república democrática, nenhum direito eleitoral pode mudar a essência do assunto.

A república democrática e o sufrágio universal representaram um enorme progresso comparado com o feudalismo: permitiram ao proletariado atingir a sua actual unidade e solidariedade e formar fileiras compactas e disciplinadas que promovem uma luta sistemática contra o capital. Não existiu nada sequer semelhante a isto entre os camponeses servos, e nem há o que falar entre os escravos. Os escravos, como sabemos, sublevaram-se, amotinaram-se e principiaram guerras civis, mas não podiam chegar a criar uma maioria consciente e partidos que dirigissem a luta; não podiam compreender com clareza quais eram os seus objectivos, e mesmo nos momentos mais revolucionários da história foram sempre peões em mãos das classes dominantes. A república burguesa, o Parlamento, o sufrágio universal, isso tudo constitui um imenso progresso do ponto de vista do desenvolvimento mundial da sociedade. A humanidade avançou para o capitalismo e foi o capitalismo somente, o que, à mercê da cultura urbana, permitiu à classe oprimida dos proletários adquirir consciência de si própria e criar o movimento operário mundial; os milhões de operários organizados em partidos no mundo inteiro em partidos socialistas que dirigem conscientemente a luta das massas. Sem parlamentarismo, sem um sistema eleitoral, teria sido impossível este desenvolvimento da classe operária. É por isso que todas estas coisas adquiriram uma importância tão grande aos olhos das grandes massas do povo. É por isso que parecer ser tão difícil uma mudança radical. Não são apenas os hipócritas conscientes, os sábios e os sacerdotes quem sustentam e defendem a mentira burguesa de que o Estado é livre e que tem por missão defender os interesses de todos; o mesmo dizem muitas pessoas atadas sinceramente aos velhos preconceitos e que não aceitam a transição da sociedade antiga, capitalista, ao socialismo. E não apenas as pessoas que dependem directamente da burguesia, não apenas os que vivem sob o jugo do capital ou subordinados ao capital (há grande quantidade de cientistas, artistas, clérigos, etc., de todo o tipo a serviço do capital), mas inclusive pessoas simplesmente influídas polo preconceito da liberdade burguesa, mobilizaram-se contra o bolchevismo no mundo inteiro. Porque, quando foi fundada a República Soviética, esta rejeitou as mentiras burguesas e declarou abertamente: vocês dizem que o seu Estado é livre, quando na realidade, enquanto existir a propriedade privada, o Estado de vocês, embora seja uma república democrática, não é mais do que uma máquina em mãos dos capitalistas para reprimir os operários e, quanto mais livre o Estado for, com maior clareza isto se há de patentear. Exemplos disto são a Suíça, na Europa, e os Estados Unidos, na América. Em parte alguma domina o capital de forma tão cínica e implacável e em parte alguma a sua dominação é tão ostensiva como nestes países, apesar de se tratar de repúblicas democráticas, por muito belamente que as pintem e por muito que nelas se fale de democracia, do trabalho e de igualdade de todos os cidadãos. O fato é que na Suíça e nos EUA domina o capital, e qualquer tentativa dos operários por atingir a menor melhoria efectiva da sua situação provoca imediatamente a guerra civil . Nestes países há poucos soldados, um exército regular pequeno – a Suíça conta com uma milícia e todos os cidadãos suíços têm um fuzil na sua morada, enquanto, nos Estados Unidos, até há bem pouco, não existia um exército regular —, de modo que, quando estala uma greve, a burguesia arma-se, contrata soldados e reprime a greve; em nenhuma parte a repressão ao movimento operário é tão cruel e feroz como na Suíça e nos Estados Unidos e em nenhuma parte se manifesta com tanta força como nestes países a influência do capital sobre o Parlamento. A força do capital é tudo, a Bolsa é tudo, enquanto o Parlamento e as eleições não são mais do que bonecos, títeres... Mas os operários vão abrindo cada vez mais o olhos e a ideia do poder soviético vai estendendo-se mais e mais. Especialmente depois da sangrenta matança pela qual acabamos de passar. A classe operária adverte cada vez mais a necessidade de lutar implacavelmente contra os capitalistas.

Qualquer que for a forma com que se encubra uma república, por democrática que for, se for uma república burguesa, se conservar a propriedade privada da terra, das fábricas, se o capital privado mantiver toda a sociedade na escravatura assalariada, quer dizer, se a república não levar à prática o que se proclama no programa do nosso partido e na Constituição Soviética, o Estado será sempre uma máquina para que uns reprimam outros. E devemos pôr esta máquina em mãos da classe que terá de derrocar o poder do capital. Devemos rechaçar todos os velhos preconceitos em torno de o Estado significar a igualdade universal; pois isto é uma fraude: enquanto existir exploração, não poderá existir igualdade. O proprietário não pode ser igual ao operário nem o homem faminto igual ao saciado. A máquina, chamada Estado, diante da qual os homens se inclinavam com supersticiosa veneração, porque acreditavam no velho conto de que significa o Poder do povo todo, o proletariado rechaça e afirma: é uma mentira burguesa. Nós temos arrancado aos capitalistas esta máquina e temos tomado posse dela. Utilizaremos essa máquina, o garrote, para liquidar toda exploração; e quando toda hipótese de exploração tiver desaparecido do mundo, quando já não houver proprietários de terras nem proprietários de fábricas, e quando não mais existir a situação em que uns estão saciados enquanto outros padecem de fome, só quando tiver desaparecido de vez tais hipóteses, relegaremos esta máquina para o lixo. Então não existirá Estado nem exploração. Tal é o ponto de vista do nosso partido comunista. Espero que voltemos a este tema em futuras conferências, uma e outras vezes.


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