Conferência de V. I. Lenine na
Universidade Sverdlov, em 11 de Julho de 1919
Em 2016, segundo sondagem do Cevipof7
(Centre d'étude de la vie politique française), 7 em cada 10 polícias votavam
na Frente Nacional. Em Portugal, como será?
Para compreendermos a luta principiada
contra o capital mundial, para percebermos a essência do Estado capitalista,
devemos lembrar que, quando ascendeu o Estado capitalista contra o Estado
feudal, entrou na luta sob a palavra de ordem da liberdade. A abolição do
feudalismo significou a liberdade para os representantes do Estado capitalista
e serviu aos seus fins, já que a servidão desabava e os camponeses tinham a
possibilidade de possuir, em plena propriedade, a terra adquirida por eles
mediante um resgate ou, em parte, pelo pagamento de um tributo; isto não
interessava ao Estado, que protegia a propriedade sem importar-se com a sua
origem, pois o Estado se baseava na propriedade privada. Em todos os Estados
civilizados modernos, os camponeses tornaram-se proprietários privados.
Inclusive, quando o senhor feudal cedia parte das suas terras aos camponeses, o
Estado protegia a propriedade privada, ressarcindo o proprietário com uma
indemnização, permitindo-lhe obter dinheiro pela terra. O Estado, por assim
dizer, declarava que ampararia totalmente a propriedade privada e lhe outorgava
toda a classe de apoio e protecção. O Estado reconhecia os direitos de
propriedade de todo comerciante, dono de fábrica e industrial. E esta
sociedade, baseada na propriedade privada, no poder do capital, na sujeição
total dos operários despossuídos e das massas trabalhadoras dos camponeses,
proclamava que o seu regime se baseava na liberdade. Ao lutar contra o
feudalismo, proclamou a liberdade de propriedade e sentia-se especialmente
orgulhosa de que o Estado tivesse deixado de ser, supostamente, um Estado de
classe.
Porém, o Estado continuava a ser uma
máquina que ajudava os capitalistas a manterem submetidos os camponeses pobres
e a classe operária, embora, na sua aparência exterior, estes fossem livres.
Proclamava o sufrágio universal e, por meio dos seus defensores, pregadores,
eruditos e filósofos, que não era um Estado de classe. Inclusive, agora, quando
as repúblicas socialistas soviéticas começaram a combater o Estado, acusam-nos
de sermos violadores da liberdade e de erigirmos um Estado baseado na coerção,
na repressão de uns por outros, enquanto eles representam um Estado de todo o
povo, um Estado democrático. E este problema, o problema do Estado, é agora,
quando principiou a revolução socialista mundial e quando a revolução triunfa
em alguns países, quando a luta contra o capital tem se agudizado ao extremo,
um problema que tem adquirido a maior importância e pode dizer-se que tem se
tornado o problema mais candente, no foco de todos os problemas políticos e de
todas as polémicas políticas do presente.
Qualquer que for o partido que tomarmos
na Rússia ou em qualquer dos países mais civilizados, vemos que todas as
polémicas, discrepâncias e opiniões políticas giram agora em torno da concepção
do Estado. É o Estado, num país capitalista, numa república democrática –
nomeadamente em repúblicas como a Suíça ou os Estados Unidos da América —, nas
repúblicas democráticas mais livres, a expressão da vontade popular, resultante
da decisão geral do povo, a expressão da vontade nacional, etc., ou o Estado é
uma máquina que permite aos capitalistas desses países conservarem o seu poder
sobre a classe operária e os camponeses e camponesas? Eis o problema
fundamental em torno do qual giram todas as polémicas políticas no mundo
inteiro. O que se diz sobre o bolchevismo? A imprensa burguesa deita injúrias
sobre os bolcheviques. Não acharão um só jornal que não repita a acusação na
moda de que os bolcheviques violam a soberania do povo. Se os nossos
mencheviques e esseristas (“socialistas-revolucionários”), na sua simplicidade
de espírito (e porventura não simplicidade, ou talvez aquela simplicidade a que
se refere o provérbio de que é pior do que a ruindade) julgam que inventaram e
descobriram a acusação de que os bolcheviques violaram a liberdade e a
soberania do povo, enganam-se do jeito mais ridículo. Hoje, todos os jornais
mais ricos dos países mais ricos, que gastam dezenas de milhões na sua difusão
e disseminam mentiras burguesas e a política imperialista em dezenas de milhões
de exemplares, todos esses jornais repetem esses argumentos e acusações
fundamentais contra o bolchevismo, a saber: que os EUA, a Inglaterra e a Suíça
são Estados avançados, baseados na soberania do povo, enquanto a república
bolchevique é um Estado de bandidos em que não se conhece a liberdade e que os
bolcheviques são violadores da ideia da soberania do povo e mesmo chegaram ao
extremo de dissolverem a Assembleia Constituinte. Estas terríveis acusações
contra os bolcheviques repetem-se no mundo todo. Estas acusações conduzem-nos
directamente à pergunta: o que é o Estado? Para compreendermos estas acusações,
para podermos estudá-las e adoptar a respeito delas uma atitude plenamente
consciente e não examiná-las baseando-se em boatos, mas numa firme opinião
própria, devemos ter uma clara ideia do que é o Estado. Temos ante nós Estados
capitalistas de todo o tipo e todas as teorias que, na sua defesa, se
elaboraram antes da guerra. Para respondermos correctamente à pergunta, devemos
examinar com uma focagem crítica todas estas teorias e concepções.
Já lhes aconselhei que recorressem ao
livro de Engels “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”. Nele
diz-se que todo Estado em que existe a propriedade privada da terra e os meios
de produção, em que domina o capital, por mais democrático que for, um Estado
capitalista será sempre uma máquina em mãos dos capitalistas para a sujeição da
classe operária e dos camponeses pobres. E o sufrágio universal, a Assembleia
Constituinte ou o Parlamento são meramente formas, espécies de obrigação de
pagamento que não mudam a essência do assunto.
As formas de dominação do Estado podem
variar: o capital manifesta o seu poder de um modo onde existe uma forma e
doutro onde existe outra forma, mas o poder está sempre, essencialmente, em
mãos do capital, quer com a existência do voto restrito ou outros direitos,
quer se trate de uma república democrática ou não; na realidade, quanto mais
democrática for, mais grosseira e cínica é a dominação do capitalismo. Uma das
repúblicas mais democráticas do mundo são os Estados Unidos da América do
Norte, e no entanto, em nenhum lugar (e quem tiver estado lá após 1905
provavelmente o saiba) é tão cru e abertamente corrompido como nos EUA o poder
do capital, o poder de uma empresa de multimilionários sobre toda a sociedade.
O capital, desde que existe, domina a sociedade inteira, e nenhuma república
democrática, nenhum direito eleitoral pode mudar a essência do assunto.
A república democrática e o sufrágio
universal representaram um enorme progresso comparado com o feudalismo: permitiram
ao proletariado atingir a sua actual unidade e solidariedade e formar fileiras
compactas e disciplinadas que promovem uma luta sistemática contra o capital.
Não existiu nada sequer semelhante a isto entre os camponeses servos, e nem há
o que falar entre os escravos. Os escravos, como sabemos, sublevaram-se,
amotinaram-se e principiaram guerras civis, mas não podiam chegar a criar uma
maioria consciente e partidos que dirigissem a luta; não podiam compreender com
clareza quais eram os seus objectivos, e mesmo nos momentos mais
revolucionários da história foram sempre peões em mãos das classes dominantes.
A república burguesa, o Parlamento, o sufrágio universal, isso tudo constitui
um imenso progresso do ponto de vista do desenvolvimento mundial da sociedade.
A humanidade avançou para o capitalismo e foi o capitalismo somente, o que, à
mercê da cultura urbana, permitiu à classe oprimida dos proletários adquirir
consciência de si própria e criar o movimento operário mundial; os milhões de
operários organizados em partidos no mundo inteiro em partidos socialistas que
dirigem conscientemente a luta das massas. Sem parlamentarismo, sem um sistema
eleitoral, teria sido impossível este desenvolvimento da classe operária. É por
isso que todas estas coisas adquiriram uma importância tão grande aos olhos das
grandes massas do povo. É por isso que parecer ser tão difícil uma mudança
radical. Não são apenas os hipócritas conscientes, os sábios e os sacerdotes
quem sustentam e defendem a mentira burguesa de que o Estado é livre e que tem
por missão defender os interesses de todos; o mesmo dizem muitas pessoas atadas
sinceramente aos velhos preconceitos e que não aceitam a transição da sociedade
antiga, capitalista, ao socialismo. E não apenas as pessoas que dependem directamente
da burguesia, não apenas os que vivem sob o jugo do capital ou subordinados ao
capital (há grande quantidade de cientistas, artistas, clérigos, etc., de todo
o tipo a serviço do capital), mas inclusive pessoas simplesmente influídas polo
preconceito da liberdade burguesa, mobilizaram-se contra o bolchevismo no mundo
inteiro. Porque, quando foi fundada a República Soviética, esta rejeitou as
mentiras burguesas e declarou abertamente: vocês dizem que o seu Estado é
livre, quando na realidade, enquanto existir a propriedade privada, o Estado de
vocês, embora seja uma república democrática, não é mais do que uma máquina em
mãos dos capitalistas para reprimir os operários e, quanto mais livre o Estado
for, com maior clareza isto se há de patentear. Exemplos disto são a Suíça, na
Europa, e os Estados Unidos, na América. Em parte alguma domina o capital de
forma tão cínica e implacável e em parte alguma a sua dominação é tão ostensiva
como nestes países, apesar de se tratar de repúblicas democráticas, por muito
belamente que as pintem e por muito que nelas se fale de democracia, do
trabalho e de igualdade de todos os cidadãos. O fato é que na Suíça e nos EUA
domina o capital, e qualquer tentativa dos operários por atingir a menor
melhoria efectiva da sua situação provoca imediatamente a guerra civil . Nestes
países há poucos soldados, um exército regular pequeno – a Suíça conta com uma
milícia e todos os cidadãos suíços têm um fuzil na sua morada, enquanto, nos
Estados Unidos, até há bem pouco, não existia um exército regular —, de modo
que, quando estala uma greve, a burguesia arma-se, contrata soldados e reprime
a greve; em nenhuma parte a repressão ao movimento operário é tão cruel e feroz
como na Suíça e nos Estados Unidos e em nenhuma parte se manifesta com tanta
força como nestes países a influência do capital sobre o Parlamento. A força do
capital é tudo, a Bolsa é tudo, enquanto o Parlamento e as eleições não são
mais do que bonecos, títeres... Mas os operários vão abrindo cada vez mais o
olhos e a ideia do poder soviético vai estendendo-se mais e mais. Especialmente
depois da sangrenta matança pela qual acabamos de passar. A classe operária
adverte cada vez mais a necessidade de lutar implacavelmente contra os
capitalistas.
Qualquer que for a forma com que se
encubra uma república, por democrática que for, se for uma república burguesa,
se conservar a propriedade privada da terra, das fábricas, se o capital privado
mantiver toda a sociedade na escravatura assalariada, quer dizer, se a
república não levar à prática o que se proclama no programa do nosso partido e
na Constituição Soviética, o Estado será sempre uma máquina para que uns
reprimam outros. E devemos pôr esta máquina em mãos da classe que terá de
derrocar o poder do capital. Devemos rechaçar todos os velhos preconceitos em
torno de o Estado significar a igualdade universal; pois isto é uma fraude:
enquanto existir exploração, não poderá existir igualdade. O proprietário não
pode ser igual ao operário nem o homem faminto igual ao saciado. A máquina,
chamada Estado, diante da qual os homens se inclinavam com supersticiosa
veneração, porque acreditavam no velho conto de que significa o Poder do povo
todo, o proletariado rechaça e afirma: é uma mentira burguesa. Nós temos arrancado
aos capitalistas esta máquina e temos tomado posse dela. Utilizaremos essa
máquina, o garrote, para liquidar toda exploração; e quando toda hipótese de
exploração tiver desaparecido do mundo, quando já não houver proprietários de
terras nem proprietários de fábricas, e quando não mais existir a situação em
que uns estão saciados enquanto outros padecem de fome, só quando tiver
desaparecido de vez tais hipóteses, relegaremos esta máquina para o lixo. Então
não existirá Estado nem exploração. Tal é o ponto de vista do nosso partido
comunista. Espero que voltemos a este tema em futuras conferências, uma e
outras vezes.
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