domingo, 17 de maio de 2015

A luta entre o capital e o trabalho e os seus resultados: Por Karl Marx

 1. Tendo mostrado que a resistência periódica por parte dos operários contra uma redução de salários e as suas tentativas periódicas de obter uma subida dos salários são inseparáveis do sistema de salários e ditadas pelo preciso facto de o trabalho estar assimilado às mercadorias e, por conseguinte, sujeito às leis que regulam o movimento geral dos preços; tendo, além disso, mostrado que uma subida geral de salários resultaria numa queda na taxa geral de lucro, mas não afectaria os preços médios das mercadorias, ou os seus valores, põe-se agora finalmente a questão de [saber] até onde é que, nesta luta incessante entre o capital e o trabalho, este último é capaz de  ter êxito. 

Poderia responder com uma generalização e dizer que, tal como todas as mercadorias, também com o trabalho, o seu preço de mercado, a longo prazo, se adaptará ao seu valor; que, por conseguinte, apesar de todas os altos e baixos e faça o que fizer, o operário só receberá, em média, o valor do seu trabalho, que se resolve no valor da sua força de trabalho, o qual é determinado pelo valor dos meios de subsistência requeridos para o seu sustento e reprodução, o qual valor dos meios de subsistência é finalmente regulado pela quantidade de trabalho necessária para os produzir. Mas há alguns aspectos peculiares que distinguem o valor da força de trabalho ou valor do trabalho dos valores de todas as outras mercadorias. 

O valor da força de trabalho é formado por dois elementos – um, meramente físico, o outro, histórico ou social. O seu limite último é determinado pelo elemento físico, o mesmo é dizer: para se manter e reproduzir, para perpetuar a sua existência física, a classe operária tem de receber os meios de subsistência absolutamente indispensáveis para viver e se multiplicar. O valor destes meios de subsistência indispensáveis forma, por conseguinte, o limite último do valor do trabalho. Por outro lado, a extensão do dia de trabalho está também limitada por estremas últimas, apesar de muito elásticas. O  seu limite último é dado pela força física do trabalhador. Se a exaustão diária das suas forças vitais excede um certo grau, não pode ser exercida de novo, dia após dia. 

No entanto, tal como eu disse, este limite é muito elástico. Uma sucessão rápida de gerações sem saúde e de vida curta manterá o mercado de trabalho tão bem abastecido como uma série de gerações vigorosas e de vida longa. Para além deste mero elemento físico, o valor do trabalho é em cada país determinado por um nível de vida tradicional. Não é a mera vida física, mas a satisfação de certas necessidades que derivam das condições sociais em que as pessoas estão colocadas e são criadas. O nível de vida inglês poderia ser reduzido ao nível irlandês; o nível de vida de um camponês alemão ao de um camponês livoniano. Pode saber se do papel importante que a tradição histórica e o hábito social desempenham a este respeito pela obra do sr. Thornton sobre a Over-population, * em que ele mostra que os salários médios em distintos distritos agrícolas de Inglaterra ainda nos nossos dias diferem mais ou menos consoante as circunstâncias mais ou menos favoráveis em que os distritos saíram do estado de servidão. Este elemento histórico ou social que entra no valor do trabalho pode se alargado ou contraído ou inteiramente extinto, de tal modo que não permanece senão o limite físico.

 Durante o tempo da guerra anti-jacobina, empreendida – como o incorrigível devorador de impostos e sinecurista, o velho George Rose, costumava dizer – para salvar as consolações da nossa santa religião das incursões dos infiéis franceses, os honestos lavradores ingleses, tratados com tanta ternura num dos nossos capítulos anteriores, fizeram descer os salários dos trabalhadores agrícolas mesmo abaixo desse mero mínimo físico, mas compensaram com as Leis dos Pobres2 o restante necessário para a perpetuação física da raça. Esta foi uma maneira gloriosa de converter o trabalhador assalariado em escravo e o orgulhoso lavrador [yeoman] de Shakespeare num indigente assistido [pauper]. Comparando os salários-padrão ou os valores-padrão do trabalho em diversos países e diferentes países e comparando-os em diferentes épocas históricas do mesmo país, verificar-se-á que o próprio valor do trabalho não é uma grandeza fixa, mas variável, mesmo supondo que os valores de todas as outras mercadorias permanecem constantes. Uma comparação semelhante provaria que não só as taxas de mercado do lucro mudam como também as suas taxas médias. 

De acordo com as Leis dos Pobres (Poor Laws), existentes em Inglaterra desde o século XVI, cada paróquia tinha de pagar um imposto especial em benefício dos pobres. Os paroquianos que não pudessem prover ao seu sustento e de suas famílias recebiam uma subvenção através da caixa de ajuda aos pobres. Mas, quanto aos lucros, não existe qualquer lei que determine o seu mínimo. Não podemos dizer qual é o limite último do seu decréscimo. E porque é que não podemos fixar esse limite? Porque, apesar de podermos fixar o mínimo dos salários, não podemos fixar o seu máximo. Apenas podemos dizer que, sendo dados os limites do dia de trabalho, o máximo de lucro corresponde ao mínimo físico de salários; e que, sendo dados os salários, o máximo de lucro corresponde a um prolongamento tão grande do dia de trabalho quanto o compatível com as forças físicas do operário. O máximo de lucro está, portanto, limitado pelo mínimo físico de salários e pelo máximo físico do dia de trabalho. É evidente que entre os dois limites desta da taxa máxima de lucro é possível uma imensa escala de variações. A fixação do seu grau efectivo é estabelecida apenas pela contínua luta entre o capital e o trabalho, tendendo o capitalista constantemente a reduzir os salários ao seu mínimo físico e a estender o dia de trabalho ao seu máximo físico, enquanto o operário constantemente pressiona na direcção oposta. O problema resolve-se na questão das forças respectivas dos combatentes. 

2-Quanto à limitação do dia de trabalho – em Inglaterra, como em todos os outros países – nunca foi estabelecida, a não ser por interferência legislativa. Sem a contínua pressão, a partir de fora, dos operários, essa interferência nunca teria tido lugar. Mas, em todo o caso, o resultado não havia de ser alcançado por acordo privado dos operários com os capitalistas. Esta própria necessidade de uma acção política geral fornece a prova de que, na sua acção meramente económica, o capital é o lado mais forte. Quanto aos limites do valor do trabalho, o seu efectivo estabelecimento sempre depende da oferta e da procura, isto é, da procura trabalho por parte do capital e da oferta de trabalho pelos operários. Nos países coloniais, a lei da oferta e da procura favorece os operários. Daí o nível relativamente elevado dos salários nos Estados Unidos. O capital bem pode aí esforçar-se ao máximo. Não pode impedir o mercado de trabalho de ser continuamente esvaziado pela conversão contínua dos trabalhadores assalariados em camponeses independentes que se sustentam a si próprios. A situação de trabalhador assalariado não é, para uma parte muito grande do povo americano, senão um estado transitório [probational] que está segura de abandonar num período mais longo ou mais curto. Para remediar este estado de coisas colonial, o paternal governo britânico aceitou durante algum tempo aquilo a que se chama a moderna teoria da colonização, que consiste em pôr um preço artificial elevado à terra colonial, a fim de impedir a conversão demasiado rápida do trabalhador assalariado em camponês independente. 

Mas voltemos agora aos velhos países civilizados, nos quais o capital domina sobre todo o processo de produção. Tomemos, por exemplo, a subida dos salários agrícolas em Inglaterra de 1849 a 1859. Qual foi a sua consequência? Os rendeiros não puderam elevar – como o nosso amigo Weston os teria aconselhado – o valor do trigo, nem sequer os seus preços de mercado. Tiveram, pelo contrário, de se submeter à sua queda. Mas, durante esses onze anos, introduziram maquinaria de toda a espécie, adoptaram métodos mais científicos, converteram parte da terra arável em pastagens, aumentaram a dimensão das propriedades e, com isso, a escala da produção, e diminuindo, por estes e outros processos, a procura de trabalho, aumentando a sua força produtiva, tornaram a população agrícola de novo relativamente excedentária. Este é o método geral pelo qual, nos velhos países povoados, tem lugar uma reacção mais rápida ou mais lenta do capital contra a subida de salários. Ricardo observou com justeza que a maquinaria está em concorrência constante com o trabalho e, frequentemente, só pode ser introduzida quando o preço do trabalho alcançou um certo nível; mas a aplicação de maquinaria não é senão um dos muitos métodos para aumentar as forças produtivas de trabalho.

 Precisamente este mesmo desenvolvimento, que torna o trabalho comum relativamente excedentário, simplifica, por outro lado, o trabalho qualificado e, portanto, deprecia-o. A mesma lei prevalece de uma outra maneira. Com o desenvolvimento das forças produtivas de trabalho, a acumulação do capital será acelerada, mesmo apesar da taxa relativamente elevada dos salários. Daqui pode inferir-se – como Adam Smith, naqueles tempos em que a indústria moderna estava ainda na sua infância, inferiu – que a acumulação acelerada de capital tem de fazer pender a balança a favor do operário, ao assegurar uma procura crescente do seu trabalho. Partindo deste mesmo ponto de vista, muitos escritores contemporâneos se admiraram de que, tendo o capital inglês ter crescido nos últimos vinte anos de um modo muito mais rápido do que a população inglesa, os salários não tivessem sido mais aumentados. 

Mas, em simultâneo com o progresso da acumulação, tem lugar uma mudança progressiva na composição do capital. Aquela parte do capital total que consiste em capital fixo, maquinaria, matérias-primas, meios de produção sob todas as formas possíveis, aumenta progressivamente em comparação com a outra parte do capital, que é usado em salários ou na compra de trabalho. Esta lei foi formulada de um modo mais ou menos rigoroso pelo Sr. Barton, Ricardo, Sismondi, pelo Professor Richard Jones, o Professor Ramsay, Cherbuliez e outros. Se a proporção destes dois elementos do capital foi originariamente de um para um, tornar-se-á, com o progresso da indústria, de cinco para um, e assim sucessivamente. Se, de um capital total de 600, 300 forem usados em instrumentos, matérias primas, etc., e 300 em salários, o capital total só precisa de ser duplicado para criar uma procura de 600 operários, em vez de 300. Mas, se de um capital de 600, 500 forem usados em maquinaria, materiais, etc., e só 100 em salários, o mesmo capital tem de aumentar de 600 para 3600 a fim de criar uma procura de 600 operários vez de 300.

No progresso da indústria, a procura de trabalho não acompanha, por conseguinte, o passo da acumulação de capital. Aumentará ainda, mas aumentará numa razão constantemente decrescente em comparação com o aumento do capital. Estas poucas indicações serão suficientes para mostrar que o próprio desenvolvimento da indústria moderna tem progressivamente de fazer pender a balança a favor do capitalista contra o operário e que, consequentemente, a tendência geral da produção capitalista não é para elevar mas para afundar o nível médio dos salários ou de empurrar o valor do trabalho mais ou menos para o seu limite mínimo.

Sendo esta a tendência das coisas neste sistema, quererá isto dizer que a classe operária deverá renunciar à sua resistência contra as investidas do capital e abandonar as suas tentativas de tirar o melhor proveito das oportunidades ocasionais para a sua melhoria temporária? Se o fizesse seria degradada a uma massa nivelada de miseráveis domesticados sem salvação. Penso ter mostrado que as suas lutas pelo nível de salários são apenas incidentes inseparáveis de todo o sistema de salários, que em 99 casos em 100 os seus esforços por elevar os salários são apenas esforços para manter o valor dado do trabalho e que a necessidade de debater o seu preço com o capitalista é inerente à sua condição de terem de se vender eles próprios como mercadorias.

 Cedendo cobardemente no seu conflito de todos os dias com o capital, certamente que se desqualificariam para o empreendimento de qualquer movimento mais amplo. Ao mesmo tempo, e completamente à parte da servidão geral envolvida no sistema de salários, a classe operária não deverá exagerar para si própria a eficácia última destas lutas de todos os dias. Não deverá esquecer que está a lutar com efeitos, mas não com as causas desses efeitos; que está a retardar o movimento descendente, mas não a mudar a sua direcção; que está a aplicar paliativos, mas não a curar a doença.

 Por conseguinte, não deverá estar exclusivamente absorvida nestas inevitáveis lutas de guerrilha que incessantemente derivam das investidas sem fim do capital ou das mudanças do mercado. Deverá compreender que, [juntamente] com todas as misérias que lhe impõe, o sistema presente engendra simultaneamente as condições materiais e as formas sociais necessárias para uma reconstrução económica da sociedade. Em vez do muito conservador «Um salário diário justo para um trabalho diário justo!» deverá inscrever na sua bandeira a palavra de ordem revolucionária: «Abolição do sistema de salários!»

Depois desta exposição muito longa e, temo que maçadora, em que fui obrigado a entrar para fazer algum jus ao assunto, concluirei propondo as seguintes resoluções:

Em primeiro lugar. Uma subida geral da taxa dos salários resultaria numa queda da taxa geral do lucro, mas, em termos gerais, não afectaria os preços das mercadorias.

Em segundo lugar. A tendência geral da produção capitalista não é para elevar, mas para afundar o nível médio dos salários.

Em terceiro lugar. Os Sindicatos [Trade Unions] funcionam bem como centros de resistência contra as investidas do capital. Fracassam parcialmente por um uso não judicioso do seu poder. Fracassam geralmente por se limitarem a uma guerra de guerrilha contra os efeitos do sistema existente, em vez de simultaneamente o tentarem mudar, em vez de usarem as suas forças organizadas como uma alavanca para a emancipação final da classe operária, isto é, para a abolição última do sistema de salários. 

* Cf. William Thomas Thornton, Over-populationand Its Remedy; or, an Inquiry into the Extent and Causes of the Distress Prevailing among the Labouring Classes of the British Island, and into the Means of Remedying It [Sobrepopulação e o Seu Remédio; ou Uma Investigação sobre a Extensão e Causas da Miséria Prevalecente entre as Classes Trabalhadoras das Ilhas Britânicas e sobre os Meios de a Remediar], London, 1846. 

Escrito por Marx entre fins de Maio e 27 de Junho de 1865.

sábado, 9 de maio de 2015

Na comemoração da passagem dos 70 anos da Segunda Guerra Mundial à que destacar e defender Staline como o principal e verdadeiro estratega da derrota e da libertação dos povos do terror nazi-fascista.





O papel de Stálin na Segunda Guerra Mundial foi determinante para a vitória da humanidade sobre o nazismo. Caluniado por seus opositores internos e pelos ideólogos burgueses após sua morte em 1953, seus méritos militares raramente recebem o destaque que merecem, enquanto que batalhas e líderes de menor envergadura recebem mais destaque que o líder de aço soviético.

Quando se fala da II Guerra Mundial, é preciso sempre dizer que, de fato, não houve só uma guerra, mas várias. A guerra que levou os imperialismos anglo-americano e francês contra seu concorrente alemão não tinha muita coisa em comum com a guerra nacional antifascista da União Soviética. A guerra no Ocidente tinha sido uma guerra entre dois exércitos burgueses. No combate contra a invasão hitlerista, a classe dirigente francesa não queria nem podia mobilizar e armar as massas trabalhadoras por uma luta de morte contra o nazismo. Após a derrota das suas tropas, Pétain, o herói da I Guerra Mundial, assinou o ato de capitulação e entrou de pé leve na colaboração. Quase em bloco, a grande burguesia francesa se arrumou sob as ordens de Hitler, tentando tirar o melhor partido da Nova Europa alemã. A guerra do Oeste permaneceu, de qualquer sorte, uma guerra mais ou menos “civilizada” entre burgueses “civilizados”.

Nada de comparável na União Soviética. O povo soviético teve de fazer frente a uma guerra com toda uma outra natureza. E um dos méritos de Stalin é de tê-la compreendido e de estar coerentemente preparado.

Antes do começo da operação Barbarossa, Hitler já tinha claramente anunciado o colorido. Em seu Diário, o general Halderregistrounotas de um discurso que Hitler pronunciou diante dos seus generais,a 30 de Maio de 1941. O füher falava da guerra por acontecer com a União Soviética.

“Luta de duas ideologias. Julgamento humilhante a respeito do bolchevismo: ele é como um crime a-social. O comunismo representa um perigo horrível para o futuro. (…) Trata-se de uma luta de aniquilamento. Se nós não tomarmos a questão sob este ângulo, nós abateremos com certeza o inimigo, mas,em 30 anos, o inimigo comunista se oporá de novo. Nós não faremos a guerra para guardar nosso inimigo. (…) Luta contra a Rússia: destruição dos comissários bolcheviques e da inteligência comunista.”

Note-se que se trata aqui da “solução final” – mas não contra os judeus.
As primeiras promessas de “guerra de aniquilamento” e de “destruição física” foram endereçadas aos comunistas soviéticos.
E efetivamente, os bolcheviques, os soviéticos, foram as primeiras vítimas dos extermínios de massa.

O general Nagel escreveu em Setembro de 1941:
“Contrariamente à alimentação de outros prisioneiros (quer dizer ingleses e americanos) nós não temos compromisso com nenhuma obrigação de ter de alimentar prisioneiros bolcheviques.”
Nos campos de concentração de Auschwitz e de Chelmno, “prisioneiros soviéticos foram os primeiros, ou estiveram entre os primeiros, a ser deliberadamente mortos por injeções letais e pelo gás.”

O número de prisioneiros de guerra soviéticos mortos nos campos de concentração, “no curso dos deslocamentos”, em “circunstâncias diversas”, atingiu a cifra de3.289.000 homens! Quando as epidemias se espalhavam nas barracas dos soviéticos, os guardas nazistasnão penetravam aí, “salvo com equipes de lança-chamas quando, por‘razões de higiene’, os morimbundos e os mortos eram queimados juntamente com suas camas, em farrapos cheios de vermes”. Pode ter havido cinco milhões de prisioneiros assassinados, ao se levar em conta os soldados soviéticos “simplesmente abatidos nos locais”, nos momentos em que eles se rendiam.

Assim, as primeiras campanhas de extermínio, as mais vastas também, foram dirigidas contra os povos soviéticos, nos quais se incluía o povo judeu soviético. Os povos da URSS tiveram o maior sofrimento, tendo contado o maior número de mortos – 23 milhões – mas eles também faziam prova da mais feroz determinação do mais ardente heroísmo.

Até a agressão contra a União Soviética, não houvera grandes massacres de populações judias. Nesse momento, os nazistas não haviam encontrado ainda nenhum tipo de resistência séria. Mas, desde os seus primeiros passos no solo soviético, esses nobres alemães tiveram de enfrentar adversários oferecendo combate até sua última gota de sangue. Desde as primeiras semanas, os alemães sofreram perdas severas, e isso contra uma raça inferior, contra os eslavos, e pior ainda, contra os bolcheviques. A fúria exterminadora dos nazistas nasceu de suas primeiras perdas maciças. Quando a besta fascista começou a sangrar sob os golpes do Exército Vermelho,ela pôs em prática a “solução final” para o povo soviético.

A 26 de novembro de 1941, o 30º Corpo do Exército, ocupando um vasto território soviético, tinha ordenado encerrar nos campos de concentração, como reféns,“todos os indivíduos que eram das famílias dos resistentes”, “todos os indivíduos suspeitos de estarem em relação com os resistentes”, “todos os antigos membros do Partido” e “todos os indivíduos que ocupassem funções oficiais”. Para um soldado alemão morto, os nazistas decidiram matar ao menos dois reféns.

A 1º de Dezembro de 1942, quando de uma discussão com Hitler sobre a guerra dos resistentes soviéticos, o general Jodl resumiu a posição alemã nesses termos:
“No combate, nossas tropas podem fazer aquilo que elas quiserem: pendurar os resistentes com a cabeça para baixo ou esquartejá-los.”

A bestialidade com a qual os hitleristas perseguiam e liquidavam todos os membros do Partido, todos os resistentes, todos os responsáveis pelo Exército Soviético e seus familiares nos fizeram melhor compreender os sentidos dos Grandes Expurgos dos anos 1937-1938. Nos territórios ocupados, contra-revolucionários irredutíveis que não foram sido liquidados em 1937-1938 puseram-se a serviço dos hitleristas, informando-os sobre todos os bolchevistas, suas famílias, seus companheiros de luta.

Na medida em que a guerra no Leste adquiria um caráter cada vez mais encarniçado, a demência mortífera dos nazistas contra todo um povo se intensificou. Himmler, dirigindo-se aos dirigentes das SS, falava em junho de 1942 de uma “guerra de extermínio” entre duas “raças e povos” que se engajaram em um combate “incondicional”. Havia de um lado há “aquela matéria bruta, aquela massa, esses homens primitivos, ou melhor, esses sub-homens dirigidos pelos comissários políticos”, do outro lado, nós, os alemães”.

Um terror sanguinário,jamais praticado antes: tal foi a arma com a qual os nazistas quiseram obrigar os soviéticos à capitulação moral e política.
“Durante os combates para a tomada de Khárkov”, dizia Himmler, “nossa reputação de despertar o medo e de semear o terror nos precedia. Era uma arma extraordinária que era preciso sempre reforçar.”

E os nazistas tinham reforçado o terror.
A 23 de agosto de 1942, às 18 horas precisamente, mil aviões começaram a largar bombas incendiárias sobre Stalinegrado. Nesta cidade, onde viviam 600 mil habitantes, havia muitos imóveis construídos com madeira, reservatórios de combustíveis, reservas de carburantes para as empresas. Eremenko, que comandou a frente de Stalinegrado, escreveu:

“Stalinegrado foi imersa nos clarões do incêndio, rodeada de fumaças e fuligem. Toda a cidade ardia. Enormes nuvens de fumaça e de fogo turbilhonavam acima das usinas. Os reservatórios de petróleo pareciam vulcões vomitando suas larvas. Centenas de milhares de tranqüilos habitantes estavam em perigo. O coração apertava de compaixão pelas vítimas inocentes do canibalismo fascista.”

É preciso ter uma visão clara destas realidades insuportáveis para compreender certos aspectos daquilo que a burguesia chama de “stalinismo”. Durante a depuração, burocratas incorrigíveis, derrotistas e capitulacionistas foram ameaçados; muitos dentre eles foram enviados à Sibéria. Um Partido desgastado pelo derrotismo e pelo espírito de capitulação não teria jamais podido mobilizar e disciplinar o povo para se contrapor ao terror nazista. E foi isso que fizeram os soviéticos nas cidades sitiadas, em Leninegrado e em Moscovo. E mesmo no braseiro de Stalinegrado, os homens que sobreviveram jamais se renderam e finalmente participaram da contra-ofensiva.

Durante a agressão alemã, em junho de 1941, o general do exército Pavlov, no comando da frente Oeste, deu prova de incompetência grave e de negligência. A 28 de junho, a perda da capital bielorussa, Minsk, foi a consequência. Stalin convocou Pavlov e seu Estado-Maior a Moscovo. Jukov anotou que, “por proposta do Conselho Militar da Frente Oeste”, eles foram levados a julgamento e fuzilados. Elleinstein apressou-se em dizer que assim Stalin continuou a aterrorizar seu ambiente. Ora, frente à barbárie nazista, a direção soviética devia exigir uma atitude inquebrantável e uma firmeza a toda prova e todo  o acto de irresponsabilidade grave tinha de ser punido com o rigor necessário.

Quando a besta fascista começou a receber golpes mortais, ela tentou recobrar coragem com banho de sangue, praticando o genocídio contra o povo soviético caído nas suas mãos.

Himmler declarou a 16 de dezembro de 1943, em Weimar:
“Quando fui obrigado a dar, em um vilarejo, ordem para marchar contra os guerrilheiros e os comissários judeus, eu tinha sistematicamente dado a ordem de matar igualmente as mulheres e as crianças desses resistentes e desses comissários. Eu teria sido um relaxado e um criminoso frente a nossos descendentes se tivesse deixadovivas as crianças cheias de ódio daqueles sub-homens abatidos no combate do homem contra o sub-homem. Nós devemos ter consciência do fato de que nos encontramos em um combate racial primitivo, natural e original.”

O chefe da SS tinha dito em outro discurso em Kharkov, a 24 de abril de 1943:
“Por que meiospoderíamos tirar do russo mais homens, mortos ou vivos? Conseguiríamos isso matando-os, fazendo-os prisioneiros, fazendo-os trabalhar verdadeiramente e não devolvendo (alguns territórios) ao inimigo, senão após tê-los esvaziado completamente de seus habitantes. Entregar homens ao russo seria um grosso erro.”

Esta realidade de terror inaudito que os nazistas praticaram na União Soviética, contra o primeiro país socialista, contra os comunistas, é quase sistematicamente ocultada ou minimizada na literatura burguesa. Esse silêncio tem um objetivo muito preciso. Quanto mais as pessoas ignoram os crimes monstruosos cometidos contra os soviéticos, mais facilmente pode-se fazer engolir a ideia de que Stalin foi, ele também, um ditador comparável a Hitler. A burguesia escamoteia o verdadeiro genocídio anti-comunista para poder ostentar mais livremente aquilo que ela tem em comum com o nazismo: o ódio irreconciliável ao comunismo, o ódio de classe para com o socialismo. E para obscurecer o maior genocídio da guerra, a burguesia dirige exclusivamente os holofotes contra outro genocídio, o dos judeus.

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Imagem real de Stálin durante celebrações da vitória soviética sobre o nazismo.

Em um livro notável, Arno J. Mayer, cujo pai era sionista de esquerda, mostra que o extermínio dos judeus não começou senão no momento em que os nazistas, pela primeira vez, sofreram duras perdas. Foi em junho-julho de 1941, contra o Exército Vermelho. A bestialidade exercida contra os comunistas, depois as derrotas inesperadas que abalaram o sentimento de invencibilidade dos Ubermenschen, criaram o ambiente que permitiu o holocausto.

“O genocídio judeu foi forjado no fogo de uma guerra formidável para conquistar à Rússia um “espaço vital” ilimitado, para esmagar o regime soviético e para liquidar o bolchevismo internacional. (…) Sem a operação Barbarossa não teria havido nem poderia haver catástrofe judaica, de “solução final”.” Só quando os nazistas se confrontaram com a realidade das derrotas na frente russa,eles decidiram por uma “solução global e definitiva” do “problema judeu”, durante a conferência de Wannsee, em 20 de janeiro de 1942.

Os nazistas criaram depois de longos anos seu ódio ao “judeu-bolchevismo”, o bolchevismo sendo, segundo eles, a pior invenção dos judeus. A resistência feroz dos bolcheviques impediu os hitleristas de terminarem com seu inimigo principal. Então,eles dirigiram suas frustrações contra os judeus, que eles exterminaram em um movimento de vingança cega.

Como a grande burguesia judaica era conciliadora para com o Estado hitlerista – em certos casos, cúmplice mesmo – a maioria dos judeus foi abandonada com resignação a seus carrascos. Mas os judeus comunistas, que agiam com o espírito internacionalista, combateram,com armas na mão, os nazistas e uma parte da esquerda judaica entrou para a resistência. A grande massa dos judeus pobres foi morta em câmaras de gás. Mas muitos ricos tiveram sucesso migrando para os Estados Unidos. Após a guerra, eles se posicionaram a serviço do imperialismo norte-americano e de Israel, a cabeça de ponte deste no Oriente Médio. Eles falam em profusão do holocausto dos judeus, mas em uma ótica pró-israelense; ao mesmo tempo, eles dão livre curso a seus sentimentos anti-comunistas e insultam assim a memória dos judeus comunistas que realmente enfrentaram os nazistas.

Para terminar, uma palavra sobre a forma pela qual Hitler preparou o espírito dos nazistas para massacrar indiferentemente 23 milhões de soviéticos. Para transformar seus homens em máquinas de matar, ele lhes enculcou que um bolchevique não era um homem, mas um animal.

“Hitler advertia suas tropas de que a força inimiga era ‘largamente composta de animais e não de soldados’, condicionados a combaterem com uma ferocidade animal.”

Para levar as tropas alemãs ao extermínio dos comunistas, Hitler lhes dizia que Stalin e os demais dirigentes soviéticos eram “criminosos enlameados de sangue (que tinham) matado e exterminado milhões de intelectuais russos, com sua sede selvagem de sangue… (e) que tinham exercido a tirania mais cruel de todos os tempos”.

“Na Rússia, o judeu sanguinário e tirânico matou, muitas vezes com torturas desumanas, ou exterminou pela fome com uma selvajaria verdadeiramente fanática cerca de 30 milhões de homens.”
Assim, na boca de Hitler, a mentira dos “30 milhões de vítimas de stalinismo” serviu para preparar psicologicamente a barbárie nazista e o genocídio dos comunistas e resistentes soviéticos.
Ressaltemos de passagem que Hitler inicialmente tinha posto essas “30 milhões de vítimas” na conta de… Lenin. De fato, essa mentira repugnante figurava já no MeinKampf, escrito em 1926, bem antes da coletivização e da depuração! Em ataque ao judeu-bolchevismo, Hitler escreveu:
“Com uma ferocidade fanática, o Judeu matou na Rússia cerca de 30 milhões de homens, muitas vezes sob torturas desumanas.”

Meio século mais tarde, Brzezinski, o ideólogo oficial do imperialismo norte-americano retoma palavra por palavra todas essas infâmias nazistas:
“É absolutamente razoável (!) estimar as vítimas de Stalin em no mínimo em 20 e talvez 40 milhões.”

Os méritos militares de Stálin

Como seria impossível avaliar finalmente os méritos militares daquele que dirigiu o Exército e os povos da União Soviética no curso da maior guerra, a mais pavorosa que a história já conheceu?

Apresentemos antes a opinião de Khruchov.
“Stalin tinha tentado muito fazer passar-se por um grande chefe militar. Reportemo-nos por exemplo a nossos filmes históricos. É desencorajante. Não se trata senão de propagar o tema segundo o qual Stalin era um gênio militar”.

“Não foi Stalin, mas sim o Partido inteiro, o governo soviético, nosso heróico exército, seus chefes talentosos e seus bravos soldados que alcançaram a vitória na grande guerra patriótica (tempestade de aplausos prolongados).”
Não foi Staline! Não Staline, mas o Partido inteiro. E este Partido inteiro obedecia sem dúvida às instruções do Espírito Santo.

Khrouchov fazia parecer glorificar o Partido, este corpo coletivo de combate, para diminuir o papel de Staline. Organizando o culto de sua personalidade, Stalin teria usurpado a vitória que o Partido “inteiro” tinha arrancado. Como se Staline não fosse o dirigente mais eminente desse Partido, aquele que, no curso da guerra, fez prova da mais espantosa capacidade de trabalho, da maior tenacidade e clarividência. Como se todas as decisões estratégicas não tivessem sido resolvidas por Stalin, mas contra ele, por seus subordinados.

Se Staline não foi um gênio militar, é necessário concluir que a maior guerra da história, aquela que a humanidade travou contra o fascismo, teria sido ganha sem gênio militar. Porque nesta guerra terrificante, ninguém desempenhou um papel comparável àquele desempenhado por Staline. Mesmo AverellHarriman, o representante do imperialismo americano, após ter repetido os clichês obrigatórios a propósito do “tirano que era Staline”, destacou sua “grande inteligência, sua fantástica capacidade de entrar nos detalhes, sua perspicácia e sua sensibilidade humana surpreendente, que ele pôde manifestar, ao menos durante a guerra. Eu acho que ele era mais bem-informado que Roosevelt, mais realista do que Churchill, sob vários aspectos o mais eficaz dos dirigentes da guerra.”

“Staline presente, não havia mais lugar para ninguém. Onde estavam então nossos chefes militares?”, exclamou o demagogo Khrouchov. Ele bajulava os marechais: não foram vocês os verdadeiros gênios militares da II Guerra Mundial? Finalmente, Jukov e Vassilevski, os dois chefes militares mais eminentes, deram a sua opinião, respectivamente 15 e 20 anos após o relatório infame de Khruchov.
Escutemos inicialmente o julgamento de Vassilevski.

“Staline formou-se como estrategista. (…) Após a batalha de Stalingrado e particularmente a de Kursk, ele elevou-se ao máximo da direção estratégica. Stalin passa a pensar manejando as categorias da guerra moderna, ele se familiariza perfeitamente com todas as questões da preparação e da execução das operações. Ele exige então que as operações militares sejam conduzidas de forma criadora, dando conta plenamente da ciência militar, que elas sejam enérgicas e manobradas, tendo por objeto o deslocamento e o cerco do inimigo. Seu pensamento militar manifesta nitidamente a tendência a massificar as forças e os meios, a fazer um emprego diversificado de todas as variantes possíveis do começo das operações e de sua condução. Stalin começa a compreender bem não apenas a estratégia da guerra, o que lhe foi fácil, pois ele possuía a maravilhosa arte da estratégia política, mas também a arte operacional.”

“Stalin entrou duradouramente na história militar. Seu mérito indubitável esteve em que, sob sua direção imediata enquanto comandante supremo, as Forças Armadas soviéticas foram firmes nas campanhas defensivas e cumpriram brilhantemente todas as operações ofensivas. Mas, tanto quanto eu tenha podido observar, ele não falava jamais de seus méritos. Em todo caso, jamais o ouvi falar disso. O título de Herói da União Soviética e a posição de Generalíssimo lhes foram conferidos por proposta dos comandantes da frente ao birôpolítico. Quanto aos erros cometidos durante os anos de guerra, ele falava deles honestamente e francamente.”

“Stalin, eu estou profundamente convencido, particularmente a partir da segunda metade da Grande Guerra Patriótica, que foi a figura mais forte e mais brilhante do comando estratégico. Ele se desempenhou com sucesso na direção das frentes, de todos os esforços do país, na base da política do Partido. (…) Stalin permaneceu em minha memória como um chefe militar rigoroso, de forte vontade, a quem não faltava ao mesmo tempo encanto pessoal.”

Jukov começa por nos dar um perfeito exemplo do método de direção, exposto por Mao TseTung: concentrar as ideias justas das massas para retorná-las sob a forma de diretivas às massas.

“Foi a Joseph Stalin em pessoa que foram atribuídas soluções de princípio, em particular aquelas concernentes aos processos de ataque da artilharia, a conquista do domínio aéreo, os métodos do cerco do inimigo, o deslocamento dos contigentes inimigos cercados e sua destruição sucessiva por agrupamentos etc. Todas essas questões importantes da arte militar são frutos de uma experiência prática, adquirida no curso dos combates e das batalhas, fruto de reflexões aprofundadas e conclusões tiradas dessa experiência pelo conjunto dos chefes e pelas próprias tropas. Mas o mérito de J. Stalin consiste em ter acolhido de modo adequado os conselhos de nossos eminentes especialistas militares, de os ter completado, explorado e comunicado rapidamente sob a forma de princípios gerais nas instruções e diretivas dirigidas às tropas, com vistas a assegurar a conduta prática das operações.”

“Até a batalha de Stalingrado, J. Stalin não dominava senão em suas grandes linhas os problemas da estratégia, da arte operacional, da posta a prova das operações modernas,no nível de uma frente e, no último caso, aquelas de um exército. Mais tarde, sobretudo a partir de Stalingrado, Stalin adquiriu a fundo a arte de montar as operações de uma frente ou de várias frentes e dirigiu tais operações com competência, resolvendo bem vários problemas de estratégia.

“Na direção da luta armada, Stalin era de modo geral ajudado pela sua inteligência natural e sua riqueza de intuição. Ele sabia descobrir o elemento principal de uma situação estratégica e, em consequência, sabia responder ao inimigo, desencadear tal ou qual importante operação ofensiva.
“Não há dúvida: ele foi digno do comando supremo.”

Extraídos do livro Um Outro Olhar Sobre Stálin, de Ludo Martens.
Via PCR do Brasil