L.Segal
A base econômica do modo de produção
feudal era a de uma reduzida produção dos camponeses e dos pequenos artesãos
livres. A produção, em conjunto, tinha um caráter essencialmente natural,
pois os objetos produzidos não se destinavam à troca.
A exploração feudal do campesinato
assumia duas formas principais:
o camponês era obrigado a trabalhar,
gratuitamente, parte da semana nas terras do senhor (corveia);
a entregar parte dos produtos produzidos
em sua própria terra (tributos).
Embora não pudessem libertar-se da
dependência feudal, os camponeses tinham o direito de mudar de senhor.
Os artesãos independentes, que habitavam
as cidades e produziam para vender, satisfaziam parte considerável de suas
necessidades com o fruto de seu próprio trabalho, pois possuíam rezes, horta e,
às vezes, campo. A troca era, principalmente, local, entre a cidade e as
aldeias vizinhas. Havia, também, o comércio de produtos importados de outros
países, entre os quais se encontravam, sobretudo, artigos de luxo, especiarias,
etc. Não existia, porém, comércio entre as diferentes regiões de cada país.
Devido ao "caráter natural" e pouco organizado da produção, baseada
apenas na exploração agrícola, e, também, ao desenvolvimento raquítico das
trocas, à deficiência das estradas e a toda a espécie de vias de comunicação,
estavam os países divididos em províncias e regiões autônomas.
As cidades, habitadas principalmente por
artesãos e comerciantes, tinham de sustentar luta violenta e prolongada pela
conquista da própria autonomia. Para isso, possuíam guarnições militares
próprias e mantinham fortificações. Os artesãos agrupavam-se dentro das
cidades, em corporações profissionais. Essas organizações eram necessárias à
manutenção dos depósitos comuns, ao controle dos preços e da qualidade dos
produtos e também ao fim de evitar a concorrência entre os produtores. Os
comerciantes, por seu lado, tinham suas próprias organizações de defesa de
classe, as guildes. O que favorecia a conservação e o fortalecimento dessas
diversas organizações urbanas era a necessidade de defenderem sua independência
contra os senhores feudais. O regime feudal na agricultura era completado,
portanto, pelo regime corporativo nas cidades.
Pouco a pouco, com o desenvolvimento do
comércio, foi se acentuando a exploração dos camponeses. À medida que o
comércio se ia generalizando, o senhor feudal podia adquirir maior quantidade
de objetos de luxo e de armas para seus guerreiros e, em consequência, era
levado a espoliar cada vez mais os camponeses que dele dependiam. Os tributos
aumentaram e o trabalho gratuito (corveia) foi acentuado.
A exploração camponesa agravou-se, além
disso, com a formação dos Estados centralizados, que foram substituindo os
numerosos feudos. A fragmentação dos países em províncias independentes/impunha
obstáculos ao comércio, pois os senhores feudais estabeleciam tributos para o
trânsito das mercadorias por seus feudos. Cada um deles tinha também o poder de
cunhar sua própria moeda, além de muitos outros direitos. Por outro lado, o
comércio era uma atividade sujeita a grandes perigos por causa das frequentes
agressões das tropas feudais aos comboios de. mercadorias. Por consequência, os
comerciantes lutavam pela abolição da autonomia dos senhores feudais e para
isso, se aproveitavam das guerras entre eles, tomando o partido dos mais fortes
para ajudá-los a submeter os demais.
Com a formação dos poderes
centralizados, as tropas feudais foram dissolvidas e substituídas pelos
exércitos monárquicos. Além dos tributos que os camponeses pagavam aos
senhores, foram criados outros, destinados a manter os Estados feudais. A
tributação em dinheiro foi se tornando cada vez mais frequente até que,
finalmente, os tributos em espécie oneraram produtos dos campos, se converteram
em tributos monetários, o que favoreceu o desenvolvimento da produção
mercantil, pois os camponeses eram obrigados a vender seus produtos nos mercado
afim de conseguir o dinheiro necessário para pagamento de impostos. Os
camponeses foram submetidos, dessa forma, a uma nova servidão, desta vez em
benefício do "açambarcador" e do "usurário".
O recrudescimento da exploração fez com
que os camponeses abandonassem as terras. Para impedir essa tendência, foram
eles obrigatoriamente ligados à terra, à gleba, transformando-se em
"servos". Sua dependência para com o feudo acentuou-se ainda mais
tomando a forma de "servidão".
A exploração cada vez maior dos
camponeses e o estabelecimento da servidão provocaram grandes revoltas no campo
(a Jacqucrie, na França, durante o século XIV, a Guerra dos Camponeses, na
Alemanha, no século XVI, as revoltas de Bazin e Pugachev, na Rússia), tendo
todas elas fracassado porque os camponeses não encontravam aliados nas massas
urbanas, que não tinham ainda entre seus componentes o proletariado.
Nas cidades, deram-se mudanças
consideráveis. As relações entre os artesãos entraram em crise e bem assim as
deles próprios com os comerciantes. Durante o primeiro estágio do feudalismo,
os camponeses fugiam, frequentemente, em direção às cidades autônomas, cujos habitantes
desfrutavam de liberdade pessoal.
Assim foi, sobretudo, que cresceu a
população urbana. Ao iniciar-se esse fenômeno, as cidades tiveram vantagens,
pois a força numérica que elas já possuíam se reforçou para a luta contra os
senhores feudais.
Com o crescimento da população urbana,
os artesãos sofreram a ameaça da concorrência entre produtores de artigos
semelhantes, razão pela qual as corporações procuraram limitar a admissão de
novos membros. Foram aumentados os prazos para a aprendizagem e os
"companheiros", de dia para dia foram sendo mais explorados,
tornando-se-lhes mais difícil a conquista do título de "mestre". Além
disso, as corporações tomaram medidas destinadas a impedir a introdução de
novos métodos de produção e a combater o comércio dos produtos importados. Por
isso, entre os comerciantes, geralmente importadores, e as corporações
artesanais declarou-se luta aberta.
A decadência do feudalismo
A organização corporativa dos artesãos
transformara-se em obstáculo ao desenvolvimento da produção mercantil, que
progredia com o comércio internacional. Os grandes descobrimentos geográficos
do século XVI (o da rota marítima para as Índias e o da América) imprimiram
vigoroso impulso ao comércio.
"O comércio extraeuropeu, que até
então só se estendia da Itália até os portos do Levante, foi levado também à
América e às Índias. Para logo, seu volume ultrapassou em importância o
intercâmbio entre os países europeus e o comércio interno de cada país. O ouro
e a prata americana inundaram a Europa e penetraram, como ácido corrosivo, por
todos os poros, todas as brechas e vazios da sociedade feudal. A produção arte
sanai não bastava mais para cobrir as crescentes. necessidades do consumo: nas
indústrias mais importantes dos países adiantados o artesanato foi substituído
pela manufatura fabril".
Eis a gênese da industria manufatureira
capitalista. As profissões menores estavam monopolizadas, nas cidades, pelas
corporações. O capital comercial, interessado no desenvolvimento da produção,
procurou, em contraposição, estender suas atividades para fora dos centros
urbanos, estimulando, assim, o desenvolvimento da produção artesanal,
principalmente a indústria têxtil, nos campos. Os artesãos, localizados no meio
rural e, portanto, distanciados do mercado, caíram sob a dependência dos
empresários capitalistas. Essa dependência toma, uma a uma, as seguintes
formas: primeiro, os artesãos são obrigados a vender seus produtos a baixos
preços; em seguida, recebem dos empresários empréstimos em moeda e em matérias
primas; e, por fim, se transformam em operários. Os operários são apenas os
encarregados de transformar em produtos as matérias primas fornecidas pelos
empresários, os quais, para isso, lhes fornecem as ferramentas de trabalho e
lhes dão a ganhar apenas o suficiente para poderem viver.
Mais tarde, os empresários foram
agrupando, num só local, os artesãos, até então esparramados, e estes passaram,
daí por diante, para a categoria de operários assalariados, não mais possuindo
meios de produção. O capital comercial transformou-se, assim, em capital
industrial. Ao lado da pequena produção, apareceu a grande produção
capitalista: "a manufatureira".
A manufatura industrial era uma força
produtiva completamente nova, superior, em tudo, a dos pequenos produtores.
Empregava muitos operários e cada um destes executava uma parte determinada da
obra. O trabalho em, conjunto alcançava um rendimento proporcionalmente
bastante superior ao do trabalho disperso dos pequenos produtores. Antes do
aparecimento da manufatura, só existia divisão social ou trabalho entre os
pequenos produtores independentes, ligados entre si pelo mercado. Desde o
aparecimento da manufatura, a divisão do trabalho realizou-se no interior mesmo
de cada fábrica.
A essa forma de produção corresponderam
novas relações sociais de produção. O capital existia, até então, apenas sob a
forma de capital usurário e comercial. O comerciante e o usurário exploravam os
pequenos produtores, que tinham seus produtos para vender. Desde que apareceu a
manufatura, o operário já não vende seus produtos, mas "sua força de
trabalho". Os meios de produção pertencem ao capitalista, que é
proprietário das mercadorias fabricadas pelo operário. Este recebe um salário
em pagamento da força de trabalho gasta e produz "mais-valia" para o
capitalista.
Nessa nova forma, o modo de produção é
capitalista. Com o crescimento das forças produtivas, aparecem e desenvolvem-se
novas relações de produção, chamadas, também capitalistas.
Mas o regime ainda feudal impedia o
desenvolvimento das novas forças produtivas e das correspondentes relações de
produção. Nas cidades, o obstáculo era constituído pelo sistema corporativo,
parte integrante do regime feudal, enquanto que, no campo, a dependência dos
servos privava os capitalistas de mão de obra barata, embora não servil.
O feudalismo, que, ao nascer,
correspondera ao nível de evolução das forças produtivas da sociedade de então,
pôs-se depois em contradição com as novas forças produtivas que se criavam com
a evolução do capitalismo comercial e usurário para capitalismo industrial e
sua supressão tornou-se uma necessidade histórica.
Quando a operação dos camponeses e das
massas urbanas pequeno-burguesas e operárias pelo Estado feudal adquiriu forma
demasiado aguda, irromperam as revoluções burguesas, pretendendo atingir dois
objetivos fundamentais: abolir o regime feudal e abrir caminho para o
desenvolvimento do capitalismo. Estas revoluções irromperam, na Inglaterra, no
século XVII e, na França, nos fins do século XVIII(17).
"... as novas forças produtivas
postas em movimento pela burguesia — em primeiro lugar, a divisão do trabalho e
o agrupamento numa só fábrica de grande número de operários — assim como as
novas condições e necessidades de comércio criadas por tais forças, tornaram-se
incompatíveis com o regime de produção existente até então, que fora
transmitido pela história e consagrado pela lei, isto é, tornaram-se
incompatíveis com os privilégios corporativos e os inúmeros privilégios
pessoais e locais da organização social do feudalismo (que constituíam os
muitos obstáculos para as ordens ou classes não privilegiadas). As forças
produtivas, representadas pela burguesia, rebelaram-se contra o regime de
produção representado pelos proprietários dos latifúndios feudais e pelos donos
de corporações".
Sem comentários:
Enviar um comentário
Por favor nâo use mensagens ofensivas.