Rosa Luxemburgo
14 de Março de 1903
Neste artigo sobre Feuerbach, Engels
formulou a essência da filosofia como sua tentativa de responder a eterna
questão da relação entre o pensamento e o ser, o problema da consciência humana
em um mundo material objetivo. Se nós transferirmos estes conceitos de ser e
pensamento do mundo abstrato da natureza e reflexão individual, i.e., das
esferas as quais os filósofos de profissão atuam, para a esfera da vida social,
então a mesma coisa que Engels disse sobre a filosofia pode, em um certo
sentido, ser dita sobre o socialismo. Desde os tempos antigos, o socialismo tem
sido a busca, as tentativas de encontrar caminhos e meios para harmonizar o ser
com o pensamento, isto quer dizer, para harmonizar as formas históricas de vida
com a consciência social.
Marx, junto com seu amigo Engels, estava
destinado a descobrir a solução a este problema sobre o qual os homens tem
atormentado seus cérebros por séculos. Marx descobriu que a história de todas
as sociedades anteriores foi, em última análise, a história das relações de
produção e distribuição nestas sociedades, e que o desenvolvimento destas
relações sob a lei da propriedade privada se manifesta na esfera das
instituições políticas e sociais na forma da luta de classes; e por esta
descoberta, Marx revelou a mais importante força motriz na história. Ao mesmo
tempo, uma explicação foi descoberta para a necessária desarmonia em todas as
sociedades existentes até agora entre a consciência e a existência, entre os
desejos da humanidade e a realidade social, entre intenções e resultados.
Assim, graças às idéias de Karl Marx, os
homens aprenderam pela primeira vez o segredo de seu próprio progresso social.
Para além disso, a descoberta das leis do desenvolvimento capitalista, do mesmo
modo, apontaram o caminho pelo qual a sociedade está se movendo – dos estágios
espontâneos e inconscientes, durante os quais os homens fizeram história da
mesma maneira pela qual as abelhas constróem suas colméias, ao estágio
histórico consciente, criativo e genuinamente humano, aquele estágio quando a
vontade da sociedade e a realidade social devem, pela primeira vez, estar
harmoniosamente correlacionadas uma com a outra, quando as ações do ser social
irão, pela primeira vez, produzir precisamente os resultados que ele deseja.
Nas palavras de Engels, este decisivo
“salto do reino animal ao domínio da liberdade humana” será alcançado pela
sociedade como um todo apenas com a realização da reviravolta socialista; mas
isto já está sendo realizado por dentro da armação da ordem existente através
das políticas social-democratas. Com o fio de Ariadne dos ensinamentos de Marx
em suas mãos, o partido dos trabalhadores é hoje o único partido que, do ponto
de vista histórico, está consciente do que está fazendo; e em virtude disso
está fazendo precisamente o que deseja. Este é todo o segredo do poder da
social-democracia (o Marxismo revolucionário era conhecido por este nome na
época de Rosa – Editor).
O mundo burguês há muito tempo está
espantado pelo extraordinário, insuperável e constante crescimento da
social-democracia. Às vezes, isoladas mentes senis ou ingenuamente infantis são
encontradas, as quais, estando cegas pelo extraordinário sucesso moral de
nossas políticas, aconselham a burguesia a nos tomar como um “exemplo” e a
beber profundamente da sabedoria e idealismo misteriosos da social-democracia.
Eles são incapazes de entender que o que é uma fonte de vida e vigor, uma fonte
da juventude para o desenvolvimento da classe trabalhadora é, para os partidos
burgueses – veneno mortal.
E, de fato, o que é que nos dá força
moral, para sofrer corajosa e ridiculamente e nos libertar das repressões mais
cruéis, como a atual lei de vinte anos contra os socialistas? É, talvez, a
teimosia dos pobres atrás de pequenas melhoras em suas condições materiais? O
proletariado moderno não é um comerciante, não é um pequeno-burguês pronto para
tornar-se um heroi pelos confortos miseráveis do dia-a-dia. A falta de
idealismo, a sóbria limitação dos sindicatos ingleses demonstra o quão pouco
incapaz de criar uma grande explosão moral entre o proletariado é o mero
cálculo por pequenas vantagens materiais.
É, talvez, o estoicismo asceta de uma
seita como aquela entre os primeiros cristãos – um estoicismo que entusiasma a
todos e quanto mais brilhante, mais é perseguido? O proletariado moderno, como
o herdeiro e filho adotivo da sociedade burguesa, é excessivamente um
materialista nato, excessivamente um indivíduo de carne e sangue e instintos
saudáveis para atrair sua força e devoção para idéias, de acordo com a moral
dos escravos de sofrimentos apenas.
Ou, finalmente, é talvez, a “justiça” da
causa pela qual nós estamos lutando que nos torna invencíveis? A causa dos
Cartistas e dos seguidores de Weitling, a causa das doutrinas socialistas
utópicas não eram menos “justas” do que a nossa. Apesar disso, todas estas
doutrinas foram destruídas pelos obstáculos da sociedade moderna.
Se, contrário a todos os esforços de
nossos inimigos, o movimento trabalhista moderno marchar em frente de forma
triunfante, com sua cabeça erguida bem alto, então deve isso primeiramente a
seu tranquilo entendimento da legalidade do desenvolvimento histórico objetivo,
seu entendimento de que “a sociedade capitalista com a inevitabilidade de um
processo natural cria sua própria negação, a saber, a expropriação dos
expropriadores, a reviravolta socialista.” Com isso, a partir de seu
entendimento, o movimento trabalhista vê uma confiável garantia de sua vitória
final. E desta mesma fonte extrai não só sua habilidade de seguir em frente,
mas também sua paciência; não apenas força para ação, mas também a coragem para
ficar firme e suportar.
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