quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Por:Cecilia Zamudio

Golpe para aprofundar a pilhagem capitalista
19 de novembro de 2019

Consumou-se o golpe de Estado contra o governo de Evo Morales na Bolívia. Agora chega o mais terrível contra o povo boliviano, particularmente contra a classe trabalhadora, contra organizações de base camponesas e indígenas, contra o pensamento crítico, contra qualquer um que se oponha à pilhagem capitalista, à depredação da natureza, à exploração. Regressa o fundamentalismo católico declarado e o racismo abjeto, a misoginia mais brutal e a nostalgia do tempo das cruzadas estão chegando (vêm-no anunciando as ações e proclamações dos golpistas); vem a intensificação do saque do lítio, do gás, da prata, do ouro, do estanho, do ferro, dos cursos de água e outras riquezas naturais, vem maior exploração contra os trabalhadores, fome e extermínio contra o povo, montanhas e rios capitalizados por um punhado de multinacionais e latifundiários.


Sob o governo de Evo garantiu-se a educação gratuita, universalizou-se o acesso à água potável, as crianças, as mulheres grávidas e os idosos obtiveram garantias essenciais, foi criado o Seguro Universal de Saúde, etc. Agora, o que vem com os golpistas fanáticos religiosos e ávidos de intensificar a pilhagem capitalista é a privatização da educação, o desmantelamento do Seguro Universal de Saúde, para que um punhado de capitalistas possa lucrar com as suas seguradoras médicas privadas. A privatização da saúde assassinará por ausência de assistência médica milhões de pessoas que não possam pagar os seguros privados. É possível que introduzam também fundos de pensão privados, para especular com capitais gigantescos, enquanto as pensões dos idosos serão reduzidas a uma miséria macabra, como fizeram no Chile.

Sob o governo de Evo Morales, o capital gerado pela mineração e os impostos foi investido em serviços sociais para implementar uma melhoria na qualidade de vida das pessoas mais pobres da classe explorada (mas o capitalismo não foi questionado na raiz e continuou a existir uma classe explorada e uma classe exploradora); as medidas sociais obviamente representaram um alívio para milhares de famílias bolivianas, mas, como qualquer medida que não modifique a própria estrutura do sistema socioeconômico, a sua durabilidade tinha prazo de validade. Tinha um prazo de validade porque a classe exploradora nunca cessa na ânsia de aprofundar os níveis de exploração e pilhagem, uma vez que é com base nesses mecanismos que enriquece. A burguesia local e transnacional queria remover Evo do caminho para aprofundar os níveis de saque capitalista: não tolerava já um governo que não estava disposto a ser-lhe 100% funcional.

Evo não coletivizou os meios de produção, ou seja, a economia boliviana não passou a ser socialista, continuou a ser capitalista. Se tivessem sido feitas mudanças estruturais, se os meios de produção tivessem sido coletivizados, a Bolívia teria sido fortalecida face às pretensões imperialistas; e a burguesia boliviana, profundamente exploradora e hostil a tudo o que não seja governar a Bolívia, como se os trabalhadores fossem seus servos semiescravizados, não teria permanecido implantada no poder econômico, midiático e inclusivamente institucional. É o debate de fundo que este tipo de tragédia revela: os limites do reformismo e a necessidade de mudanças estruturais revolucionárias. É o debate que Rosa Luxemburgo já colocava em “Reforma ou Revolução” e que a História, uma e outra vez, se encarrega de deixar à vista. O reformismo é tolerado pela burguesia durante algum tempo, pode até inclusive tornar-se funcional em determinadas circunstâncias, desde que “retire pressão à panela” das tensões sociais inerentes às injustas relações de produção do capitalismo. No caso da Bolívia, é inegável que o governo de Evo trouxe grandes progressos, mas também era totalmente vulnerável à vontade da burguesia, ao não ter procedido o aprofundamento revolucionário.

O golpe de Estado há tempos que vinha sendo preparado em Washington. O povo boliviano enfrentava há semanas o ataque do fascismo: a burguesia boliviana e transnacional, na sua pretensão de derrubar o presidente Morales e o seu governo a fim de poder aumentar os níveis de saque capitalista contra o povo e a natureza, desencadeou hordas de mercenários e incentivou o maior ódio racista. Linchamentos contra indígenas e contra pessoas eleitas perpetrados em todo o país pelos paramilitares fascistas (mulheres humilhadas, desnudadas, a prefeita Patricia Arce sequestrada, besuntada com tinta vermelha, tendo o cabelo cortado e espancada, dirigentes sindicais torturados e forçados a “pedir perdão” de joelhos por apoiar Evo, comunicadores alternativos aos falsos meios de comunicação amarrados a árvores, idosas indígenas agredidas por vestirem os seus trajes tradicionais). O instrumento fascista da burguesia perpetrou numerosos atentados, incêndios na sede das organizações camponesas e indígenas, incêndios de casas de membros do governo. O instrumento midiático da burguesia participou da desestabilização, através da manipulação e da desinformação em nível nacional e internacional. Um dos pilares da manipulação infundida pela burguesia através de seus meios de comunicação foi a intensificação da promoção do ódio racista, avivando um incêndio que já tem séculos: o racismo foi fomentado como um mecanismo de controle social, num país em que o colonialismo europeu deixou o seu rastro marcado em sangue e injustiça social, um país cuja população todavia ainda é de maioria indígena.

A ingerência norte-americana consistiu em financiar e treinar mercenários, a polícia colocou-se do lado dos fascistas e não só não deteve nem os espancamentos contra as famílias indígenas, nem a tomada de edifícios institucionais, como participou nelas; o exército nada fez para deter as agressões contra as bases indígenas e camponesas e no final acabaria por se alinhar com os golpistas. O povo se pôs em luta de forma contundente contra os destacamentos fascistas para impedir que fosse derrubado o primeiro presidente indígena de toda a história da Bolívia (desde a chegada dos colonizadores os nativos foram explorados e excluídos). Evo Morales não tinha seguido estritamente os ditames da grande capital (e é por isso que os magnatas queriam retirá-lo do caminho e não quiseram reconhecer a sua vitória eleitoral).

A OEA, que é totalmente silenciosa sobre a repressão no Chile (silencia sobre as violações e mutilações perpetradas pelos carabineiros porque o governo chileno é totalmente funcional para o saque capitalista), em vez disso lançou-se contra a Bolívia para aduzir uma suposta fraude nas eleições de 20 de outubro (exercendo seu papel pró-imperialista). Ante as acusações da OEA (que replicavam a versão da burguesia golpista), Evo Morales convidou, com extrema ingenuidade, “verificadores da OEA”. Entretanto, os mercenários fascistas continuaram a infundir terror nas ruas. Finalmente a OEA emitiu a sua fraudulenta decisão política, que deu sinal para os últimos passos do golpe de Estado na Bolívia, algo que era fortemente previsível. Aday Quesada diz: «O governo de Evo Morales cometeu “erros” difíceis de explicar. É absolutamente insólito que o Executivo boliviano solicite a “supervisão” da OEA (Organização dos Estados Americanos) para proceder à perícia e contagem dos votos resultantes das passadas eleições presidenciais. (…) essa solicitação de “arbitragem” à Organização que mais genuinamente representa os interesses norte-americanos na América Latina era uma solicitação suicida, semelhante à de confiar a uma raposa a custódia de um galinheiro. (…) o parecer final da OEA estava assinado antes da “inspeção”. A OEA determinou rapidamente o que correspondia ao papel que os Estados Unidos lhe tinham encomendado [].1

Os acontecimentos encadearam-se a uma velocidade vertiginosa. A polícia amotinou-se em várias cidades. Numerosas hordas fascistas provenientes de Santa Cruz chegaram à capital da Bolívia. Os meios de comunicação estatais e vários meios comunitários foram atacados. Várias casas de governadores foram incendiadas pelos mercenários. O governo de Evo tinha nesse momento duas opções: ou ceder à chantagem do fascismo e cair na armadilha de convocar novas eleições, no meio do clima de terror imposto pelos mercenários da burguesia, ou radicalizar o processo popular, tomando força das massivas mobilizações em seu apoio que permaneciam nas ruas. Ele optaria por, nas primeiras horas de 10 de novembro, convocar novas eleições, sendo que já as vencera nas eleições de 20 de outubro, e que a burguesia claramente não se acalmaria até ter todo o poder nas suas mãos (ou seja, em eventuais novas eleições, o clima de terror imposto pelo instrumento fascista da burguesia impediria muitos eleitores de Evo de sequer se aproximar dos locais de votação e, no caso de Evo vencer novamente, claramente a burguesia prosseguiria com a desestabilização). Mas nem sequer o anúncio de Morales de convocar novas eleições foi suficiente para a burguesia: nesse mesmo dia 10 de novembro a cúpula militar emitiu um comunicado em que se posicionava ao lado dos golpistas, apelando à renúncia de Evo Morales. O povo boliviano, no entanto, continuou massivamente nas ruas lutando contra as hordas fascistas e a sua pretensão de um golpe de Estado.

Após o comunicado de alinhamento da cúpula militar com o golpe de Estado em curso, chegou a se esperar o pior: que Evo renunciasse, ficando o fascismo com todos os poderes na Bolívia. A burguesia queria tudo e de imediato, não pretendia deixar sequer que se realizassem novas eleições. A mensagem era clara: ou governa o candidato eleito por Washington ou nada.Tristemente, não houve que esperar muito após o comunicado golpista dos militares para Evo anunciar sua renúncia, tal como exigiam os golpistas, tal como o vinham preparando o imperialismo norte-americano e a burguesia através do seu instrumento fascista. Depois dessa renúncia, ante o golpe de Estado consumado, as organizações sociais, camponesas e indígenas ficaram à mercê do pior fascismo.

É evidente que a grande maioria do povo boliviano votou em Evo Morales, já que a maioria da população indígena e camponesa, a classe trabalhadora, o apoiava; mas a burguesia e o grande capital transnacional pretendiam já retirá-lo do caminho para poder depredar com mais voracidade os imensos recursos da Bolívia. Mas por que renunciou Evo tão rapidamente, quando tinha uma forte base de apoio popular nas ruas? Os meios de comunicação burgueses escreveram grandes títulos dizendo que o presidente se demitira, quando está claro que se tratou de um golpe de Estado. A renúncia de Evo foi anunciada sob um clima de terror e ameaça, depois de várias renúncias de membros do seu governo, igualmente aterrorizados: “Renunciaram para salvar a sua família ameaçada” [], disse Evo em entrevista coletiva. As “renúncias” ocorreram2 sob coação: através do sequestro de parentes por parte do instrumento fascista, que chantageou os representantes ameaçando assassinar os seus familiares se não renunciassem e não pedissem publicamente a Evo Morales que renunciasse.

O golpe de Estado na Bolívia ocorreu por meio da brutalidade fascista e da intimidação; a maior parte da polícia não protegeu o povo dos ataques dos mercenários, os militares anunciaram que se alinhavam com o golpe de Estado. Como sempre, quando a classe exploradora não consegue o que quer em eleições, recorre ao golpe militar e paramilitar, à ameaça e ao terror: práticas mafiosas de um sistema podre. A classe exploradora quase sempre consegue o que quer através das eleições porque tem capital para impor seus candidatos através de campanhas milionárias alienantes, mas quando excepcionalmente ganha um candidato que está mais de acordo com os interesses da classe trabalhadora, temos dias contados.

Assim está a guerra que a classe exploradora faz à classe explorada: agora saca do seu instrumento fascista, por todo o planeta, para tentar varrer todos os governos que não lhe são totalmente funcionais e para aprofundar a taxa de exploração e pilhagem que incrementa a sua acumulação capitalista. Os povos têm as suas mãos nuas para se defender, e a sua consciência de que, se não vencerem a batalha contra o instrumento fascista da burguesia, vêm aí tempos de maior terror, repressão, exploração, pilhagem, empobrecimento e barbárie. Enquanto o capitalismo continuar vivo o seu instrumento fascista continua vivo, e a brutal injustiça social que deixa os povos à mercê da fome e devasta a natureza continuará a prevalecer.

1 http://canarias-semanal.org/art/26252/como-y-por-que-lograron-derrocar-a-evo-morales-video

2 “Eles renunciaram para salvar sua família ameaçada”, Evo em uma conferência de imprensa:https://youtu.be/WaDLE2oqwTg

Resumen Latinoamericano

Via PCBrasileiro

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