Golpe para aprofundar a pilhagem
capitalista
19 de novembro de 2019
Consumou-se o golpe de Estado contra o
governo de Evo Morales na Bolívia. Agora chega o mais terrível contra o povo
boliviano, particularmente contra a classe trabalhadora, contra organizações de
base camponesas e indígenas, contra o pensamento crítico, contra qualquer um
que se oponha à pilhagem capitalista, à depredação da natureza, à exploração.
Regressa o fundamentalismo católico declarado e o racismo abjeto, a misoginia
mais brutal e a nostalgia do tempo das cruzadas estão chegando (vêm-no
anunciando as ações e proclamações dos golpistas); vem a intensificação do
saque do lítio, do gás, da prata, do ouro, do estanho, do ferro, dos cursos de
água e outras riquezas naturais, vem maior exploração contra os trabalhadores,
fome e extermínio contra o povo, montanhas e rios capitalizados por um punhado
de multinacionais e latifundiários.
Sob o governo de Evo garantiu-se a
educação gratuita, universalizou-se o acesso à água potável, as crianças, as
mulheres grávidas e os idosos obtiveram garantias essenciais, foi criado o
Seguro Universal de Saúde, etc. Agora, o que vem com os golpistas fanáticos
religiosos e ávidos de intensificar a pilhagem capitalista é a privatização da
educação, o desmantelamento do Seguro Universal de Saúde, para que um punhado
de capitalistas possa lucrar com as suas seguradoras médicas privadas. A
privatização da saúde assassinará por ausência de assistência médica milhões de
pessoas que não possam pagar os seguros privados. É possível que introduzam
também fundos de pensão privados, para especular com capitais gigantescos,
enquanto as pensões dos idosos serão reduzidas a uma miséria macabra, como
fizeram no Chile.
Sob o governo de Evo Morales, o capital
gerado pela mineração e os impostos foi investido em serviços sociais para
implementar uma melhoria na qualidade de vida das pessoas mais pobres da classe
explorada (mas o capitalismo não foi questionado na raiz e continuou a existir
uma classe explorada e uma classe exploradora); as medidas sociais obviamente
representaram um alívio para milhares de famílias bolivianas, mas, como
qualquer medida que não modifique a própria estrutura do sistema
socioeconômico, a sua durabilidade tinha prazo de validade. Tinha um prazo de
validade porque a classe exploradora nunca cessa na ânsia de aprofundar os
níveis de exploração e pilhagem, uma vez que é com base nesses mecanismos que
enriquece. A burguesia local e transnacional queria remover Evo do caminho para
aprofundar os níveis de saque capitalista: não tolerava já um governo que não
estava disposto a ser-lhe 100% funcional.
Evo não coletivizou os meios de
produção, ou seja, a economia boliviana não passou a ser socialista, continuou
a ser capitalista. Se tivessem sido feitas mudanças estruturais, se os meios de
produção tivessem sido coletivizados, a Bolívia teria sido fortalecida face às
pretensões imperialistas; e a burguesia boliviana, profundamente exploradora e
hostil a tudo o que não seja governar a Bolívia, como se os trabalhadores
fossem seus servos semiescravizados, não teria permanecido implantada no poder
econômico, midiático e inclusivamente institucional. É o debate de fundo que
este tipo de tragédia revela: os limites do reformismo e a necessidade de
mudanças estruturais revolucionárias. É o debate que Rosa Luxemburgo já
colocava em “Reforma ou Revolução” e que a História, uma e outra vez, se
encarrega de deixar à vista. O reformismo é tolerado pela burguesia durante
algum tempo, pode até inclusive tornar-se funcional em determinadas
circunstâncias, desde que “retire pressão à panela” das tensões sociais
inerentes às injustas relações de produção do capitalismo. No caso da Bolívia,
é inegável que o governo de Evo trouxe grandes progressos, mas também era
totalmente vulnerável à vontade da burguesia, ao não ter procedido o
aprofundamento revolucionário.
O golpe de Estado há tempos que vinha
sendo preparado em Washington. O povo boliviano enfrentava há semanas o ataque
do fascismo: a burguesia boliviana e transnacional, na sua pretensão de
derrubar o presidente Morales e o seu governo a fim de poder aumentar os níveis
de saque capitalista contra o povo e a natureza, desencadeou hordas de
mercenários e incentivou o maior ódio racista. Linchamentos contra indígenas e
contra pessoas eleitas perpetrados em todo o país pelos paramilitares fascistas
(mulheres humilhadas, desnudadas, a prefeita Patricia Arce sequestrada,
besuntada com tinta vermelha, tendo o cabelo cortado e espancada, dirigentes
sindicais torturados e forçados a “pedir perdão” de joelhos por apoiar Evo,
comunicadores alternativos aos falsos meios de comunicação amarrados a árvores,
idosas indígenas agredidas por vestirem os seus trajes tradicionais). O
instrumento fascista da burguesia perpetrou numerosos atentados, incêndios na
sede das organizações camponesas e indígenas, incêndios de casas de membros do
governo. O instrumento midiático da burguesia participou da desestabilização,
através da manipulação e da desinformação em nível nacional e internacional. Um
dos pilares da manipulação infundida pela burguesia através de seus meios de
comunicação foi a intensificação da promoção do ódio racista, avivando um
incêndio que já tem séculos: o racismo foi fomentado como um mecanismo de
controle social, num país em que o colonialismo europeu deixou o seu rastro
marcado em sangue e injustiça social, um país cuja população todavia ainda é de
maioria indígena.
A ingerência norte-americana consistiu
em financiar e treinar mercenários, a polícia colocou-se do lado dos fascistas
e não só não deteve nem os espancamentos contra as famílias indígenas, nem a
tomada de edifícios institucionais, como participou nelas; o exército nada fez
para deter as agressões contra as bases indígenas e camponesas e no final
acabaria por se alinhar com os golpistas. O povo se pôs em luta de forma
contundente contra os destacamentos fascistas para impedir que fosse derrubado
o primeiro presidente indígena de toda a história da Bolívia (desde a chegada
dos colonizadores os nativos foram explorados e excluídos). Evo Morales não
tinha seguido estritamente os ditames da grande capital (e é por isso que os
magnatas queriam retirá-lo do caminho e não quiseram reconhecer a sua vitória
eleitoral).
A OEA, que é totalmente silenciosa sobre
a repressão no Chile (silencia sobre as violações e mutilações perpetradas
pelos carabineiros porque o governo chileno é totalmente funcional para o saque
capitalista), em vez disso lançou-se contra a Bolívia para aduzir uma suposta
fraude nas eleições de 20 de outubro (exercendo seu papel pró-imperialista).
Ante as acusações da OEA (que replicavam a versão da burguesia golpista), Evo
Morales convidou, com extrema ingenuidade, “verificadores da OEA”. Entretanto,
os mercenários fascistas continuaram a infundir terror nas ruas. Finalmente a
OEA emitiu a sua fraudulenta decisão política, que deu sinal para os últimos
passos do golpe de Estado na Bolívia, algo que era fortemente previsível. Aday
Quesada diz: «O governo de Evo Morales cometeu “erros” difíceis de explicar. É
absolutamente insólito que o Executivo boliviano solicite a “supervisão” da OEA
(Organização dos Estados Americanos) para proceder à perícia e contagem dos
votos resultantes das passadas eleições presidenciais. (…) essa solicitação de
“arbitragem” à Organização que mais genuinamente representa os interesses
norte-americanos na América Latina era uma solicitação suicida, semelhante à de
confiar a uma raposa a custódia de um galinheiro. (…) o parecer final da OEA
estava assinado antes da “inspeção”. A OEA determinou rapidamente o que
correspondia ao papel que os Estados Unidos lhe tinham encomendado [].1
Os acontecimentos encadearam-se a uma
velocidade vertiginosa. A polícia amotinou-se em várias cidades. Numerosas
hordas fascistas provenientes de Santa Cruz chegaram à capital da Bolívia. Os
meios de comunicação estatais e vários meios comunitários foram atacados.
Várias casas de governadores foram incendiadas pelos mercenários. O governo de
Evo tinha nesse momento duas opções: ou ceder à chantagem do fascismo e cair na
armadilha de convocar novas eleições, no meio do clima de terror imposto pelos
mercenários da burguesia, ou radicalizar o processo popular, tomando força das
massivas mobilizações em seu apoio que permaneciam nas ruas. Ele optaria por,
nas primeiras horas de 10 de novembro, convocar novas eleições, sendo que já as
vencera nas eleições de 20 de outubro, e que a burguesia claramente não se
acalmaria até ter todo o poder nas suas mãos (ou seja, em eventuais novas
eleições, o clima de terror imposto pelo instrumento fascista da burguesia
impediria muitos eleitores de Evo de sequer se aproximar dos locais de votação
e, no caso de Evo vencer novamente, claramente a burguesia prosseguiria com a
desestabilização). Mas nem sequer o anúncio de Morales de convocar novas
eleições foi suficiente para a burguesia: nesse mesmo dia 10 de novembro a
cúpula militar emitiu um comunicado em que se posicionava ao lado dos
golpistas, apelando à renúncia de Evo Morales. O povo boliviano, no entanto,
continuou massivamente nas ruas lutando contra as hordas fascistas e a sua
pretensão de um golpe de Estado.
Após o comunicado de alinhamento da
cúpula militar com o golpe de Estado em curso, chegou a se esperar o pior: que
Evo renunciasse, ficando o fascismo com todos os poderes na Bolívia. A
burguesia queria tudo e de imediato, não pretendia deixar sequer que se
realizassem novas eleições. A mensagem era clara: ou governa o candidato eleito
por Washington ou nada.Tristemente, não houve que esperar muito após o
comunicado golpista dos militares para Evo anunciar sua renúncia, tal como
exigiam os golpistas, tal como o vinham preparando o imperialismo
norte-americano e a burguesia através do seu instrumento fascista. Depois dessa
renúncia, ante o golpe de Estado consumado, as organizações sociais, camponesas
e indígenas ficaram à mercê do pior fascismo.
É evidente que a grande maioria do povo
boliviano votou em Evo Morales, já que a maioria da população indígena e
camponesa, a classe trabalhadora, o apoiava; mas a burguesia e o grande capital
transnacional pretendiam já retirá-lo do caminho para poder depredar com mais
voracidade os imensos recursos da Bolívia. Mas por que renunciou Evo tão
rapidamente, quando tinha uma forte base de apoio popular nas ruas? Os meios de
comunicação burgueses escreveram grandes títulos dizendo que o presidente se demitira,
quando está claro que se tratou de um golpe de Estado. A renúncia de Evo foi
anunciada sob um clima de terror e ameaça, depois de várias renúncias de
membros do seu governo, igualmente aterrorizados: “Renunciaram para salvar a
sua família ameaçada” [], disse Evo em entrevista coletiva. As “renúncias”
ocorreram2 sob coação: através do sequestro de parentes por parte do
instrumento fascista, que chantageou os representantes ameaçando assassinar os
seus familiares se não renunciassem e não pedissem publicamente a Evo Morales
que renunciasse.
O golpe de Estado na Bolívia ocorreu por
meio da brutalidade fascista e da intimidação; a maior parte da polícia não
protegeu o povo dos ataques dos mercenários, os militares anunciaram que se
alinhavam com o golpe de Estado. Como sempre, quando a classe exploradora não
consegue o que quer em eleições, recorre ao golpe militar e paramilitar, à
ameaça e ao terror: práticas mafiosas de um sistema podre. A classe exploradora
quase sempre consegue o que quer através das eleições porque tem capital para
impor seus candidatos através de campanhas milionárias alienantes, mas quando
excepcionalmente ganha um candidato que está mais de acordo com os interesses
da classe trabalhadora, temos dias contados.
Assim está a guerra que a classe
exploradora faz à classe explorada: agora saca do seu instrumento fascista, por
todo o planeta, para tentar varrer todos os governos que não lhe são totalmente
funcionais e para aprofundar a taxa de exploração e pilhagem que incrementa a
sua acumulação capitalista. Os povos têm as suas mãos nuas para se defender, e
a sua consciência de que, se não vencerem a batalha contra o instrumento
fascista da burguesia, vêm aí tempos de maior terror, repressão, exploração,
pilhagem, empobrecimento e barbárie. Enquanto o capitalismo continuar vivo o
seu instrumento fascista continua vivo, e a brutal injustiça social que deixa
os povos à mercê da fome e devasta a natureza continuará a prevalecer.
1
http://canarias-semanal.org/art/26252/como-y-por-que-lograron-derrocar-a-evo-morales-video
Resumen Latinoamericano
Via PCBrasileiro
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