Por Carlos Aznárez
A insurreição sempre foi uma arma dos
povos humildes, desses condenados da terra dos quais falava Frantz Fanon. É uma
alternativa necessária e um espelho no qual há que olhar obrigatoriamente
quando chega o momento em que se esgotam as possibilidades de diálogo com os de
cima e os de baixo movem-se a partir da esquerda. Um belo dia, os humilhados e
despojados gritam um contundente "já basta!". A partir desse momento
tudo se torna possível, inclusive até mesmo a tomada do poder.
Em termos de prática política, também significa que a luta de classes passa a
ocupar um lugar preponderante e, por mais que queira ocultar, explode com toda
a sua força e abala os fundamentos dos "palácios de inverno". Isso é
precisamente o que hoje está a ocorrer no Equador. Acabaram-se o panos quentes,
as desculpas e a mentiras com que o governo de Lenine Moreno tentou "fazer
tempo", enquanto preparava o pacote de medidas que lhe impôs o Fundo
Monetário Internacional. Isso significa que, chegado o momento, aqueles aos quais
se vende a alma exigem que se pague portagem e que não se hesite em por em
marcha o pactuado.
Ajoelhado, submetido e vergonhosamente afastado dos seus princípios (se é que
alguma vez os teve), Moreno executa o que lhe ordena Washington e, se tem que
matar, mata com total impunidade. Por vezes fazem-no a tiros (o Haiti é um
exemplo semelhante) e outras, como na Argentina e no Brasil, também acrescentam
a agonia que provoca o desemprego, a pobreza extrema, a perda de soberania.
Contudo, o povo equatoriano é um osso duro de roer. Por coisas como estas que
hoje ocorrem, já derrubou vários governantes, tão corruptos e criminosos como o
referido Moreno. O último deles foi Lucio Gutiérrez que perdeu, por submeter-se
ao império e seu ditames, a possibilidade de conduzir uma Revolução
operária-indígena e camponesa. Terminou a sua gestão abruptamente, qual lacaio
da burguesia, em meio a um grande levantamento popular que provocou sua fuga
para os telhados do Palácio do Governo, de onde se afastou para sempre ao entrar
num helicóptero. Algo que Moreno certamente deve ter na sua memória quando
decidiu abruptamente mudar a Casa do Governo de Quito para Guayaquil, no calor
da vanguarda de manifestantes que começaram a cercar o Palácio de Corondelet.
Agora as cartas estão lançadas para este mau governante, uma vez que dezenas de
milhares de indígenas, operários, estudantes, vão ocupar Quito e também
Guayaquil, exigindo não só que se revogue o pacote fundomonetarista como que se
vá quem ordenou disparar contra o povo, quem assegurou a impunidade dos
polícias que lançaram três jovens manifestantes da ponte de San Roque, no
centro histórico de Quito. Esse homem que chegou ao governo graças à
ingenuidade de Rafael Correa e a seguir traiu-o como um Judas vulgar.
Por outro lado, o levantamento popular e a consequente marcha
indígena-camponesa gerou uma corrente de simpatia em todos os povoados pelos
quais vai passado. Tanto é assim que, até os mais tímidos ou descomprometidos,
lançam-se às ruas para demonstrar que estão dispostos a ser protagonistas deste
momento histórico. Fazem-no com a alegria que decorre de juntarem-se aos seus
iguais, entoar as palavras de ordem do movimento e demonstrarem uns aos outros
que "o povo unido jamais será vencido". Mas também com a cólera
suficiente que lhes permitem estarem convencidos de que já é hora de terminar
com esses politiqueiros apoiantes de uma democracia burguesa com que a cada
quatro anos os enganam.
Por isso não é estranho que, pelo menos
os indígenas da CONAIE e os trabalhadores do FUT [Frente Unitario de los
Trabajadores] acrescentem aos seus cânticos o muito conhecido "que se
vayan todos". Para que isto realmente ocorra, há que ter alternativas que
não conduzam uma eventual vitória a um beco sem saída, onde outros que não
representam seus interesses fiquem – como aconteceu tantas vezes – com o ganho
de muitas lutas e sacrifícios, ou de por sobre a mesa a perda da liberdade e
até as mortes pela repressão. Isso e outro temas semelhantes é o que agora,
provavelmente, estará em discussão entre as diligências desta gigantesca
revolta na qual, entre outros, o legado do autêntico Lenine, o iluminador de
tantas batalhas do proletariado universal, e também o do Comandante Che
Guevara, possam ajudar a derrotar esta caricatura de governante cipaio. Um
governante que não só não foi fiel ao seu nome como, pela sua cobiça e
submissão ao império, quer condenar seu povo à miséria, causando-lhe a maior
dor possível.
08/Outubro/2019
O original encontra-se em
www.resumenlatinoamericano.org/2019/10/08/ecuador-lenin-contra-lenin/
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