quarta-feira, 14 de agosto de 2019

GREVE dos MOTORISTAS Um espelho da política que por aí va

Por:Urbano de Campos  
Jornal Mudar de Vida
Terça-feira, 13 Agosto, 2019

Todas as forças do poder se conjugam contra os motoristas em greve: a fúria dos patrões de todos os sectores, exigindo sempre mais do seu Governo, inclusive a requisição civil “preventiva”; as palmas da direita, louvando a “justeza” das medidas de António Costa, reconhecendo que ela própria não faria melhor; o servilismo da comunicação social, numa campanha sem vergonha para denegrir os trabalhadores e dar boa imagem da Antram; a sanha dos comentadores “especializados”, em campanha pela revisão da lei da greve; enfim, os ataques pessoais ao porta-voz dos camionistas, na tentativa de anular através da intriga a justeza da luta.

Tudo isto convergindo com o arreganho do Governo, empenhado em mostrar aos patrões e aos eleitores temerosos que sabe “pôr ordem” no país.

A greve, logo desde o pré-aviso, conseguiu arrumar do mesmo lado o patronato, o Governo e a direita — o que, só por si, é uma lição política. A greve tornou-se, muito justamente, o assunto político da ordem do dia, colocando na sombra a habitual vidinha partidária e as disputas eleitorais apontadas para Outubro que vem. A política do país foi, por estes dias, deslocada para o terreno do confronto de classes — que é o seu foco, mesmo quando não surge como tal.

Deve-se isto, antes de mais, à clareza da denúncia feita pelos motoristas das suas condições de trabalho e salariais, à firmeza posta na luta e à inegável justeza do que reivindicam. Ninguém ousa, de facto, dizer que eles não têm razão.

Deve-se ainda à razão que têm quando apontam que os patrões estão a negar o que fora negociado em Abril e a protelar, como é seu costume, a assinatura do acordo de trabalho.

O mesmo, aliás, é confirmado pela Fectrans (que não participa na greve) a respeito do Contrato Colectivo de Trabalho negociado no final do ano passado e que a Antram agora renega. Só que a Fectrans resolveu recorrer à mediação do Governo, dos tribunais e da Autoridade para as Condições de Trabalho, que por regra nada resolvem…

Uma coisa parece certa: sem a protecção do Governo, a Antram não teria vencido o braço de ferro com os motoristas. É bom que os trabalhadores, todos eles, tenham isto em mente quando em Outubro forem chamados a eleições.

Torna-se portanto legítimo perguntar se o patronato cederia ou não em poucos dias, ou mesmo antes do início da greve, caso tivessem mais sindicatos de motoristas apoiado a luta. E se o Governo teria o à-vontade de fazer o que agora faz, e a comunicação social dizer o que diz, etc. se deparassem com uma vasta frente de luta, e não apenas com dois sindicatos, firmes mas isolados.

E é de perguntar também se António Costa teria os ganhos políticos que lhe auguram pela “autoridade” exibida, caso uma luta vitoriosa demonstrasse que os trabalhadores têm outra via de fazer valer a sua política que não seja abrigar-se debaixo da asa do PS ou confiar na boa-vontade das “instituições”.

O BE e o PCP, que não se cansam de explicar — sobretudo nos últimos meses e com vista às eleições de Outubro — que o PS se bandeia facilmente com a direita, têm agora diante de si a prova disso mesmo. Mas, em vez de o denunciarem, mostrando com factos a colagem do PS aos interesses do capital, limitam-se a criticar os “exageros” do Governo na definição dos serviços mínimos ou o recurso à requisição civil… É uma outra forma de descalçar a luta dos motoristas — e dar trunfos políticos à direita.

"jornalmudardevida.net"


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