Nos anos 40, Marx ainda não tinha
terminado a sua crítica da Economia Política. Isso só aconteceu nos finais dos
anos 50. Por isso, os escritos que apareceram antes do primeiro fascículo de
Para a Crítica da Economia Política (1859) diferem aqui e ali dos redigidos a
partir de 1859; contêm expressões e frases inteiras que, do ponto de vista dos
escritos posteriores, parecem tortuosas e até incorrectas. Ora é evidente que
em edições vulgares, destinadas ao público em geral, este ponto de vista
anterior que faz parte da evolução espiritual do autor tem o seu lugar, e tanto
ele como o público têm indiscutível direito a uma reprodução sem alterações
desses escritos mais antigos. E não me passaria pela cabeça modificar uma só
palavra que fosse.
Mas o caso muda quando a nova edição se
destina quase exclusivamente à propaganda entre os operários. Neste caso, Marx
teria incondicionalmente posto de acordo a antiga exposição, que data de 1849,
com o seu novo ponto de vista. E eu estou certo de proceder nesse mesmo sentido,
se operar para esta edição as poucas modificações e acrescentamentos
necessários para atingir esse objectivo, em todos os pontos essenciais. Por
isso, previno já o leitor: esta é a brochura não como Marx a redigiu em 1849,
mas aproximadamente, como ele a teria escrito em 1891. Além disso, o texto real
encontra-se difundido em tão grande número de exemplares que isto é suficiente
até que eu o possa reimprimir sem alterações numa ulterior edição das obras
completas.
As minhas alterações giram todas em
torno de um ponto. Segundo o original, o operário vende ao capitalista o seu
trabalho em troca do salário; segundo o texto actual, ele vende a sua força de
trabalho. E por esta alteração devo uma explicação. Uma explicação aos
operários para que vejam que não estão perante uma simples questão de palavras,
mas, pelo contrário, perante um dos mais importantes pontos de toda a Economia
Política. Explicação aos burgueses para que se possam convencer de como os
operários sem instrução, para quem com facilidade se podem tornar inteligíveis
os mais difíceis desenvolvimentos económicos, estão imensamente acima dos
nossos arrogantes homens “instruídos” para quem questões tão complexas
permanecem insolúveis durante toda a vida.
A Economia Política clássica[N75] reteve
da prática industrial a representação corrente do fabricante de que compra e
paga o trabalho dos seus operários. Esta representação chegava perfeitamente
para uso nos negócios, a contabilidade e o cálculo do preço do fabricante.
Transposta, de um modo ingenuo, para a Economia Política causou a esta
mal-entendidos e confusões prodigiosos.
A Economia depara com o facto de que os
preços de toda a mercadoria, e, portanto, o preço da mercadoria a que ela chama
“trabalho”, variam continuamente; que eles sobem e descem em consequência de
circunstâncias muito diferenciadas que, frequentemente, não têm conexão alguma
com a produção da própria mercadoria, de tal modo que, em regra, os preços
parecem ser determinados pelo puro acaso. Ora, logo que a Economia se tornou
uma ciência[N76], uma das suas primeiras tarefas foi a de procurar a lei que se
ocultava por detrás desse acaso, que aparentemente comandava o preço das
mercadorias e que, na realidade, comandava esse mesmo acaso. Ela procurou nos
preços das mercadorias que continuamente flutuam e oscilam, ora para cima, ora
para baixo, o ponto central fixo em torno do qual se efectuam essas flutuações
e oscilações. Numa palavra, ela partiu dos preços das mercadorias para procurar
como sua lei reguladora o valor das mercadorias, a partir do qual deveriam
explicar-se todas as flutuações de preços e ao qual finalmente todas se
deveriam de novo reconduzir.
A Economia clássica achou, então, que o
valor de uma mercadoria seria determinado pelo trabalho incorporado nela, o
trabalho necessário para a sua produção; e contentou-se com esta explicação.
Também nós podemos debruçar-nos, por um momento, sobre este problema. Só para
prevenir equívocos, quero lembrar que esta explicação se tornou hoje
completamente insuficiente. Marx, pela primeira vez, investigou
fundamentalmente a propriedade que o trabalho tem de criar valor, e descobriu
assim que nem todo o trabalho, aparente ou mesmo realmente necessário à
produção de uma mercadoria, lhe acrescenta, em todas as circunstâncias, uma
grandeza de valor que corresponde ao volume de trabalho empregue. Portanto,
quando hoje nos limitamos a dizer, com economistas como Ricardo, que o valor de
uma mercadoria se determina pelo trabalho necessário à sua produção, damos
sempre como subentendidas as reservas feitas por Marx. Aqui basta-nos isto; o
mais encontra-se exposto por Marx em Para a Crítica da Economia Política (1859)
e no primeiro tomo de O Capital.
Mas logo que os economistas aplicaram
esta determinação de valor pelo trabalho à mercadoria “trabalho” caíram de
contradição em contradição. Como se determina o valor do “trabalho”? Pelo
trabalho necessário que neste se encontra. Mas quanto trabalho se encontra no
trabalho de um operário, durante um dia, uma semana, um mês, um ano? O trabalho
de um dia, de uma semana, de um mês, de um ano. Se o trabalho é a medida de
todos os valores só podemos expressar o “valor do trabalho” precisamente em
trabalho. Mas nós não sabemos absolutamente nada acerca do valor de uma hora de
trabalho se apenas soubermos que aquele é igual a uma hora de trabalho. Deste
modo não avançamos um milímetro, e limitamo-nos a andar à volta da questão.
Por isso a Economia clássica procurou
dar uma outra formulação, e disse: o valor de uma mercadoria é igual aos seus
custos de produção. Mas quais são os custos de produção do trabalho? Para
responder a esta pergunta, os economistas viram-se obrigados a torcer um pouco
a lógica. Em vez dos custos de produção do próprio trabalho, que infelizmente
não podem ser descobertos, eles investigam então os custos de produção do
operário. E estes, sim, podem ser descobertos. Eles variam consoante o tempo e
as circunstâncias, mas em dadas condições sociais, numa dada localidade, num
dado ramo de produção eles estão igualmente dados, pelo menos dentro de limites
bastante estreitos. Vivemos hoje sob o domínio da produção capitalista em que
uma grande e sempre crescente classe da população só pode viver se trabalhar, a
troco de um salário, para os proprietários dos meios de produção — das ferramentas,
máquinas, matérias-primas, e meios de subsistência. Na base deste modo de
produção, os custos de produção do operário consistem naquela soma de meios de
subsistência ou do seu preço em dinheiro — que são, em média, necessários para
o tornarem capaz de trabalhar, para o manterem capaz de trabalhar e para o
substituírem por outro operário quando do seu afastamento por doença, velhice
ou morte, para reproduzir, portanto, a classe operária na força necessária.
Suponhamos que o preço em dinheiro desses meios de subsistência é, em média, 3
marcos por dia.
O nosso operário receberá, portanto, do
capitalista que o empregou, um salário de três marcos por dia. Por este
salário, o capitalista fá-lo trabalhar, digamos doze horas por dia. E esse
capitalista faz os seus cálculos mais ou menos da seguinte maneira:
Suponhamos que o nosso operário — um
ajustador — tem que fazer, num dia de trabalho, uma peça de máquina. A
matéria-prima ferro e latão, já convenientemente trabalhados — custa vinte
marcos. O consumo de carvão da máquina a vapor, o desgaste dessa mesma máquina
a vapor, do torno e das outras ferramentas com que o nosso operário trabalha —
calculados em relação a um dia e a um operário — representam, digamos, o valor
de um marco. O salário de um dia é, segundo a nossa hipótese, de três marcos.
No total, a nossa peça de máquina ficou por 24 marcos. Mas o capitalista espera
receber em média 27 marcos dos clientes, isto é, três marcos a mais do que os
custos que teve.
De onde vêm esses três marcos que o capitalista
mete ao bolso? Segundo a afirmação da Economia clássica as mercadorias são
vendidas, em média, pelo seu valor, isto é, a preços que correspondem à
quantidade de trabalho necessário, contido nessas mercadorias. O preço médio da
nossa peça de máquina — 27 marcos — seria portanto igual ao seu valor, igual ao
trabalho que incorporado nela se encontra. Mas desses 27 marcos, 21 eram já
valores existentes antes do nosso ajustador começar a trabalhar. Vinte marcos
encontravam-se na matéria-prima, um marco no carvão consumido durante o
fabrico, ou nas máquinas e ferramentas que nele foram utilizadas e diminuídas
na sua capacidade de produção até ao valor desta soma. Ficam 6 marcos que se
acrescentaram ao valor da matéria-prima. Mas esses 6 marcos, segundo a hipótese
dos nossos economistas, só podem provir do trabalho acrescentado pelo nosso
operário à matéria-prima. O seu trabalho de doze horas criou, portanto, um novo
valor de 6 marcos. O valor do seu trabalho de doze horas seria, portanto, igual
a seis marcos. Deste modo, teríamos finalmente descoberto o que é o “valor do
trabalho”.
— Alto lá! — grita o nosso ajustador. —
Seis marcos? Mas eu só recebi três! O meu capitalista jura a pés juntos que o
valor do meu trabalho de doze horas é só de três marcos, e se eu lhe exigir
seis, ele vai rir-se de mim. Como é isto arranjado?
Se anteriormente, com o nosso valor do
trabalho, caíamos num círculo sem saída, agora é que estamos mesmo metidos numa
contradição insolúvel. Procuramos o valor do trabalho e acabamos por encontrar
mais do que precisávamos. Para o operário, o valor do seu trabalho de doze
horas é de três marcos; para o capitalista, é de seis marcos, dos quais ele
paga ao operário três como salário — e mete ele próprio os outros três no
bolso. O trabalho teria portanto não um, mas dois valores, e ainda por cima
bastante diferentes!
A contradição torna-se ainda mais
absurda quando reduzimos a tempo de trabalho os valores expressos em dinheiro.
Nas doze horas de trabalho é criado um novo valor de seis marcos. Portanto, em
seis horas, três marcos — a soma que o operário recebe pelo trabalho de doze
horas. Pelo trabalho de doze horas, o operário recebe o equivalente ao produto
de seis horas de trabalho. Assim sendo, ou o trabalho tem dois valores em que um
é o dobro do outro, ou então doze é igual a seis! Em qualquer dos casos
revela-se um puro contra-senso.
E por mais voltas que lhe demos, não
conseguimos sair desta contradição, enquanto falarmos da compra e da venda do
trabalho, e do valor do trabalho. Foi o que aconteceu aos nossos economistas. O
último rebento da Economia clássica, a escola de Ricardo, fracassou em grande
parte na insolubilidade desta contradição. A Economia clássica metera-se num
beco sem saída. O homem que encontrou a maneira de sair desse beco foi Karl
Marx.
O que os economistas tinham considerado
como custos de produção “do trabalho”, eram os custos de produção, não do
trabalho, mas do próprio operário vivo. E o que o operário vendia ao
capitalista não era o seu trabalho. “No momento em que começa realmente o seu
trabalho — disse Marx — este deixa logo de lhe pertencer e o operário não
poderá portanto vendê-lo.” Poderia, quando muito, vender o seu trabalho futuro,
isto é, comprometer-se a executar um dado trabalho num tempo determinado. Mas
então o operário não vende trabalho (que ainda teria de ter lugar); põe sim à
disposição do capitalista a sua força de trabalho, a troco de um salário
determinado, por um determinado tempo (se trabalha à jorna) ou para determinada
tarefa (se trabalha à peça): ele aluga ou vende a sua força de trabalho. Mas
essa força de trabalho faz um com a sua própria pessoa e é inseparável dela.
Por conseguinte, os seus custos de produção coincidem com os custos de produção
[do operário]; o que os economistas chamavam custos de produção do trabalho são
precisamente os custos de produção do operário e, por isso, os da força de
trabalho. E assim já podemos regressar dos custos de produção da força de
trabalho ao valor da força de trabalho, e determinar a quantidade de trabalho
socialmente necessário que é requerido para a produção de uma força de trabalho
de determinada qualidade — como o fez Marx no capítulo da compra e venda da
força de trabalho (O Capital, tomo 1, capítulo 4, secção 3).
Mas que se passa depois do operário ter
vendido a sua força de trabalho ao capitalista, isto é, de a ter posto à sua
disposição, a troco de um salário previamente combinado, salário à jorna ou à
peça? O capitalista leva o operário para a sua oficina ou fábrica, onde já se
encontram todos os objectos necessários ao trabalho: matérias-primas, matérias
auxiliares (carvão, corantes, etc.), ferramentas, máquinas. Aí começa o labutar
do operário. Seja o seu salário diário de três marcos como no caso acima —
pouco importando que ele os ganhe à jorna ou à peça. Suponhamos novamente que o
operário, em doze horas acrescenta às matérias-primas utilizadas com o seu
trabalho um novo valor de seis marcos, novo valor que o capitalista realiza
vendendo a peça uma vez pronta. Deste novo valor paga três marcos ao operário,
mas guarda para si os outros três marcos. Ora, se o operário cria um valor de seis
marcos em doze horas, em seis horas [criará] um valor de três. Portanto, ele já
reembolsou o capitalista com o valor equivalente aos três marcos contidos no
salário depois de trabalhar seis horas para ele. Ao fim de seis horas de
trabalho ambos estão quites, não devem um centavo um ao outro.
— Alto lá! — grita agora o capitalista.
— Aluguei o operário por um dia inteiro, por doze horas. Seis horas são só meio
dia. Portanto, vamos lá continuar a trabalhar até fazer as outras seis horas —
só nessa altura é que ficaremos quites. E com efeito, o operário tem que se
submeter ao contrato aceite “de livre vontade”, segundo o qual se compromete a
trabalhar doze horas inteiras por um produto de trabalho que custa seis horas
de trabalho.
Com o trabalho à peça é exactamente a
mesma coisa. Suponhamos que o nosso operário cria doze peças de mercadoria em
doze horas, e que cada uma delas custa 2 marcos de carvão e de desgaste das
máquinas, sendo vendida depois a 2 marcos e meio. Mantendo-se a mesma suposição
que no caso anterior, o capitalista dará ao operário 25 pfennigs por peça, o
que perfaz, pelas doze peças, três marcos para ganhar os quais o operário
precisa de doze horas. O capitalista obtém 30 marcos pela venda das doze peças;
descontando 24 marcos pela matéria-prima e pelo desgaste, sobram seis marcos,
dos quais paga três de salário e guarda três. Exactamente como no caso
anterior. Também aqui o operário trabalha seis horas para si, isto é, para
repor o seu salário (meia hora em cada uma das doze horas) e seis horas para o
capitalista.
A dificuldade em que fracassavam os
melhores economistas, enquanto partiram do valor do “trabalho”, desaparece logo
que, em vez disso, partimos do valor da “força de trabalho”. A força de
trabalho é, na sociedade capitalista dos nossos dias, uma mercadoria como
qualquer outra, mas, certamente, uma mercadoria muito especial. Com efeito, ela
tem a propriedade especial de ser uma força criadora de valor, uma fonte de
valor e, principalmente com um tratamento adequado, uma fonte de mais valor do
que ela própria possui. No estado actual da produção, a força de trabalho
humana não produz só num dia um valor maior do que ela própria possui e custa;
com cada nova descoberta científica, com cada nova invenção técnica, este
excedente do seu produto diário sobe acima dos seus custos diários, reduz-se
portanto aquela parte do dia de trabalho em que o operário retira do seu
trabalho o equivalente ao seu salário diário e alonga-se portanto, por outro
lado, aquela parte do dia de trabalho em que ele tem de oferecer o seu trabalho
ao capitalista sem ser pago por isso.
Tal é a constituição económica da nossa
actual sociedade: é somente a classe trabalhadora que produz todos os valores.
Pois o valor é apenas uma outra expressão para trabalho, aquela expressão pela
qual se designa, na sociedade capitalista dos nossos dias, a quantidade de
trabalho socialmente necessário incorporada a uma determinada mercadoria. Estes
valores produzidos pelos operários não pertencem, porém, aos operários.
Pertencem aos proprietários das matérias-primas, das máquinas e ferramentas e
dos meios financeiros que permitem a estes proprietários comprar a força de
trabalho da classe operária. De toda a massa de produtos criados pela classe
operária, ela só recebe portanto uma parte. E, como acabamos de ver, a outra
parte, que a classe capitalista conserva para si e que divide, quando muito,
ainda com a classe dos proprietários fundiários, torna-se com cada nova
descoberta ou invenção maior ainda, enquanto a parte que reverte para a classe
operária (parte calculada por cabeça) ora aumenta, mas muito lentamente e de
maneira insignificante, ora não sobe e, em certas circunstâncias, pode mesmo
diminuir.
Mas essas invenções e descobertas que se
sucedem e substituem cada vez mais rapidamente, esse rendimento do trabalho
humano que aumenta diariamente em proporções nunca vistas, acabam por criar um
conflito no qual a actual economia capitalista tem de soçobrar. De um lado,
imensas riquezas e um excedente de produtos que os compradores não podem
absorver. Do outro, a grande massa proletarizada da sociedade, transformada em
operários assalariados e precisamente por esta razão incapacitada de se
apropriar desse excedente de produtos. A cisão da sociedade numa pequena classe
excessivamente rica e numa grande classe de operários assalariados não
proprietários faz com que essa sociedade se asfixie no próprio excedente,
enquanto a grande maioria dos seus membros dificilmente ou nunca está protegida
da mais extrema miséria. Este estado de coisas torna-se dia a dia mais absurdo
e mais desnecessário. Ele tem de ser eliminado, ele pode ser eliminado. É
possível uma nova ordem social em que desaparecerão as actuais diferenças entre
as classes e em que — após um período de transição, talvez curto e com certas
privações, mas, em todo o caso, moralmente muito útil — por uma utilização e um
crescimento planificados das imensas forças produtivas já existentes de todos
os membros da sociedade, com trabalho obrigatório para todos, os meios de vida,
do prazer de viver, de formação e exercício de todas as capacidades do corpo e
do espírito estarão igualmente à disposição de todos e numa abundância sempre
crescente. E que os operários estão cada vez mais decididos a conquistar esta
nova ordem social, testemunhá-lo-á dos dois lados do Oceano o 1.o de Maio que
amanhece e o Domingo, 3 de Maio.
Friedrich Engels
Londres, 30 de Abril de 1891.
Publicado em suplemento ao n.º 109 do
quotidiano Vorwärts, de 13 de Maio de 1891, e na edição em opúsculo de Lohnarbeit
und Kapital, de Karl Marx, Berlim, 1891.
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