Neste contexto o “Odeio o Ano Novo” é
uma diatribe contra essa festa, mas sobretudo, é uma manifestação do ódio ao
conformismo das ideias e da vida regulamentada pelo capitalismo e sua
ideologia, que nos leva a celebrar, porque sempre se celebrou, uma ocasião
especial.
Algo que nos impulsiona a mudar ou a preparar novos planos para alguma mudança
mas que logo seremos enfrentados por um pântano de imobilismo até uma nova
ocorrência. Contra esta inércia escreve o autor da coluna:
“Quero que cada manhã seja um ano novo para mim. A cada dia quero ajustar as
contas comigo mesmo e renovar-me.”
Odio il Capodanno, apesar de que a autoria não é comprovada como sendo de Gramsci, nos aproxima de seus conhecidos artigos “Ódio aos indiferentes” publicados no mesmo Avanti! um ano depois em 11 de fevereiro de 1917. A luta de Gramsci contra o imobilismo e o conformismo das ideias, próprias de sua personalidade curiosa, inconformista, anticlerical e sobretudo, comunista.
Odio il Capodanno
Toda manhã, ao acordar mais uma vez sob o manto do céu, sinto que para mim é o
primeiro dia do ano.
Por isso odeio estes anos novos a prazo fixo, que transformam a vida e o espírito humano em uma empresa comercial, com sua prestação de contas, seu balanço e suas previsões para a nova gestão. Eles fazem com que se perca o sentido de continuidade da vida e do espírito. Termina-se por acreditar a sério que entre um ano e outro exista uma solução de continuidade e comece uma nova história; fazem-se promessas e projetos, as pessoas se arrependem dos erros cometidos, etc. É um equívoco geral que afeta todas as datas.
Dizem que a cronologia é a ossatura da história. Pode-se admitir que sim. Mas também é preciso admitir que há quatro ou cinco datas fundamentais, que toda pessoa conserva gravadas no cérebro, datas que tiveram efeito devastador na história. Também elas são primeiros dias de ano. O Ano Novo da história romana, ou da Idade Média, ou da era moderna. Elas se tornaram tão presentes que nos surpreendemos a pensar algumas vezes que a vida na Itália começou em 752, e que 1490 ou 1492 são como montanhas que a humanidade ultrapassou de um só golpe para entrar em um novo mundo e em uma nova vida.
Com isso, a data converte-se em um fardo, um parapeito que impede que se veja que a história continua a se desenvolver de acordo com uma mesma linha fundamental, sem interrupções bruscas, como quando o filme se rompe no cinema e se abre um intervalo de luz ofuscante.
Por isso odeio o ano novo ano. Quero que cada manhã seja um ano novo para mim. A cada dia quero ajustar as contas comigo mesmo e renovar-me. Nenhum dia previamente estabelecido para o descanso. As pausas eu escolho sozinho, quando me sinto embriagado de vida intensa e desejo mergulhar na animalidade para extrair um novo vigor.
Nenhum disfarce espiritual. Cada hora da minha vida eu gostaria que fosse nova, ainda que vinculada às horas já passadas. Nenhum dia de júbilo coletivo obrigatório, a ser compartilhado com estranhos que não me interessam. Só porque festejaram os avós dos nossos avós, etc., teremos também nós de sentir a necessidade de festejar? Tudo isso dá náuseas.
Espero o socialismo também por esta razão. Porque mandará para o lixo todas estas datas que já não têm nenhuma ressonância em nosso espírito. E se o socialismo vier a criar novas datas, ao menos serão as nossas e não aquelas que temos de aceitar sem benefício de inventário dos nossos ignorantes antepassados.
Turim, 1º de janeiro de 1916.
* Tradução ao português tomando por base o texto em Espanhol Tomado do Livro “Bajo la Mole - Fragmentos de Civilización”, de Antonio Gramsci. Editorial Sequitur, Págs. 9-10.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Por favor nâo use mensagens ofensivas.