Sua Excelência, Sr. Presidente da
Assembleia da República, Dr. Ferro Rodrigues: os estivadores convidam-no,
respeitosamente, a ler esta Radiografia do País Portuário.
Discriminação ilegal pela via salarial
em função da opção sindical
Sendo o trabalho nos portos uma
actividade sujeita a grandes flutuações, essa mesma procura irregular de
mão-de-obra é satisfeita, nos seus picos de procura, com o recurso a trabalho
suplementar bem como o recurso excessivo a trabalho precário, o qual será
analisado no ponto seguinte. Resulta, assim, que os salários auferidos nos
portos incorporam uma parte significativa de rendimentos provenientes de
trabalho suplementar. Nos portos de Leixões e do Caniçal, as empresas
discriminam os trabalhadores em função da sua opção sindical tendo os salários
dos sócios do SEAL descido para cerca de metade daquilo que auferiam antes de
se terem sindicalizado no SEAL, tendo sido aumentados os salários daqueles que
se encontram filiados nos sindicatos locais, quer em termos de retribuição fixa
quer pela atribuição aos mesmos de todo o trabalho suplementar. Para impedirem
os nossos sócios de aceder a trabalho suplementar, as empresas do porto de
Leixões recrutaram nos últimos meses quase duas centenas de trabalhadores
precários, para substituírem os nossos sócios, os quais, mesmo tendo apenas
sido contratados em Março deste ano pela ETP local (GPL), têm já rendimentos
muitíssimo mais elevados do que os seus companheiros que estão filiados no
SEAL. Também no porto do Caniçal o acesso ao trabalho suplementar dos
estivadores profissionais, nossos sócios, é vedado por mecânicos, electricistas
e outros profissionais que trabalham nas oficinas de outras empresas dos mesmos
sócios/accionistas/gerentes das empresas de estiva que operam no porto para,
normalmente, após um turno de trabalho na profissão que exercem diariamente
virem render os estivadores profissionais sócios do SEAL, e apenas estes. Esta
discriminação grosseira, em função da opção sindical, foi denunciada há mais de
um ano através de um Manifesto público. Passado todo este tempo, nenhuma
entidade inspectiva actuou no sentido de alterar esta situação de contornos
absolutamente ilegais.
Precariedade extrema alastra pelos
portos portugueses
Existem estivadores precários que
trabalham continuamente no porto de Setúbal há mais de 23 anos, os quais
ultrapassam frequentemente 30 turnos por mês, mas, todos os dias, no final de
cada turno, estão despedidos. Segundo um estudo que realizámos, baseados em
dados oficialmente fornecidos pelas empresas, referentes ao período de 1 de
Janeiro de 2016 ao dia 30 de Junho de 2017, um conjunto de 93 trabalhadores
precários poderiam ter sido efectivos porque a sua ocupação teria sido regular
e permanente. Mesmo perante o reconhecimento expresso da situação pelas
empresas, o ACT de Setúbal não descobriu traços de qualquer irregularidade e
nada faz. Os trabalhadores precários de Setúbal representam 900% dos
trabalhadores efectivos. Nos portos de Leixões e do Caniçal representam
“apenas” 200%.
Violações do princípio constitucional de
que a trabalho igual deve corresponder salário igual
Como se não bastasse o facto de, nos
portos portugueses existirem progressões na tabela salarial que se arrastam por
décadas para estivadores profissionais que executam exactamente as mesmas
funções, nalguns portos esta absoluta discriminação chegou ao ponto de
existirem grelhas salariais duplas em que o topo de uma corresponde a metade ou
mesmo um terço da outra, para aplicação em função da geração real ou
profissional dos estivadores a que se aplica, sem qualquer base no âmbito
profissional e funcional dos mesmos. Esta discriminação grosseira e
inconstitucional passa perfeitamente despercebida aos olhos das autoridades
competentes.
Limites legais ao trabalho suplementar
são ignorados pelas autoridades inspectivas
Embora existindo para o trabalho
portuário um limite legal anual para o trabalho suplementar (250 horas)
superior ao regime geral, para a grande maioria dos trabalhadores na maior
parte dos portos portugueses esta greve deveria ser apenas “simbólica” uma vez
que muitos deles já ultrapassaram os limites legais das 250 horas anuais de
trabalho suplementar. Aliás, bastaria a lei ser cumprida nos portos portugueses
para que todos eles, a começar pelos portos modelos que, convenientemente,
nunca param, estivessem a sofrer efeitos semelhantes aos resultantes da greve
ao trabalho suplementar, legalmente convencionada como greve, embora todos os
trabalhadores portuários estejam diariamente a trabalhar um turno normal de
trabalho. Também em relação à grave violação deste limite legal, as autoridades
inspectivas não actuam, ainda que a tal solicitadas e notificadas com provas,
podendo referir-se como exemplo a Delegação do ACT da Figueira da Foz que
primeiro pediu elementos comprovativos das ilegalidades em matéria de trabalho
suplementar e depois de estes serem entregues nada fez, alegando falta de
meios.
Porto-modelo de Leixões fora-da-lei
No porto de Leixões, um simples parecer
do IMT – Instituto da Mobilidade e Transportes, foi suficiente para derrogar
normas imperativas do Código do Trabalho e considerar que no referido porto o
trabalho prestado em Sábados, Domingos e Feriados não é contabilizado como
trabalho suplementar (apesar da clara ilegalidade deste parecer, e de o mesmo
ser conhecido das principais entidades oficiais, governo incluído, a verdade é
que nenhum organismo oficial actuou em conformidade, existindo um único porto
em Portugal – “o porto modelo e de todos os records” – em que as regras
imperativas do Código do Trabalho e da malfadada Lei nº3/2013 de 14/01 foram
derrogadas por um simples parecer de um Instituto Público.
Bloqueio à Contratação Colectiva
Enquanto nos portos onde já detínhamos
representatividade a negociação colectiva se arrasta, num caso há mais de
quatro anos, nos “novos” – novos para o SEAL – portos do Caniçal (Madeira) e de
Leixões as empresas recusam-se a negociar a nossa proposta de Contrato Colectivo
de Trabalho, convidando-nos a assinar os Contratos acordados com os sindicatos
locais, repletos de condições indignas, principalmente para as mais recentes e
futuras gerações de estivadores. No “novo” porto de Praia da Vitória (Açores),
o desplante chegou ao ponto de as empresas nunca terem enviado qualquer
contraproposta à nossa proposta enviada em Fevereiro deste ano, nunca terem
aceite iniciar a discussão de tal Contrato e, em 30 de Julho deste ano, já
depois de iniciadas estas semanas de greves ao trabalho suplementar, termos
tomado conhecimento de que o sindicato local – com 3 estivadores no activo, e
sem sequer ter um número suficiente de sócios que sejam trabalhadores
dependentes para preencher todos os seus órgãos sociais – assinara um novo
Acordo Colectivo de Trabalho. Naturalmente, as empresas já nos convidaram a
assinar tão conveniente Contrato. Portanto, para além das “normais”
dificuldades da negociação colectiva, nos portos portugueses somos confrontados
com resultados negociais convenientes para as empresas que escolhem negociar
com pseudo-sindicatos de existência legal mais do que duvidosa, como é o caso
concreto referido, mas existem outros. No porto de Leixões, o Sindicato local
celebrou em 2012 um novo CCT, sendo que esse mesmo Sindicato há vários anos
que, extra quotizações sindicais, inscreve nas suas contas verbas recebidas da
ETP local (GPL), ou seja, há circulação de dinheiro entre Sindicato e ETP
outorgantes do CCT que quiseram impor a todos os trabalhadores portuários do
porto de Leixões e ninguém investiga. Porquê? Tudo ainda se torna mais
estranho, porquanto existiram processos judiciais relativos ao porto de Leixões
que comprovaram anteriormente o pagamento ilícito de avultadas verbas a
“sindicalistas” em Leixões, alguns dos quais, curiosamente, ainda hoje se
encontram à frente dos destinos da GPL e do Sindicato, que são dois pilares
essenciais do modo como funciona o “porto modelo”.
Violações reiteradas da lei em tempo de
greve
No decurso da greve em curso, alertámos
as entidades oficiais relativamente a trabalhadores contratados em diversos
portos após a sucessão de greves em curso estar declarada. Passado mês e meio
continuamos sem resposta por parte das autoridades inspectivas relativamente a
estas violações muito graves de lei. Como referido antes, são igualmente
ignoradas denúncias em virtude da ultrapassagem generalizada dos limites de
trabalho suplementar. As coacções e ameaças são constantes no porto da Figueira
da Foz e ninguém actua.
Despacho de Serviços mínimos numa greve
ao trabalho suplementar
Sendo à partida um absurdo e de uma
prepotência extrema a exigência de os estivadores realizarem trabalho
suplementar numa greve exactamente ao trabalho suplementar, tal até se podia
compreender se fosse determinado para responder à satisfação de necessidades
sociais impreteríveis no abastecimento às Regiões Autónomas. Mas, tal não é o
caso. Os estivadores estão obrigados a operar, semanalmente, na greve em curso
ao trabalho suplementar, mais navios para os Açores e para a Madeira do que
aqueles a que estavam obrigados na greve total que decorreu durante 38 dias no
ano de 2016. Acresce ainda que todos os navios em causa poderiam ser operados
em Lisboa de segunda a sexta-feira, entre as 08 e as 24 horas. Curiosamente, os
Despachos de serviços mínimos que nos obrigam a trabalhar aos sábados
destinam-se apenas a Lisboa. Resulta, das provas que temos, que a nossa
obrigação para trabalho aos sábados não tem nada a ver com a necessidade de
satisfação de necessidades sociais impreteríveis, mas sim com o facto de, com a
desculpa de satisfação de um interesse público se estarem a criar vantagens
para negócios privados, o que pode configurar, no mínimo, abuso de poder.
Aliás, na DGERT os operadores invocam a existência de um contrato com a Região
Autónoma da Madeira para sustentar o pedido de serviços mínimos, mas ainda não
o exibiram, apesar dos diversos pedidos feitos nesse sentido, o que legitima a
conclusão que ou tal contrato não existe, ou o mesmo tem exigências que vão
muito para além da satisfação das necessidades sociais impreteríveis, as quais
estarão a ser satisfeitas com a conivência do Governo da República, através da
publicação de despachos de serviços mínimos ilegais.
Lei do Trabalho Portuário veio potenciar
a realidade descrita
A iníqua Lei 3/2003 aprovada pelo
anterior governo veio potenciar grande parte das situações descritas
anteriormente pelo que, sem a sua revogação, ou alteração profunda, a paz
social nunca será alcançada na sua plenitude.
Esperando ter sido suficientemente
claros nesta “RADIOGRAFIA DO PAÍS PORTUÁRIO” solicitamos os seus melhores
ofícios no sentido de enviar esta comunicação para os diversos grupos
parlamentares com assento na Assembleia da República, esperando que essa Casa
da Democracia possa tomar conhecimento do ambiente portuário que se vive neste
País e constitua uma Comissão Parlamentar de Inquérito que possa investigar
toda a Verdade e actue no sentido de os portos portugueses voltarem a ser parte
integrante do estado de direito nacional.
https://oestivador.wordpress.com/2018/09/20/radiografia-do-pais-portuario/
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