A burguesia, para aumentar a sua fortuna
— que é uma acumulação de espólios cometidos à custa do trabalho salariado —
tem necessidade de poder dispor duma numerosa população de operários livres,
desorganizados, sem nenhuma proteção e suficientemente pobres para se verem
obrigados a vender por vil preço a sua força de trabalho. A burguesia dividiu
sistematicamente os trabalhadores da opressão feudal, destruiu as suas
organizações cooperativas e desfez algumas vantagens que lhe oferecia a
religião: — os dias feriados da igreja católica, que, com os 52 domingos
elevavam a 90 as festas do ano, durante as quais, no antigo regime, não era
permitido trabalhar, o que constituía um obstáculo para a exploração do
operário, e bem assim a distribuição de sopa e viveres que continuavam
praticando alguns conventos, e que traziam de certo modo, aos operários
necessitados, um complemento dos seus salários.
O protestantismo, para dar satisfação
aos burgueses industriais, que eram muito numerosos nas suas filas, condenou a
esmola em nome da religião e aboliu os santos do céu para achar motivo na
supressão dos dias feriados na terra.
A revolução de 1789 fez mais. A religião
reformada tinha conservado o domingo, mas os burgueses revolucionários, achando
que um dia de descanso em cada sete dias era demasiado, substituíram a semana
pela «década», e, afim de enterrar definitivamente a memória dos dias feriados,
substituíram no calendário republicano os santos por nomes de metais, de
plantas e de animais. A lei de 24 de Setembro declarou delito a esmola.
A economia política, esta outra
expressão intelectual dos interesses materiais da classe burguesa, secundou a
religião reformada em seus atentados contra as instituições de previsão da
classe operária: — os aprovisionamentos de trigo feitos pelas municipalidades,
a regulamentação do preço de viveres e a «Casa Annonaria» êste modelo das
instituições de previsão legado pelo paganismo ao papado, foram objeto de
críticas acerbas dos Fisiocratas, de Condorcet, do abade Galiani e de outros, que
se tinham convertido nos predicadores da liberdade do comércio dos trigos, que
Necker comparava à maior mesa de jogo que possa estabelecer-se, pois «com um só
milhão — dizia — se poderia fazer um povo faminto».
Sem embargo, a produção moderna, que
para desenvolver-se deve achar trabalho em abundância e a preço reduzido — para
o qual os revolucionários burgueses transformaram as condições de vida dos
operários e aboliram as corporações e as instituições de previsão do antigo
regime — tinha criado, desde o seu aparecimento, um excesso de população
operária à qual não podia garantir trabalho, seu único modo de vida.
O número de vagabundos e de mendigos,
uma das incuráveis chagas da civilização, passara a ser tão considerável, que,
a partir do século XVI, a França teve que adoptar penas terríveis contra eles:
— eram condenados ao látego, a ser marcados e a ser enforcados. Estas penas
foram modificadas durante o período revolucionário do século XVIII. A lei de
setembro, do segundo ano, anteriormente citada, obrigava o mendigo a residir na
sua terra natal, a qual devia organizar oficinas para ocupá-lo. Se se atrevia a
abandonar a sua população, era condenado à prisão e a trabalhos forçados, e, em
caso de reincidência, à deportação para a ilha de Madagáscar.
Durante o reinado de Luiz XV, abriram-se
depósitos para os mendigos, que eram verdadeiras prisões onde se maltratava os
vagabundos para fazê-los aborrecer a vida errante. O mesmo fenômeno de excesso
de população se produzira na Inglaterra, e, como apesar da bárbara repressão,
as hostes dos vagabundos e mendigos — lançados pela transformação das terras
aráveis em terras de pastagens aumentavam incessantemente — teve-se, neste país
da reforma protestante, de completar os castigos por caridade. Com efeito,
durante o reinado de Isabel, decretou-se as «Poor-laws» (leis dos pobres), que
impunham a cada paróquia o sustento dos seus. Estas leis estão, todavia, em
vigor e contribuem para este paradoxal resultado de caridade burguesa: — que o
sustento dos pobres corre a cargo dos mesmos pobres. Assim, por exemplo, as
paróquias ricas de Londres, de onde o elevado custo dos alugueis afugenta os
indigentes, não satisfazem o imposto, enquanto que, nos distritos operários,
onde se amontoam, se veem forçados a fazer grandes sacrifícios para atendê-los.
A burguesia criava os pobres para dar-lhes trabalho a preço reduzido, mas,
quando aqueles recebiam o número que podia ocupar com proveito seu,
recambiava-os para as cidades, restituíam-nos às povoações de origem e
condenava-os ao cárcere e aos castigos corporais. Fazia crime da miséria que
não lhe produzia riquezas.
A questão dos pobres adquiriu um
carácter agudo após os primeiros dias da Revolução de 1789. Bailly, que acabava
de ser eleito vereador de Paris, para aliviar as misérias dos trabalhadores que
a crise política deixava sem ocupação, reuniu-os em número de 18.000, nas
alturas de Montmartre. Os vencedores da Bastilha guardavam-nos com canhões, de
mechas acesas.
Esta conduta dos burgueses
revolucionários, empreendendo a luta pela «emancipação da humanidade», segundo
diziam, indicava à classe operária o tratamento que devia esperar da burguesia
vitoriosa.
Quando, porém, para resistir às
monarquias europeias coligadas, fora preciso fazer um chamamento ao valor das
massas populares, os burgueses revolucionários usavam outra vez da força para
impor-lhes respeito, prometendo, solenemente, distribuir aos soldados da
República mil milhões dos bens dos emigrados. Então, acariciaram os pobres com
as declarações demagógicas dos padres da igreja e dos bispos de Constantinopla
e de Alexandria. Oito meses depois de ser votada a lei de setembro, ano
segundo, a qual não se atreveram a aplicar, Barrere, em 22 de maio do mesmo
ano, leu em nome do Comitê de Saúde Pública — na convenção, — uma memória sobre
a extirpação da mendicidade..., a qual constituo uma acusação e uma denúncia
flagrante contra o governo... « O quadro da mendicidade, não tem sido, até
agora, sobre a terra, mais do que a história da conspiração dos proprietários
contra os proprietários». Enquanto os membros da Convenção, davam como ração
aos pobres a mera fraseologia filantrópica, iam-se apoderando dos bens do clero
e dos hospícios que pertenciam aos deserdados e distribuíam aos proprietários
os bens comuns, cuja supressão fez aumentar nos campos o número de
trabalhadores reduzidos à mendicidade.
Se a guerra não tivesse alistado e
lançado nas fronteiras milhares de operários e aldeões sem trabalho e sem meios
de vida, teria havido, possivelmente, um levantamento em toda a França, nas
cidades e nos campos.
A guerra era um meio mais eficaz de
desembaraçar-se dos pobres que amontoá-los em Montmartre, assestando sobre eles
os canhões dos vencedores da Bastilha, metamorfoseados, convertidos em cães de
fila da ordem burguesa que nascia.
A revolução imprimiu uma marcha
acelerada ao movimento industrial. A burguesia, aproveitando-se da liberdade
conquistada com a supressão dos jurados, das corporações e dos entraves de
todos os gêneros que o regime deposto oferecia ao comércio e à indústria,
estabelecia fábricas e desenvolvia as já existentes.
Não tardou, por isso, a lutar-se com
falta de carne de trabalho, o que se explica por a guerra ter ceifado um número
considerável de operários válidos e adultos. Havendo falta de homens, lançou-se
mão às crianças, cujo emprego industrial as corporações então extintas tinham
proibido. Antes da revolução, os meninos menores de 14 anos não podiam ser
explorados nas fábricas, e, acima desta idade, eram poucos em número. O emprego
de muitos menores de 14 anos na fábrica de papeis pintados de Réveillon,
excitara a cólera dos artistas do arrabalde de Saint Antoine, os quais a
incendiaram enquanto se procedia, em Paris, à eleição dos deputados para os
estados gerais de 1789.
A questão do trabalho, tal como a da miséria,
foi pleiteada desde os começos da revolução. Não bastando os filhos dos
operários e dos artistas para as necessidades do consumo industrial, lançou-se
mão dos órfãos e das crianças recolhidas pela caridade pública.
«.La Décade»— «o órgão filosófico,
literário e político» dos ideólogos e dos economistas, assinala como um triunfo
da filantropia o que Boyer-Tondedre, irmão do convencionalista, «proprietário
de uma importante fábrica de Toulouse, tenha sido autorizado para escolher 500
meninos dos hospícios e empregá-los nas suas oficinas.... Deste modo, associou
à sua fábrica os hospícios de Toulouse, Montpellier, Carcassone e dos povos que
a rodeavam». (20 de Março, ano sexto). A exploração industrial da criança e da
mulher, que desfez a família operária, é um dos triunfos da filantropia.
Nutrir barato os trabalhadores, para
reduzir os salários, era uma das preocupações filantrópicas dos fabricantes e
dos economistas do século XVÍII. O trigo era, segundo a sua opinião, um meio
excessivamente caro para nutrir os operários:— acolheram, por isso, com júbilo,
a batata, de Parmentier. J. B. Say, fê-la melhor: — encontrou a banana [1].
«La Décade», de 10 de Abril do ano
oitavo aconselhava, para nutrir o povo economicamente, substituir «o pão de
trigopor um pão que se fabricaria com farinhas de cevada, aveia, milho, favas,
batatas e de castanhas».
Quando os franceses estudaram a
revolução com sangue-frio e sem prejuízos de classe, aperceberam-se de que as
ideias que lhe imprimiram o carácter de grandeza eram provenientes da Suissa,
onde a burguesia já se tinha apoderado do poder. Foi de Genebra que Candolle.
importou as «cozinhas económicas», que tanto furor fizeram em Paris
revolucionário, porque proporcionaram aos pequenos artistas um alimento são e
agradável...» «Os diretores de fábricas — escreve «La Décade» —deveriam
estabelecer em suas oficinas uma caldeira para cozinhar, com evidente vantagem
duns e doutros... Não é só o homem sensível que participa das vantagens desta
instituição; a política vê que, assegurando ao pobre uma nutrição pouco
dispendiosa, tem segura a tranquilidade do Estado».
O conde de Runford, que se apelidou o
ministro da humanidade, achava-se à frente dum comité que estabelecia cozinhas
económicas nos arredores de Saint Antoine e noutros bairros de Paris. O seco e
enrugado Volney não podia deixar de enternecer-se a contemplar «esta reunião de
homens de honrosa posição cuidando duma panela de sopa» («Décade», 10 de nivox
(Dezembro) ano décimo).
Eis aqui o que destruía as promessas e a
fraseologia demagógica da convenção. A filantropia, cujo nome não apareceu em
língua francesa até meados do século XVIII, fazia a sua entrada triunfal na
França revolucionária para substituir a caridade -cristã.
***
A revolução preparava o terreno social
para o advento da produção mecânica, que encontrava abundantemente e a baixo
preço os trabalhadores que necessitava para desenvolver-se e enriquecer a
classe capitalista.
O proletariado, a classe produtora, é de
criação moderna. Esta classe distingue-se das classes oprimidas e exploradas
dos tempos passados. O proletário é um cidadão que disfruta, pelo menos em
teoria, de direitos políticos, mas não possui propriedade nem garantia social
de espécie alguma: — vive durante o dia do seu salário, que é o preço em troca
do seu trabalho.
Se o capitalista deixa de ter
necessidade desta força de trabalho, deita-a para a rua, sem que se importe com
a sorte do operário ou da sua família.
Se, no começo da indústria capitalista,
esta carecia de braços, como a agricultura dos nossos, dias, a
máquina-ferramenta fez desaparecer este inconveniente tornando possível o
emprego industrial da mulher e da criança e originando um excesso de população
que Engels designa com o nome de exército de reserva do trabalho. O capitalista
já não receia as exigências operárias; faz a lei para os proletários, fixa
despoticamente os salários e as horas de trabalho, afixa os regulamentos da
fábrica e impõe as multas e os despedimentos. O pauperismo da sociedade
capitalista torna-se igualmente distinto do pauperismo das sociedades
anteriores.
As classes deserdadas das cidades
antigas dividiam-se em três categorias: — os escravos, os artistas e
trabalhadores manuais e os pobres; a maioria destes últimos não conhecia ofício
algum, nem queria exercer outro que não fosse o das armas. O Estado e os ricos
cuidavam deles. Primeiro, por um sentimento de fraternidade e depois pelo medo
dos seus tumultos. Todavia não os exploravam industrialmente.
Depois do século IV, antes de Jesus
Cristo, estes pobres, muito numerosos na Grécia, encontram-se guerreando em
todos os exércitos na qualidade de mercenários; vendiam até os seus serviços
aos bárbaros (persas, cartagineses, etc), para combater os gregos. Após a
conquista da Ásia por Alexandre, e da Grécia pelos romanos, espalharam-se por
todo o mundo, exercendo as funções de soldados rheteurs, filósofos, médicos,
administradores e parasitas.
Os pobres da sociedade capitalista,
fisiologicamente empobrecidos por um trabalho monótono, anti-higiênico e
prolongado até ao esgotamento das suas forças, por uma alimentação insuficiente
e má e pelo alcoolismo, tuberculose, raquitismo, etc, não possuem o vigor
físico, a cultura intelectual e o ardor combativo dos pobres da sociedade
antiga; bastam, por isso, as forças da polícia, relativamente fracas, para
contê-los. A docilidade e a mansidão que se observam no proletariado, são
contemporâneas: — datam apenas de meio século, aproximadamente.
As penúrias frequentes da segunda metade
do século XVIII, motivadas pelo rápido crescimento das populações urbanas, pela
falta de caminhos e pela imperfeição dos meios de transporte, provocaram
tumultos que prepararam o povo dos campos para a revolução.
Um déficit sensível na colheita de
cereais era, ainda na primeira metade do século XIX, susceptível de produzir
agitações populares. A má colheita de 1847 foi uma das causas ocasionais da
revolução de 1848. Os pobres inspiravam então terror às classes governantes. A
sua nutrição era uma das preocupações dos homens de Estado. Os governos mais
reacionários não vacilavam, quando a colheita fora má, em suspender as tarifas
alfandegárias e em estimular as importações estrangeiras para deter a alta do
preço do pão. O medo aos pobres está hoje desvanecido, e os ministros e os
deputados votam tranquilamente os direitos protetores para fazer o pão caro...
Os chefes da indústria, que no segundo império reclamavam, não obstante a
entrada franca de cereais e de gado, a fim de que os operários pudessem
alimentar-se a preços reduzidos, têm tamanha confiança em poder manter os
salários na sua expressão mais ínfima — qualquer que seja o preço dos víveres —
que já não se interessam pela alimentação operária, fazendo até causa comum com
os agrários, interessados em impor direitos elevados à entrada da carne e dos
cereais.
As classes ricas, sentem-se de tal forma
protegidas contra qualquer revolta dos pobres — pelo costume e pela resignação
destes à sua sorte miserável — que nem sequer se preocupam.
Estas classes temem só as reivindicações
individuais e anarquistas, ou sejam os roubos e os assassinatos. Todavia, negam-se
a investigar acerca das causas dos delitos e dos crimes, cujo número aumenta à
medida que a civilização progride, ante o receio de ter que reconhecer que a
ordem social de que eles beneficiam, é a única responsável da sua origem. Os
legisladores que votam as leis e os magistrados que as aplicam, estão muito
longe de considerar o livre alvedrio, o espiritualismo e o cristianismo como um
dogma intangível da justiça e conceituam que o criminoso é o único responsável
das faltas cometidas.
Lombroso e a sua escola de farsantes,
pretendendo descobrir na organização física do criminoso a causa dos seus
delitos, não fizeram outra coisa senão pôr a descoberto uma aparência de falsa
ciência anatómica para os confirmar em sua opinião. Sem embargo, há três quartos
de século, Quetelet chamou a atenção sobre as relações que existem entre o
número de delitos e de crimes cometidos e o preço do trigo. Quando Quetelet
realizava as suas estatísticas comparadas, o preço do pão estava sujeito a
grandes variações, que podiam constituir um principal factor do brusco
crescimento da criminalidade. Há meio século, porém, particularmente depois da
enorme produção de cereais dos Estados-Unidos, que data de 1880, o preço do pão
oscila debilmente em volta de um preço médio, o que não impede que a
criminalidade aumente sem cessar e que durante determinados anos este aumento
adquira ainda maiores proporções. Admitindo ainda que o preço do pão constitua
uma causa constante da criminalidade, precisa, todavia, do aceleramento
momentâneo de alguma coisa mais do que o preço do pão.
Utilizando as estatísticas publicadas de
1826 a 1880 pelo Ministério da Justiça, analisei a ação que podiam ter sobre a
criminalidade os conflitos do comércio e da indústria, que se traduzem por
quebras e que precedem e acompanham as reduções de salários e «chômage»;
descobri que o número de delitos e de crimes aumentava bruscamente quando o das
quebras aumentava, para diminuir quando os negócios se reanimavam. Os
assassinatos não pareciam sofrer a influência das quebras; os atentados ao
pudor eram, em razão inversa, mais numerosos durante os anos de prosperidade,
quando as quebras diminuíam. Durante a época de quebras persistentes e de
intensa crise de trabalho, os pobres, privados deste e por conseguinte dos meios
de subsistência, não tinham outros meios senão os de procurar recursos no
roubo, «este direito outorgado pela natureza», disse Carlos Fourier.
A classe capitalista, que se
desinteressa das causas da criminalidade que a civilização provoca,
interessa-se, todavia, na repressão dos delitos e dos crimes, afim de proteger
os seus membros contra as reivindicações individuais e anarquistas dos pobres.
Os homens políticos, os moralistas e os filantropos têm-se dedicado a
aperfeiçoar o regime penitenciário, e de tal forma o têm conseguido, que o seu
desenvolvimento pode ser tomado como medida de civilização dum povo. Há um
século, têm-se multiplicado os cárceres, os presídios e as colônias
penitenciárias, importando-se dos Estados Unidos a espantosa prisão celular. A
exploração burguesa não perde os seus direitos sobre os presos, os quais
constituem uma fonte de receita para os que fazem trabalhar e um meio de
reduzir os salários do trabalho livre.
Não conseguindo a repressão brutal
reduzir o número crescente dos criminosos que a sociedade capitalista forja,
viu-se obrigada a imitar a Inglaterra de Isabel e estabelecer instituições de
caridade, assistência pública, fatia de pão, hospitais que proporcionam aos
estudantes e aos doutores meios de prática e de estudo, asilos que durante a
noite limparam a rua de vagabundos perigosos para os passeantes, etc.... O medo
é a mãe da caridade pública. Os burgueses puseram em moda a caridade, quer
praticando a filantropia a 6% com os alugueis operários, quer abrindo
subscrições públicas em que tomam parte ou como mero passatempo. Para as
senhoras do capitalismo, a caridade é um pretexto para intrigar em comissões
organizadoras de festas deste gênero, para bailar, flertar, comer pasteis e
beber «champagne» nos bazares de caridade. Os pobres servem para tudo: — os
senhores capitalistas tiram deles proveito, e prazeres as senhoras. Os pobres
são, para eles, uma bênção do bom Deus. Só por Jesus ter dito: «haverá sempre
pobres entre vós», creriam na sua divindade.
A classe capitalista que,
sistematicamente, empobrece e desorganiza a classe trabalhadora, julga-se
segura contra toda a reivindicação coletiva, pela sua falta de coesão, pela sua
miséria econômica e fisiológica e pelos sabres e baionetas dos polícias e dos
soldados. Porém, o admirável valor, a inquebrantável resistência e a formosa
disciplina, da qual os trabalhadores têm dado prova em algumas grandes greves,
que duram semanas e meses, são demonstrações inegáveis da energia indomável que
vive latente nas massas do proletariado e que um acontecimento político ou uma
crise econômica geral pode despertar e desencadear.
A classe capitalista verá então quanto
pesam na balança duma revolução social a polícia e o exército que protegem a
sua dominação econômica e política. O proletariado sublevado varrerá toda a
resistência, nacionalizará os meios de produção e estabelecerá a comunidade de
bens. Então, como na época do comunismo primitivo, a humanidade não conhecerá a
degradante caridade. Não haverá ricos para distribui-la, nem pobres para
recebe-la.
1906
Escrito por Paul Lafargue, em
"Porquê crê em Deus a burguesia".
Nota
[1] J. B. Say expõe com, grande
satisfação, na sua «Economia Política» (Livro I e XVII) a superioridade da
banana. Um mesmo terreno produz 106.000 quilogramas de bananas, 2.400
quilogramas de batatas e 800 de trigo. Uma média de um hectare semeado de
bananas, do México, pode nutrir mais de 60 indivíduos, enquanto que o mesmo
terreno, semeado de trigo, na Europa, nutre apenas duas pessoas. A batata
cultivada na Itália e na Inglaterra, a partir do século XVII, não entrou no
consumo popular até à primeira metade do século XIX.
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