Apesar das suas posições politicas e ideológicas, particularmente nas duas ultimas décadas da sua vida entrar em contradição e rota de colisão com os princípios revolucionários que sempre o tinham orientado, nomeadamente na defesa da Revolução Bolchevique, da edificação socialista da URSS e do campo socialista, da obra revolucionária de Staline, tal documento não deixa de ter uma enorme importância para a análise e reconstrução do movimento comunista em bases revolucionárias em Portugal. Daí que aconselhemos o seu estudo e aprofundamento, para um possível debate e actualização.
Pequena História do PCP e do Movimento
Operário
Francisco Martins Rodrigues
Final dos anos 1960
Com o desenvolvimento do modo de
produção capitalista em Portugal, surgiu e desenvolveu-se o proletariado,
classe produtora que está reduzida a vender a sua força de trabalho como uma
mercadoria. O proletariado é arrastado pela sua natureza de classe a tornar-se
força motriz da revolução socialista, derrubando a burguesia e exercendo a
ditadura sobre ela, por meio do seu instrumento político, o partido comunista.
Os comunistas não podem pretender
conduzir o proletariado à revolução e à conquista do poder se não conhecerem a
sua história e a experiência por ele acumulada, assim como as etapas que o
Partido atravessou na sua construção gradual como guia da revolução.
A história do movimento operário
português pode dividir-se em seis períodos:
I Formação do proletariado (1860-1910)
II A experiência anarquista (1910-1926)
III A resistência antifascista
(1926-1940)
IV O movimento da guerra e o seu
declínio (1940-1955)
V A nova estrutura do proletariado e a
degeneração revisionista do Partido (1955-1966)
VI O ressurgimento da corrente comunista
VII Algumas lições do nosso movimento
operário.
I – Formação do proletariado (1860-1910)
1. Cerca de 1860, começa a desenhar-se,
ao lado do artesanato tradicional, uma produção capitalista moderna. A partir
de 1880, acentua-se o crescimento da burguesia industrial e surge uma classe
operária nos sectores dos têxteis, conservas, vidros, tabacos, transportes. Até
ao fim do século, não deixa de crescer o proletariado fabril, que contudo não
passava a casa das dezenas de milhar e se resumia a duas zonas industriais, de
Lisboa e Porto, isoladas num país camponês atrasado e dependente do
imperialismo estrangeiro. O proletariado português era muito mais fraco que o
dos países capitalistas avançados.
2. A grande massa do proletariado,
arrebanhada nos campos, vivia numa miséria e numa ignorância enormes, não tinha
consciência dos seus interesses de classe nem sabia defender-se da exploração.
Os patrões, como não encontravam uma resistência organizada exploravam sem
limites: jornadas de 12 a 14 horas, trabalho infantil, disciplina severa e
castigos constantes, nenhumas medidas de segurança ou higiene. Nas “ilhas” e
“pátios” operários grassava a tuberculose.
3. De forma espaçada e irregular, o
proletariado começa a resistir à exploração capitalista. Como os sindicatos não
eram autorizados, formam-se as associações de socorros mútuos, onde os
operários iniciam a sua aprendizagem de organização; em Lisboa, destaca-se a
Sociedade Promotora do Melhoramento das Classes Laboriosas. Estas sociedades
tinham um carácter não político, e eram muitas vezes controladas por elementos
burgueses (o general Sousa Brandão foi um desses “protectores” dos operários)
mas nelas o proletariado começou a tomar consciência dos seus direitos, e as
associações vão progressivamente evoluindo para um carácter sindical, apesar
dos ataques do patronato.
4. Já desde 1860 se registavam greves em
Lisboa, apesar de proibidas. Nos anos de 1871-72 dão-se greves de certa
importância (a “Pavorosa”) e há choques com a polícia. O motivo das greves era
em geral a luta por maiores salários e contra os castigos. Começam a
distinguir-se no proletariado de Lisboa os tipógrafos, os metalúrgicos, os
portuários e os tabaqueiros pela sua combatividade. No Porto, o ambiente era de
muito maior atraso e desorganização e raramente se davam greves.
Até ao fim do século o movimento
grevista tende a crescer lentamente. Ao entrar no século XX, as greves eram
mais amplas e estendiam-se por vezes a ramos inteiros da indústria, mas
dificilmente triunfavam: os operários não dispunham ainda de meios adequados de
organização; além disso, os patrões respondiam à greve com o lockout (encerramento
das fabricas) e a polícia intervinha com violência contra os grevistas.
Uma das maiores greves deste período é a
dos operários de conservas de Setúbal e Algarve, em 1902-03 (?), contra a
mecanização da indústria, que provocava despedimentos em massa; há
manifestações e choques com a tropa, provocando mortos.
5. A acção de defesa económica faz
surgir uma vanguarda do proletariado que compreende que a solução dos problemas
da classe está na luta politica. Em 1871, sob efeito da agitação causada pela
Comuna de Paris, o movimento operário dá um passo em frente: funda-se a
associação Fraternidade Operária, que começa a publicar o jornal Pensamento
Social e que estabelece contacto com a AlT (Associação Internacional dos
Trabalhadores). A Fraternidade Operária, que se manteve poucos anos, ora
animada por elementos não-proletários como José Fontana (empregado) e os
intelectuais Antero de Quental, Oliveira Martins, etc.; isto mostra, apesar dos
progressos do movimento, a falta de independência política do proletariado.
6. As ideias políticas que então
dominavam os operários avançados de Lisboa (no Porto o movimento operário quase
não existia) eram as ideias de Proudhon e Bakunine, que então inspiravam a AlT.
O marxismo era então desconhecido em Portugal, apesar de já ter passado meio
século sobre a publicação do Manifesto Comunista.
O proletariado português, muito recente,
meio camponês, e em grande parte artesanal, não tinha ainda uma experiência que
lhe permitisse assimilar a teoria marxista da revolução; tal como aconteceu na
segunda metade do século XIX com a classe operária da Rússia, Itália, Espanha e
Sul da França, os operários portugueses não estavam ainda ideologicamente
amadurecidos para o marxismo e eram ideologicamente influenciados pelo
anarquismo.
7. Depois de 1870 começa a debater-se a
necessidade de um partido operário, mas a massa dos activistas, dominada pelo
anarquismo, via com desconfiança qualquer intervenção organizada na política e
centrava os seus esforços na propaganda, nas greves e na acção directa,
originando leis repressivas do governo burguês contra as actividades
“subversivas e anarquistas” (1896).
O Partido Socialista, criado em 1875
lançou-se a dirigir o movimento cooperativo e através dele ganhou bases entre o
proletariado; pelo fim do século havia noventa cooperativas e realizou-se um
congresso das cooperativas sob a direcção de Azedo Gneco. Mas o Partido
Socialista caracterizou-se logo como um partido burguês para operários, um
partido de reformas, que em breve se aproximou da monarquia e se tornou uma
força reaccionária.
8. À medida que aumenta a propaganda
republicana, surge uma forte corrente do proletariado avançado que, embora
apoiando o sindicalismo e o cooperativismo, em política serve a causa
republicana e espera da burguesia republicana a satisfação das suas
reivindicações. A formação de um partido operário revolucionário é assim posta
de lado e os operários aceitam a tutela burguesa, aderindo ao partido
republicano.
Depois do Ultimato e da revolta
fracassada de 1891, os operários mais politizados enfileiram no movimento burguês
radical, ao longo de 20 anos de luta pela República (1890-1910). O movimento
operário legal (associações culturais e recreativas como a Voz do Operário) é
aproveitado para a propaganda da República. Muitos operários entram nas
associações secretas (como a Carbonária) e participam em atentados e assaltos.
Desde 1906, o partido republicano
lança-se a conquistar uma larga base operária, dando à sua propaganda acentos
socialistas e federalistas (jornal O Mundo) que, embora vagos atraem muitos
operários avançados. Aquando da ditadura de João Franco (1908), os
trabalhadores participam em violentas manifestações de que resultam mortos.
Finalmente, no 5 de Outubro, os operários de Lisboa tomam as armas ao lado dos
marinheiros e soldados implantando a República. Um dos episódios bem conhecidos
é o dos trabalhadores armados guardando o banco durante a revolução, a fim de
garantirem a nova ordem estabelecida pela burguesia.
9. Características deste período – O
proletariado nasce e cresce muito lentamente. No começo do século XX as
famílias operárias representam uns 8 a 10 por cento da população. Grande parte
do proletariado é de tipo artesanal, são raras as grandes fábricas. Uma camada
apreciável do proletariado de Lisboa começa a entrar na luta económica e a recorrer
à greve com certa frequência e êxito crescente. Contudo, a sua consciência
política está ainda em embrião e o proletariado é um apêndice da burguesia
radical, cuja direcção política aceita inteiramente. O proletariado não atingiu
ainda a maioridade como classe.
II – A experiência anarquista
(1910-1926)
1. A República é a segunda etapa da
revolução burguesa em Portugal. A nova burguesia comercial, industrial e
colonialista que crescia desde 1880, entra em choque com a burguesia
intermediária (importadores-exportadores, agentes do imperialismo inglês) e com
a nobreza latifundiária que entravavam a marcha do capitalismo.
Depois de tomar o poder do Estado, a
burguesia amolda as instituições à medida dos seus interesses. O regime de
democracia burguesa que triunfa em 1910 é o mais adequado aos interesses do
capitalismo numa fase de crescimento e de livre concorrência.
2. O proletariado tem uma grande
evolução no período da democracia burguesa e perde as ilusões que tinha posto
nos dirigentes republicanos. As promessas demagógicas de melhor nível de vida
para os trabalhadores (o “bacalhau a pataco”) não são cumpridas e o patronato
não afrouxa a exploração. Quanto à “igualdade social” prometida pelos chefes
republicanos manifesta-se só em beneficio da burguesia, que elimina os
privilégios da nobreza e da igreja e domina duramente a classe operária; apenas
dois meses depois do 5 de Outubro já o governo republicano reprime uma greve em
Lisboa por meio da polícia.
3. A grande conquista conseguida pelo
movimento operário sob a República é o direito de criar os seus sindicatos. A
partir de 1910, os diversos sectores operários começam a criar os seus
sindicatos, num movimento que se estende a todo o país e em breve envolve dezenas
de milhares de trabalhadores. A classe operária crescia, embora lentamente,
desenvolviam-se as indústrias da cortiça, da alimentação, exploração mineira,
transportes; no Sul começa a formar-se um numeroso proletariado rural.
Com a fundação da UON (União Operária
Nacional), em 1913, o movimento sindical activa-se. Realizam-se assembleias e
congressos dos vários ramos da indústria e congressos sindicais (Torres Novas,
Coimbra, Covilhã, etc.) onde é discutida a situação da classe operária e a
táctica da luta económica. Os operários agrícolas criam os seus sindicatos
rurais. O proletariado ganha novos hábitos de organização e uma consciência dos
seus interesses económicos à escala nacional e não já apenas à escala local e
profissional.
4. A burguesia republicana, que durante
a propaganda contra a monarquia prometera o direito à greve, tentou depois
negar essa conquista aos operários: o Congresso da República, reunido pela
primeira vez em 1911, recusa-se por grande maioria a inscrever na Constituição
o direito à greve (o Congresso tinha dois deputados operários num total de 220
representantes); em 1912 é publicada uma lei reconhecendo o direito à greve,
mas pondo-lhe grandes restrições (proibia a greve ao pessoal do Estado, e a
quaisquer outros trabalhadores, “no caso de afectar a economia nacional”).
Mas, apesar desta resistência, o
movimento operário em ofensiva obrigou a reconhecer o seu direito à greve. O
movimento grevista atravessa uma fase brilhante e torna-se a principal forma de
luta do proletariado contra a exploração, contribuindo para o unir e para o
educar. As greves tornam-se regulares e chamam à luta grandes massas
trabalhadoras que até aí tinham estado adormecidas, sobretudo no Norte.
Destacam-se pela sua combatividade os corticeiros, marítimos, vidreiros,
trabalhadores rurais. Apoiadas na organização sindical as greves começam a
registar uma percentagem apreciável de vitórias.
5. A greve geral de 1912 teve grande
importância na união do proletariado. A greve iniciou-se entre os operários agrícolas
da região de Évora que reclamavam maiores jornas. Reprimida pelas autoridades
locais ao serviço dos agrários, a greve alastrou a Évora (construção civil e
empregados). A autoridade encerrou o sindicato de Évora e então a Central
Sindical em Lisboa proclamou a greve geral de solidariedade; a greve paralisou
durante semanas Lisboa e a outra Banda. A polícia reagiu assaltando a Casa
Sindical onde estavam reunidos centenas de grevistas e levando os presos para
bordo de navios de guerra. Na Moita os operários atacados pela policia mataram
o administrador do concelho. Em Almada onde a tropa proclamou o estado de
sítio, os grevistas incendeiam as fábricas e assaltam quintas para obter
comida. Por fim, o Governo recua, solta os operários presos e faz concessões.
Esta greve vitoriosa (juntamente com
outra que no mesmo ano levou os vidreiros da Marinha Grande a defrontar a
policia) teve grande influencia no crescimento do movimento grevista e sindical
nos anos seguintes As massas viam como a burguesia mudava rapidamente a arma de
ombro, atirando as novas forças de “defesa” da Republica (GNR, Exército) contra
os trabalhadores, e as alianças que se estabeleciam na província entre os
caciques republicanos e os caciques monárquicos para atacarem o movimento popular.
6. A partir de 1916, com a entrada de
Portugal na guerra mundial imperialista, para servir os interesses
colonialistas da burguesia nacional e do imperialismo inglês seu “protector”, a
luta de classes do proletariado torna-se mais aguda e mais politizada Os
operários sindicalistas desenvolvem uma campanha de agitação contra a guerra,
com comícios à porta dos quartéis, mostrando que os argumentos do governo
acerca da “defesa da civilização” mascaravam os apetites da burguesia para a
partilha da África.
Em 1917, o movimento operário é
reforçado com a criação da CGT (Confederação Geral do Trabalho) que substitui a
UON. A CGT era urna verdadeira central dos sindicatos, que veio tornar possível
a coordenação destes. O jornal da CGT, A Batalha, une e consciencializa dezenas
de milhares de operários sob as ideias anarco-sindicalistas.
7. Entretanto, crescia a agitação
política. Em Dezembro de 1917, é instaurada a ditadura de Sidónio Pais,
contando com a neutralidade dos sindicatos, que estavam fartos da política
reaccionária do Partido Democrático e se deixaram iludir com o mito do governo
“apolítico” dos militares e as suas promessas de abandonar a guerra
imperialista e de estabilizar a situação económica, Quando Sidónio se define
como um ditador fascista e começa a fazer prisões em massa entre os operários,
a CGT organiza uma campanha e decreta a greve geral sob a palavra de ordem
“Fora o Sidónio”. A greve é desbaratada pela polícia mas um mês depois o
ditador é morto a tiro num atentado (Dezembro de 1918). Em 1919 os
trabalhadores pegam em armas para esmagar a revolta monárquica (escalada de
Monsanto), vencendo a indecisão das autoridades.
Espalhava-se a agitação e o entusiasmo
causados pela grande revolução russa, que mostrava na prática a possibilidade
de derrubar a burguesia e estabelecer um governo dos trabalhadores, Os
sindicatos aprovam decisões recusando-se a carregar material contra a Rússia
bolchevista.
Todos estes acontecimentos elevam a
consciência do proletariado e chamam-no a intervir na luta política. Devido a
isso, activa-se a luta de tendências no movimento operário.
8. As ideias que inspiravam os
sindicatos, a CGT e todos os operários avançados, eram as ideias anarquistas. O
socialismo reformista desacreditara- se já antes de 1910 com uma linha de
colaboração com a burguesia. O marxismo continuou a ser ignorado até muito
tarde.
A corrente anarco-sindicalista, que
orientava a CGT, era própria dum proletariado jovem e inexperiente na luta de
classes. Esta corrente acreditava no derrubamento da burguesia por meio da
greve geral e de acções terroristas desorganizadas, e punha portanto a sua
esperança no movimento sindical e grevista. Como desconhecia a necessidade de
uma ditadura do proletariado prolongada para a construção do socialismo, não
compreendia a necessidade duma direcção política proletária centralizada, dum
estado-maior proletário (o Partido Comunista), resistia à disciplina de classe,
não enquadrava as acções tácticas num plano estratégico para a conquista do
poder.
Apesar da vitalidade da CGT, que chegou
a agrupar mais de 100 mil trabalhadores perto de 1922, o movimento era
enfraquecido pela falta de uma plataforma política clara, os dirigentes
sindicais cediam à demagogia e punham os interesses económicos de cada sector
profissional à frente dos interesses gerais da classe; desgastavam-se energias
sem um plano de batalha preciso e os trabalhadores iam-se cansando.
9. Em 1921, é fundado em Lisboa o
Partido Comunista. A revolução russa popularizara o nome de Lenine, mas
continuava-se a conhecer muito pouco do marxismo: circulava o Manifesto
Comunista e algumas edições resumidas do Capital e pouco mais. Em 1920
criara-se a Federação Maximalista, que teve curta duração.
Nos anos de 1921-26 o novo partido luta
para definir a sua linha e criar uma estrutura orgânica. O Partido tinha uma
base operária restrita, em certos sectores de Lisboa, de Almada e do Alentejo;
reunia também intelectuais e empregados; a sua base proletária era muito
reduzida em face da CGT. Em 1924 e 1926, o Partido realiza dois congressos que,
contudo, não conseguem definir uma linha política geral e onde se dão confusas
lutas de prestígio entre diversos militantes. Publica-se com irregularidade o
órgão do partido, o Proletário.
Com a ajuda da Internacional, o Partido
forma alguns quadros que iam estudar à União Soviética. Define também alguns
princípios de táctica comunista: em 1926 o 2.º Congresso lança um apelo para a
unidade operária em face das ameaças fascistas (este apelo é rejeitado pelos anarquistas,
que tinham tomado atitude violentamente sectária, contra os comunistas, a quem
acusavam de dividir o movimento operário); defende a necessidade de aproveitar
o parlamento burguês para fazer ouvir aí a voz da classe operária; opõe-se ao
terrorismo anarquista, mas a sua contribuição principal para o movimento
operário é fazer compreender a necessidade da direcção política do Partido e
duma rigorosa disciplina de classe frente ao inimigo.
Nesta primeira fase da vida do partido
faz-se sentir bastante a falta de quadros comunistas capazes; travam-se lutas
pessoais e não há uma acção política diária e séria; o partido desacredita-se
em discussões de cafés. Carlos Rates (militante sindicalista bastante
conhecido, que aderira ao Partido) é eleito secretário-geral, com o apoio dum
delegado da Internacional, mas pouco tempo depois troca o partido por um bom
emprego. O partido atravessa uma séria crise a partir de 1926.
10. Depois de 1919, a luta de classes
continua a agudizar-se. O proletariado consegue em 1919 uma vitória com a lei
das 8 horas de trabalho, mas a carestia e a especulação agravam as suas
condições de vida. O movimento sindical continua a alargar-se. Ao lado dos
sindicatos da CGT surgem os sindicatos controlados pelos comunistas e filiados na
ISV (Internacional Sindical Vermelha). O movimento das massas empolga muitos
milhares de trabalhadores, o movimento grevista vai também em aumento: greve
dos mineiros de Aljustrel durante 8 meses; greve dos ferroviários, que paralisa
a rede nacional; greve dos marítimos, etc.. Dão-se no Alentejo, em Lisboa e no
Algarve, grandes comícios e marchas de fome, com bandeiras pretas; o movimento
estende-se ao Porto, com o grande comício de 20 mil trabalhadores no Monte
Aventino. Com bastante frequência, trabalhadores armados assaltam
estabelecimentos para arranjar comida. Em 1923, trabalhadores rurais da região
de Odemira ocupam terras dos latifundiários; o governo reprime severamente o
movimento e vários camponeses são deportados para África.
11. A burguesia começa a organizar-se
melhor para lutar contra o movimento operário. Os patrões combinam-se para não
ceder às greves e aplicam o Iockout; em Lisboa forma-se uma associação
“amarela” paga pelos industriais, para furar greves, aterrorizar os operários e
provocar distúrbios (o chefe desta associação é apunhalado por um operário).
Latifundiários e grandes comerciantes criam em 1925 um novo partido
ultra-reaccionário, a União dos Interesses Económicos. O chefe da União
Liberal, Cunha Leal, pede no parlamento a pena de morte para os bombistas. O
governo endurece a repressão contra o movimento operário. Em 1923 (?), como os
ferroviários em greve ameaçaram sabotar as vias como protesto contra o facto de
os comboios circularem conduzidos pela tropa, o governo manda atrelar vagões
com grevistas na frente dos comboios.
Os actos terroristas amiúdam-se. Há
atentados a tiro e à bomba contra grandes capitalistas, como Alfredo da Silva,
da CUF. Surge a organização “Legião Vermelha” que pretendia opor o terrorismo
operário ao terrorismo burguês. Mas a maior parte destes actos, sem urna
direcção centralizada, não têm uma orientação política correcta e ainda agravam
mais as dificuldades do movimento operário, como o lançamento de uma bomba num
cortejo comemorativo do dia de Camões, que mata várias pessoas.
Depois de uma malograda tentativa de
governo por um partido radical burguês da “Esquerda Democrática” em 1924 de J.
Domingues dos Santos, apoiada nos trabalhadores, os grupos da burguesia
dominante começam a preparar activamente o golpe fascista.
12. Características deste período – É um
dos períodos mais ricos de experiência para o movimento operário, sobretudo na
actividade sindical e grevista, que traz à luta de classes centenas de milhares
de trabalhadores. O proletariado aprende a organizar-se e a lutar unido pelas
suas reivindicações económicas. Liberta-se também da tutela ideológica burguesa
e compreende que é preciso intervir na luta política. Contudo, esta consciência
de classe é ainda imperfeita devido às noções anarquistas dominantes. O Partido
Comunista está ainda muito longe de se poder tornar o estado-maior do
proletariado. A confusão e a desmoralização alastram no proletariado, que não
vê um objectivo preciso na sua luta nem uma direcção digna de confiança.
III – A resistência antifascista
(1926-1940)
1. A instauração da ditadura fascista em
1926 abre a terceira etapa da revolução burguesa em Portugal. A concentração da
riqueza conseguida com a exploração colonial e com os negócios da guerra, a
necessidade de reprimir o movimento operário que se tornava ameaçador, a
situação financeira desastrosa, levam o núcleo mais poderoso da burguesia a
remodelar de novo as instituições e a caminhar para o fascismo. A democracia
burguesa que desempenhara um papel positivo, estava ultrapassada e começava a
ser um estorvo ao crescimento do capitalismo.
2. Devido à crise interna do movimento
operário, não há praticamente resistência organizada contra a ditadura militar.
Os chefes sindicalistas, com o seu habitual oportunismo, acreditavam que os
militares poderiam melhorar a situação. O 2.° Congresso do Partido Comunista,
reunido precisamente em 28 de Maio, lança um apelo para a Frente Única contra a
ditadura, mas o Partido não tinha força para pôr esse apelo em prática. A massa
proletária, cansada e confundida, não reage inicialmente à ditadura. Gomes da
Costa faz o seu passeio militar de Braga a Lisboa sem a menor dificuldade.
Entretanto, menos de um ano depois,
quando o carácter da ditadura se define, muitos operários de vanguarda de
Lisboa tomam as armas em apoio dum golpe preparado por políticos republicanos:
é o 7 de Fevereiro de 1927 de que resultam dezenas do mortos em combate ou
fuzilamento após ele, sobretudo operários, soldados e marinheiros. Nas forças
reaccionárias que esmagam a revolta destaca-se o tenente Botelho Moniz.
3. O movimento de massas reduz-se após a
instauração da ditadura. Os sindicatos levam uma vida semiclandestina; a CGT,
incapaz de se adaptar à legalidade, esboroa-se. Mas a corrente comunista,
baseada no Partido, consegue reorganizar-se a partir de 1929, sob a direcção de
Bento Gonçalves.
Apesar de fundado em 1921, o Partido
Comunista ainda não conseguira criar uma estrutura orgânica nem conquistar uma
séria base de massas no proletariado. Bento Gonçalves, operário do Arsenal, de
27 anos (nascido em 1902), sindicalista entusiasta, visitara a URSS por ocasião
do 10.º aniversario da Revolução e voltara disposto a trabalhar pela
reorganização do Partido que então estava desorganizado, sem imprensa, contando
ao todo 30 militantes e duas células. Por iniciativa de Bento Gonçalves,
reúne-se uma Conferência que elege nova direcção e enceta um serio trabalho de
ligação à classe operaria (1929). Esta Conferência marca verdadeiramente o
começo de uma actividade política comunista em Portugal. O Partido estende a
sua organização clandestina na região de Lisboa, Marinha Grande, Alentejo.
Forma-se um Secretariado, composto por Bento Gonçalves e José Sousa, conhecido
dirigente sindical. Joaquim Pires Jorge, que participara no 7 de Fevereiro e
sofrera dois anos de prisão em Angra, entra também para o Partido. Em 1931,
começa a publicar-se o Avante, novo órgão do Partido, que substitui o
Proletário.
4. Com a repressão fascista, a vanguarda
proletária tende a ficar isolada das grandes massas, que se afastam da luta.
Apesar disso os sindicatos mantinham-se (os de orientação comunista,
controlados pela CIS, Comissão Inter-Sindical, dirigida por José de Sousa); a
CGT perdia forças pouco a pouco. O Partido Comunista começa então a conduzir
lutas de massas do proletariado, a ser reconhecido como o seu dirigente; greve
dos vidreiros da Marinha Grande, que se toma um baluarte comunista;
manifestações contra o desemprego em Lisboa, Almada, Algarve comícios-relâmpago
do 1.º de Maio, etc.. As experiências de acção proletária neste período foram
mais tarde analisadas no Tarrafal por Bento Gonçalves.
5. Em Julho de 1932, Salazar que era
ministro das Finanças, toma a chefia do Governo. A ditadura toma novo impulso
contra o movimento operário: “plebiscito” da nova Constituição (todas as
abstenções foram contadas como votos a favor), promulgação do Estatuto do
Trabalho Nacional (Setembro de 1933), criando os “Sindicatos Nacionais”,
grémios e corporações. O ETN estabelecia que os sindicatos livres seriam
encerrados e que os seus bens reverteriam para os “Sindicatos Nacionais’. Era
um golpe fortíssimo da burguesia contra as liberdades conquistadas em meio
século de luta do movimento operário. A camada mais activa do proletariado
mostrava-se disposta a resistir e a defender os sindicatos.
Perante a hesitação do Partido sobre o caminho
a seguir, é decidido um apelo à greve, que certos sectores operários
influenciados pelo anarco-sindicalismo tendem a transformar numa greve geral
revolucionária. O movimento, desencadeado em 18 de Janeiro de 1934 e privado de
uma direcção política, é rapidamente sufocado pela repressão. Há esboços de
greves e atentados à bomba em Coimbra, Lisboa, Silves e Covilhã. Na Marinha
Grande, os operários armados apossam-se da vila, elegem um soviete e hasteiam a
bandeira vermelha, mas a vila é tomada de assalto por forças do exército;
destacam-se no movimento da Marinha Grande, Manuel Esteves de Carvalho (morre
um ano depois, tuberculoso), António Guerra, José Gregório e outros. São feitas
muitas prisões.
A derrota do 18 do Janeiro foi um sério
golpe na vanguarda operária e mostrou que o proletariado, dilacerado entre a
tendência anarco-sindicalista da CGT e a tendência reformista da direcção do
Partido, não podia conseguir êxitos na acção revolucionária.
6. O aparelho repressivo fascista vai-se
estruturando. A nova polícia política, a PVDE, dirigida por Catela, começa a
distinguir-se pelos espancamentos e torturas. O militante Manuel Vieira Tomé,
um ferroviário, é assassinado em 1934. Após o começo da guerra civil de
Espanha, surgem a Legião e a Mocidade, milícias fascistas; a policia cria uma
rede de bufaria nas fábricas. Salazar apoia a campanha militar de Franco,
exaltando o fascismo e o nazismo, excita-se a histeria anticomunista.
Em 1935, durante um comício-relâmpago em
Alcântara, o militante comunista Manuel dos Santos mata um polícia a tiro.
(Manuel dos Santos passou 10 anos na Penitenciária, de onde se evadiu, para vir
a morrer pouco depois tuberculoso). Em Agosto de 1936, no ambiente de agitação
causado pelo começo da guerra de Espanha, dá-se a revolta da Armada. Os
marinheiros amotinam-se, prendem os oficiais e apossam-se de dois navios mas
são bombardeados ao tentar sair a barra e rendem-se. Esta revolta fora
preparada pela ORA (Organização Revolucionária da Armada) e pelo seu jornal
Marinheiro Vermelho, de que circulavam centenas de exemplares. Na criação da
ORA distinguiu-se Manuel Guedes, militante comunista (existia também o ORE, no
Exército). Ainda um reflexo desta corrente é o atentado contra Salazar
organizado por um grupo de trabalhadores anarquistas.
7. A ilegalização dos sindicatos e o
fracasso das acções armadas provocam uma aguda luta de tendências no movimento
operário e no interior do Partido. Os elementos sindicalistas agrupados na CIS
e dirigidos por José de Sousa, membro do secretariado do Partido, lançam-se no
movimento sindical clandestino, contra a opinião da maioria do Partido.
A princípio, conseguem alguns
resultados; no período de 1934/36, dezenas de sindicatos esquivam-se à ordem de
dissolução, conservam-se semilegalmente e fazem sair mais de uma dezena jornais
sindicais clandestinos (dos ferroviários, dos metalúrgicos, etc). Esta corrente
era a que estava mais próxima do anarquismo; era também a que concebia a
resistência ao fascismo como simples questão de revoltas locais e atentados.
Bento Gonçalves, à frente da maioria da
direcção do Partido, pronunciava-se pela penetração nos “sindicatos nacionais”,
criticava o movimento sindical clandestino, cuja influência de massas diminuía
rapidamente, condenava as acções armadas (classificou mesmo o 18 de Janeiro
como “mais uma anarqueirada”) e pretendia que se adoptasse uma táctica
defensiva: Frente Única com a pequena burguesia republicana, aproximação das
massas proletárias por meio da luta económica e aproveitamento minucioso das
organizações legais, incluindo os “sindicatos nacionais”.
Esta linha fora adoptada após o 7.º
Congresso da Internacional Comunista (1935), onde Bento Gonçalves se deslocou,
chefiando a delegação do P.C. Português. Neste Congresso, Dimitrov apresentou
um informe indicando a política de Frente Popular contra o avanço das ditaduras
fascistas como a questão central para o movimento comunista internacional.
A experiência posterior mostrou que esta
táctica (que dirigia o fogo principal contra os anarquistas e trotskistas e
descurava a luta contra o oportunismo de direita), tal como foi aplicada em
Portugal, abriu o caminho às tendências pacifistas e reformistas dentro do
Partido e no movimento operário. Se, em vez de se travar a vanguarda
proletária, se tivesse canalizado o seu espírito de luta para acções tácticas
de combate antifascista (que, ao contrário das revoltas locais poderiam ter
êxito), poderia ter-se conjugado revolucionariamente a acção pacífica com a
acção armada, neutralizando os oportunismos de “esquerda” e de direita e
impulsionando a resistência antifascista. Com a linha adoptada, o Partido
começou a afastar-se da perspectiva da conquista do poder e a descair no
oportunismo.
8. Aos golpes que sofre o movimento
operário e popular com o esmagamento das revoltas de 1934 e 1936, juntam-se os
golpes sobre o Partido: ao chegar do 7.º Congresso da l.C., Bento Gonçalves é
preso juntamente com José de Sousa e Júlio Fogaça (1935); em Setembro de 1936
abre o campo do Tarrafal para onde são enviados 150 militantes operários, entre
eles Bento Gonçalves, Militão Ribeiro, Sérgio Vilarigues, Américo de Sousa, os
dirigentes anarquistas Mário Castelhano (último secretário da CGT) e Januário,
muitos marinheiros.
O Partido cuja estrutura clandestina era
frágil, pois assentava só no Secretariado e nas tipografias, fica
momentaneamente decapitado. Em 1936, recompõe-se o Secretariado, com José
Gregório, Manuel Guedes (que se evadira do tribunal quando era julgado),
Joaquim Pires Jorge e Álvaro Cunhal (estudante, dirigente da Juventude
Comunista). Este Secretariado é destroçado com novas prisões; outro lhe sucede
que também é desmantelado. Os métodos de trabalho clandestino tinham-se
atrasado em relação ao trabalho aperfeiçoado da polícia.
A organização do Partido mantinha-se,
embora abalada, na região de Lisboa e Alentejo, além de se começar a estender
aos estudantes. Fazia-se uma intensa agitação política, em ligação com a guerra
de Espanha; o Avante publicava semanalmente dez mil exemplares, recorde que não
voltou a ser batido.
9. O período de 1936/40 é aquele em que
o movimento de massas atinge o seu ponto mais baixo, devido à derrota das
acções armadas, à dispersão da vanguarda proletária pelas prisões, pela
deportação e pelo exílio, e também a uma certa estabilização do nível de vida
das massas trabalhadoras, que haviam sentido duramente a crise do desemprego
ligada à grande crise mundial do capitalismo, em 1930/33.
É de referir que bastantes trabalhadores
comunistas e anarquistas combateram ao lado do povo espanhol contra o fascismo
e alguns lá deram a vida. Estiveram nesta época em Espanha Manuel Guedes, J.
Pires Jorge (preso pelos franquistas e entregue ao governo português, cumpriu
três anos em Angra) e Álvaro Cunhal.
Os sucessivos golpes no Secretariado
(foram presos Francisco Miguel, ao regressar da União Soviética, Alberto Araújo
e outros) acabaram por desorganizar a direcção do Partido. Em 1939 a direcção
do Partido era composta por elementos que não tinham a confiança do
proletariado, muitos deles intelectuais sem experiência nem capacidade
política; deram-se graves casos de infiltração de provocadores e aventureiros
no aparelho clandestino do Partido. A direcção não orientava a luta prática,
envolve-se em discussões e intrigas. O nível político da imprensa baixa, o
partido tende a transformar-se num agrupamento radical pequeno-burguês sem
verdadeiro cunho proletário revolucionário. Por fim (1939), a Internacional
corta as relações com o P.C. Português, por a direcção deste não lhe merecer
confiança. 1939 é um dos pontos mais baixos do movimento operário português.
10. Características deste período – O
movimento operário é surpreendido pela reacção fascista da burguesia no momento
em que a corrente anarquista entrava em declínio, quando a corrente comunista
ainda não ganhara raízes nem amadurecera ideologicamente. A resistência ao
fascismo trava-se sob uma aguda luta de tendências no interior do proletariado.
Sob a repressão cada vez mais apertada da policia, a vanguarda do proletariado
desgasta as energias em acções desencontradas, sem uma linha comum, oscilando
do aventureirismo ao oportunismo de direita, e quebrando os laços com as largas
massas.
Depois de, sob a direcção de Bento Gonçalves,
ter formado um bom núcleo de militantes (José Gregório, Pires Jorge, Fogaça,
Cunhal), o Partido, contaminado pelo direitismo, mergulha numa grave crise.
IV – O movimento da guerra e o seu
declínio (1940-55)
1. A partir de 1940, sob o impulso da
guerra mundial, a economia anima-se devido à exportação (minério, conservas,
têxteis, alimentares, produtos coloniais, manufacturas diversas). A classe
operária começa a crescer nas regiões de Lisboa e Porto, muitos milhares de
camponeses pobres entram nas fábricas.
A exploração capitalista acentua-se
brutalmente: intensificação do ritmo de trabalho, horas extraordinárias
obrigatórias, carestia, especulação, racionamento. A partir de 1941, o
movimento de massas do proletariado entra em impetuoso ascenso (primeiro no
campo económico, depois também no político), envolvendo centenas de milhares de
trabalhadores que até aí tinham estado à margem da luta de classes. Este
ascenso, que está ligado à reorganização do Partido, marca um período
importante no movimento operário português.
2. O movimento grevista de 1942-47 é uma
das experiências mais brilhantes do movimento operário português, que educa e
une as grandes massas proletárias, mostrando-lhes a ligação entre os
capitalistas e o aparelho de Estado; as greves formam e revelam militantes
operários, como Alfredo Dinis (Alex), morto pela polícia em Julho de 1945.
As principais greves deste período são:
1-Greve de 20 mil operários de Lisboa, em
Novembro de 1942 semi- espontânea, que colhe o governo de surpresa e obtém uma
vitória parcial.
2-Greve de 50 mil operários da região de
Lisboa e Almada, acompanhada por S. João da Madeira, inteiramente organizada
pelo partido (Julho de1943); uma das maiores greves registadas em Portugal;
manifestações e choques com a polícia; o governo encerra as fábricas, faz
centenas de prisões, controla a readmissão do pessoal, a greve é derrotada.
3-Greve da zona de Alhandra, apoiada pelos
operários agrícolas da região de Lisboa, com comícios, forte repressão (Maio de
1944).
4-Greves no Alentejo e Ribatejo pelas
ceifas, envolvendo dezenas de milhares de operários agrícolas, geralmente
vitoriosas (1944-45-46?)
5-Greve dos tecelões da Covilhã, em
Janeiro, de 1943, com manifestações, forte repressão, derrotada.
6-Greve dos mineiros de S. Pedro da Cova
(1946).
7-Greve do estaleiro naval de Lisboa, que
não se consegue fazer alastrar ao resto da cidade; dezenas de operários
deportados para o Tarrafal (Abril de 1947).
3. Estimulados pelo movimento grevista e
nele apoiados, grossos contingentes proletários atiram-se à luta económica, aproveitando
todos os meios legais. A tendência persistente para boicotar os “Sindicatos
Nacionais” inverte-se e, desde 1941, desenha-se um grande movimento de massas
para a penetração nos Sindicatos-fantoches, em seguimento das consignas do
Partido (destacam-se concentrações e manifestações dos vidreiros da Marinha
Grande); os êxitos conseguidos em poucos anos permitem que em 1946 e 1948 se
trave uma luta generalizada pela conquista das direcções dos S.N. e pela
expulsão dos rafeiros do patronato nelas instalados; dezenas de direcções
sindicais ficam sob o controle dos trabalhadores, embora por pouco tempo.
Generaliza-se também por esta altura a formação de comissões de fábrica
semilegais (“comissões de unidade”) que servem de apoio orgânico às petições,
concentrações e paralisações contra a exploração.
4. A amnistia dos Centenários, em 1940,
trouxe do Tarrafal e da Angra militantes destacados, como Júlio Fogaça, Sérgio
Vilarigues, Pedro Soares, Américo de Sousa, Pires Jorge, que se juntam a José
Gregório e outros entretanto soltos por terem cumprido as suas penas, como M.
Guedes, Álvaro Cunhal, e ainda novos militantes operários surgidos nas
organizações locais, como António Dias Lourenço, lançando-se a reorganização do
Partido e criando um novo Comité Central.
Nos anos 1940/41 a nova e a velha
direcção do Partido, cada uma publicando o seu Avante, disputam o controle da
organização e a influência sobre a classe operária, mas em breve o grupo
pequeno-burguês de Cansado Gonçalves e Velez Grilo se desarticula e o Partido
fica reunificado.
No curto espaço de três anos (1940/43) o
Partido é reconstruído em moldes leninistas: direcção colectiva, disciplina
firme, rigor conspirativo, corpo da militantes profissionais que se alarga
progressivamente. Apesar de alguns golpes da polícia (prisões de Fogaça, Pedro
Soares, Pires Jorge), o aparelho clandestino ganha estabilidade e continuidade,
permitindo um largo trabalho do agitação e propaganda. Existiam bastantes
militantes de origem burguesa (Cunhal, Fogaça, Soares, Cândida Ventura, etc.)
mas que adquirem o estilo proletário de disciplina, firmeza e realização
prática. O Secretariado é constituído por Manuel Guedes, José Gregório e Álvaro
Cunhal (que estivera no Congresso da Juventude Comunista em Moscovo, tivera um porte
exemplar quando preso, e se destacava rapidamente pela sua capacidade
política).
O Avante sai com regularidade,
popularizando a linha do Partido, noticiando as vitórias do exército vermelho
da URSS contra o nazismo, divulgando as experiências da acção operária nas
várias regiões do país O Militante, criado em 1935, começa pela primeira vez a
ser um auxiliar do trabalho de organização.
5. A reorganização do Partido culmina no
primeiro Congresso ilegal (1943) que é verdadeiramente o primeiro congresso
desde a fundação do Partido. Cunhal apresenta o informe político, Guedes e
Gregório apresentam informes sobre organização e defesa conspirativa.
O informe político estuda as
experiências do movimento de massas e sobretudo da greve de Julho de 1943, defendendo
a formação duma Frente Única Operária através da acção de massas (apelando
inclusivamente para os legionários); passa em revista as forças aliadas do
proletariado (chamando a atenção para a ausência de mobilização do campesinato
e dos povos coloniais) e formula propostas de Unidade Nacional à burguesia
democrática. O Congresso lança um apelo aos operários e camponeses para que
desenvolvam a acção de massas contra a ditadura.
No seguimento do Congresso, o Partido
obtém duas vitórias importantes: a criação do MUNAF – Movimento de Unidade
Nacional Antifascista (Dezembro de 1943), organização clandestina onde colabora
com os grupos da burguesia liberal; e o lançamento dos GACs (Grupos
Antifascistas de Combate), em princípios de 1944, que representam a primeira
tentativa do Partido para organizar a acção táctica armada contra a ditadura.
Nos dois anos após o Congresso, os
efectivos e a influência política do Partido crescem rapidamente: o Partido
funde-se com a vanguarda proletária e caminha à sua frente; ao mesmo tempo,
consegue atrair ao Conselho Nacional do MUNAF praticamente todos os pequenos
agrupamentos republicanos, socialistas, etc..
No conjunto, pode dizer-se que o 1.º
Congresso ilegal definiu uma linha correcta para a acção táctica; o seu erro
foi ter descurado completamente a perspectiva estratégica da revolução
“nacional democrática, primeira etapa da revolução democrático-burguesa”; por
isso, o Congresso não se demora no estudo do caminho da insurreição armada
contra a ditadura e a conquista do poder pelo proletariado.
6. Entretanto, no Tarrafal (onde as
febres e os maus tratos mataram mais de trinta militantes, entre eles Alfredo
Caldeira, membro do C.C. do Partido, António Guerra, operário da Marinha
Grande, Mário Castelhano, da CGT, e o próprio Bento Gonçalves. secretário geral
do partido em 1942) prosseguia o debate acerca da linha do Partido e do
movimento operário. Bento Gonçalves (num manuscrito mais tarde recuperado) põe
em foco a seriedade do trabalho de massas realizado em 1929-35, em contraste
com o aventureirismo das acções armadas. Porém, no decurso deste debate, em que
enfrentava as criticas dos militantes acerca do abandono a que fora votado o
movimento do 18 de Janeiro, as suas ideias aproximam-se cada vez mais da
direita e vêm a cair num oportunismo extremo, ao formular a proposta para uma
“política nova”, que consistia no apoio táctico dos comunistas ao governo de
Salazar, no caso da independência nacional ser ameaçada por um ataque alemão!
As posições de Bento Gonçalves no
Tarrafal (assim como, de resto, também a sua defesa perante o tribunal de
Angra) mostram que ele nunca superou inteiramente a mentalidade sindicalista e
“economicista” da primeira fase da sua actividade e parece nunca ter encarado a
tomada do poder pelo proletariado como um objectivo prático concreto. Militante
operário abnegado, organizador hábil do Partido Comunista, Bento Gonçalves
deixou, contudo, em germe as tendências que mais tarde levariam à degeneração
do Partido: limitação da iniciativa do proletariado ao terreno económico,
pacifismo, oportunismo de direita.
7. Após a morte de Bento Gonçalves, a
OCPT (Organização Comunista Prisional do Tarrafal) é dominada por uma corrente
ultra-direitista animada pelo principal discípulo de Bento, o antigo estudante
Júlio Fogaça, que é apoiado por João Rodrigues, Pedro Soares, Alberto Araújo
(?) e mesmo por militantes operários, como Manuel Rodrigues da Silva e
Francisco Miguel. Em 1944, a OCPT, em cartas dirigidas ao C.C. do Partido,
acusa-o de falta de maleabilidade perante a crise da ditadura provocada pela
derrota do fascismo na guerra. Argumentando com a “transição” na Itália (onde
os reaccionários formaram um governo republicano e procuraram entender-se com
os exércitos anglo-americanos), a OCPT propunha que o Partido adoptasse uma
política de “transição”: não agitar inutilmente o espantalho da revolução,
retirar a foice e o martelo do cabeçalho do Avante, dedicar todos os esforços à
Unidade Anti-Fascista, entrar em conversações com os políticos burgueses da
Oposição liberal, animar o golpe militar – em resumo, facilitar uma “saída
doce” não revolucionária. A “política de transição” não era já simplesmente
oportunista – tendia a liquidar o Partido como força política independente e a
entregar o movimento operário ao controle da burguesia liberal. Como veremos,
teve repercussões na linha posterior do Partido.
8. Ao terminar a guerra, sob a
influência da derrota do nazismo e das vitórias históricas da URSS, o movimento
operário e o movimento da burguesia liberal conjugam-se num vasto movimento
nacional antifascista. As manifestações do fim da guerra, a petição nacional
contra o Tarrafal, a reclamação de Eleições Livres, somando-se ao movimento
grevista, obrigam a ditadura, momentaneamente isolada no plano externo, a
pôr-se na defensiva: Salazar promete eleições livres, tolera a constituição
legal do MUD (Movimento de Unidade Democrática), dá uma amnistia.
Após a formação do MUD em Outubro de
1945, o movimento democrático nas cidades toma um carácter de massa, as
comissões do MUD e do MUD Juvenil (Julho de 1946) organizam legalmente a
propaganda contra a ditadura, atraindo à acção antifascista grandes massas de
empregados, operários, estudantes, elementos da pequena burguesia urbana. Pela
primeira vez, a oposição à ditadura manifesta-se numa ampla Frente Única (de
que contudo está ausente o campesinato).
9. O Partido Comunista recolhia o
prestígio da sua campanha em defesa da classe operária e em apoio da URSS. Há
um largo movimento de adesão ao Partido entre as massas trabalhadoras das
cidades e a intelectualidade. A organização alarga-se nas zonas tradicionais
(Lisboa, Outra Banda, Alentejo) e estende-se a regiões novas: Algarve, Oeste,
Minho. A expansão do Avante acentua-se.
Do Tarrafal regressam em 1945 Militão
Ribeiro, Francisco Miguel, Manuel Rodrigues da Silva, Júlio Fogaça, Pedro
Soares, João Rodrigues, Alberto Araújo e outros, o que permite reforçar o
aparelho clandestino do Partido. Militão Ribeiro, antigo operário têxtil, que
no Brasil se distinguira como militante comunista e que no Tarrafal não
alinhara na corrente da “transição”, é chamado ao Secretariado, que inclui
também José Gregório (após alguns anos na Espanha e na URSS, fora um dos
reorganizadores do Partido em 1940) e Álvaro Cunhal, que se destaca como o
criador da nova linha política. Cria-se uma Comissão Política do C.C. (pouco
depois dissolvida), com Cunhal, Gregório, Alfredo Dinis, Vilarigues, Pires
Jorge, Manuel Rodrigues e Manuel Domingues.
O Partido continua a sofrer golpes da
polícia que, contudo, não afectam o seu aparelho central: assalto a uma
tipografia em 1945, prisão de Maria Machado; prisões de Francisco Miguel (1947)
e Guilherme de Carvalho (1948). Militantes comunistas assassinados pela
policia, como Alfredo Dinis, dirigente da greve de Lisboa; Germano Vidigal,
trabalhador alentejano, Ferreira Marquês, empregado, de Lisboa, o médico
Ferreira Soares, tomam maior o prestígio do Partido entre o proletariado e as
massas populares. O Partido vive o período de maior influência política da sua
história.
10. Em 1946, o Partido reúne o seu 2.º
Congresso ilegal. Álvaro Cunhal apresenta os dois informes principais: político
e de organização.
O informe político, “O caminho para o
derrubamento do fascismo”, indica ao Partido a necessidade de multiplicar as
acções do proletariado industrial e rural, para tornar possível o levantamento
nacional antifascista (cujas características, contudo, não define). No que se
refere à política de alianças, o informe dedica grande atenção ao movimento
democrático burguês e ao MUD, descurando o problema da mobilização das massas
camponesas semiproletárias, que continuam à margem da luta de classes e
funcionando como uma reserva potencial da burguesia proprietária de terras.
O informe ataca com vigor a ineficácia
das tendências putchistas e legalistas da burguesia liberal, assim como a
plataforma de “transição” proposta pela OCPT e as tendências “terroristas”
surgidas no Partido e no proletariado após a greve de 1943. A sua linha geral
(depois desenvolvida nos informes de Cunhal às reuniões do C.C., de Outubro de
1946 e Junho de 1947) consiste em centrar os esforços do Partido sobre a
Unidade de todos os anti-salazaristas. “A unidade é a garantia da vitória, a
divisão seria a derrota”, “aquilo que nos separa nada é comparado com o que nos
une”. Guiado por esta concepção, Cunhal é naturalmente levado a velar a
contradição entre o proletariado e a burguesia liberal no movimento
antifascista. A luta pelo derrubamento do fascismo não é vista como uma tarefa
revolucionária de classe do proletariado, apoiando-se fundamentalmente no
campesinato trabalhador e na luta de libertação das colónias e aproveitando
depois a aliança instável com a burguesia liberal; é uma luta de “todos os
portugueses honrados” (de onde as massas camponesas estão ausentes), em que
compete a todos darem provas de tolerância e em que o proletariado não é
autorizado a preparar a luta armada pelo poder.
11. Esta linha oportunista leva a uma
atitude nova perante o movimento de massas; ele deve ser suficientemente forte
para estimular e pressionar a burguesia liberal, mas não tão forte que a
assuste e a afaste da luta. Isto reflecte-se em diversas posições e resoluções
saídas do 2.º Congresso ilegal:
A) dissolução dos GACs que não chegam a
actuar;
B)abandono da “linguagem demasiado de
classe” usada no período de 1941/44;
C) dissolução da Juventude Comunista,
substituída pelo MUD Juvenil;
D) necessidade de canalizar o movimento
operário para formas exclusivamente pacíficas (Manuel Guedes dedica um informe
à actividade nos sindicatos-fantoches);
E) esforço para “satisfazer os anseios da
pequena burguesia” exigindo que os comités do Partido “se interessem pelos
problemas do comércio e da indústria das suas localidades”;
F) concessões aos políticos liberais a fim
de manter a Unidade, permitindo-lhes apossar-se da direcção do MUD, que se
transforma em seu partido político.
12. O informe de organização expõe os
princípios do centralismo democrático, até aí mal conhecidos e mal aplicados no
Partido. Ao mesmo tempo, dentro das concepções da linha geral da Unidade, lança
a palavra de ordem “Para um grande Partido nacional” capaz de exprimir as
reivindicações não só do proletariado como das restantes camadas
anti-salazaristas. Esbate- se a noção do Partido Comunista como o estado-maior
do proletariado para a revolução, abrem-se as portas do partido a grande número
do elementos pequeno-burgueses e de sectores atrasados do proletariado. A
vigilância de classe afrouxa, o cunho proletário revolucionário das fileiras do
partido compromete-se; muitos operários avançados começam a tomar em relação ao
partido uma posição de apoio com reservas. Assim se explica que, no período de
1945-49, apesar do ascenso do movimento do massas e dos sucessos orgânicos do
Partido, o número de militantes operários formados seja mínimo. Assim se explica,
também, a decadência, primeiro lenta e depois acelerada, da organização
operária da região de Lisboa.
13. Em resumo: o segundo Congresso
ilegal, um dos mais importantes na vida do Partido, representa uma viragem
oportunista, sob a direcção de Álvaro Cunhal, anulando as tendências positivas
do primeiro Congresso. Embora rejeitando a linha liquidacionista da “transição”
da OCPT, o Congresso orientou o Partido e o movimento operário no sentido de
graves compromissos com a burguesia liberal. A partir do segundo Congresso,
acentuam-se os dois pontos fracos do movimento democrático do fim da guerra:
A) as massas trabalhadoras seguem as
directrizes moderadas e “ordeiras” da Unidade (eleições livres, Amnistia,
abolição da Censura e do Tarrafal) e não apresentam nas ruas as suas próprias
reivindicações revolucionárias: fim da carestia e do terror fascista, demissão
do governo, expropriação dos ricos, expulsão dos imperialistas estrangeiros,
independência para as colónias);
B) o campesinato mantém-se adormecido e à
margem da luta política, privando o proletariado do seu único e seguro aliado
na revolução.
14. A partir de 1947, o movimento de
massas entra em refluxo. Depois da greve de Abril, o movimento grevista
suspende-se. Em 1948 registam-se ainda êxitos nas “eleições sindicais” mas a
situação geral é de recuo e os contingentes operários envolvidos na acção
económica e política diminuem de mês para mês. Entre as causas deste refluxo
podemos apontar:
A)- melhoraram ligeiramente as condições de
vida dos trabalhadores pois o movimento grevista obrigou a acabar com o
racionamento e a afrouxar a carestia (“campanha da vida barata”, 1947);
B)- o proletariado foi duramente castigado
pela repressão das greves e do movimento político (prisões em massa,
perseguições aos grevistas inscritos nas “listas negras” da polícia e dos
patrões);
C)- as massas trabalhadoras foram para o
movimento democrático iludidas na burguesia liberal e confiantes no apoio da
Inglaterra e EUA, começando a perder as ilusões a partir de 1947;
D)- após a grande greve de Julho de 1943 e
as manifestações que a acompanharam, quando a vanguarda operária começou a
procurar a via da violência contra a repressão, o partido não a orientou nesse
sentido, dissolveu os GACs e insistiu pela repetição anual das greves apesar da
experiência mostrar que a arma da greve não podia ser usada sob o fascismo do
mesmo modo que sob a democracia burguesa;
E)- desligação entre o Partido e a vanguarda
operária que pressente o oportunismo da Linha da Unidade.
15. Depois do fugaz ascenso de 1945-46,
o movimento democrático, em vez de se orientar no caminho dos choques armados e
da luta pelo poder, desagrega-se e entra em declínio. A burguesia liberal que
dirige o MUD é obrigada a abandonar as ilusões na acção legal e nas eleições; perante
a onda de repressão de princípios de 1947 (demissões de professores e
funcionários, incidentes na Universidade, prisões, desarticulação do MUD e do
MUD Juvenil), os políticos liberais lançam-se no golpe militar (Abril de 1947);
após o fracasso deste, começam a intrigar nas altas esferas para tentar
desagregar o regime, e a hostilizar o Partido e o movimento operário. A
apresentação da candidatura do general Norton de Matos à presidência da
República faz-se em plena crise da Unidade, com o MUNAF praticamente
inexistente e uma aguda luta interior no MUD.
16. A noção de que o proletariado e o
Partido estão a ser utilizados pela burguesia liberal faz surgir no C.C. uma
corrente que se esforça por rectificar os erros principais da linha da Unidade.
O Avante critica em 1948 os “falsos
democratas” e alerta os trabalhadores contra as manobras destes; o Partido
tenta disputar tarde demais a direcção do MUD e da candidatura de Norton de
Matos aos liberais; são expulsos elementos titistas e social-democratas que
formavam a extrema-direita do Partido (Piteira Santos, Mário Soares, Antonino
de Sousa, etc.).
Por fim, na reunião do C.C., de Janeiro
de 1949, Militão Ribeiro critica, embora de maneira incompleta, a linha da
Unidade: o movimento democrático deve seguir uma orientação proletária
revolucionária, no interesse de todo o povo, e não uma orientação oportunista,
favorável à burguesia pequena e média; os comunistas não têm que se prosternar
diante dos democratas burgueses, mas impulsionar sem limites o movimento de
massas O informe de Militão Ribeiro inicia o período em que a direcção do
Partido procura rectificar a linha oportunista do 2° Congresso ilegal.
17. O ano de 1949 é um ano difícil para
o movimento operário português. O movimento democrático unitário, em que se
tinham posto tantas esperanças, vem a morrer com a desistência da candidatura
de Norton de Matos. O governo procede tranquilamente à burla eleitoral perante
o desinteresse das massas. Logo em seguida, a polícia aplica um tremendo golpe
ao Partido, prendendo Álvaro Cunhal e Militão Ribeiro membros do Secretariado
assim como outros militantes responsáveis, e assaltando uma tipografia. O
movimento do massas chega a um dos seus pontos mais baixos: apatia, incerteza,
desmoralização. A unidade rompe-se, o MUD desaparece, os políticos liberais,
como Cunhal Leal e Norton de Matos, passam-se para o anticomunismo. 1949 é
também o ano em que Portugal entra no bloco da NATO, consagrando a reabilitação
de Salazar perante o bando imperialista americano-inglês. Tudo isto impõe uma
revisão à linha geral do Partido elaborada pelo 2.º Congresso ilegal. É a
tarefa a que se vai lançar o Secretariado, agora encabeçado por José Gregório.
18. A primeira tarefa do Secretariado,
contudo, é deter a ofensiva policial que ameaça destruir o Partido. Dezenas de
militantes clandestinos são engolidos pela repressão nos anos de 1949-50; além
de Álvaro Cunhal e Militão Ribeiro (este morreu na Penitenciaria um ano após a
prisão), Manuel Rodrigues da Silva, António Dias Lourenço, José Moreira
(assassinado na sede da PIDE), José Magro Joaquim Campino, José Maria do
Rosário, Sofia Ferreira, José Martins, etc.. Organizações regionais inteiras
são destroçadas no Minho, Algarve, Alentejo, Lisboa Oeste. Muitos elementos que
tinham vindo ao Partido na fase do ascenso político por oportunismo, lançam-se
na debandada, aterrados pela repressão; certos militantes responsáveis, ao
serem presos, passam-se para o inimigo como Mário Mesquita, Mendonça, etc.. Um
membro do C.C., Manuel Domingues, suspeito de espionagem e provocação, é
expulso do Partido (aparece morto em seguida).
O Secretariado defendeu o Partido limpou
a organização de elementos inseguros ou incapazes que tinham sido admitidos no
período da Unidade, e em 1951 acabou por suster a ofensiva da polícia. O
Partido, agora muito reduzido em efectivos e circunscrito à margem sul do Tejo,
a certas zonas do Alentejo e região de Lisboa (onde aliás a organização
operária é quase inexistente) está em condições de retomar a acção.
19. O Comité Central do Partido está
reduzido a 5 membros efectivos – José Gregório (“Alberto”), J. Pires Jorge
(“Gomes”), Manuel Guedes (“Santos”), Júlio Fogaça (“Ramiro”), Sérgio Vilarigues
(“Amilcar”) – e um membro suplente Octávio Pato (“Melo”), jovem empregado que
passara à clandestinidade no fim da guerra. Um outro membro suplente do C.C., o
escritor Pereira Gomes, morre na clandestinidade em 1950. Do antigo aparelho
clandestino restavam Américo Sousa, Pedro Soares, João Rodrigues, Cândida
Ventura, Manuel Rodrigues da Silva, a que se juntam militantes de formação mais
recente, como os operários Jaime Serra, Joaquim Gomes dos Santos, José
Vitoriano, os estudantes Blanqui Teixeira, Alexandre Castanheira, Carlos Costa,
etc.. A direcção do Partido perde, entretanto, Manuel Guedes, preso em 1952.
A necessidade de garantir a unidade do
Partido num período difícil, e de manter uma elevada vigilância conspirativa e
política levam à concentração do controle e da iniciativa nas mãos do
Secretariado. Essa centralização evitou a destruição do Partido mas tendo
levado por vezes longe demais a depuração do Partido, tenda sufocado a luta de
ideias nos organismos partidários tendo criado um clima dogmático, o
Secretariado veio a entravar a recuperação política do Partido e o seu
amadurecimento ideológico no período de 1951-55.
20. A experiência que o Partido
recolhera da linha da Unidade, coincidindo com a intensificação da luta contra
o reformismo e o oportunismo de direita no movimento comunista internacional a
partir do 1948 (resolução do Cominform contra o titismo), levam o Secretariado
a conduzir, sob a direcção de José Gregório e pela primeira vez na vida do
Partido, uma campanha sistemática contra as tendências direitistas.
Em 1951, o Secretariado retoma a crítica
contra a plataforma de transição insistindo no carácter liquidador dessa
corrente e exigindo a Júlio Fogaça, João Rodrigues e outros novas autocríticas
que são tornadas públicas. Em 1953 são expulsos Gilberto de Oliveira e Gabriel
Pedro por defenderem posições direitistas. Em 1954, a 5.ª reunião ampliada do
C.C. destroça uma facção direitista que se começara a formar no C.C. em torno
de João Rodrigues, com o apoio de Cândida Ventura e “Montes” e cujo objectivo
era dissolver o MND (Movimento Nacional Democrático), organização progressista
que o Partido ajudara a criar em 1949, após a falência do MUD, para
restabelecer a linha da Unidade com a burguesia liberal. João Rodrigues é
expulso do Partido.
Esta vigilância contra a direita foi,
contudo, comprometida pelo chamamento ao Secretariado em 1952 (?), de Júlio
Fogaça, apesar de este ter demonstrado pela sua autocrítica que não superara as
suas ideias ultra-oportunistas do Tarrafal: fustigando a sua própria
“presunção” e “desconhecimento das condições objectivas”, Fogaça em momento
nenhum admitiu claramente que o fundo da “política de transição” era entregar o
movimento operário e o Partido ao controle da burguesia liberal. Nestas
condições, a integração de Fogaça no Secretariado foi um erro que veio a ter
consequências graves para o Partido.
21. Na consolidação ideológica do
Partido nesta fase, desempenharam importante papel as reuniões ampliadas do
C.C.. A principal é a 5.ª reunião ampliada que aprova o primeiro projecto de
programa do Partido; este projecto (que nunca chegou a transformar-se em
programa, devido a nova viragem direitista do Partido em 1955-56, tem uma
grande importância: nele o Partido formula pela primeira vez urna linha
estratégica geral, apontando o objectivo da democracia popular com a
expropriação do capital financeiro, dos latifundiários e dos imperialistas,
reforma agrária, independência das colónias; dentro desta perspectiva
estratégica o projecto de programa de 1954 indica às massas a via da
insurreição popular armada e alerta-se contra as inconsequências e traições da
burguesia liberal.
Ao mesmo tempo, a 5.ª reunião ampliada
do C.C. atende às necessidades tácticas, propondo uma plataforma de unidade
antifascista, em que define as condições em que está disposta a colaborar com
os agrupamentos liberais para a acção imediata. Noutras reuniões, a direcção do
Partido esboça (só no plano da propaganda) uma aproximação do campesinato,
retoma a formação de jovens comunistas que fora abandonada pelo segundo
Congresso ilegal, eleva a vigilância conspirativa de todo o Partido.
No conjunto, as reuniões ampliadas do
C.C. do período de 1950-54 lançaram as bases para sanear ideologicamente o
Partido. As suas falhas principais foram:
A)- não ter feito uma crítica sistemática e
aberta ao desvio oportunista da Unidade;
B)- ter chamado o trabalho camponês ao
lugar que lhe cabia na actividade do Partido;
C)- não ter estudado as vias de preparação
da insurreição popular;
D)- não ter fundamentado a definição da
revolução democrática popular numa analise da luta de classes nacional e
internacional.
Por essas falhas puderam voltar a
infiltrar-se na direcção do Partido as tendências direitistas.
O Secretariado desenvolveu ainda neste
período um esforço para a elevação ideológica do Partido, que contrasta com o
praticismo anterior. Foi também difundido neste período a defesa de Álvaro
Cunhal, a qual, embora denunciando a política de traição da camarilha
governante perante o imperialismo, insiste no carácter nacional do Partido,
segundo a linha da Unidade.
22. O Partido lutava com grandes
dificuldades para restabelecer a sua ligação com o proletariado: muitos
operários haviam perdido a confiança na natureza de classe e nos objectivos do
Partido; o movimento de massas atravessava um período de fraca actividade o
esforço para transformar os “sindicatos nacionais” em órgãos legais da classe
operária fora varrido pela onda de prisões, demissões e suborno de dirigentes
que levou a perder as posições conquistadas em 1946-48; por outro lado, o
aparelho de vigilância da PIDE nas fábricas tornava-se mais eficaz.
Apesar disso, o Partido esforça-se por
conduzir as reivindicações diárias do proletariado, criando lentamente novos
focos de organização operária, sobretudo na Outra Banda. No Alentejo, onde o
movimento económico do proletariado rural conhece um ascenso, o Partido
populariza de novo O Camponês, alarga a organização, forma militantes e obtém
êxitos políticos, conduzindo as greves das ceifas em 1952, 1953, 1954
(assassinato de Catarina Eufémia).
O Partido restabelece também algumas
organizações de empregados e intelectuais, aproveitando o MUD Juvenil, retoma a
formação de jovens comunistas, que fora abandonada pelo 2.º Congresso ilegal.
Mas, a não ser nalgumas zonas do Alentejo, não consegue voltar a estabelecer
uma sólida ligação entre o aparelho clandestino e a base proletária, Em Lisboa,
centro proletário de largas tradições, as células do Partido nas fábricas ou
não existem ou são pequeníssimos núcleos isolados da massa. Em Almada,
Barreiro, Marinha Grande, Covilhã, existem células operárias, mas com fraca
vitalidade. O definhamento do Partido como organização operária, a mudança da
sua natureza de classe, embora momentaneamente travada prossegue lentamente.
23. O aspecto mais saliente na
rectificação empreendida pelo Secretariado consiste em ter procurado chamar as
massas populares a uma actividade política independente da burguesia liberal,
impulsionando para isso a criação de organizações progressistas livres da
influência dos políticos liberais: o MND (Movimento Nacional Democrático) e o
Movimento de Defesa da Paz, além do MUD Juvenil que se reorganizava como um
movimento clandestino.
A movimentação popular contra as burlas
eleitorais de 1951 (a candidatura de Rui Luis Gomes) e de Outubro de 1953
(“eleições de deputados”), embora com uma participação de massas reduzida,
faz-se em conflito aberto com os políticos liberais que tentavam de novo servir-se
do Partido e dos trabalhadores para a sua política de pressão sobre a ditadura.
No apoio à campanha mundial dos povos contra a agressão americana na Coreia,
contra as armas atómicas e contra o imperialismo americano, o Partido consegue
certos êxitos, sobretudo na mobilização da juventude. Também em 1954 quando se
intensificava a luta do povo indiano pela libertação de Goa, o Partido e o MND
tomaram uma posição internacionalista correcta.
24. As dificuldades políticas deste
período, caracterizado pela pausa no movimento de massas (e pelo clima de
anticomunismo histérico da “guerra fria”) acentuam-se por a direcção do Partido
ter cometido alguns sérios erros:
A)- atacava os políticos liberais como
“lacaios do fascismo e do imperialismo” em vez de mostrar que a sua duplicidade
reflectia as contradições próprias do capital não monopolista; com este género
de ataques o Partido incapacitou-se para aproveitar as tendências positivas da
corrente liberal e neutralizar as suas tendências negativas;
B)- pretendia impor ao governo fascista a
legalidade do MND e MNDP sem existir uma base de massas que o tornasse
possível; daí o declínio dessas organizações, varridas por ondas de prisões,
tendendo a enconchar-se no sectarismo, estranguladas por uma legalidade que não
podem impor;
C)- pretendeu conduzir a campanha pela Paz à
base de recolhas de assinaturas, moções públicas, etc., como nos países de
democracia burguesa, facilitando a repressão e provocando o retraimento dos
partidários da Paz;
D)- comprometeu as posições do Partido em
diversas associações de massas, por pretender forçar os limites da legalidade,
sem existir um movimento do massas em que se apoiar.
A falta de flexibilidade política, o
dogmatismo da direcção do Partido, somando-se as dificuldades políticas deste
período, criaram um clima de sectarismo que manteve o Partido isolado das
massas trabalhadoras.
25. Características deste período — O
desenvolvimento do capitalismo durante a guerra origina um acentuado
crescimento do proletariado fabril. A classe operária enriquece a sua
experiência de luta sob a ditadura fascista com o movimento grevista de
1942-47, que chama às primeiras filas da luta de classe milhares de
trabalhadores.
O Partido Comunista reconstituído em
1940 torna-se o organizador e o dirigente reconhecido do proletariado e uma
importante força política, sob a direcção de Álvaro Cunhal, José Gregório,
etc.. Contudo o movimento democrático da pequena burguesia repercute-se sobre o
movimento operário e no interior do Partido, gerando nele uma corrente
oportunista de direita representada por Álvaro Cunhal, além da corrente ultra
oportunista e liquidadora da transição, surgida no Tarrafal O oportunismo
dentro do Partido compromete o seu vigor revolucionário, contém o movimento de
massas no plano pacífico, reduzindo-o ao papel de força de pressão e acabando
por torná-lo (1948) um apêndice do movimento democrático burguês. Assim o
movimento popular antifascista esgota as suas energias em 1948-49 sem chegar a
uma confrontação directa com a ditadura.
O refluxo do movimento de massas, os
severos golpes policiais sobre o Partido e o rompimento da unidade antifascista
provocam uma séria crise no movimento operário. O Partido sob a direcção de
José Gregório e outros consegue sobreviver aos assaltos do inimigo e inicia a
rectificação do desvio oportunista de direita, embora com vários erros
dogmáticos e sectários.
V – A nova estrutura do proletariado e a
degeneração revisionista do partido (1955-1966)
1. Depois de 1950, a modernização e
concentração capitalista aceleram-se, impulsionadas pela penetração do
imperialismo. O capitalismo português começa a passar decididamente da
indústria manufactureira para a indústria moderna, assente na maquinaria e no
trabalho qualificado (metalurgia, química, material eléctrico, construção
naval, automatização da têxtil, etc.). A classe operária dá novo salto em
frente e torna-se a maior classe do país, com um milhão em 1960, dos quais meio
milhão (?) trabalham em fábricas médias e grandes.
Este movimento revoluciona os quadros tradicionais em que evoluía o movimento operário:
A)- as zonas industriais são invadidas por
grandes massas camponesas, que fazem lentamente a aprendizagem da vida diária
na fábrica;
B)- a “produtividade’, o trabalho a prémio e
a multiplicação das categorias, lançam a concorrência e a divisão entre os
operários;
C)- elevam-se os contingentes operários
especializados e relativamente bem pagos (“aristocracia operária”), que se
tornam focos de reformismo no seio do proletariado;
D)- uma massa muito grande de empregados
comerciais e de escritório rodeia o proletariado e pressiona-o com o seu nível
de vida mais desafogado e com a sua ideologia pequeno-burguesa.
Isto provoca nos centros tradicionais do
proletariado avançado (Marinha Grande, Almada, Barreiro, Lisboa, Covilhã) uma
crise de adaptação e uma certa dispersão da vanguarda operária, que ainda se
agrava mais por efeito da viragem direitista no Partido e no movimento
comunista internacional.
2. Cerca de 1954, o movimento de massas
do proletariado começa a animar-se em torno da luta contra a “campanha da
produtividade”; depois de 1957, estende-se a várias regiões a acção operária
por aumento de salários, conseguindo cerca de 1959-60 uma actualização de todos
os salários. As comissões de fábrica semilegais, as exposições, as
concentrações, as paralisações, são as formas em que se apoia o movimento
económico e servem de escola a largas massas operárias inexperientes. A
utilização dos “sindicatos” continua a declinar, excepto no Norte que, nesta e
noutras formas de acção, começa a despertar para o movimento organizado.
A greve surge geralmente nos sectores
proletários que ainda a não experimentaram: tecedeiras da Empresa Fabril do
Norte (1950); salineiros de Alcochete, 1957; pescadores, 1959, 1961; mineiros
de Aljustrel, 1961.
Quanto ao proletariado rural do Sul,
depois do auge de 1952-54, que o pusera à cabeça do movimento de massas, entra
numa fase de maior combatividade, devido ao começo da mecanização nos campos e
à emigração para a zona industrial Almada-Barreiro.
3. O Partido reconstituía pouco a pouco
a sua direcção central e o seu aparelho clandestino. São presos entre 1953 e
1955, Joaquim Gomes dos Santos, José Vitoriano, Rogério de Carvalho, Pedro
Soares, Américo Sousa, Jaime Serra; mas evadem-se sucessivamente Dias Lourenço,
Pedro Soares, Joaquim Gomes dos Santos, Américo Sousa, Jaime Serra, Guilherme
de Carvalho, libertado, reintegra-se na actividade, formam-se alguns novos
militantes, entre eles os operários José Carlos e Joaquim Carreira.
Os excessos sectários e dogmáticos eram
corrigidos. Apesar da burocratização que invade o aparelho do Partido, separado
das grandes massas, este consegue pela condução da luta económica, restabelecer
algumas pequenas organizações operárias em Lisboa, Almada, Marinha Grande, no
Porto (pela primeira vez). A tiragem do Avante volta a aumentar.
O Partido tinha ainda condições para restabelecer os laços com as massas trabalhadoras e retomar a direcção política do movimento operário.
4. Em 1955, José Gregório, membro do
Secretariado, é afastado por doença (vem a morrer em 1961 na Checoslováquia sem
ter voltado a intervir no trabalho de direcção do Partido). A corrente
direitista no C.C. que nunca fora desarticulada, começa a manifestar-se com
mais energia. O novo despertar do movimento liberal burguês, as divisões que
surgem no campo fascista, a atenuação do clima de “guerra fria”, os sintoma de
mudança na URSS depois da morte do Staline (visita de Krutchev e Bulganine à
Jugoslávia em 1955), tudo reforça a corrente díreitista.
A 6.ª reunião ampliada do C.C., 1955
(informe político de Vilarigues, informe de organização de Pires Jorge) é
realizada sob o lema da luta contra o sectarismo, pela necessidade de uma larga
acção do massas e do aproveitamento das associações legais. Mas, atacando em
bloco a linha política seguida desde 1950, fazendo silêncio sobre o projecto de
Programa, descurando a vigilância sobre os liberais, levantando de novo o
objectivo da “unidade de todos os anti-salazaristas sem distinção”, a 6.ª reunião
ampliada é um primeiro passo para a direita.
5. Em Fevereiro de 1956 realiza-se o XX
Congresso do PCUS. A corrente direitista no C.C. acolhe com entusiasmo as novas
teses que não só a reabilitam completamente como lhe vêm dar grande autoridade
(linha geral da coexistência pacifica, possibilidade de passagem pacífica e
parlamentar ao socialismo, unidade com os social-democratas, condenação do
“culto de personalidade” de Staline).
A viragem direitista que se desenhava
precipita-se. Em Abril de 1956 o C.C. do Partido lança um manifesto proclamando
a “possibilidade de solução pacífica do problema político português“. A tese da
“solução pacifica” era lançada para estimular o movimento liberal burguês e
explorar as divisões no campo fascista, com vistas às “eleições” que se
aproximavam. Com a “solução pacífica” o Partido priva o proletariado e as
massas populares da perspectiva da insurreição armada, esperando em troca
facilitar a desagregação da ditadura e a liberalização do Estado burguês. Isto
equivale a pôr em pratica a “política de transição” proposta em 1944.
6. Fogaça e Pedro Soares, em carta ao
C.C., de Maio de 1956, consideram a viragem insuficiente e propõem:
A)- que o Partido trabalhe por organizar a
classe operária dentro dos “sindicatos” (tornar-se-ia assim uma força de
pressão eficaz, sem ameaçar subverter a ordem);
B)- que o Partido cesse os ataques em bloco
à Assembleia Nacional, Legião e outros órgãos fascistas, de modo a facilitar a
decomposição destes;
C)- que o Partido declare a sua disposição de
disputar as “eleições” em quaisquer condições, para assim estimular os
descontentes a lançarem-se na luta “eleitoral”.
O C.C. não aprova estas medidas
extremas, que acabariam de liquidar a sua influência entre os trabalhadores,
mas o movimento para a direita continua a acentuar-se. No decurso de 1956,
alegando a fraquíssima influência do MND e MUDJ, o C.C. decide a sua
dissolução.
7. Entretanto, realiza-se em 1957 o
chamado “V Congresso” do Partido (na realidade o I Congresso revisionista),
consagrando a liquidação do Partido com a aprovação de um novo Programa que
reflecte a brusca viragem à direita (sem a mínima referência ao Projecto
anterior) e omite todas as questões fundamentais: a via de insurreição
antifascista, a preparação do proletariado para a conquista do poder, a questão
camponesa, carácter da revolução. O Programa é o compromisso de que o Partido
não tentará fazer a revolução e facilitará a evolução.
Para conservar a influência sobre as massas, o Programa defende a nacionalização dos monopólios, a Reforma agrária, a expulsão do imperialismo, e a libertação das colónias, medidas que são impossíveis sem o estabelecimento da ditadura popular.
O informe de organização, de Dias
Lourenço, e os Estatutos aprovados pelo Congresso animam o liberalismo e as
tendências aventureiras em questões de organização, de acordo com a perspectiva
da desagregação da ditadura a curto prazo. Seguindo na esteira do XX Congresso,
o C.C., concluíra que tinha havido o “culto” do Secretariado, e faz pressão
para a liberdade de tendências no C.C.. Esta corrente liberal e aventureira
reflecte-se na composição do Congresso, a que são chamados muitos elementos sem
experiência nem capacidade política, o que vem a causar graves prejuízos no
Partido.
8. A necessidade de multiplicar as
acções de massas ao serviço da desagregação do regime leva o Partido a degradar
a orientação do movimento de massas. O Avante, o Militante, o Camponês, e os
novos jornais de classe Corticeiro e Têxtil fecham a acção operária numa
perspectiva económica de tipo sindicalista. Para estimular os trabalhadores
exagera-se o alcance real das acções diárias nas fábricas, vêem-se vitórias em
toda a parte, ocultam-se as derrotas, abandona-se o estudo objectivo do
movimento de massas. Acenando com as vantagens económicas da luta
reivindicativa, afastando o proletariado da ideia de que a luta económica vale
só como escola primária da união e organização de grandes massas proletárias,
de modo a prepará-las para a luta pelo poder, o Partido fomenta as ilusões
reformistas entre a classe operária.
A campanha pelo salário mínimo diário de
100 escudos lançada pelo C.C. em 1957 (e depois abandonada pelo seu absurdo) é
uma expressão deste esforço para canalizar a acção operária para o campo
económico.
Ao mesmo tempo o Partido desenvolve
activa campanha para arrastar os trabalhadores para os Sindicatos Nacionais,
convencendo-os que aí se podem obter grandes vitórias; tentando vencer a
relutância geral, o Militante afirma que “os dirigentes sindicais, sendo de origem
operária, não podem manter-se indiferentes às reclamações dos trabalhadores”
(artigo de Jaime Serra).
9. Os núcleos de operários avançados,
que já tinham recebido com hostilidade a linha do XX Congresso (sobretudo os
ataques a Staline, que para eles personificava a ditadura do proletariado),
afrouxam mais ainda os seus laços com o Partido. Sem confiança no Partido, sem
uma linha revolucionária, atravessando uma fase de reestruturação, a vanguarda
operária desorganiza-se e fracciona-se em pequenos grupos sem uma orientação
definida. Na zona de Almada tendem a renascer as tendências anarquistas, como
reacção ao oportunismo e ao pacifismo.
O Partido continua, através da sua
propaganda antifascista e da condução da luta económica a manter a ligação com
os sectores operários, mas a sua base desloca-se da vanguarda para as camadas
intermédias mais influenciáveis pela linha reformista. Os activistas na maioria
das organizações locais do Partido são agora elementos de origem burguesa ou
elementos operários reformistas. Os novos quadros operários rareiam, as células
de fábrica não têm vida política e decompõem-se, os poucos militantes operários
promovidos neste período revelam-se como carreiristas e aventureiros que, ao
ser presos, se vendem à policia (J. Marinho, membro do C.C., Amador e José
Miguel, suplentes do C.C., Malaquias, Candeias, etc.).
10. A prosperidade dos novos grupos
financeiros apoiados na indústria e associados ao imperialismo (Champalimaud,
B. Português do Atlântico, CUF, Banco Borges), a decadência do latifundismo, a
recomposição geral da classe burguesa, provocam a partir de 1955 uma crise de
readaptação e instabilidade na burguesia, que se manifesta no movimento
democrático dos estudantes e dos intelectuais (1956-57), na reestruturação da
corrente liberal, que forma a Acção Democrato-Social, no aparecimento duma
oposição católica (manifestada no Congresso da JOC, nos debates azedos que se
travam no Congresso da União Nacional (1956) e na Assembleia Nacional e, por
fim, na cisão de individualidades do regime como o general Humberto Delgado.
À medida que este movimento de oposição
burguesa toma corpo, ele desperta, como em 1945-47, uma grande onda de ilusões
entre as massas trabalhadoras, que se lançam na acção política, em apoio do
movimento de liberalização; e duma maneira ainda mais acentuada do que em
1945-47, a corrente direitista que controla Partido alinha atrás do movimento
democrático- burguês, em vez de ajudar o proletariado a emancipar-se, através
da acção, da influência burguesa e a orientar-se no sentido da revolução.
11. A direcção do Partido foi lograda
pelos liberais nas “eleições de deputados”, de Outubro de 1957; a ADS,
desinteressada de concorrer, aproveitou a expectativa do Partido para desistir
à última hora, impedindo a organização de candidaturas e de quaisquer
movimentos de massas. Isto levou o Partido a criticar os liberais e a tentar
recuperar um pouco a iniciativa, apresentando a candidatura progressista de
Arlindo Vicente às “eleições” presidenciais de 1958.
Entretanto, surgia a candidatura do
general Delgado, que, apesar das suas posições conservadoras, desencadeou uma
corrente de entusiasmo popular. Centenas de milhares de trabalhadores urbanos e
elementos da pequena burguesia foram arrastados pela perspectiva do golpe
militar iminente e viam no general o seu salvador. A campanha de propaganda é
uma sucessão de grandes manifestações de rua (mesmo nas regiões
tradicionalmente afastadas da luta política), que tendem a endurecer perante a
repressão.
Ao mesmo tempo, a candidatura de Arlindo
Vicente, apesar das suas reivindicações sociais, que lhe deram o apoio dos
trabalhadores no Alentejo e Margem Sul, toma uma direcção moderada, hesitante e
pacifista, impedindo a coesão da corrente revolucionária do proletariado. O
Partido começa de novo a ficar na retaguarda do movimento.
12. Quando os trabalhadores começam a
apedrejar a polícia nas ruas (Lisboa, Almada, Aljustrel, Olhão), o Partido não
esboça qualquer acção no caminho da violência. Dentro da sua linha de fazer do
proletariado a força de pressão do movimento, organiza sessões, agitação
escrita, comissões, mas não vai além disso. A assembleia operária que reúne
legalmente em Lisboa cerca de 300 delegados operários e formula diversas
reivindicações está muito em atraso sobre as exigências da situação. O Partido
não aproveita a ocasião para formular as reivindicações revolucionárias do
proletariado e campesinato, a fim de não prejudicar a Unidade.
A unificação das candidaturas, feita
mediante algumas declarações vagamente democráticas de Delgado, reforça a
expectativa geral no golpe militar. E quando, após a burla eleitoral, o
movimento liberal revela a incapacidade revolucionária que lhe é própria e não
consegue sequer desencadear o golpe, o Partido fica desarmado e, como única
forma de protesto, propõe um dia de luto.
Em Julho, quando se torna evidente que o
movimento burguês se malogrou e que o Partido não tem uma linha própria, alguns
sectores proletários mais avançados da zona de Almada lançam-se na greve de
protesto contra a burla eleitoral; é a primeira greve política sob a ditadura
fascista. Mas o apoio tardio e inseguro do Partido, o ambiente geral de derrota
entre as massas, levam a greve a extinguir-se sem consequências, depois de se
ter propagado a algumas fábricas de Alhandra.
13. Na reunião da Comissão Política do
C.C. (Agosto de 1958), Jaime Serra apresenta um informe em que procura justificar
a linha da “solução pacífica” e os graves erros cometidos pela direcção do
Partido nos meses anteriores. Pretende desculpar a expectativa do Partido com o
argumento de que, se se tivesse dito antecipadamente às massas que as eleições
iam ser uma burla, ter-se-ia cortado o seu entusiasmo; isto confirma que o
objectivo do Partido era usar a classe operária como força de pressão e não
levá-la a tomar a direcção consciente do movimento antifascista.
Após esta reunião, o Partido fez
esforços frenéticos para conjugar de novo o movimento de massas com o movimento
liberal burguês, seguindo umas vezes a táctica da pressão, outras a do
seguidismo; explora o movimento económico, tentando conduzi-lo à greve, mas sem
êxito, a não ser no Couço, onde os trabalhadores rurais acompanham a greve com
acções espontâneas de sabotagem; fomenta a criação dum novo organismo unitário,
a Junta Nacional de Libertação (JNL), cuja actividade é reduzida, devido ao
afastamento da Acção Democrato-Social (liberais), de momento desinteressada da
colaboração com o Partido; lança uma vasta campanha de assinaturas pela
demissão de Salazar; apoia o projectado golpe militar de Maio de 1959, para o
qual se propõe fornecer combatentes embora não intervenha na sua direcção;
agita a ideia duma “jornada nacional pacífica” pela demissão de Salazar, que
cai no meio da indiferença popular.
À medida que o movimento de massas
decresce, a direcção do Partido acentua a sua dependência para com a oposição
burguesa: ora apela para a “união dos portugueses honrados” a fim de “poupar
mais sofrimentos ao nosso povo”, ora tenta assustar os grupos burgueses com o
espantalho da revolução, caso não actuem rapidamente (manifesto de Julho de
1959), ora pede aos operários que, para facilitar a “solução pacifica”, dirijam
a luta económica principalmente contra o governo e não contra os capitalistas
(artigo de Dias Lourenço, “Acerca da solução pacífica”, 1959).
14. O Partido decompõe-se também no
campo orgânico. As organizações operárias locais esboçadas no decurso da
agitação política desagregam-se logo que os operários se apercebem da política
de colaboração de classe e de pacifismo seguida pelo Partido. Os sectores
operários que permanecem ligados ao Partido são os que estão mais amarrados às
tendências reformistas. Aventureiros e carreiristas sem consciência de classe
são chamados a cargos responsáveis apenas porque são de origem operária, para
darem crédito ao Partido entre os trabalhadores (J. Marinho, Amador, José
Miguel etc.). No Secretariado, a confusão ideológica, a tolerância com as
correntes e grupos, o liberalismo, a anarquia e as rivalidades pessoais criam o
perigo de cisão iminente no C.C.. O partido clandestino torna-se mais
vulnerável à medida que o rigor conspirativo se dilui. A traição de J. Marinho
provoca a prisão de Jaime Serra, Joaquim Gomes, Pedro Soares, a perda duma
tipografia, etc. (Dezembro de 1958). São também presos Guilherme de Carvalho,
Alda Nogueira, Sofia Ferreira, Rogério Carvalho, Carlos Aboim Inglês, etc.
(Blanqui Teixeira, preso em 1957, evade-se no ano seguinte). O Partido corre o
risco de se desagregar novamente.
15. A evasão de Peniche (Janeiro de
1960) restabelece temporariamente a situação do Partido, reintegrando um grupo
de dirigentes, entre os quais sobressai Álvaro Cunhal, e que inclui Jaime
Serra, Joaquim Gomes, Pedro Soares, Guilherme Carvalho. O prestígio de Cunhal,
após 11 anos de prisão, a autoridade que resulta de não ter estado envolvido na
linha ultra-direitista, permitem-lhe conduzir um trabalho de consolidação do
aparelho dirigente em risco de desagregação: põe termo às tendências
fraccionistas e liberais no C.C., restabelece a autoridade do Secretariado,
impulsiona o retorno às normas do centralismo democrático (Relatório “A
tendência anarco-liberal no trabalho de direcção”, aprovado na reunião do C.C.,
de Dezembro de 1960). No relatório “Ensinamentos duma série de traições”,
critica a invasão do carreirismo e liberalismo na promoção dos quadros e
defende ,o revigoramento da firmeza na PIDE.
Apesar de sofrer em 1960 três baixas no
quadro dirigente (Francisco Miguel, Júlio Fogaça e Cândida Ventura) e uma outra
em princípio de 1961 (Guilherme Carvalho), o Partido recupera a unidade da
direcção e alarga a capacidade política. Para isso contribui principalmente a
rectificação da linha política, conduzida por Cunhal.
16. A reunião do C.C., de Março de 1961,
aprova o relatório de Cunhal sobre “o desvio de direita nos anos 1956-59” e uma
declaração política restabelecendo a linha do levantamento nacional. Elege
também Álvaro Cunhal secretário-geral do partido.
O relatório sobre “o desvio de direita”
critica a sucessão de cedências e desvios ultradireitistas de 1956-59 expressos
na linha da “solução pacífica”, e nomeadamente, a crença na desagregação do
regime, a expectativa no putchismo, a consigna da “jornada nacional pacífica”,
o ultra-oportunismo sindical; mostra que a linha da “solução pacífica” era uma
reedição da “política de transição” condenada pelo 2.º Congresso ilegal e
acusa-a de pôr o movimento operário ao serviço da burguesia oposicionista;
critica além disso publicamente Fogaça e Pedro Soares (de forma bastante
moderada e conservando-os no C.C.). Fogaça é expulso pouco depois por questões
morais.
A declaração política condena o
pacifismo e as “tendências terroristas” como igualmente prejudiciais ao
movimento democrático e define o levantamento nacional como a conjugação dos
“oficiais patriotas” com o movimento de massas “em que uma greve geral política
poderá ter importante papel”.
17. A reunião de Março de 1961 põe termo
ao aventureirismo ultra-oportunista de 1956-59, que ameaçava liquidar a
influência do Partido. Contudo ela está muito longe de ser uma viragem no
sentido do marxismo-leninismo e da defesa dos interesses revolucionários da
classe operária. Nenhum dos problemas vitais do Partido é abordado:
restabelecimento da ligação com o proletariado, questão camponesa, deturpação
do carácter da revolução, preparação das massas populares para a insurreição
antifascista, aliança de combate com os povos das colónias.
A reunião tem mesmo um carácter
direitista acentuado quando condena as tendências para a violência que começam
esboçar-se nas massas. Na realidade, a rectificação política de 1960-61 visa
restabelecer a débil capacidade de mobilização de massas do Partido para poder
exercer uma pressão mais eficaz sobre a burguesia liberal mas nada contém que
permita ao partido retomar o seu lugar de direcção revolucionária do
proletariado. A rectificação de 60-61 é um reajustamento da táctica ao serviço
da política reformista.
18. O facto de a direcção do Partido
condenar o pacifismo, o oportunismo e de afirmar a perspectiva geral do
levantamento armado, põe em marcha forças sãs existentes no Partido e obriga a
retrair temporariamente os elementos direitistas. Em certos sectores operários
estabelece-se a ideia de que o Partido vai enveredar por um caminho
revolucionário, há um movimento de aproximação do Partido, elementos da base
tomam a iniciativa de executar um traidor (J. Miguel, 1961).
No aparelho dirigente forma-se um
movimento entre os elementos mais jovens de aproximação do marxismo: estudo da
luta de classes e do carácter da revolução, estudo da questão camponesa,
crítica à política de aliança operário-burguesa, combate ao praticismo; é
editado o Manifesto Comunista e outros textos; prepara-se a reconstituição da
Juventude Comunista, sob a direcção de Carlos Costa.
No esforço para encontrar as raízes do
desvio ultra-oportunista de 1955-59, certos elementos como Francisco Rodrigues
começaram a pôr em causa a linha tradicional da “Unidade”.
Mas esta corrente que começava a esboçar-se
não tem continuidade. Álvaro Cunhal e o grupo dirigente que o cerca (em que se
destacam Pires Jorge, Octávio Pato, Sérgio Vilarigues, Dias Lourenço, Blanqui
Teixeira, Joaquim Gomes, Alexandre Castanheira), após terem pago o tributo à
esquerda e recuperado o crédito, recomeçam a política de direita.
19. A linha política é dominada por um
novo esforço de Unidade, com vistas às “eleições de deputados”. A linha de
1956-59, dirigida para a atracção dos fascistas descontentes, tinha levado o
Partido a descurar a aliança com a ADS; Cunhal procura reconstituir um
organismo unitário com os liberais, reatando a tradição do MUD e para isso toma
diversas iniciativas: publicação de documentos apelando para a Unidade, entre
eles “Unidade, tarefa central da hora actual”; orientação do Partido para
conversações em todos os escalões com os políticos liberais (Maio de 1961);
reconciliação com elemento titistas e social-democratas como Piteira Santos,
que servem de intermediários na aproximação aos liberais; e por fim, a criação
da Junta Patriótica (1961).
O seguidismo mais uma vez coloca o
Partido à mercê dos políticos liberais, pouco interessados na apresentação de
candidaturas por recearem que desencadeiem acções de massas. Perante a ameaça
de se repetir uma situação semelhante à de 1957, a direcção do Partido procura
apressadamente retomar a iniciativa (reunião do C.C. em Setembro de 1961) e
consegue a apresentação de candidaturas para as “eleições de deputados” nalguns
distritos; contudo, nenhuma crítica é feita à continuação do oportunismo de
direita.
20. Entretanto, a corrente revisionista
internacional, chefiada pelos dirigentes da URSS, abria fogo contra a oposição
marxista-leninista do P.C. da China e do P. Trabalho da Albânia (reunião de
Bucareste, Junho de 1960); iniciava-se uma ofensiva direitista em grande escala
no movimento comunista internacional.
Correspondendo às pressões
revisionistas, Cunhal faz publicar o documento “Três problemas da actualidade”
(Agosto do 1960), no qual critica o “bonapartismo daqueles que querem fazer
triunfar a revolução por meio da guerra”, numa alusão ao PC da China que não é
compreendida pelos militantes, porque então se desconhecia ainda em Portugal a
situação do movimento comunista. Também desde 1960, Cunhal começa a multiplicar
os alertas contra o “esquerdismo” (artigo no Militante) e contra o “terrorismo”
(após um quarto de século de acção puramente pacifica contra a ditadura e
sucessivos desvios direitistas).
Em 1961 a pressão revisionista
internacional intensifica-se. O acolhimento na URSS e nos partidos europeus ao
relatório sobre “O desvio de direita nos anos 1956-59” é mais do que reservado;
a revista internacional Problemas recusa-se a publicá-lo; os dirigentes
revisionistas espanhóis, sentindo-se atingidos pela crítica à “jornada nacional
pacífica”, exigem explicações. A degeneração revisionista de Cunhal (que nesse
ano se instala na Europa revisionista) amadurece rapidamente. Em Setembro de
1961, apoia as novas teses do XXII Congresso do PCUS (“Estado de todo o povo”,
“Partido de todo o povo”) e ataca publicamente a Albânia socialista.
21. Em Fevereiro de 1961 inicia-se a
insurreição nacional de Angola; em Agosto de 1960, começara a insurreição na
Guiné. As insurreições nacionais nas colónias (que em 1963 se estendem a
Moçambique) abrem a crise geral do regime capitalista português, que foi
construído e está cimentado sobre a exploração do trabalho escravo. A ditadura
atravessa a maior crise política da sua história. Dá-se um movimento de pânico
nos meios da burguesia colonialista. Rebentam divergências nos círculos
financeiros quanto à condução da política colonial e um grupo tenta opor-se ao
começo da guerra (Botelho Moniz, Abril de 1961). Forças da oposição burguesa no
exílio desencadeiam o golpe do “Santa Maria”. O Directório Democrato-Social
(ADS) realiza uma importante reunião nacional, lança o “Programa para a
Democratização da República” e alarga a sua influência política. A agitação
alastra nos meios da burguesia oposicionista, entre os estudantes, e, de forma
subterrânea, entre as massas trabalhadoras.
22. O começo das insurreições coloniais
abriu novas perspectivas revolucionárias ao movimento operário e trouxe novas
obrigações ao partido do proletariado. Mas a direcção revisionista de Cunhal,
ao mesmo tempo que afirma a sua solidariedade aos povos das colónias e lhes
reconhece o direito à independência, procura utilizar o movimento de libertação
colonial como mais uma força de pressão sobre a burguesia liberal. Em Março de
1961, o C.C. define a sua linha na questão colonial com um manifesto “unitário”
moderado, em que apaga a importância das insurreições armadas; a direcção do
Partido hesita em trabalhar pela subversão do exército fascista e toma posições
ambíguas numa série de questões (organização militar, agitação contra a guerra,
deserções, sabotagem); o esforço para conseguir a unidade em face da guerra
leva mesmo o Partido a subscrever um comunicado da Junta Patriótica condenando
o “terrorismo de brancos e negros” (Tribuna livre, Setembro de 1961).
O desejo de prestar solidariedade aos
povos das colónias sem assustar a burguesia liberal nem pôr em causa a Unidade,
leva a direcção do Partido a declarações humanitárias e à expectativa em face
dos massacres. Isto acentua a degeneração geral do Partido.
23. A agitação causada pela guerra, a
actividade dos grupos do oposição, a confusão e a crise no campo fascista,
abrem caminho a um poderoso movimento de massas, que se estende de Outubro de
1961 a Maio de 1962, e tem uma grande importância na evolução do movimento
operário.
Durante a campanha para as “eleições de
deputados”, muitos elementos, entre eles trabalhadores, aproximam-se do
Partido, procurando o apoio do seu aparelho clandestino para actuar
organizadamente. As manifestações políticas, iniciadas pelos estudantes de
Lisboa, começam a estender-se na população e alastram a várias cidades,
culminando na grande manifestação operária de Almada (11 de Novembro), em que é
morto o operário Cândido Capilé. Estas manifestações, pouco numerosas e pouco combativas
ainda (à excepção da de Almada) têm características novas: ao contrário de
1945-49 e mesmo de 1958, elas não seguem a voz dos chefes burgueses liberais
que se eclipsaram da cena; nalgumas, sobretudo em Almada, as massas começam a
reclamar armas para enfrentar a repressão. O movimento dá um grande passo em
frente, deixando à sua retaguarda a burguesia liberal.
24. Após as manifestações de
Outubro-Novembro, os trabalhadores conscientes da região de Lisboa, Margem Sul
e Alentejo (e mesmo isoladamente no Norte) pressionam o Partido para que
organize acções armadas contra a ditadura, procuram armar-se, esboçam
sabotagens. Este movimento, ainda indeciso, por efeito de um quarto de século
de pacifismo, é contudo perfeitamente sensível. Como a direcção do Partido não
corresponde a esta tendência e se opõe terminantemente a ela, certos grupos
operários voltam-se para os meios da nova oposição radical burguesa que se
definiu durante as “eleições” (Varela Gomes) e um punhado de trabalhadores de
Almada-Barreiro (na maioria membros do Partido) acaba por seguir os oficiais no
assalto ao quartel de Beja (Janeiro de 1962) prontamente sufocado pelo governo.
O facto de os operários, na prática,
passarem por cima da direcção do Partido marca uma nova etapa na dissociação
entre o Partido e o movimento operário. A participação operária na acção de
Beja mostra também que o movimento operário, sem direcção revolucionária
própria, corre o risco de virar costas ao oportunismo de direita para cair sob
o controle do aventureirismo pequeno-burguês.
25. A acção de Beja, apesar do seu
fracasso, desperta novas energias nas massas trabalhadoras e na pequena
burguesia, pelo facto de ser a primeira tentativa armada contra a ditadura,
após um intervalo de 25 anos.
Uma grande manifestação política de massas realiza-se no Porto, ao apelo dos manifestos do Partido e apesar do boicote dos chefes republicanos (31 de Janeiro de 1962). A manifestação de 8 de Março confirma o declínio da influência dos caciques liberais do Porto, cidade que era um seu feudo tradicional.
Em Lisboa, após uma campanha de agitação
massiva organizada pelo Partido e pela nova “Rádio Portugal Livre”, em que
participam centenas de activistas, realiza-se a grande manifestação do 1.° de
Maio. Uns 50 mil manifestantes ocupam o centro da cidade, gritando “Temos fome”
e “abaixo a guerra”, e apedrejando a polícia. A participação operária não é tão
acentuada como na manifestação de Almada; grandes massas de jovens (operários,
empregados, estudantes) formam o núcleo da manifestação. Há ainda manifestações
noutras cidades e vilas.
Quase ao mesmo tempo, o proletariado
rural alentejano, sob a orientação dos agitadores do Partido, transforma as
greves locais das ceifas numa grande greve envolvendo mais de 100 mil trabalhadores,
que conquista as oito horas de trabalho em várias zonas.
Estes dois movimentos são simultâneos
com a greve e manifestações de estudantes contra o controle fascista da
Universidade, sofrendo dura repressão, que causa grande descontentamento e agitação
em certos sectores burgueses e amadurece a radicalização do movimento
estudantil.
Depois disto, o Partido convoca ainda
manifestações políticas pelo 8 e 28 de Maio, numa tentativa para prolongar o
movimento, mas, à excepção do 28 de Maio em Setúbal, a população corresponde em
menor escala e o movimento começa a refluir.
26. O Partido organizou e conduziu as
manifestações e a greve camponesa. A manifestação de Novembro em Almada, e a
acção de Beja haviam mostrado o risco de a direcção do Partido ser ultrapassada
pelas massas, tal como acontecera aos chefes liberais. Por isso, e apesar do
pesadíssimo golpe policial de Dezembro de 1961 (prisão de Pires Jorge, Octávio
Pato, Carlos Costa, Américo de Sousa…) a direcção do Partido faz um grande
esforço para estabelecer ligações com as massas e canalizar a combatividade
popular para sucessivas manifestações que exerçam uma eficaz pressão sobre a
burguesia liberal e precipitem o “levantamento nacional”.
Esta forma de oportunismo activo (neste
período representado por Dias Lourenço e José Magro como antes havia sido por
Pires Jorge e Octávio Pato) consegue êxitos iniciais, dado que muitos
trabalhadores se aproximam do Partido, confiantes ainda, apesar das jornadas de
Novernbro-Dezembro, na correcção do direitismo crónico dos dirigentes.
Mas cedo se manifesta que a linha do
Partido é repetir as manifestações sem as deixar sair do plano pacifico. Todas
as tendências surgidas entre as massas e na base do Partido para organizar a
autodefesa do 1.º de Maio são rejeitadas com o argumento de que as massas
recorrerão espontaneamente a acções violentas se o entenderem, assim não se
reúnem armas, não se preparam explosivos, não se treinam brigadas Os activistas
reprimem as iniciativas da base com receio de serem acusados de “terrorismo”
pela direcção. Mesmo a proposta para bloquear as ruas com autocarros para deter
as cargas da policia é rejeitada. No Alentejo, tentativas de assalto e
sabotagens são reprimidas pelos responsáveis do Partido.
Assim, a partir do 1.º de Maio as massas
recusam-se a continuar as manifestações em que já não vêem objectivo e o
movimento declina mais uma vez sem ter chegado a desenvolver as suas
potencialidades A actividade da direcção do Partido neste período pode
definir-se como o esforço para não deixar escapar a direcção do movimento de
massas, conservando-o nos limites pacíficos necessários à política da Unidade.
27. O aparelho clandestino do Partido
termina 1961 com um êxito espectacular a evasão de Caxias de Francisco Miguel
José Magro, Guilherme Carvalho, Antonio Gervásio, Domingues Abrantes, llídio
Esteves, logo seguido por um grande golpe policial sobre o Secretariado e o
aparelho central: prisão de Pires Jorge, Octávio Pato, Carlos Costa, Américo
Sousa, etc., e assassinato de Dias Coelho. Entre as baixas sofridas nos meses
seguintes após as manifestações avultam as de José Magro e António Dias
Lourenço.
A continuidade da direcção é assegurada
pelo Secretariado, de Álvaro Cunhal e Sérgio Vilarigues (no exterior) e F.
Blanqui Teixeira mas o aparelho clandestino central, privado dos seus elementos
mais experientes, entra num período de grandes dificuldades, agravadas pela
perda da influencia política após as manifestações. As últimas bases
proletárias com alguma vitalidade na margem Sul do Tejo e no Alentejo tendem a
dispersar-se lentamente. O recrutamento operário é mínimo, o número de
operários de fábrica e de células de fábrica é muito reduzido. Uma campanha de
recrutamento conduzida em 1962-63, tem por efeito abrir mais as portas do
Partido a elementos de fraquíssima consciência de classe, e muitos estudantes,
etc.. A capacidade política, orgânica e conspirativa do Partido desce
regulamente.
28. Depois de ter travado as formas
superiores de luta no período de ascenso, a direcção do Partido faz um grande
esforço por incentivar a luta económica no período seguinte (para assegurar uma
base política de massas que lhe dê voz activa, para pressionar a burguesia
liberal e convencê-la à Unidade, para impedir o reagrupamento dos operários que
escapam à sua influência e começam a pressentir a traição). O Avante e os
jornais profissionais Corticeiro, Têxtil e Camponês acentuam a propaganda
reformista da luta económica, exageram os resultados das acções desencadeadas,
insistem nas formas tradicionais (comissões de unidade, abaixo-assinados, idas
aos “Sindicatos”) que em muitos casos não correspondem já às exigências dos
trabalhadores; em Janeiro de 1963 é lançada larga campanha nacional pela
concorrência às “eleições sindicais” dos SN., mas sem qualquer êxito, dado o
desinteresse da classe operária.
Apesar do agravamento da situação
económica provocado pela guerra colonial, a acção das massas é reduzida e
dispersa. O movimento grevista continua a não entrar nas fábricas (greves dos
pescadores do Algarve e das pedreiras de Pero Pinheiro, 1965). As causas
principais desta dispersão são: a grande crise ideológica provocada na
vanguarda operária pela expansão do revisionismo à escala internacional, o
quase desaparecimento das células do Partido e dos activistas operários que
anteriormente organizavam a acção económica nas fábricas, à falta de
sindicatos; o aprofundamento do fosso entre a vanguarda operária (ela própria
desorganizada) e as novas camadas operárias recrutadas no campo. O movimento operário
atravessa profunda crise ideológica, política e organizativa, pelo facto de não
dispor já do seu partido de classe.
29. Após o movimento de 1961-62,
consolida-se a política direitista e completa-se a transformação do Partido num
destacamento do movimento revisionista internacional, sob a direcção de Álvaro
Cunhal (fixado na Europa revisionista), secundado por Sérgio Vilarigues, F.
Blanqui Teixeira, Alexandre Castanheira, Joaquim Gomes, Jaime Serra, Pedro
Soares, Francisco Miguel.
No plano nacional, o grupo revisionista,
aproveitando o prestígio ganho junto da burguesia liberal com as manifestações,
consegue desta o apoio para a criação da Frente Patriótica de Libertação
Nacional (FPLN), em Dezembro de 1962, com a qual espera poder exercer uma pressão
mais eficaz no sentido do “levantamento nacional”; a FPLN agrupa forças
liberais, atraídas pela possibilidade de usar o aparelho unitário de propaganda
para alargarem a sua base de massas.
Na nova onda de ilusões
ultra-oportunistas geradas pela FPLN, o C.C. aprova, na sua reunião de Janeiro
de 1963, o documento de Cunhal “Perspectivas da Luta Nacional”, onde a política
de unidade e a atracção dos fascistas descontentes tem um lugar absorvente ao
mesmo tempo que se apaga o papel das acções de massas, se combate o
“sectarismo” e se abandonam quaisquer reivindicações revolucionárias. O
ultra-oportunismo deste documento, que faz lembrar o período da “solução
pacífica”, provoca uma onda de críticas da organização, mas sem consequências
de maior.
No plano internacional, o grupo
revisionista apoia a política aventureira e capitulacionista de Krutchev no
caso de Cuba, esforça-se por fazer silêncio em torno da guerra do Vietname,
“para não prejudicar as perspectivas de coexistência pacifica”, e envolve-se em
ataques cada vez mais abertos e violentos contra a China, a Albânia e o
movimento comunista internacional (intervenção de Francisco Miguel no congresso
do partido revisionista alemão, Janeiro de 1963).
30. O progresso da degeneração
revisionista provoca uma corrente no interior do Partido, dirigida contra a
“Unidade”, contra o pacifismo, pela solidariedade à China e ao movimento
marxista-leninista internacional. Da luta de tendências que se trava no
interior do Partido em 1962-63 resulta a expulsão ou afastamento de diversos
elementos acusados de tendências “esquerdistas”, “terroristas” e “dogmáticas”,
entre eles Francisco Rodrigues, do C.C.. A pequena envergadura da oposição
marxista-leninista neste período pode explicar-se pelo facto de o partido ter
sido gradualmente depurado das tendências revolucionárias desde 1945 e mesmo na
fase anterior à linha da Unidade.
O partido sofre um novo e sério golpe em
Maio de 1963 pela traição de Rolando Verdial, que origina a prisão de Blanqui
Teixeira, Guilherme Carvalho, José Carlos, Jorge Araújo, etc.. Entretanto, a
integração de algumas dezenas de militantes jovens, formados sob a direcção de
Álvaro Cunhal, consagra a nova face do Partido como organização
social-democrata e pacifista e elimina os vestígios proletários e
revolucionários que ainda subsistiam.
31. Enfrentando uma crítica
revolucionária (embora confusa e dispersa) nas fileiras do Partido e na classe
operária, assim como no movimento comunista internacional, o grupo revisionista
dirigente é obrigado a fazer um novo passo no seu amadurecimento e procura
elaborar uma plataforma “marxista”, que sirva de cobertura à sua traição. Essa
plataforma é a linha da “revolução democrática e nacional”, esboçada na reunião
de Agosto de 1963 do C.C. e desenvolvida no relatório Rumo à Vitória, de Álvaro
Cunhal, aprovado pelo C.C. em Abril de 1964.
Rumo à Vitória é o mais importante
documento teórico do revisionismo português até à data, Encontram-se aí
numerosos princípios revolucionários que a linha da Unidade havia omitido
durante 20 anos: conquista do poder, ditadura do proletariado, aliança com o
campesinato, insurreição armada, etc…. Contudo, para além desses slogans, a
“revolução democrática e nacional” define-se como uma linha para a
liberalização burguesa e de rompimento total com o marxismo.
32. Rumo à Vitória opõe-se a uma política proletária revolucionária em todas as questões fundamentais:
A). Carácter da revolução. Nega o carácter
predominantemente socialista e proletário da revolução portuguesa desde a sua
etapa actual; inventa a “revolução democrática e nacional”, em que atribui um
papel revolucionário não só ao proletariado e campesinato trabalhador, mas
também à pequena burguesia e a “certos sectores da média burguesia”.
B)- Conquista do poder. Falsifica a análise
leninista sobre a conquista do poder político, não definindo que classes
assumirão o poder nem o carácter de classe do novo aparelho estatal (conquista
do poder pelas forças “democráticas”, com um exército “democrático”, uma
“polícia democrática” e uma “justiça democrática”).
C)- Ditadura do proletariado. Elimina a
instauração da ditadura sobre as classes exploradoras, inventando uma primeira
etapa “democrática e nacional”, em que o poder será simultaneamente proletário
e burguês (“poder das forças democráticas”), passando depois pacificamente ao
socialismo, “sem necessidade de nova insurreição”.
D)- Direcção proletária da revolução.
Substitui a contradição de classe fundamental proletariado-burguesia pela
contradição entre os monopólios e “todo o povo”, apagando a luta entre o
proletariado e a burguesia liberal, reclama que se “concentre o fogo contra o
esquerdismo e o sectarismo, perigos principais do momento”; a Unidade é “a
tarefa central do Partido”; grande destaque à importância da luta económica; “a
utilização dos Sindicatos Nacionais pode vir ainda a tornar-se muito
importante”.
E)- Aliança com o campesinato. Entrega a
direcção do campesinato médio à burguesia liberal (“elementos geralmente tidos
por representantes da intelectualidade representam social e politicamente as
camadas médias do campesinato”).
F)- Insurreição popular antifascista. Os
trabalhadores não devem armar-se nem criar o seu próprio exército para uma luta
prolongada pelo poder, o “levantamento nacional” será fruto dum “momento insurreccional”
em que “os militares patriotas terão um importante papel a desempenhar”;
combate o “terrorismo” e o “aventureirismo”; “em condições imprevisíveis”, é
mesmo possível o afastamento da ditadura por meios pacíficos.
G)- Aliança com os povos coloniais. Apaga o
papel das insurreições nacionais das colónias, que prejudicam a linha geral da
Unidade e da coexistência pacífica; levanta reivindicações ultrapassadas
(libertação dos presos políticos das colónias, instauração das liberdades
democráticas nas colónias).
Embora referindo-se secundariamente às
questões internacionais, Rumo á Vitória confirma as posições tomadas
anteriormente: linha geral da coexistência pacífica, ataques à China e ao
movimento comunista, apoio ao revisionismo e à social-democracia.
33. No período de 1964-66, lançada na
luta contra o reagrupamento das forças revolucionárias, a direcção revisionista
acentua a sua deslocação para a direita.
Em 1964 surgiu o Comité
Marxista-Leninista Português, que prepara a reconstituição do Partido Comunista
e a Frente de Acção Popular, organização popular antifascista que se contrapõe
à FPLN. Ao atacar a linha destas novas organizações, a direcção revisionista
ataca-as como “trabalho de provocação” e denuncia no Avante nomes de militantes
marxistas-leninistas que haviam entrado clandestinamente no país. Em Junho de
1964, o Militante condena publicamente as organizações regionais de Lisboa,
Margem Sul e Alentejo por terem, na preparação do 1.º de Maio, tomado
iniciativas de autodefesa, realizado sabotagens e reunido armas. O C.C. acentua
a sua campanha nas fileiras do Partido contra o “perigo terrorista”. Ao mesmo
tempo, a direcção revisionista compromete-se aos olhos dos trabalhadores ao
abandonar todas as reservas e lançar-se numa campanha antichinesa declarada.
A FPLN, de que muitos trabalhadores
menos conscientes esperavam a intensificação da luta contra a ditadura,
desprestigia-se devido à sua inacção e às lutas de prestígio que culminam com o
afastamento do general Delgado em Outubro de 1964.
34. O 6.º “Congresso do Partido” (2.º
Congresso revisionista, Setembro de 1965) aprovou um novo Programa e Estatutos
e elegeu um Secretariado composto por Álvaro Cunhal, Sérgio Vilarigues e Manuel
Rodrigues da Silva (libertado em 1964). A linha do Congresso é a confirmação da
linha reformista de Rumo à Vitória. Expressões marxistas isoladas e promessas
demagógicas (como a expropriação dos monopólios e do capital estrangeiro, a
distribuição da terra aos camponeses, a elevação do nível de vida e de cultura
das massas) encobrem a oposição a quaisquer iniciativas revolucionárias.
A linha geral do Programa pode resumir-se nestes pontos:
A)- favorecer a liberalização burguesa e
embelezá-la sob cores revolucionarias;
cortar o caminho à insurreição popular e
à ditadura democrática popular, amarrar o proletariado à luta económica e ao
papel de força de choque na luta política;
B)- afastar o proletariado do
marxismo-leninismo, impedir a reconstrução do Partido Comunista;
C)- manter o campesinato como força de
pressão, e parcialmente como reserva política da burguesia liberal;
D)- procurar manter as revoluções coloniais
nos limites mais favoráveis à liberalização burguesa;
E)- opor-se ao movimento revolucionário
mundial, favorecer o imperialismo russo e a “coexistência pacífica” com o imperialismo
americano.
Concluído o seu processo de degeneração,
o Partido revisionista chefiado por Álvaro Cunhal rompe os últimos laços que o
uniam aos interesses do movimento operário, e transforma-se definitivamente num
“partido burguês para operários” segundo a expressão de Lenine, ou seja, um
partido especializado na tarefa de subjugar o proletariado à política burguesa.
35. Características deste período. O
crescimento e a concentração do proletariado a partir de 1950 (que contribuiu
para a sua desorganização temporária, pela afluência de novos contingentes e
pela mudança de estrutura) está a dar um novo peso ao movimento operário no
conjunto da luta de classes.
Desde 1956, a corrente de direita que
lutava por controlar o Partido Comunista (e que fora contida no período de
1950-54) consegue grandes progressos, apoiada externamente pela irrupção do
revisionismo moderno da URSS, e internamente pelo ascenso do movimento
democrático burguês.
Os importantes movimentos de massas de
1958 e de 1961-62 obrigam a amadurecer as tendências direitistas, que travam a
passagem da luta popular a formas superiores, e se revelam como um instrumento
para a utilização do movimento operário ao serviço da liberalização burguesa.
Entretanto, o início da grande luta internacional
entre a corrente marxista-leninista chefiada pelo PC da China, e a corrente
revisionista moderna chefiada pela direcção do PCUS, reflecte-se sobre o
movimento operário português e acelera a degeneração revisionista do grupo
dirigente de Cunhal. Deixa de existir um Partido Comunista do proletariado
português.
VI – O ressurgimento da corrente
comunista
1. A experiência dos movimentos de
1961-62 e a luta de princípios no movimento comunista internacional activam em
diversos sectores operários a reacção contra o pacifismo, o oportunismo e o
reformismo. Dentro e fora do Partido dão-se tentativas dispersas para
encaminhar a luta antifascista num sentido revolucionário. Em Abril de 1964, ao
mesmo tempo que Cunhal, em Rumo a Vitória, nega que existam quaisquer
tendências para a violência entre as massas, diversas organizações de base do
Partido na Margem Sul, Alentejo e Lisboa tentam organizar actos de sabotagem e
acções armadas pelo 1.º de Maio. As acções, que têm pequena envergadura, por
absoluta falta de experiência e correntes contraditórias dentro do Partido,
puseram em relevo a necessidade de preparar os militantes para a luta armada
mas o Militante de Junho faz uma severa condenação destas organizações
regionais, acusando-as de estar penetradas por “graves desvios esquerdistas”.
Os incidentes do 1.° de Maio de 1964 e
os ataques públicos da direcção revisionista ao PC da China apressam a
dissociação entre a base trabalhadora do Partido e a direcção. As greves do
Pero Pinheiro e dos pescadores do Algarve, em 1965, confirmam a tendência dos
trabalhadores para passar aos choques com as forças repressivas, apesar da viva
oposição da direcção revisionista.
2. A criação do Comité
Marxista-Leninista Português (Abril de 1964) inicia o período de ressurgimento
da corrente comunista e da luta pela reconstrução do Partido Comunista. No seu
órgão Revolução Popular, o CMLP definiu as bases gerais duma política
comunista:
1º A revolução portuguesa é uma revolução
socialista, tomando a sua primeira fase a forma de uma revolução
democrático-popular, ou seja, uma revolução dirigida contra a grande burguesia
e o imperialismo realizada através da ditadura dos operários e camponeses
pobres;
2º A tarefa essencial dos comunistas é
preparar o proletariado em bloco com os camponeses pobres para a luta pelo
poder;
3º Se o proletariado e as massas populares
tomarem a cabeça da luta antifascista e recorrerem à violência organizada
contra a ditadura, eles abrirão o caminho à democracia popular;
4º Todas as camadas da burguesia se opõem
em maior ou menor grau à marcha da revolução democrático-popular e devem ser
neutralizadas;
5º O movimento operário tem que se
desembaraçar do revisionismo, da política da Unidade com a burguesia liberal e
da linha da “revolução democrática e nacional”, ou seja na democracia burguesa;
6º Os comunistas têm que se reagrupar fora
do Partido revisionista, lutar contra a sua influência e reconstruir o Partido
Comunista;
7º Rompimento aberto com o revisionismo
moderno chefiado pela direcção do PCUS, unidade com o PC da China e o movimento
marxista-leninista internacional.
3. Em Janeiro de 1964, por iniciativa de
um núcleo do comunistas é constituída a Frente de Acção Popular, com o
objectivo de reagrupar as tendências revolucionárias antifascistas, orientá-las
no sentido da democracia popular, servir de elo de ligação entre o Partido
Comunista a reconstruir e as largas massas populares. Contra a política dos
compromissos pelo topo que caracteriza a FPLN e todas as construções unitárias
que a precederam, a FAP propõe desencadear a iniciativa popular pela conquista
das suas reivindicações fundamentais: Liberdade, Paz, Pão, Terra,
Independência. O jornal da FAP Acção Popular inicia a agitação da linha
revolucionária entre as massas populares e faz a propaganda da luta armada
contra a ditadura.
Em Novembro de 1965, os GAPs (Grupos de
Acção Popular) da FAP actuam pela primeira vez contra instalações da polícia,
por ocasião da farsa das “eleições de deputados”; um informador da PIDE é
julgado em tribunal revolucionário e executado. A FAP populariza-se rapidamente
entre as massas.
4. Até agora, os progressos da corrente
marxista-leninista portuguesa e das forças revolucionárias que ela ocasiona têm
sido lentos e cortados de graves dificuldades. O facto de ter vigorado durante
20 anos quase sem interrupção uma linha reformista na direcção do Partido, que
acabou por levar à degeneração deste, aliado ao trabalho da repressão burguesa,
levou as forças revolucionárias do proletariado português a uma profunda
desorganização.
A corrente comunista que forma o CMLP e
que serve de eixo à FAP é reduzida e ainda não formou quadros à altura das
exigências. Diversos erros de organização e na escolha de quadros levaram a
sérios golpes policiais sobre o CMLP e a FAP em 1965-66, atrasando o
crescimento das tendências revolucionárias.
Após a definição das linhas gerais duma
política comunista (realizada em 1964-65), a principal tarefa dos comunistas
portugueses é a reconstituição do Partido Comunista e a ligação ao
proletariado.
VII – Algumas experiências do nosso
movimento operário
1. Sem a direcção do Partido Comunista,
guiado pela teoria marxista-leninista, o proletariado não pode libertar-se da
exploração capitalista. Os interesses de classe do proletariado exigem a
instauração do socialismo e do comunismo, mas esse objectivo só pode ser
atingido por uma acção centralizada e consciente, baseada num conhecimento
científico da luta de classes, ou seja, por meio dum partido
marxista-leninista.
Entregue ao movimento espontâneo, o proletariado
tende a encerrar-se no sindicalismo e a oscilar entre o oportunismo de direita
e de esquerda, mesmo em períodos de grande actividade, como mostra a
experiência de 1910-22. Na última década, à medida que tem crescido a dispersão
ideológica do proletariado por falta de uma direcção revolucionária, essa
oscilação manifesta- se de novo com vigor crescente.
Só o Partido Comunista, organizado com
uma disciplina de ferro, pode coesionar toda a classe em torno do objectivo da
ditadura sobre a burguesia e conduzir a luta nesse sentido, através duma longa
etapa histórica. Sem o Partido Comunista não há democracia popular, nem
socialismo, nem comunismo. Por isso, a reconstrução do Partido destruído pelos
revisionistas é a tarefa mais urgente do proletariado português.
2. Toda a actividade do Partido tem que
girar em torno da luta proletária pela conquista do poder: esta é a razão da
existência do Partido. Não basta aceitar “em princípio” a ditadura do
proletariado, o socialismo e o comunismo; os revisionistas juram-lhes
fidelidade mas, alegando que essas metas são longínquas, encerram o Partido na
perspectiva acanhada do dia-a-dia, põem de lado a investigação da luta de
classes e a formação teórica, transformam o marxismo-leninismo numa colecção de
parangonas solenes e vazias, arrastam o Partido para o praticismo e o
oportunismo e acabam por trocar os objectivos revolucionários por uma linha de
reformas. Foi assim que Cunhal e o seu grupo conduziram o partido à
degeneração.
Para garantir que o Partido não se desviará do caminho da revolução é preciso:
A)- traçar um plano concreto para a conquista do poder, baseado numa análise marxista-leninista da luta de classes;
B)- integrar todas as acções tácticas nesse
plano estratégico, exigir que todas as tarefas parciais concorram para a meta
da tomada do poder; rejeitar as que não sirvam esse fim; não se deixar desviar
pelos episódios da política burguesa, mas aproveitá-los todos para aproximar a
conquista do poder pelo proletariado e revelar em todas as etapas os interesses
de classe em jogo.
3. O proletariado tem de ser educado na
ideia de que a sua luta é internacional, de que a revolução só triunfará
definitivamente no plano mundial. Os dirigentes oportunistas resumiram o
internacionalismo proletário à divulgação dos êxitos da construção nos países
socialistas: omitiram as ricas experiências do movimento operário internacional
(tanto nos países capitalistas como nos países de ditadura do proletariado), na
luta contra as manifestações burguesas no seu seio: o oportunismo, o pacifismo,
o revisionismo; eles fecharam a luta do proletariado em perspectivas nacionais
acanhadas, que tornaram mais fácil a propagação da ideologia democrática
burguesa; nos últimos anos, passaram-se definitivamente para a propaganda do
revisionismo e para a luta contra o movimento revolucionário mundial, fechando,
completamente as perspectivas da revolução ao proletariado português.
O proletariado português não pode traçar
uma estratégia e uma táctica acertadas se não actuar na perspectiva da época
actual, a época do imperialismo, das revoluções proletárias e das guerras de
libertação nacional; ele não pode marchar à conquista do poder se não se
integrar no campo revolucionário conduzido pelo Partido Comunista da China; ele
não pode compreender a natureza de classe de revisionismo de Cunhal nem
combatê-lo eficazmente se não o vir à luz do movimento revisionista
internacional. O proletariado português e o seu partido têm que se considerar
destacamentos do vasto movimento mundial do proletariado revolucionário.
4. O Partido não pode ser o estado-maior
do proletariado para a conquista do poder se não estiver mergulhado dentro da
classe operária. O Partido tem que viver diariamente entranhado na vida da
classe operária no mar da luta de classes Se uma organização não se integra no
proletariado, então ela tende fatalmente a integrar-se noutra classe qualquer,
uma vez que não há posições fora das classes. Se os chefes revisionistas
puderam fazer degenerar o Partido Comunista Português nos últimos 20 anos sem
encontrar uma séria oposição, isso foi devido à separação entre as células do
Partido e as massas do proletariado.
Ao reconstruir o Partido, os comunistas
devem implantá-lo firmemente nos centros vitais do proletariado nas grandes
concentrações operárias: eles também devem ter em conta que os novos
contingentes operários de formação recente (actualmente muito numerosos), os
trabalhadores artesanais e os operários agrícolas oscilam de maneira muito
acentuada entre o anarquismo e o reformismo, por lhes faltar uma experiência
completa da máquina da exploração capitalista; devem ainda exercer vigilância
sobre as camadas da aristocracia operária e impedir que propaguem na classe o
reformismo e o individualismo pequeno-burguês.
O afrouxamento dos laços entre o Partido
e o proletariado é por vezes inevitável por efeito da repressão ou por outras
circunstâncias; mas os comunistas são obrigados a trabalhar constantemente para
se unirem ao proletariado e para verificarem junto dele a sua linha politica.
5. O Partido não pode ser o estado maior
do proletariado para a conquista do poder se não for uma organização
proletária. A composição social do Partido reconstituído deve ser continuamente
verificada de modo a assegurar nas fileiras e na direcção uma forte maioria de
operários, e sobretudo de operários de fábrica Os elementos originários de
outras classes devem ser chamados a todos os escalões do Partido, mas só se
identificados com os interesses do proletariado, só se renunciarem a pontos de
vista e privilégios das classes exploradoras.
Devem tomar-se medidas para que os
militantes clandestinos e todos os revolucionários profissionais não se
desliguem da vida da classe operária, caso contrário, a clandestinidade e a
profissionalização podem favorecer a degeneração pequeno-burguesa de bons
militantes operários, como mostra a experiência dos últimos 20 anos;
desligando-se da luta diária do proletariado e do povo, esses militantes
perderam a consciência de classe, tornaram-se burocratas e acabaram por cair no
reformismo pequeno-burguês e no revisionismo.
6. O Partido tem que utilizar a acção
diária como meio de educação prática do Proletariado para a luta pelo poder. A
acção de defesa económica, as reivindicações diárias e locais das massas, os
objectivos políticos parciais, são importantes como meio de educar e unir
largas massas operárias em torno da vanguarda, e o Partido tem de conduzi-Ias
para se acreditar, se treinar como dirigente do proletariado; nos períodos de
derrota ou de estagnação do movimento de massas, reivindicações parciais podem
mesmo tornar-se o centro da actividade política do Partido.
Mas o Partido reconstituído não deverá
nunca abandonar a perspectiva de que elas são um meio inferior de educação e
união do proletariado e não um fim em si mesmas. Os comunistas devem contrariar
a tendência de vastos sectores operários para transformarem o Partido num
instrumento de defesa económica (tendência que se torna especialmente acentuada
sob a ditadura fascista). Eles devem mostrar como a táctica dos oportunistas
nos últimos 20 anos, ao exagerar o alcance das acções parciais, de inventar uma
sucessão infinita de “grandes vitórias”, tem servido para amarrar a classe
operária às ilusões reformistas e ao pacifismo, apesar de subjugada por uma
rígida ditadura fascista da burguesia.
O Partido reconstituído deverá mostrar
em todas as ocasiões que as melhorias conseguidas pelas reivindicações diárias
são limitadas e contingentes e que só a tomada do poder libertará o
proletariado e todos os trabalhadores.
7. O proletariado só completa a sua
educação revolucionária na luta directa pelo poder. Cada vez que o ascenso do
movimento de massas leva estas a porem em causa o Estado burguês, o Partido
reconstituído deverá orientá-las para a disputa do poder político, rompendo os
limites legais e pacíficos; isso é essencial para completar a educação do
proletariado mesmo que de momento a luta não conduza à vitória e venha a ser
necessário recuar mais tarde para um nível inferior.
Nos últimos 20 anos, os direitistas
actuaram sempre contra esta orientação; a pretexto da luta contra o
“terrorismo” e contra as “acções desligadas das massas” eles transformaram a
crítica marxista ao aventureirismo anarquista numa caricatura e entravaram o
desenvolvimento superior do movimento operário em 1944-45, em 1958 e em
1961-62, tentando convencer os operários a esperarem indefinidamente por um
“levantamento” combinado com a burguesia à escala nacional. Se o movimento de
massas não é orientado para a luta pelo poder, ele tende a degenerar numa força
de pressão dominada pela burguesia liberal.
8. O exército revolucionário é, depois
do Partido, a exigência mais vital do proletariado. As experiências
revolucionárias de muitos países e a experiência da ditadura fascista em
Portugal mostram que, na época do imperialismo, a luta pelo poder é prolongada
e tende a tomar a forma de guerra civil entre as forças revolucionárias e
reaccionárias. O proletariado e as massas populares não podem esperar pela
conquista do poder para criar depois o seu exército revolucionário; ele tem que
ser conquistado antes, gradualmente, no decurso da luta, para tornar possível a
conquista do poder. Quanto mais rígido for o aparelho estatal burguês, tanto
menos o Partido pode contar sobre a espontaneidade das massas para a criação do
exército revolucionário; o Partido deve tomar a iniciativa de criar grupos de
combate e de guerrilha no decurso dos choques das massas com o poder
reaccionário, ajudá-los a sobreviver e transformá-los em células do exército
revolucionário.
Se a energia revolucionária dos
operários e camponeses não for orientada para a construção da sua força militar
própria, os trabalhadores, sem vislumbrar possibilidades duma luta
independente, tendem a esperar a decisão final da sua luta das mãos dos democratas
burgueses, e cair alternadamente no oportunismo de “esquerda” ou de direita; é
o que tem acontecido no movimento operário português.
9. No último meio século, o movimento
operário não pôde tomar envergadura revolucionária por lhe faltar o apoio do campesinato.
Se nos períodos de ascenso do movimento operário este tivesse encontrado ao seu
lado os camponeses pobres em luta pelas suas reivindicações próprias, o apoio
mútuo dos operários e dos camponeses teria impelido o movimento de massas no
caminho revolucionário e liquidado as tendências reformistas. O adormecimento
do movimento camponês e a sua sujeição à burguesia liberal tem sido um dos
maiores travões à marcha da revolução em Portugal.
Os oportunistas abandonam o trabalho camponês por o campesinato ser muito menos politizado que a pequena burguesia urbana; eles esquecem que as reivindicações do campesinato pobre são muito mais profundas que as da pequena burguesia porque são as únicas, além das do proletariado, que tendem a destruir a estrutura burguesa existente (direito à terra, eliminação do capitalismo intermediário, destruição das autoridades burguesas). Sem o apoio activo do campesinato pobre, o movimento operário não tem forças para triunfar na luta armada revolucionária, tende a procurar a aliança da burguesia liberal e, no esforço para conquistar essa aliança, acaba por se encerrar no quadro das reformas da estrutura burguesa. Essa é também uma experiência do movimente operário em Portugal.
A base da política de alianças do
proletariado revolucionário está em arrancar o campesinato à direcção da
burguesia liberal, desenvolver plenamente as suas reivindicações, conduzi-lo no
caminho da ditadura popular e do desmantelamento do capitalismo.
10. O movimento operário português não
pode manter a sua integridade revolucionária se não der um apoio directo e
activo à luta de libertação dos povos oprimidos das colónias. Uma vez que o
sistema capitalista português repousa sobre a exploração não só dos operários e
camponeses mas também dos povos oprimidos das colónias, o proletariado tem que
ser educado diariamente pelo Partido para reconhecer nos povos das colónias o
seu aliado decisivo no plano internacional.
Os dirigentes revisionistas, enleados na
sua política da Unidade com a burguesia liberal, subestimaram e abandonaram o
movimento de libertação das colónias, substituíram a crítica ao regime de
exploração colonial pela critica aos excessos da administração colonial
fascista e embotaram o espírito internacionalista do proletariado, desarmando-o
na luta contra a infiltração do chauvinismo imperialista. Nos últimos anos,
quando os povos das colónias desencadearam as suas guerras nacionais de
libertação, os revisionistas procuraram manter a solidariedade aos povos
coloniais no âmbito da aliança com a burguesia liberal e usá-los como mais uma
força de choque ao serviço da “Unidade”.
O movimento operário não pode ser
encaminhado numa via revolucionária se os interesses da aliança com os povos
das colónias não forem postos abertamente por cima de quaisquer acordos com a
burguesia liberal, respeitando ao mesmo tempo a completa autonomia da sua acção
e das suas organizações.
11. O proletariado deve exercer uma
vigilância permanente sobre a pequena burguesia. Em Portugal, como em geral em
todos os países dependentes do imperialismo, o movimento democrático da pequena
burguesia é muito activo e em certos períodos toma mesmo uma orientação muito
radical. Buscando uma base de massas, o movimento pequeno-burguês procura
controlar o movimento camponês e sobretudo o movimento operário e o seu
partido. Esta é uma lei da luta de classes que se manifestou com muito vigor em
1946-49, em 1956-59 e em 1961-64, períodos de ascenso do movimento
democrático-burguês. Actualmente, a corrente comunista que prepara a reconstrução
do partido sofre também a pressão duma corrente radical burguesa que procura
pô-la ao seu serviço na luta pelo derrubamento da ditadura.
Os dirigentes direitistas não só
abandonaram a vigilância perante o movimento democrático-burguês como favoreceram
mesmo a expansão da ideologia democrático-burguesa entre o proletariado, com a
política da Unidade anti-salazarista.
O Partido Comunista reconstituído deverá
estudar a evolução do movimento democrático burguês e criticá-lo politicamente
de modo a armar o proletariado para não se deixar dominar pela ideologia
radical burguesa; ele deverá lutar para que, no movimento geral antifascista, a
orientação proletária revolucionária prevaleça sempre sobre a orientação
democrático-burguesa. A corrente democrática da pequena burguesia pode ter um
papel positivo na actual etapa da revolução, mas só se o proletariado combater
e neutralizar os seus aspectos reaccionários.
12. O revisionismo é o principal agente
da burguesia no seio do movimento operario. O movimento operário português
desenvolve-se sob a pressão permanente (militar, política, económica,
ideológica) da burguesia nacional e do imperialismo estrangeiro, que se
esforçam por afastá-lo da sua meta revolucionária; essa pressão gera continuamente
dentro do Partido e do movimento operário as tendências de direita (o
oportunismo, o seguidismo, o pacifismo, o reformismo, o legalismo) que,
procurando evitar as dificuldades do processo revolucionário, tentam ganhar a
aliança de uma ou outra camada burguesa e com essa mira acabam por abandonar o
objectivo da luta pelo poder e as alianças revolucionárias do proletariado.
Dominando a direcção do Partido quase
sem interrupção, a corrente direitista portuguesa amadureceu gradualmente as
suas concepções e acabou por degenerar no revisionismo, ou seja, a utilização
constante e sistemática do movimento operário ao serviço da burguesia.
Actualmente o grupo revisionista de Cunhal transformou-se num destacamento
avançado da burguesia no seio da proletariado, que tenta conservar a confiança
do movimento operário para o poder conter e manobrar; ele traiu inteiramente os
interesses fundamentais do movimento operário português e do proletariado
internacional.
13. Transigir com o direitismo é
preparar a liquidação do Partido. A experiência do PCP confirma inteiramente a
experiência do movimento comunista internacional de que pretender salvar a
Unidade orgânica do Partido à custa de concessões às tendências direitistas só
serve para preparar uma crise mais grave e pode levar à destruição do Partido.
Uma das maiores preocupações dos
direitistas é desarmarem a vigilância de classe contra eles. Enquanto não se
sentem bastante fortes tratam de semear o ecletismo ideológico a pretexto de
“condições novas” e amolecem a disciplina do Partido (1955-59); e quando
alcançam uma posição preponderante no Partido, passam pelo contrário a exigir
“unidade” e “disciplina” e exploram o espírito de disciplina do proletariado em
seu proveito, expulsando os que se lhe opõem (1961-66). A transigência com o
direitismo no PCP, a subordinação das questões políticas à organização, o
amortecimento da luta de ideias em todos os escalões do Partido, o dogmatismo e
praticismo, favorecem o triunfo do oportunismo e a sua degeneração em
revisionismo.
A vigilância de classe no interior do
Partido contra a direita tem que estar acima de tudo e ser inflexível; há que
combater os conciliadores que procuram “manter a unidade do Partido” à custa de
compromissos com as direitas porque os conciliadores de hoje são os direitistas
de amanhã. O Partido torna-se mais forte e não mais fraco cada vez que se
depura dos direitistas.
14. O Partido não deve também desarmar a
vigilância contra o oportunismo de esquerda que é uma outra forma de abandonar
a direcção do processo revolucionário. O anarquismo, principal variante do
oportunismo de esquerda em Portugal, que dominou o movimento operário em
1910-30, tende a ressurgir como reacção contra o revisionismo e poderia vir a
tornar-se um sério perigo se não fosse combatido. Esta tendência é esquerdista
e revolucionária só na aparência pois que não age dentro duma estratégia global
proletária para a conquista do poder; com o endurecimento da acção operária e
as acções violentas ela tem em vista estimular e pressionar a burguesia liberal
para que esta tome a iniciativa, não tendo como meta a ditadura do proletariado
e os seus três pilares – Partido Comunista, Exército Revolucionário, Frente
Popular – os anarquistas (assim como os trotskistas e outros falsos
esquerdistas) não hesitam em comprometer as forças do proletariado em aventuras
e acções sem um objectivo preciso. Só se o Partido Comunista reconstruído tomar
a direcção do movimento revolucionário e elaborar uma estratégia e uma táctica
revolucionárias, ele poderá corrigir as manifestações de falso esquerdismo que
se propagam entre a classe operária.
15. A luta contra o oportunismo não é
uma necessidade só de um certo período mas uma luta permanente, que tem de se
prolongar até muito depois da instauração da ditadura do proletariado, enquanto
persistir a pressão interna e externa da burguesia e do imperialismo.
Actualmente o revisionismo de Cunhal (como toda a corrente revisionista
internacional) faliu já em teoria mas está ainda longe de ter falido na prática
e manobra para manter uma base de massas; quando amanhã a sua influência sobre
o proletariado e as massas populares for liquidada (como já aconteceu no
passado com os social-democratas), é fora de dúvida que novas correntes
direitistas se formarão, em resultado da pressão da burguesia e do
imperialismo. As novas correntes direitistas surgem sempre com formas novas,
desconhecidas no passado, a pretexto de “condições novas”; muitas vezes elas
apresentam-se inicialmente como um pequeno desvio quase inofensivo; os direitistas
cobrem-se com as suas “boas intenções” e com o desejo de “melhorar o movimento
operário” (desejo que a princípio é sincero, pois ainda não tem consciência do
seu direitismo). O Partido e o movimento operário podem defender-se eficazmente
do direitismo se mantiverem sempre bem claro o objectivo da ditadura do
proletariado e relacionarem todas as questões com esse objectivo.
Na luta contra o oportunismo que se
infiltrou nas suas fileiras e que degenerou em revisionismo, o movimento
operário português e o movimento operário internacional estão ganhando nova
maturidade e um impulso revolucionário decisivo. Questões vitais, como a via da
insurreição e da tomada do poder, a defesa do carácter proletário do Partido, a
linha das alianças, a vigilância sobre a burguesia democrática, o
internacionalismo proletário, a luta anti-imperialista, deixaram de ser simples
indicações teóricas e abstractas e tornam-se problemas vivos no decurso da luta
contra a traição revisionista.
As seis questões fundamentais que condensam
a experiência de um século do nosso movimento operário e que devem guiar a
acção dos comunistas são em resumo:
I- É preciso que exista um partido
marxista-leninista.
II- Unir o proletariado para a luta pelo
poder.
III- Os aliados do proletariado são os
camponeses, as massas mais pobres e oprimidas da população, e devem ser
agrupados na Frente Popular.
IV- O objectivo da luta de massas é criar
um Exército Revolucionário para tomar o poder.
V- A revolução portuguesa é uma parcela
da revolução mundial e os inimigos da revolução são uma parcela do
imperialismo.
VI- Vigilância permanente contra a
penetração do inimigo através do oportunismo.
Se soubermos utilizar toda esta rica
experiência, o Partido Comunista reconstruído terá uma vitalidade política muito
maior do que em qualquer época do passado, um alto nível ideológico, estará
solidamente armado contra o revisionismo moderno e todas as manifestações
oportunistas. O proletariado português poderá então conduzir a revolução à
vitória e pôr fim à exploração do homem pelo homem.
Notas de rodapé:
Nota 1: Este caderno contém uma
reprodução integral e sem alterações de uns apontamentos feitos na cadeia de
Caxias, no final dos anos 60, sob o título “Elementos para a história do
movimento operário e do movimento comunista em Portugal”. Passados para o
exterior, foram reproduzidos em duplicador (antes do 25 de Abril, ao que se
supõe) pelas edições José Gregório, e circularam desde então nos meios
marxistas-leninistas. A sua intenção era servir fins didácticos, para dar
noções elementares aos militantes jovens. Usados nas cadeias em cursos de
formação dos presos, foram também estudados nos grupos marxistas-leninistas
depois do 25 de Abril. Com naturais deficiências por terem sido feitos de
memória, sem recurso a materiais de consulta, as informações que contêm são no
entanto correctas no essencial. [Nota do autor em 2008]
Nota 2: Tal como ‘Palavras necessárias’
de Bento Gonçalves, um escrito com o qual tem muitas similitudes de
circunstância e de objecto, este texto não deve ser lido como peça de
historiografia mas antes como, ele próprio, um documento político histórico,
depositário de uma certa visão estratégica. Factualmente contém algumas
imprecisões, que aliás o autor optou por não corrigir aquando da sua reedição
em 2008.
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