O Socialismo e a Guerra (A atitude do POSDR em relação à guerra).
V. I. Lénine
O Socialismo e a Guerra (A atitude do
POSDR em relação à guerra)
V. I. Lénine
Os Princípios do Socialismo
e a Guerra de 1914-1915 (excertos)
A Atitude dos Socialistas em Relação às Guerras
Os socialistas sempre condenaram as
guerras entre os povos como coisa bárbara e brutal. Mas a nossa atitude em
relação à guerra é fundamentalmente diferente da dos pacifistas (partidários e
pregadores da paz) burgueses e dos anarquistas. Distinguimo-nos dos primeiros
pelo facto de compreendermos a ligação inevitável das guerras com a luta de
classes no interior do país, de compreendermos a impossibilidade de suprimir as
guerras sem a supressão das classes e a edificação do socialismo, e também pelo
facto de reconhecermos inteiramente o carácter legítimo, progressista e
necessário das guerras civis, isto é, das guerras da classe oprimida contra a
classe opressora, dos escravos contra os escravistas, dos camponeses servos
contra os senhores feudais, dos operários assalariados contra a burguesia. Nós,
marxistas, distinguimo-nos tanto dos pacifistas como dos anarquistas pelo facto
de reconhecermos a necessidade de estudar historicamente (do ponto de vista do
materialismo dialéctico de Marx) cada guerra em particular. Na história houve
repetidamente guerras que, apesar de todos os horrores, atrocidades,
calamidades e sofrimentos inevitavelmente ligados a qualquer guerra, foram
progressistas, isto é, foram úteis ao desenvolvimento da humanidade, ajudando a
destruir instituições particularmente nocivas e reaccionárias (por exemplo a
autocracia ou a servidão), os despotismos mais bárbaros da Europa (o turco e o
russo). Por isso é necessário analisar as particularidades históricas da guerra
actual.
A Guerra Actual é uma Guerra Imperialista
Quase todos reconhecem que a actual
guerra é uma guerra imperialista, mas na maior parte dos casos deturpam este
conceito ou aplicam-no unilateralmente, ou insinuam em todo o caso a
possibilidade de que esta guerra tenha um significado progressista burguês,
nacional-libertador. O imperialismo é o grau superior de desenvolvimento do
capitalismo, atingido apenas no século XX. O capitalismo passou a sentir-se,
apertado nos velhos Estados nacionais, sem cuja formação ele não teria podido
derrubar o feudalismo. O capitalismo desenvolveu de tal modo a concentração que
ramos inteiros da indústria foram açambarcados pelos consórcios, trusts e
associações de capitalistas milionários, e quase todo o globo terrestre está
dividido entre esses «senhores do capital», sob a forma de colónias ou
enredando países estrangeiros com os milhares de fios da exploração financeira.
O comércio livre e a concorrência foram substituídos pela tendência para o
monopólio, para a conquista de terras para o investimento do capital, para a
extracção de matérias-primas, etc. De libertador de nações que o capitalismo
foi na luta contra o feudalismo, o capitalismo imperialista tornou-se o maior
opressor das nações. De progressista o capitalismo tornou-se reaccionário, desenvolveu
as forças produtivas a tal ponto que a humanidade terá ou de passar ao
socialismo ou de sofrer durante anos ou mesmo decénios a luta armada das
«grandes» potências pela manutenção artificial do capitalismo por meio das
colónias, dos monopólios, dos privilégios e de opressões nacionais de toda a
espécie.
(...)
«A Guerra é a continuação da Política
por outros meios (a saber: pela violência)»
Esta célebre sentença pertence a
Clausewitz um dos autores mais profundos sobre as questões militares. Os
marxistas sempre consideraram justamente esta tese como base teórica das
concepções sobre o significado de cada guerra determinada. Marx e Engels sempre
encararam as diferentes guerras precisamente deste ponto de vista.
Apliquemos esta concepção à presente
guerra. Veremos que durante decénios, durante quase meio século, os governos e
as classes dominantes da Inglaterra, da França, da Alemanha, da Itália, da
Áustria e da Rússia praticaram uma política de pilhagem das colónias, de
opressão de nações estrangeiras, de repressão do movimento operário. É
precisamente essa política, e apenas essa, que é continuada na actual guerra.
Em particular, na Áustria e na Rússia a política tanto do tempo de paz como do
tempo de guerra consiste na escravização das nações e não na sua libertação.
Pelo contrário, na China, na Pérsia, na Índia e noutros países dependentes
vemos ao longo dos últimos decénios uma política de despertar para a vida
nacional de dezenas e centenas de milhões de pessoas, da sua libertação da opressão
das «grandes» potências reaccionárias. A guerra nesse terreno histórico pode
ser ainda hoje uma guerra progressista burguesa, uma guerra de libertação
nacional.
Basta considerar a presente guerra do
ponto de vista da continuação nela da política das «grandes» potências e das
classes fundamentais no seio delas para ver imediatamente o carácter
clamorosamente anti-histórico, mentiroso e hipócrita da opinião segundo a qual
seria possível justificar a ideia de «defesa da pátria» na actual guerra.
(….)
O Social-Chauvinismo é o oportunismo acabado
Durante toda a época da II Internacional
decorreu por toda a parte uma luta no interior dos partidos sociais-democratas
entre a ala revolucionária e a ala oportunista. Em vários países houve cisão
segundo esta linha (Inglaterra, Itália, Holanda, Bulgária). Nenhum marxista
duvidava de que o oportunismo expressava a política burguesa no movimento
operário, expressava os interesses da pequena burguesia e da aliança de uma
ínfima parte de operários aburguesados com a «sua» burguesia contra os
interesses da massa dos proletários, da massa dos oprimidos.
As condições objectivas de fins do
século XIX reforçavam particularmente o oportunismo, transformando a utilização
da legalidade burguesa em servilismo para com ela, criando a pequena camada da
burocracia e da aristocracia da classe operária, atraindo para as fileiras dos
partidos sociais-democratas muitos «companheiros de jornada» pequeno-burgueses.
A guerra acelerou o desenvolvimento,
transformando o oportunismo em social-chauvinismo, transformando a aliança secreta
dos oportunistas com a burguesia numa aliança aberta. Além disso, as
autoridades militares decretaram por toda a parte a lei marcial e a mordaça
para a massa operária, cujos velhos chefes se passaram, quase sem excepção,
para a burguesia.
A base económica do oportunismo e do
social-chauvinismo é a mesma: os interesses de uma ínfima camada de operários
privilegiados e da pequena burguesia, que defendem a sua situação privilegiada,
o seu «direito» às migalhas dos lucros obtidos pela «sua» burguesia nacional
com a pilhagem de outras nações, com as vantagens da sua situação de grande
potência, etc.
O conteúdo ideológico-político do
oportunismo e do social-chauvinismo é o mesmo: a colaboração de classes em vez
da sua luta, a renúncia aos meios revolucionários de luta, a ajuda ao «seu»
governo em situação difícil em vez da utilização das suas dificuldades para a
revolução. Se considerarmos todos os países europeus no conjunto, se não
tivermos em atenção personalidades isoladas (mesmo as de maior prestígio),
verificaremos que foi precisamente a corrente oportunista que se tornou o
principal esteio do social-chauvinismo, e no campo dos revolucionários se ouve
quase por toda a parte um protesto mais ou menos consequente contra ele. E se
considerarmos, por exemplo, o agrupamento das tendências no congresso
socialista internacional de Estugarda de 1907, verificaremos que o marxismo
internacional era contra o imperialismo, enquanto o oportunismo internacional
já então era a favor dele.
A Unidade com os oportunistas é a
aliança dos operários com a «sua» burguesia nacional e a cisão da classe
operária revolucionária internacional
Na época passada, antes da guerra, o
oportunismo era frequentemente considerado um «desvio», um «extremismo», mas em
todo o caso uma parte constitutiva legítima do partido social-democrata. A
guerra mostrou que isso é impossível no futuro. O oportunismo «amadureceu»,
levou até ao fim o seu papel de emissário da burguesia no movimento operário. A
unidade com os oportunistas tornou-se uma hipocrisia completa, de que vemos um
exemplo no partido social-democrata alemão. Em todos os casos importantes (por
exemplo na votação de 4 de Agosto) os oportunistas aparecem com o seu ultimato,
pondo-o em prática com a ajuda das suas numerosas ligações com a burguesia, da
sua maioria nas direcções dos sindicatos, etc. A unidade com os oportunistas
significa presentemente de facto a subordinação da classe operária à «sua»
burguesia nacional, a aliança com ela para oprimir outras nações e lutar pelos
privilégios de grande potência, sendo uma cisão do proletariado revolucionário
de todos os países.
Por mais dura que seja em certos casos a
luta contra os oportunistas que dominam em muitas organizações, por mais
peculiar que seja em certos países o processo de depuração dos partidos
operários dos oportunistas, esse processo é inevitável e fecundo. O socialismo
reformista agoniza; o socialismo que renasce «será revolucionário,
intransigente, insurrecto», segundo a justa expressão do socialista francês
Paul Golay (N167).
(….)
Sobre a derrota do «seu» governo na guerra imperialista
Os defensores da vitória do seu governo
na presente guerra, tal como os defensores da palavra de ordem «nem vitória nem
derrota», adoptam do mesmo modo o ponto de vista do social-chauvinismo. Numa
guerra reaccionária, a classe revolucionária não pode deixar de desejar a
derrota do seu governo, não pode deixar de ver a ligação entre os fracassos
militares deste e a facilitação do seu derrubamento. Só o burguês, que acredita
que uma guerra iniciada pelos governos terminará necessariamente como uma
guerra entre governos, e que o deseja, acha «ridícula» ou «absurda» a ideia de
que os socialistas de todos os países beligerantes afirmem que desejam a
derrota de todos os «seus» governos. Pelo contrário, essa afirmação
corresponderia precisamente aos pensamentos secretos de qualquer operário
consciente e inscrever-se-ia na linha da nossa actividade, orientada para a
transformação da guerra imperialista em guerra civil.
Sem dúvida que a importante agitação
contra a guerra de uma parte dos socialistas ingleses, alemães e russos
«enfraquecia o poderio militar» dos respectivos governos, mas essa agitação foi
um mérito dos socialistas. Os socialistas devem explicar às massas que para
elas não há salvação a não ser no derrubamento revolucionário dos «seus»
governos e que as dificuldades desses governos na guerra actual devem ser
utilizadas precisamente com esse objectivo.
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