Karl Marx
O mundo atual é fortemente marcado pela
constante apresentação de novos “milagres” produzidos pelas inovações
tecnológicas. O sistema aparece como tendo uma capacidade infinita de resolver
problemas humanos pela “criatividade” que suscita. Em texto fundamental e muito
pouco conhecido, Marx já apontava como as pesquisas, os próprios pesquisadores
e as inovações tecnológicas estão inseridos no processo de acumulação
capitalista. Trata-se de um dos clássicos indispensáveis à compreensão de um
dos traços mais evidentes da dinâmica do capital hoje.
A aplicação das forças naturais e da
ciência
A grande produção (a cooperação em ampla
escala e o emprego de máquinas) submete, ante tudo e em grande escala, as
forças da natureza – o vento, a água, o vapor, a eletricidade – ao processo
direto de produção, transformando-as em agentes do trabalho social. (Nas formas
pré-capitalistas da agricultura o trabalho humano não é outra coisa senão uma
ajuda do processo natural que, aliás, ele não controla.) Estas forças da natureza,
enquanto tais, não custam nada. Não são produto do trabalho humano. A
apropriação das mesmas não se produz só com a ajuda das máquinas que,
diferentemente, têm um custo, já que estas são produto do trabalho passado. Por
isto, somente graças às máquinas, seus proprietários se apropriam das forças da
natureza na qualidade de agentes do processo de trabalho.
Já que estes agentes naturais não custam
nada, entram no processo de trabalho sem entrar no processo do aumento do
valor. Tornam produtivo o trabalho sem aumentar o custo do produto, sem
acrescentar o valor da mercadoria. Pelo contrário, diminuem o valor da
mercadoria individual, aumentam a massa das mercadorias produzidas no mesmo
tempo de trabalho, ao diminuir o valor de cada uma das partes correspondentes
dessa massa. Diminui também o valor da força de trabalho, ou seja, se reduz o
tempo de trabalho necessário para a produção do salário e aumenta a mais-valia,
já que aquelas mercadorias entram na produção da força de trabalho. Neste
sentido, o capital mesmo se apropria das forças da natureza, não porque estas
aumentem o valor das mercadorias, e sim porque o diminuem, já que entram no
processo de trabalho sem entrar no processo do aumento do valor. O uso destas
forças da natureza em ampla escala só é possível naqueles lugares em que se
podem empregar as máquinas em ampla escala e nos que, por conseguinte, se usa
também uma massa de operários correspondentes às mesmas e a cooperação destes
operários submetidos ao capital.
O emprego dos agentes naturais – em
certa medida, sua incorporação ao capital – coincide com o desenvolvimento da
ciência como fator autônomo do processo produtivo. Se o processo produtivo se
converte na esfera de aplicação da ciência; a ciência, pelo contrário, se
converte em fator, em função, por assim dizer, do processo produtivo. Cada
descoberta se converte na base de novas invenções ou de um novo aperfeiçoamento
dos modos de produção. O modo capitalista de produção é o primeiro a colocar as
ciências naturais a serviço direto do processo de produção, quando o
desenvolvimento da produção proporciona, diferentemente, os instrumentos para a
conquista teórica da natureza. A ciência logra o reconhecimento de ser um meio
para produzir riqueza, um meio de enriquecimento.
Deste modo, os processos produtivos se
apresentam pela primeira vez como problemas práticos, que só se podem resolver
cientificamente. A experiência e a observação (e as necessidades do processo
produtivo) alcançam assim pela primeira vez um nível que permite e torna indispensável
o emprego da ciência.
A exploração da ciência e do progresso
teórico da humanidade
O capital não cria a ciência e sim a
explora apropriando-se dela no processo produtivo. Com isto se produz,
simultaneamente, a separação entre a ciência, enquanto ciência aplicada à
produção e o trabalho direto, enquanto nas fases anteriores da produção a
experiência e o intercâmbio limitado de conhecimentos estavam ligados
diretamente ao próprio trabalho; não se desenvolviam tais conhecimentos como
força separada e independente da produção e, portanto, não haviam chegado nunca
em conjunto além dos limites da tradicional coleção de receitas que existiam
desde há muito tempo e que só se desenvolviam muito lenta e gradualmente
(estudo empírico de cada um dos artesanatos). O braço e a mente não estavam
separados.
Do mesmo modo que por máquina entendemos
a “máquina do patrão” e, por sua função, a “função do patrão”, no processo
produtivo (na produção), assim é também a situação da ciência que se encarna
nesta máquina, nos modos de produção, nos processos químicos, etc. A ciência
intervém como força externa, hostil ao trabalho, que o domina e cuja aplicação
é, por uma parte, desenvolvimento científico de testemunhos, de observações, de
segredos do artesanato adquiridos por vias experimentais, pela análise do
processo produtivo e aplicação das ciências naturais ao processo material
produtivo; e como tal, se baseia, do mesmo modo, na separação das forças
espirituais do processo no que se refere aos conhecimentos, testemunhos e
capacidades do operário individual e como a acumulação e o desenvolvimento das
condições de produção e sua transformação em capital se baseiam na privação do
operário destas condições, na separação do operário em relação às mesmas.
Ademais, o trabalho na fábrica ao operário o conhecimento de alguns
procedimentos: por isso se revogaram as leis da aprendizagem, enquanto luta do
Estado, etc., para que as crianças da fábrica aprendessem pelo menos a ler e a
escrever, demonstra que esta aplicação da ciência ao processo de produção
coincide com a repressão de todo desenvolvimento intelectual no curso deste
processo. Na realidade, apesar disto se constitui um pequeno grupo de operários
altamente qualificados; no entanto, o número destes não guarda nenhuma relação
com as massas de operários “privados de conhecimentos” (entkenntnisten).
Por outra parte, resultam igualmente
evidentes os seguintes fatos: o desenvolvimento das ciências naturais (que
formam, aliás, a base de qualquer conhecimento), como de qualquer noção (que se
refira ao processo produtivo) ocorre novamente sobre a base da produção
capitalista que pela primeira vez lhes proporciona em grande medida — às
ciências — os meios materiais de investigação, observação, experimentação. Já
que as ciências são utilizadas pelo capital como meio de enriquecimento e se
convertem, portanto, em meios de enriquecimento para os homens que se ocupam do
desenvolvimento das ciências, os homens de ciência competem entre si no intento
de encontrar uma aplicação prática da ciência. De outro lado, a invenção se
converte em uma espécie de artesanato. Por isso junto com a produção
capitalista se desenvolve, pela primeira vez de maneira consciente, o fator
científico em certo nível, se emprega e se constitui em dimensões que não se
poderiam conceber em épocas anteriores ...
Somente a produção capitalista
transforma o processo produtivo material em aplicação da ciência à produção —
em ciência, posta em prática, mas somente submetendo o trabalho ao capital e
reprimindo o próprio desenvolvimento intelectual e profissional ...
No séc. XVIII, o progresso no campo das
matemáticas, da mecânica, da química e as descobertas na Inglaterra, França,
Suíça e Alemanha se produziram quase simultaneamente. Também se produz o mesmo
fenômeno por exemplo com as invenções na França. Mas só na Inglaterra se
produzia seu emprego em sentido capitalista, já que somente nela se haviam
desenvolvido tanto as relações econômicas que tornavam possível a exploração do
progresso científico por parte do capital. (Tiveram nisto uma importância
decisiva suas relações agrárias e suas possessões coloniais.)...
Examinamos separadamente a mais-valia
absoluta e relativa. Na produção capitalista, pelo contrário, ambas estão
unidas. E precisamente no desenvolvimento industrial contemporâneo se evidencia
que se desenvolvem simultaneamente: a jornada de trabalho se prolonga na medida
em que diminui o tempo necessário, graças ao desenvolvimento das forças sociais
produtivas de trabalho.
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