Karl Marx
Discurso pronunciado na Associação
Democrática de Bruxelas. Na reunião pública de 7 de janeiro de 1848
Senhores,
A abolição das leis sobre os cereais na
Inglaterra é o maior triunfo que o livre-câmbio alcançou no século XIX. Em
todos os países onde os fabricantes falam de livre-câmbio, eles têm
principalmente em vista o livre-câmbio dos cereais e das matérias-primas em
geral. Sujeitar a direitos protetores os cereais estrangeiros é infame, é
especular sobre a fome das populações.
Pão a preços baixos, salários altos,
cheap food, high wages, eis o objetivo com o qual os free-traders, na
Inglaterra, despenderam milhões; e seu entusiasmo já se estendeu aos seus
irmãos do continente. Em geral, se se deseja o livre-câmbio, é para aliviar a
condição da classe laboriosa.
Mas, coisa espantosa! O povo, ao qual se
quer a toda força proporcionar pão a preços baixos, é muito ingrato. O pão a
preços baixos é tão desacreditado na Inglaterra como os governos frouxos o são
na França. O povo vê nos homens devotados, num Bowring, num Bright e outros,
seus maiores inimigos e os hipócritas mais descarados.
Toda gente sabe que a luta entre os
liberais e os democratas é, na Inglaterra, a luta entre free-traders e os
cartistas.
Vejamos agora como os free-traders
ingleses provaram ao povo os bons sentimentos que os faziam agir.
Eis o que diziam aos operários das fábricas:
O direito cobrado sobre os cereais é um
imposto sobre o salário, e este imposto vós o pagais aos senhores territoriais,
a estes aristocratas da Idade Média; se vossa situação é de miséria, é por
causa dos preços elevados dos gêneros de primeira necessidade.
Os operários perguntavam por sua vez aos
fabricantes:
Como se explica que nestes trinta anos, nos quais a nossa indústria teve o seu maior desenvolvimento, nossos salários tenham baixados numa proporção bem maior do que aquela em que se verificou a alta dos preços dos cereais?
O imposto que pagamos aos proprietários
territoriais, como pretendeis, representa para o operário apenas três pence
(seis soldos) por semana. E entretanto o salário do tecelão manual desceu de 28
shillings por semana a 5 shillings, de 35 francos a 7,25 francos, entre 1815 e
1843; e o salário do tecelão, na oficina automática, foi reduzido de 20
shillings por semana a 8 shillings, de 25 francos a 10 francos, entre 1825 e
1843.
E durante todo esse tempo o imposto que
em parte pagamos ao proprietário territorial nunca foi além de três pence. Além
disso, em 1834, quando o pão estava muito em conta e o comércio ia muito bem, o
que é que dizíeis? Se estais em má situação, é porque tendes muitos filhos, é
porque vosso casamento é mais fecundo do que a nossa indústria!
Eis as palavras que nos dirigíeis então;
e íeis elaborar as novas leis dos pobres e construir as work-houses, estas
bastilhas dos proletários.
E a isso replicavam os fabricantes:
Tendes razão, senhores operários; não é
somente o preço do trigo, mas também a concorrência entre os braços que se
oferecem que determina o salário.
Pensai bem, entretanto, numa coisa: o
nosso solo é constituído apenas de rochedos e de bancos de areia. Imaginais,
por acaso, que se poderá produzir trigo num vaso de flores? Assim, se, em vez
de prodigalizarmos nosso capital e nosso trabalho num solo completamente
estéril, abandonássemos a agricultura para nos dedicar inteiramente à indústria,
toda a Europa abandonaria as manufaturas, e a Inglaterra formaria uma só cidade
manufatureira, que teria como campo o resto da Europa.
Ao falar deste modo aos seus próprios
operários, o fabricante é interpelado pelo pequeno comerciante, que lhe diz:
Se abolirmos as leis sobre os cereais
arruinaremos, é verdade, a agricultura, mas não forçaremos por isso os outros
países a se abastecerem nas nossas fábricas e a abandonarem as suas.
Que resultará disso? Perderei os
fregueses que tenho agora no campo, e o comércio interno perderá seus mercados.
O fabricante, voltando as costas para o
operário, responde ao merceeiro:
Quanto a isto, deixai por nossa conta.
Uma vez abolido o imposto sobre o trigo, teremos por preços mais baixos trigo
do estrangeiro. Em seguida baixaremos os salários, que se, elevarão ao mesmo
tempo nos outros países, de onde recebemos os cereais.
Assim, além das vantagens que já temos,
teremos ainda a de um salário menor, e, com todas estas vantagens, poderemos
muito bem forçar o continente a se abastecer em nosso país.
Entretanto, eis que o rendeiro e o operário agrícola entram na discussão.
E, quanto a nós, qual será a nossa situação? perguntam eles.
Poderíamos aceitar uma sentença de morte
contra a agricultura que nos faz viver? Deveríamos consentir em que nos tirem o
solo de sob os pés?
Como única resposta, a Anti-corn-law
League contentou-se em conferir prêmios aos três melhores trabalhos publicados
sobre a influência salutar da abolição das leis dos cereais sobre a indústria
inglesa.
Estes prêmios foram conquistados pelos
srs. Hope, Morse e Gregg, e seus livros foram divulgados no campo aos milhares
de exemplares.
Um dos laureados esforça-se por provar
que não é nem o rendeiro nem o assalariado agrícola que perderão com a
importação livre dos cereais estrangeiros, mas somente o proprietário
territorial.
O rendeiro inglês, exclama ele, não deve
temer a abolição das leis sobre os cereais, porque nenhum país poderia,
produzir trigo a preços tão baixos e de tão boa qualidade como a Inglaterra.
Assim, mesmo no caso de cair o preço do
trigo, isto não vos poderia prejudicar, porque esta baixa atingiria unicamente
a renda, que diminuiria, e de nenhum modo o lucro industrial e o salário, que
permaneceriam os mesmos.
O segundo laureado, sr. Morse, sustenta,
ao contrário, que o preço do trigo subirá em seguida à abolição das leis sobre
os cereais. E se dá a um trabalho infinito para demonstrar que os direitos de
proteção jamais puderam assegurar ao trigo um preço remunerador.
Em apoio de sua asserção, cita o fato de
que todas as vezes que se importou trigo estrangeiro, o preço do trigo subiu
consideravelmente na Inglaterra; e quando se importava pouco, ele descia
extremamente. O laureado se esquece de que a importação não era a causa do
preço elevado, mas que o preço elevado era a causa da importação.
E, em completa oposição ao seu
co-laureado, afirma que toda alta nos preços dos cereais redunda em benefício
do rendeiro e do operário, e não em benefício do proprietário.
O terceiro laureado, sr. Gregg, que é um
grande fabricante e cujo livro se dirige à classe dos grandes rendeiros, não
podia argumentar com tais ninharias. Sua linguagem é mais científica.
Convém que as leis sobre os cereais não
façam subir a renda senão fazendo subir o preço do trigo e que elas não façam
subir o preço do trigo senão impondo ao capital a obrigação de se aplicar a
terras de qualidade inferior, sendo óbvia a explicação de tal coisa.
À medida que a população aumenta, e não
podendo o trigo estrangeiro entrar no país, é forçoso recorrer-se a terras
menos férteis, cuja cultura exige mais despesas, e cujo produto é, em
consequência, mais caro.
Sendo o trigo de venda forçada, o preço
será regulado necessariamente pelo preço dos produtos das terras mais onerosas.
A diferença existente entre estes preços e o custo de produção das melhores
terras constitui a renda.
Assim, se, em seguida à abolição das
leis sobre os cereais, o preço do trigo e, em consequência, a renda caem, é
porque as terras pouco produtivas deixarão de ser cultivadas. Logo, a redução
da renda acarretará infalivelmente a ruína de uma parte dos rendeiros.
Estas observações eram necessárias para
fazer compreender a linguagem do sr. Gregg.
Os pequenos rendeiros, diz ele, que não
conseguirem manter-se na agricultura terão um recurso na indústria. Quanto aos
grandes rendeiros, eles devem lucrar com isso, pois ou os proprietários serão
forçados a vender-lhes por preços baixos suas terras ou os contratos de
arrendamento que farão com eles serão de prazos muito prolongados. E isso lhes
permitirá empregar grandes capitais na terra, utilizar máquinas numa escala
maior, e assim fazer economia no que diz respeito ao trabalho manual que,
aliás, se tornará mais barato com a baixa geral dos salários, consequência
imediata das leis sobre os cereais.
O doutor Bowring deu a todos estes
argumentos uma consagração religiosa, ao exclamar, numa reunião pública:
Jesus Cristo é o free-trade; o
free-trade é Jesus Cristo.
Compreende-se que toda esta hipocrisia
não era adequada a fazer com que os operários fossem tentados pelo pão a preços
baixos.
Como, aliás, poderiam os operários compreender a filantropia subitânea dos fabricantes, desta gente que ainda estava ocupada no combate ao projeto de lei das dez horas, com o qual se queria reduzir o dia de trabalho dos operários das fábricas de doze para dez horas?
Para vos dar uma ideia da filantropia
dos, fabricantes, lembrar-vos-ei, senhores, os regulamentos adotados em todas
as fábricas.
Cada fabricante tem para seu uso
particular um verdadeiro código com multas estipuladas para todas as faltas
voluntárias ou involuntárias. Por exemplo, o operário pagará tanto, se tiver a
infelicidade de se sentar numa cadeira, de cochichar, conversar, ou rir, se
chegar alguns minutos atrasado, se acontecer partir-se uma peça da máquina, se
não entregar os objetos na quantidade desejada, etc., etc. As multas são sempre
mais elevadas do que os danos verdadeiramente ocasionados pelo operário. E para
que o operário possa mais facilmente incorrer nas penalidades, adianta-se o
relógio da fábrica, fornecem-se matérias-primas de má qualidade para que se
façam com elas boas peças. O contramestre que não se mostrar capaz de
multiplicar os casos de contravenção é destituído de suas funções.
Como vedes, senhores, esta legislação
interna é feita para produzir contravenções, e procura-se fazer com que aumente
o número de contravenções para que aumente o dinheiro arrecadado. Assim, o
fabricante emprega todos os meios para reduzir o salário nominal e para
explorar até os acidentes pelos os quais o operário não pode ser
responsabilizado.
Estes fabricantes são os mesmos
filantropos que quiseram fazer com que os operários acreditassem que eram capazes
de fazer despesas enormes, unicamente para melhorar a sua sorte.
Assim, de um lado, eles reduzem da
maneira mais mesquinha o salário do operário através dos regulamentos de
fábrica, e, de outro, lhe impõem os maiores sacrifícios para fazê-lo subir por
meio da Anti-corn-law League.
Eles constroem, com grandes despesas,
palácios onde a League estabelecia, de certo modo, sua sede oficial; põem em
movimento um exército de missionários que se dirigem para todos os pontos da
Inglaterra, a fim de pregarem a religião do livre-câmbio; mandam imprimir e
distribuir gratuitamente milhares de brochuras para esclarecerem o operário
acerca de seus próprios interesses; despendem somas enormes para tornar a
imprensa favorável à sua causa; organizam uma vasta administração para dirigir
os movimentos livre-cambistas; e empregam todos os recursos de sua eloquência
nos comícios públicos. Foi num desses comícios que um operário exclamou:
"Se os proprietários territoriais
vendessem nossos ossos, vós, fabricantes, serieis os primeiros a comprá-los,
para atirá-los num moinho a vapor e transformá-los em farinha".
Os operários ingleses compreenderam
muito bem a significação da luta entre os proprietários territoriais e os
capitalistas industriais. Eles sabem muito bem que se queria rebaixar o preço
do pão para rebaixar o salário e que o lucro industrial aumentaria na proporção
em que a renda diminuísse.
Ricardo, o apóstolo dos free-traders
ingleses, o mais notável dos economistas do nosso século, está, a este
respeito, de perfeito acordo com os operários.
Ele escreveu na sua célebre obra sobre economia política:
"Se, em vez de cultivar trigo em
nosso país, descobríssemos um novo mercado onde pudéssemos encontrar esse
produto por preços mais em conta, os salários deveriam, nesse caso, baixar e os
lucros aumentar. A baixa do preço dos produtos da agricultura reduz os salários
não somente dos operários agrícolas, mas também de todos os que trabalham nas
manufaturas ou estão empregados no comércio."
E não acrediteis, senhores, que se trate
de coisa inteiramente indiferente para o operário não receber mais de quatro
francos, estando o trigo mais barato, no lugar dos cinco francos que recebia
anteriormente.
Seu salário não diminuiu, de qualquer
modo, em relação ao lucro? E não é claro que sua posição social piorou em face
do capitalismo? Além disso, ele perde ainda concretamente.
Enquanto o preço do trigo estava a
preços mais altos, sendo o salário também mais elevado, uma pequena economia
feita no consumo do pão bastava para proporcionar ao operário outros proveitos,
mas desde o momento que o pão e, em consequência, o salário, baixam, ele não
poderá economizar quase nada sobre o pão para a aquisição de outros objetos.
Os operários ingleses fizeram sentir aos
free-traders que eles não se deixavam enganar pelas suas ilusões e suas
mentiras, e se, apesar disso, se associaram a eles contra os proprietários
territoriais, foi para destruir os últimos restos da feudalidade e para ter
pela frente um único inimigo. Os operários não se enganaram em seus cálculos,
pois os proprietários territoriais, para se vingar dos fabricantes, fizeram
causa comum com os operários na aprovação da lei das dez horas, que estes
últimos pleiteavam em vão fazia trinta anos, e que foi adotada imediatamente
depois da abolição dos direitos sobre os cereais.
Se, no congresso dos economistas, o
doutor Bowring tirou de seu bolso uma longa lista para mostrar todas as partes
do boi, o presunto, o toucinho, os frangos, etc., etc., que foram importados na
Inglaterra, para serem consumidos, como disse, pelos operários, ele se esqueceu
infortunadamente de vos dizer que no mesmo instante os trabalhadores de
Manchester e de outras cidades manufatureiras, eram despedidos de seus empregos
em consequência da crise que começava.
Em economia política, não se deve
jamais, em princípio, agrupar os algarismos referentes a um único ano para
deles deduzir leis gerais. Deve-se tomar sempre o termo médio de seis a sete
anos — lapso de tempo durante o qual a indústria moderna passa por fases
diferentes de prosperidade, superprodução, estagnação, crise e completa seu
ciclo fatal.
Sem dúvida, se os preços de todas as
mercadorias descerem, e essa é a consequência necessária do livre-câmbio, eu
poderia obter com um franco muito mais coisas do que antes. E o franco do
operário vale tanto quanto qualquer outro. Logo, o livre-câmbio será muito
vantajoso para o operário. Existe somente um pequeno inconveniente: é que o
operário, antes de trocar o seu franco por outras mercadorias, havia feito,
primeiramente, a troca de seu trabalho por capital. Se nesta troca ele
recebesse sempre pelo mesmo trabalho o franco em questão, e se os preços de
todas as outras mercadorias descessem, ele ganharia sempre nessa transação. O
ponto difícil não está em provar que baixando o preço de todas as mercadorias
terei mais mercadorias pelo mesmo dinheiro.
Os economistas consideram sempre o preço
do trabalho no momento em que ele é trocado por outras mercadorias. Mas deixam
inteiramente de lado o momento em que é efetuada a troca do trabalho por
capital.
Quando forem necessárias menos despesas
para pôr em movimento a máquina que produz as mercadorias, as coisas
indispensáveis para sustentar esta máquina que se chama trabalhador custarão
igualmente menos. Se todas as mercadorias estiverem mais baratas, o trabalho,
que é também uma mercadoria baixará também de preço, e, como veremos mais
tarde, este trabalho — mercadoria baixará proporcionalmente muito mais do que
as outras mercadorias. O trabalhador, depois de ter confiado na argumentação
dos economistas, verificará que o franco se derreteu em seu bolso, e que não
lhe restam senão cinco soldos.
Os economistas dirão então: pois bem,
convimos em que a concorrência entre os operários, a qual certamente não terá
diminuído sob o regime do livre-câmbio, não tardará a colocar os salários de
acordo com o preço baixo das mercadorias. Mas de outro lado o preço baixo das
mercadorias determinará o aumento do consumo; o consumo maior exigirá uma maior
produção, a qual será seguida de uma maior procura de braços, e a esta maior
procura de braços sucederá uma alta de salários.
Toda esta argumentação se reduz ao
seguinte: o livre-câmbio aumenta as forças produtivas. Se a indústria cresce,
se a riqueza, a força de produção, se, numa palavra, o capital produtivo
aumenta a procura de trabalho, o preço do trabalho e, como consequência, o
salário, aumentam igualmente. A melhor condição para o operário é o crescimento
do capital. E é preciso concordar com isso. Se o capital permanecer
estacionário, a indústria não permanecerá somente estacionária, mas declinará,
e neste caso, o operário será a primeira vítima. Ele perecerá antes do
capitalista. E se o capital continuar a crescer nesse estado de coisas que
apontamos, o melhor para o operário, qual será a sua sorte? Perecerá
igualmente. O crescimento do capital produtivo implica a acumulação e a
concentração dos capitais. A concentração dos capitais leva a uma maior divisão
do trabalho e a um maior emprego de máquinas. A maior divisão do trabalho
destrói a especialização do trabalho, destrói a especialização do trabalhador,
e pondo no lugar desta especialização um trabalho que toda gente pode fazer,
ele aumenta a concorrência entre os operários.
Esta concorrência torna-se ainda mais
intensa, pois a divisão do trabalho permite ao operário fazer sozinho o
trabalho de três pessoas.
As máquinas apresentam o mesmo resultado
numa escala muito maior. O crescimento do capital produtivo, forçando os
capitalistas industriais a trabalharem com meios sempre crescentes, arruína os
pequenos industriais e os atira no proletariado. Em seguida, a taxa do juro
diminuindo à medida que os capitais se acumulam, os pequenos rendeiros que não
podem mais viver de suas rendas serão forçados a entrar na indústria, para
aumentarem depois o número de proletários.
Enfim, quanto mais aumenta o capital
produtivo, mais é ele forçado a produzir para um mercado de que não conhece as
necessidades, quanto mais a produção precede ao consumo, mais a oferta procura
forçar a procura, e, em consequência, as crises aumentam de intensidade e de
rapidez. Mas toda crise, por sua vez, acelera a centralização dos capitais e
torna maior o número de proletários.
Assim, à medida que o capital produtivo
cresce, a concorrência entre os operários aumenta numa proporção muito mais
intensa. A retribuição do trabalho diminui para todos, e o fardo do trabalho
aumenta para alguns.
Em 1829, havia em Manchester 1.088
fiandeiros trabalhando em 36 fábricas. Em 1841 não havia senão 448, e estes
movimentavam 53.353 fusos a mais do que os 1.088 operários de 1829. Se a
relação do trabalho manual com o poder produtivo tivesse aumentado
proporcionalmente, o número dos operários teria sido de 1848; assim os
melhoramentos introduzidos na mecânica tiraram o trabalho a 1.100 operários.
Sabemos com antecedência a resposta dos
economistas. Estes homens privados de trabalho, dizem eles, encontrarão outro
emprego para seus braços. O senhor doutor Bowring não deixou de reproduzir este
argumento no congresso dos economistas, mas também não deixou de refutar a si
mesmo.
Em 1833, o doutor Bowring pronunciou um
discurso na Câmara dos Comuns, a respeito dos 50.000 tecelões de Londres que
fazia muito tempo morriam de inanição, sem conseguirem encontrar esta nova
ocupação que os free-traders fazem entrever à distância.
Vamos citar as passagens mais importantes desse discurso do senhor doutor Bowring.
"A miséria dos tecelões manuais,
disse ele, é a sorte inevitável de toda espécie de trabalho que se prende
facilmente e que é susceptível de ser a cada momento substituída por meios
menos dispendiosos. Como, neste caso, a concorrência entre os operários é
extremamente grande, a menor diminuição na procura produz uma crise. Os
tecelões manuais encontram-se de algum modo colocados nos confins da existência
humana. Um passo mais, e a sua existência se tornará impossível. O menor choque
bastará para atirá-los ao caminho do aniquilamento. O progresso da mecânica,
suprimindo cada vez mais o trabalho manual, ocasiona infalivelmente durante a
época de transição muitos sofrimentos temporais. O bem-estar nacional não
poderia ser obtido senão à custa de alguns males individuais. Não se avança na
indústria senão com prejuízo dos retardatários; e de todas as descobertas, o
tear a vapor é a que mais esmaga com seu peso os tecelões manuais. Já em muitos
artigos que se faziam a mão, o tecelão foi posto fora de combate, mas ele será
vencido em muitas outras coisas que ainda se fazem a mão.
Tenho nas mãos, diz ele mais adiante,
uma correspondência do governador geral com a Companhia das Índias Orientais.
Esta correspondência diz respeito aos tecelões do distrito de Dacca. O
governador diz em suas cartas: há alguns anos a Companhia das Índias Orientais
recebia de seis a oito milhões de peças de algodão, que eram fabricadas nos
teares do país; a procura caiu gradualmente e foi reduzida a cerca de um milhão
de peças.
Neste momento ela cessou quase
completamente. Além disso, em 1800, a América do Norte adquirira nas Índias
cerca de 800.000 peças de algodão. Em 1830 não adquiriu nem mesmo 4.000. Enfim,
em 1800, foi embarcado, para ser transportado para Portugal, um milhão de peças
de algodão. Em 1830, Portugal não recebia senão 20.000.
Os relatórios sobre a miséria dos
tecelões indianos são terríveis. E qual foi a origem desta miséria?
A presença no mercado dos produtos
ingleses; a produção do artigo por meio do tear a vapor. Um número muito grande
de tecelões morreu de inanição; o restante passou para outras ocupações,
sobretudo para os trabalhos agrícolas. Não saber mudar de ocupação equivalia a uma
sentença de morte. Neste momento o distrito de Dacca está repleto de fios e de
tecidos ingleses. A musselina de Dacca, famosa no mundo inteiro pela sua beleza
e firmeza de sua textura, foi também eclipsada pela concorrência das máquinas
inglesas. Em toda a história do comércio, seria talvez difícil encontrar
sofrimentos semelhantes aos que tiveram de suportar classes inteiras nas Índias
Orientais."
O discurso do senhor doutor Bowring é
notável principalmente por serem exatos os fatos nele citados, e as frases com
que tenta mitigá-los têm o caráter da hipocrisia comum a todos os sermões
livre-cambistas. Ele apresenta os operários como meios de produção que precisam
ser substituídos por outros meios de produção menos dispendiosos. Finge ver no
trabalho de que fala um trabalho inteiramente excepcional, e na máquina que
esmagou os tecelões uma máquina igualmente excepcional. Esquece-se de que não
há trabalho manual que não seja susceptível de sofrer um dia a sorte da
tecelagem.
"O objetivo constante e a tendência
de todo aperfeiçoamento no mecanismo são, com efeito, dispensar inteiramente o
homem ou diminuir o seu preço por meio da substituição da indústria do operário
adulto pela das mulheres e das crianças, ou pelo trabalho do operário inábil o
do artesão experimentado. Na maior parte das fiações de teares contínuos, em
inglês throstle-mills, a fiação é inteiramente executada por mocinhas de
dezesseis anos e de menos idade. A substituição da mull-jenny comum pela
mull-jenny automática teve como efeito o desemprego da maior parte dos
fiandeiros, sendo mantidos no trabalho as crianças e os adolescentes."
Estas palavras do mais apaixonado dos
livre-cambistas, o senhor doutor Ure, servem para completar as confissões do
sr. Bowring. O sr. Bowring fala de alguns males individuais, e diz, ao mesmo
tempo, que estes males individuais fazem perecer classes inteiras; fala dos
sofrimentos passageiros do período de transição, sem contudo procurar
dissimular que estes sofrimentos passageiros consistiram para a maior parte dos
trabalhadores na passagem da vida para a morte, e para a parte restante no
movimento de transição para uma condição inferior àquela na qual se encontravam
anteriormente. Se ele diz, mais adiante, que o infortúnio destes operários é
inseparável do progresso da indústria e necessário ao bem-estar nacional, ele
diz simplesmente que o bem-estar da classe burguesa tem como condição
necessária a desgraça da classe laboriosa.
Toda a consolação que o sr. Bowring
pródiga aos operários que perecem, e, em geral, toda a doutrina de compensação
que os free-traders estabelecem, reduz-se ao seguinte:
Vós, milhares de operários que
definhais, não vos desoleis. Podeis morrer com toda a tranquilidade. Vossa
classe não perecerá. Ela será sempre bastante numerosa para que o capital a
possa dizimar, sem que tenha de recear o seu extermínio. Aliás, como havíeis de
querer que o capital encontrasse uma aplicação útil, se ele não tivesse o
cuidado de se proporcionar sempre a matéria explorável, os operários, para os
explorar de novo?
E também, por que apresentar como
problema a ser resolvido a influência que a efetivação do livre-câmbio exercerá
sobre a situação da classe operária? Todas as leis que os economistas
expuseram, desde Quesnay até Ricardo, foram estabelecidas na suposição de que
os entraves que ainda dificultam a liberdade comercial deixaram de existir.
Estas leis se confirmam à medida que o livre-câmbio se torna uma realidade.
A primeira destas leis é que a
concorrência reduz o preço de toda mercadoria ao mínimo de seu custo de
produção. Assim, o mínimo de salário é o preço natural do trabalho. E que é o
mínimo de salário? É precisamente o necessário para fazer produzir os objetos
indispensáveis ao sustento do operário, para pô-lo em condições de se alimentar
bem ou mal e de propagar por pouco que seja a sua raça.
Não suponhamos, contudo, que o operário
não terá senão este mínimo de salário; não suponhamos, também, que ele terá
sempre este mínimo de salário.
Não, segundo esta lei, a classe operária
será às vezes mais feliz. Ela terá algumas vezes mais do que o mínimo; mas este
excedente não será senão o suplemento daquilo que ela terá recebido abaixo do
mínimo na época de estagnação industrial. Isso quer dizer que num certo lapso
de tempo que é sempre periódico, neste círculo que a indústria faz, passando
pelas vicissitudes de prosperidade, de superprodução, de estagnação e de crise
— e considerando-se tudo o que os trabalhadores terão tido a mais ou a menos
que o mínimo — isso tudo quer dizer que a classe operária não será conservada
como classe senão depois de muitas desgraças e misérias e cadáveres deixados
sobre o campo de batalha industrial. Mas que importa? A classe subsiste sempre,
e, melhor ainda, ela terá aumentado.
Isso não é tudo. O progresso da
indústria produz meios de existência menos custosos. É assim que a aguardente
substituiu a cerveja, que o algodão substituiu a lã e o linho, e que a batata
substituiu o pão.
Assim, como se encontra sempre meio de
alimentar o trabalho com coisas menos caras e mais miseráveis, o mínimo de
salário vai sempre diminuindo. Se este salário começou por fazer trabalhar o
homem para viver, ele acabou fazendo o homem viver uma vida de máquina. Sua
existência não tem outro valor senão o de uma simples força produtiva, e o
capitalista o trata em consequência.
Esta lei do trabalho-mercadoria, do
mínimo do salário, verificar-se-á à medida que a suposição dos economistas, o
livre-câmbio, se torne uma realidade, uma atualidade. Assim, das duas cousas
uma: ou é preciso renegar toda a economia política baseada sobre a suposição do
livre-câmbio, ou então é preciso convir em que os operários serão atingidos por
todo o rigor das leis econômicas neste regime de livre-câmbio.
Para resumir: no estado atual da
sociedade, que é, pois, o livre-câmbio? É a liberdade do capital. Quando
tiverdes feito cair os poucos entraves nacionais que ainda dificultam a marcha
do capital, não tereis feito senão libertar inteiramente a sua ação. Enquanto
se deixar subsistir a relação entre o trabalho assalariado e o capital, a troca
das mercadorias entre elas em vão se fará nas condições mais favoráveis: haverá
sempre uma classe que explorará e uma classe que será explorada. É
verdadeiramente difícil compreender a pretensão dos livre-cambistas, que
imaginam que o emprego mais vantajoso do capital fará desaparecer o antagonismo
entre os capitalistas industriais e os trabalhadores assalariados. Pelo
contrário, tudo o que resultará é que a oposição destas duas classes se
acentuará ainda mais nitidamente.
Admiti por um instante que não haja mais
leis sobre os cereais, nem alfândega, nem direitos de barreira, enfim, que
todas as circunstâncias acidentais, às quais o operário pode ainda atribuir a
culpa de sua situação de miséria, tenham desaparecido inteiramente, e tereis
rasgado tantos outros véus que ocultam a seus olhos o seu verdadeiro inimigo.
Ele verá que o capital libertado não o escraviza menos que o capital molestado pelas aduanas.
Senhores, não vos deixeis iludir pela
palavra abstrata de liberdade. Liberdade para quem? Esta não é a liberdade de
um simples indivíduo em presença de outro indivíduo. É a liberdade que tem o
capital de esmagar o trabalhador.
Como havíeis ainda de querer sancionar a
livre concorrência com esta ideia de liberdade quando esta liberdade não é
senão o produto de um estado de cousas baseado sobre a livre concorrência?
Já vimos o que é a fraternidade que o
livre-câmbio faz nascer entre as diferentes classes de uma só e mesma nação. A
fraternidade que o livre-câmbio viesse a estabelecer entre as diversas nações
da terra não seria mais fraternal. Designar pelo nome de fraternidade universal
a exploração em seu estado cosmopolita é uma ideia que não poderia ter origem
senão no seio da burguesia. Todos os fenômenos destruidores que a livre
concorrência faz nascer no interior de um país se reproduzem em proporções mais
gigantescas no mercado mundial. Não temos necessidade de nos deter mais longamente
nos sofismas que expendem sobre este assunto os livre-cambistas, e que valem
bem os argumentos de nossos três laureados, srs. Hope, Morse e Gregg.
Alega-se, por exemplo, que o livre-câmbio faria nascer uma divisão internacional do trabalho, a qual atribuiria a cada país uma produção em harmonia com seus recursos naturais.
Pensais, talvez, senhores, que a produção de café e de açúcar é o destino natural das Índias Ocidentais.
Dois séculos antes, a natureza, que não
se preocupa muito com comércio, não havia colocado naquela região nem cafeeiros
nem cana de açúcar.
E não se passará talvez nem meio século, e não encontrareis mais ali nem café nem açúcar, pois as Índias Orientais, através de uma produção mais barata, já enfrentaram vitoriosamente este pretenso destino natural das Índias Ocidentais. E estas Índias Ocidentais com seus dons naturais já são para os ingleses um fardo tão pesado quanto os tecelões de Dacca, que, eles também, estavam destinados desde a origem dos tempos a tecer à mão.
Outra coisa que não se deve jamais
perder de vista é que, do mesmo modo como tudo se tornou monopólio, há também
em nossos dias alguns ramos industriais que dominam todos os outros e que asseguram
aos povos que mais os exploram o império sobre o mercado mundial. É assim que
no comércio internacional o algodão sozinho tem um maior valor comercial do que
todas as matérias-primas empregadas para a fabricação de roupas, consideradas
em conjunto. E é verdadeiramente risível ver os livre-cambistas fazer ressaltar
umas poucas especialidades em cada ramo industrial para compará-las com os
produtos de uso comum que se produzem a preços mais baixos nos países onde a
indústria se encontra em grande desenvolvimento.
Não devemos nos admirar de que os
livre-cambistas não consigam compreender como um país pode se enriquecer à
custa de outros, pois estes mesmos senhores também não querem compreender como,
no interior de um país, uma classe pode se enriquecer à custa de outra classe.
Não acrediteis, senhores, que fazendo a
crítica da liberdade comercial temos a intenção de defender o sistema
protecionista. Podeis vos declarar inimigos do regime constitucional, e nem por
isso vos declarais amigos do antigo regime.
Aliás, o sistema protecionista não é
senão um meio de se estabelecer numa nação a grande indústria, isto é, de
fazê-la depender do mercado mundial, e desde que se dependa do mercado mundial
já se depende mais ou menos do livre-câmbio. Além disso, o sistema
protecionista contribui para desenvolver a livre concorrência no interior de um
país. É por isso que vemos a burguesia fazer grandes esforços para ter direitos
de proteção nos países onde ela começa a se fazer valer como classe, como, por
exemplo, na Alemanha. Esses direitos são para ela armas contra a feudalidade e
contra o governo absoluto, um meio de concentrar suas forças, de realizar o
livre-câmbio no interior do seu próprio país.
Mas, em geral, nos nossos dias, o sistema do livre-câmbio é destruidor. Ele dissolve as antigas nacionalidades e leva ao extremo o antagonismo entre a burguesia e o proletariado. Numa palavra, o sistema da liberdade de comércio apressa a revolução social. É somente neste sentido revolucionário, senhores, que eu voto em favor do livre-câmbio.
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