domingo, 14 de janeiro de 2018

O Desenvolvimento Econômico da Sociedade Parte: II. A Escravidão

Por :L. Segal

II. A Escravidão

O trabalho dos escravos era relativamente pouco empregado ao iniciar-se o sistema da escravidão. Ao lado das famílias que utilizavam a mão de obra dos escravos, havia muitas que se conformavam com a própria força de trabalho do grupo familiar. Mas, como consequência do desenvolvimento da troca e do aparecimento do dinheiro, as pequenas explorações foram sendo absorvidas pelas maiores, que empregavam a mão de obra dos escravos. Vejamos como se realizou esse processo.

O crescimento da divisão do trabalho e da troca deu origem a uma classe — comerciantes — que não se ocupava da produção, mas apenas comprava e vendia as mercadorias, como intermediários. Era, como diz Engels: uma terceira divisão do trabalho, de grande importância. Os comerciantes aproveitavam-se do isolamento dos pequenos produtores em relação ao mercado. Compravam deles as mercadorias a baixos preços, revendendo-as a preços elevados. Exploravam, dessa maneira, os produtores e os consumidores. Por outro lado, do crescimento da produção mercantil e da circulação monetária resultou que, depois da compra de mercadorias por dinheiro, vieram os empréstimos e, com eles, os juros e a usura.

O capital usurário acorrentou, mediante dívidas, os pequenos proprietários — camponeses e artesãos — escravisando-os. Na Grécia antiga e em Roma, a maior parte dos pequenos produtores caiu, num período relativamente curto, na dependência servil dos usurários. A contenda entre os usurários e os devedores foi a principal forma de luta de classes dentro da população livre.

"A luta de classes do mando antigo toma primordialmente a forma de uma luta entre credores e devedores e termina com a derrota dos devedores plebeus, que foram convertidos em escravos".
Esta luta conduziu os pequenos produtores à ruína e os transformou em proletários. Mas na Roma antiga não existiam proletários no sentido moderno do termo. Não eram operários. Eram, simplesmente, uma multidão de indigentes. As terras dos camponeses arruinados eram apossadas pelos grandes proprietários de terras, ricos, os quais, com o auxílio generalizado do trabalho dos escravos, criavam grandes explorações (chamadas latifundia), para a criação de animais, agricultura e horticultura.

Nas oficinas dos artesãos, às vezes bastante numerosas, o trabalho dos escravos era empregado cada vez em maior escala. Nas minas, nas grandes pedreiras, na construção de estradas, nas galeras a remo, em todas as partes enfim, trabalhavam os escravos. A escravidão era a base da produção. O número de escravos ultrapassava várias vezes o da população livre. Em Atenas, para cada 90.000 habitantes livres, havia 365.000 escravos e, em Corinto, os homens livres perfaziam somente 10 por cento do total de escravos.

Assim, devido ao desenvolvimento do comércio, fizeram rápidos progressos a circulação do dinheiro e a usura, a propriedade privada territorial e a hipoteca a concentração e a centralização da fortuna nas mãos de uma classe pouco numerosa, ao mesmo tempo que se dava o empobrecimento das massas e o crescimento do número de pobres. A nova aristocracia da riqueza, em todos os lugares onde não se havia confundido já com a antiga nobreza de raça acabou por se ajustar a essa em Atenas, em Roma e entre os germanos. Além dessa divisão dos homens livres em classes, com base nos seus bens de fortuna, produziu, principalmente na Grécia, um aumento enorme do número de escravos, cujo trabalho forçado constituía a base de todo o edifício social.

O escravo era propriedade absoluta do seu amo, que podia dispor dele como dos seus rebanhos. Os escravos não possuíam os direitos civis mais elementares e seus donos podiam matá-los impunemente. É evidente que, em tais condições, era necessário recorrer à violência aberta, para forçá-los a trabalhar. A exploração atroz de que eram vitimas acarretava sua inutilização em pouco tempo. Ao deixarem de ser aptos para o trabalho, eram mortos. Para substituir os mortos e aumentar a produção, era preciso um afluxo incessante de escravos, que lhes eram proporcionados pelas guerras. Os Estados escravocratas sustentavam guerras de forma quase ininterrupta.

As explorações e opressões exageradas sobre os escravos provocaram revoltas, das quais, a mais considerável foi a dirigida por Espártaco, no ano 73 antes de nossa era. Mas todas essas revoltas acabavam sendo sufocadas.

A escravidão foi uma etapa necessária ao desenvolvimento da sociedade humana. Sob as condições de decomposição da comunidade primitiva, a escravidão chegou a ser a única base para o desenvolvimento social.
"...a implantação da escravidão representou, nas circunstâncias daquela época, um grande progresso. É indiscutível que a humanidade se elevou, a partir do estado primitivo, semianimal e para tanto precisou recorrer, portanto, a meios bárbaros, quase bestiais, para sair desse estado de barbárie".

O trabalho manual constituía a base da produção. A grande produção não era possível sem a utilização, em grande escala, do trabalho dos escravos. A escravidão tornou possível maior divisão do trabalho entre a oficina e o campo, permitiu a construção dos grandes palácios da antiguidade, a realização de grandes feitos de navegação e o desenvolvimento da indústria de extração. Sem a etapa da escravidão, não alcançariam as ciências e as artes (a matemática, a mecânica, a astronomia, a geografia e as belas artes) o nível relativamente elevado que tiveram no mundo antigo.

O desenvolvimento das forças produtivas no entanto, beneficiava somente a um pequeno grupo de exploradores. Para a massa de escravos significava sofrimentos e, privações incríveis. Mas, em geral, essa é a lei do desenvolvimento das forças produtivas nas sociedades divididas em classes.

"Sendo a base da civilização atual a exploração de uma classe por outra, seu desenvolvimento se faz, constantemente, por antinomias., Cada progresso na produção significa, ao mesmo tempo, um retrocesso para a classe oprimida, isto é, para a maioria da sociedade. Cada benefício para alguns é forçosamente um prejuízo para os restantes. Cada grau de emancipação atingido pôr uma classe é um novo elemento de opressão contra a outra. A prova mais concludente disso dá-nos o exemplo da introdução do maquinismo, cujos efeitos o mundo inteiro hoje conhece".

A escravidão foi, numa determinada etapa histórica, forma social necessária ao desenvolvimento das forças produtivas e o desenvolvimento das forças produtivas serviu, por sua vez, como causa determinante do próprio regime escravagista.

A decadência da escravidão

Sob o regime da escravidão, a técnica desenvolveu-se pouquíssimo. Na civilização grega e romana eram fomentadas, sobretudo, a produção de objetos de luxo e de armas, bem corno a construção de palácios, de templos e de estradas para uso militar. A técnica, porém, de trabalho, principalmente na agricultura, que era o ramo fundamental da produção daquela época, permaneceu estacionária. O desenvolvimento da produção tinha como base a mão de obra barata dos escravos, que deveriam existir em número cada vez maior. Ora, a fonte principal para se procurar escravos era a guerra e, com esse propósito, nalguns séculos, Roma conquistou quase toda a Europa Ocidental, a Ásia Menor e a costa mediterrânea da África do Norte.


Os povos conquistados pelos romanos eram submetidos a uma exploração brutal. Representavam abundante fonte da qual o Estado Romano extraía impostos. Além disso, os funcionários romanos, que administravam as províncias, assim como as tropas que nelas acampavam, saqueavam implacavelmente os bens da população. A bárbara exploração dos povos conquistados trazia consigo, numa palavra, a destruição geral das forças produtivas.

Se, na origem e nas primeiras fases, foi a escravidão um fator do desenvolvimento das forças produtivas, transformou- se, no entanto, posteriormente, num fator de destruição das próprias forças produtivas. A decadência dessas forças devia levar, por sua vez, à ruina o regime econômico vigente e, finalmente, à sua abolição. Paralelamente ao empobrecimento gerai da população e ao declínio do comércio, dos manuais e da agricultura, o trabalho dos escravos deixou gradualmente de ser economicamente sustentável.

"Havia passado a época da antiga escravidão. Ao campo, com a agricultura extensiva, e às manufaturas urbanas, não trazia mais qualquer proveito que valesse a pena manter a escravidão. Desaparecera o mercado para os seus produtos".

Com a decadência das grandes explorações baseadas no trabalho escravo, voltou a ser vantajoso o sistema da pequena produção. O número de escravos libertos aumentou sem cessar e, paralelamente, foi se produzindo a desintegração dos grandes latifúndios em pequenos terrenos cultivados por “colonos”. O colono era o trabalhador que recebia as terras, em caráter perpétuo, e pagava um tributo em dinheiro ou em espécie. Não era, apesar disso, um camponês livre, pois estava ligado à gleba e não podia abandoná-la. Podia até ser vendido com seu próprio terreno. Por outro lado, já não continuava sendo um escravo, pois não era mais propriedade individual do proprietário do solo e ninguém podia forçá-lo a realizar este ou aquele trabalho, nem privá-lo da terra a que estava ligado. Os colonos foram os antecessores dos servos da Idade Média e a maioria deles era constituída por antigos escravos. Também alguns homens livres, ainda que em menor quantidade, passavam à condição de colonos.

Apesar disso, o regime do trabalho baseado no colono não podia resolver a contradição criada pelo sistema escravagista.

A escravidão já não produzia tanto quanto custava aos seus beneficiários e, por isso, acabou por desaparecer. Mas. ao morrer, deixou em seu lugar um aguilhão envenenado, sob a forma do preconceito então existente de que o trabalho era aviltante para um homem livre. Tal preconceito se transformou num beco sem saída no qual se encontrava o mundo romano: a escravidão era economicamente impossível de manter-se e o trabalho dos homens livres estava preconceituosamente proscrito. A primeira já não podia continuar e o segundo não podia ainda constituir a base da produção social. O único remédio para tal situação seria uma revolução completa.

Na época em que a economia escravagista era forte e estável, as insurreições de escravos foram vencidas. Mas a situação mudou completamente com a decadência da economia escravagista e a desagregação do Império Romano em geral. A partir do século II, as insurreições de escravos foram tomando caráter mais agudo e — o que é particularmente importante — foram ganhando o apoio decidido de algumas camadas pobres da população livre. Por essa época, verificou-se a invasão do Império Romano pelos bárbaros germânicos, a qual facilitou o desenvolvimento das insurreições dos escravos. O conjunto dessas lutas constitui a “revolução dos escravos”, a qual, por sua vez, contribuiu para a vitória dos germanos sobre Roma, acelerou o processo de desintegração do Império Romano, cuja causa fora a própria revolução, que, por sua vez, apressava também a liquidação da escravidão.

Nos fins do século V, a luta entre germanos e romanos terminou com a derrota completa de Roma, o que ocasionou a decomposição do Império. Os povos germânicos, com uma população de 5 milhões de indivíduos, aproximadamente, viviam num estágio inferior de evolução. A escravidão existia, entre eles, ainda em estado embrionário. No decorrer de sua luta secular contra Roma, os clãs germânicos adquiriram, como traço característico, o caráter de uma democracia militar. Depois de terem conquistado Roma, abandonaram o regime dos clãs, que não lhes permitia administrar um Estado como o que tinham acabado de formar, e criaram, por isso, um novo poder político: o chefe militar adquiriu poder de realeza.

Os conquistadores germânicos tomaram aos romanos duas terças partes das terras e distribuíram-nas entre os seus clãs e as famílias. Parte considerável do território conquistado foi, entretanto, cedido pelos reis aos chefes militares e estes distribuíram o que lhes coube dessas terras entre os seus guerreiros, em caráter perpétuo, porém sem o direito, para os ocupantes, de vendê-las ou cedê-las. Essas terras que ficaram, assim, submetidas ao poder do rei tomaram o nome de “feudos” e seus proprietários de “senhores feudais”. Foi uma época de guerras incessantes em que a pequena produção camponesa não podia existir sem contar com a proteção dos grandes senhores feudais, que eram, ao mesmo tempo, os chefes militares. Durante quatrocentos anos, a partir da queda de Roma, foram os camponeses passando gradualmente a depender desses senhores feudais por serem forçados a colocar-se com suas terras sob a proteção dos mesmos. Isso determinou, finalmente, que os senhores se transformassem em proprietários dessas terras, embora não tivessem o direito de vendê-las nem de cedê-las a outrem. Em troca da proteção que recebiam, os camponeses comprometiam-se a fornecer produtos alimentícios aos senhores feudais e aos guerreiros, assim como a servi-los, realizando diversos trabalhos. Dessa forma, foi se constituindo, até o século IX, “o regime feudal ou feudalismo”.


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