Francisco Martins Rodrigues antigo membro do CC do PCP já falecido, foi o principal responsável
pelo corte com o revisionismo e pela reconstrução do movimento marxista –leninista
na década de 1960.Mais tarde, a partir da década de 1980 até ao fim da sua vida, também ele acaba por considerar a revolução bolchevique, como uma "Revolução que não pode ser Socialista", renegar Stalin e a edificação socialista na ex-União Soviética - A Chispa!
Por:Francisco Martins Rodrigues
24 de Janeiro de 1979
A
degeneração revisionista do antigo PCP, como em tantos outros países, foi impulsionada
pelo XX Congresso do PC da União Soviética. Mas poderia ter sido evitada. A
principal responsabilidade pela transformação do PCP num partido de reformas,
num partido burguês para operários, cabe aos seus dirigentes da época. Eles
renegaram conscientemente o marxismo-leninismo, escolheram de livre vontade o
caminho do revisionismo. E fizeram-no através dum verdadeiro golpe, à traição.
Esse golpe, que a camarilha de Cunhal procura
manter oculto dos seus militantes e da classe operária, deve ser constantemente
denunciado. Lembremos os factos.
A VI Reunião Ampliada do CC
A ofensiva dos direitistas da direcção do
PCP começou ainda antes do XX Congresso. Desde a morte de Staline, vinham da União
Soviética sintomas duma viragem política. Em Maio de 1955, a viagem de surpresa
de Kruchov a Belgrado,
onde se reconciliou com Tito, pôs os oportunistasportugueses
em grande agitação. Não os chocava a reabilitação do maior renegado até então
surgido no movimento comunista internacional. Pelo contrário, sentiam-se livres
dum grande peso. Começaram a reclamar a mudança da política do PCP, para
acompanhar as “rectificações” de Kruchov. Surgiram è
cabeça deste movimento, Vilarigues, Pires Jorge, Fogaça, Pato, Pedro Soares.
Invocando a “saúde preciosa” do camarada
José Gregório (que sofria de grave doença cardíaca), afastaram-no não só da
actividade prática de direcção, como da orientação política, em que a sua
contribuição era insubstituível. Assim foi posto à margem o dirigente que como
nenhum outro dera provas de firmeza e vigilância proletário-revolucionária.
A VI Reunião Ampliada do CC, realizada em
fins de 1955, foi orientada contra o sectarismo e o dogmatismo. Os informes de
Vilarigues e Pires Jorge fizeram uma crítica cerrada à actividade do Partido
desde 1949 (data em que o camarada Gregório tomara a cabeça do secretariado,
após a prisão de Cunhal e Militão).
Anunciaram uma rectificação e uma viragem na actividade do Partido. Mas que espécie
de rectificação e de viragem?
O Partido cometera efectivamente, no
período anterior, certos erros de rigidez: tinha-se subestimado o
aproveitamento de possibilidades legais; tinham-se aplicado algumas sanções
disciplinares demasiado severas; tinha-se permitido o isolamento sectário de
muitas células em relação às massas; tinha-se criado um clima de insuficiente
debate nos comités do Partido; tinham-se feito alguns ataques precipitados a
aliados vacilantes, em vez de procurar atraí-los.
Mas o que os críticos não disseram é que
esses erros tinham surgido nas difíceis condições dum ataque policial contra o
Partido como nunca houvera memória; nem disseram que o secretariado sob a
direcção do camarada José Gregório defendera o Partido do perigo de desarticulação,
cortando com todas as manifestações de pânico e capitulação; que o Partido
reagira corajosamente a uma histérica campanha anticomunista fomentada pela
NATO, campanha a que tinham aderido muitos políticos liberais; que o Partido
encabeçara audaciosamente a criação do MND, Movimento Nacional Democrático,
quando os políticos liberais dissolveram o MUD; que os erros, cometidos
sobretudo no período mais duro de 1949-52, já tinham começado a ser corrigidos
a partir de 1953.
Em resumo, não se disse que a orientação
do Partido desde 1949 fora no essencial positiva e devia ser prosseguida. As
críticas na VI Reunião Ampliada do CC ao sectarismo e ao dogmatismo tiveram
como objectivo usar alguns erros na aplicação da linha do Partido como
cobertura para atacar essa mesma linha. O que os direitistas do Comité Central
pretendiam, como depois se verificou, era acabar com o MND e estender a mão aos
políticos liberais mais direitistas; era suspender a luta contra o oportunismo de
Fogaça e Cª, considerando-a uma atitude “sectária”; era retirar da circulação o
Projecto de Programa, que apontava o caminho da Revolução Democrático-Popular e
criticava a burguesia liberal; era finalmente desconsiderar a figura de
revolucionário de José Gregório e promover os oportunistas como
“marxistas-leninistas criadores”.
O XX Congresso veio dar um enorme impulso
a estes projectos direitistas. Em Fevereiro de 1956, na tribuna do XX Congresso
do PCUS, o traidorKruchov, sem prévia
consulta ou informação ao movimento comunista internacional, fez aprovar as
suas teses “inovadoras”: nas novas condições históricas, teria surgido a
possibilidade de passagem pacífica ao socialismo, pela conquista da maioria no
parlamento burguês; Staline agira como
um tirano e falseara o poder soviético pelo “culto da personalidade”; a linha
geral da política externa da URSS passaria a centrar-se na coexistência
pacífica, na edificação dum mundo sem guerras, mesmo com a existência do
imperialismo; os social-democratas deviam ser recuperados como parte do
movimento revolucionário através duma política de unidade.
Isto era a mais monstruosa revisão do
marxismo-leninismo em todas as suas bases essenciais: a conquista do poder, a
ditadura do proletariado, o internacionalismo proletário, o papel dirigente do
Partido Comunista, a luta contra o oportunismo. O
desencadeamento desta grande traição colocava a cada partido comunista a
obrigação de defender o marxismo-leninismo e levantar-se contra o revisionismo.
Mas a direcção do PCP fracassou miseravelmente neste seu dever.
★ ★ ★
Para a situação concreta dos dois países
da Península Ibérica, a clique de Kruchov traçara uma
linha de orientação de acordo com os seus projectos de reconciliação com o
imperialismo: o PCP e o PCE deveriam não só adoptar a linha da passagem
pacífica ao socialismo (linha que foi imposta aos partidos de todo o mundo),
mas, mais do que isso, deveriam admitir a possibilidade de afastar
pacificamente as respectivas ditaduras fascistas. Assim Kruchov queria
demonstrar a sua boa vontade para com a burguesia imperialista dos Estados
Unidos e Europa, garantindo-lhe que se oporia a qualquer insurreição popular antifascista na Península.
Ali mesmo em Moscovo, após a conclusão do
XX Congresso, a delegação do PCP foi “aconselhada” a reunir-se de imediato com
a delegação do PCE para aprovarem em conjunto um documento nesse sentido. Kruchov queria
prevenir-se contra qualquer resistência à traição e colocar os dois partidos
perante o facto consumado. Além disso, para ter garantias de que o golpe não
falharia, criou um sistema de “responsáveis regionais” que colocava a direcção
do PCP sob o controle da clique de Carrillo—lbarruri, dirigente do
PCE. Assim se espezinhava a independência dos partidos, enquanto, para desviar
as atenções, se lançavam campanhas contra “as práticas nefastas do culto da
personalidade” e o “dogmatismo stalinista”…
★ ★ ★
Tudo foi feito como Kruchov e Suslov ordenaram.
As delegações do PCP e PCE, reunidas em Moscovo, em Março, assinaram uma
declaração conjunta, na qual apoiavam incondicionalmente as novas teses do XX
Congresso e previam a possibilidade duma solução pacífica para afastar as
ditaduras sangrentas de Franco e Salazar, para o que se
declaravam dispostos a “acabar com o espírito de guerra civil” e trabalhar pela
“reconciliação nacional”.
Assim, a delegação do PCP assinou uma
declaração que envolvia:
a.
a
revisão dos princípios do marxismo-leninismo;
b.
o
compromisso de não lutar pelo derrubamento da ditadura fascista;
c.
a
subordinação aos dirigentes de outros partidos.
E tudo isto sem sequer ouvir o Comité
Central do Partido! Estava consumado o golpe revisionista contra o Partido
Comunista Português. Esse golpe seria completado um mês depois pela traição do
próprio Comité Central.
Em Abril-Maio de 1956, o Comité Central do
PCP reuniu-se para debater as teses do XX Congresso do PCUS. Como vimos, o
golpe de Kruchovcolocava o CC sob
a chantagem duma declaração comum já assinada em Moscovo pela sua delegação e
pela delegação do PCE, aprovando incondicionalmente a via revisionista traçada
no XX Congresso. A situação era difícil para os dirigentes do PCP. Isto contudo
não os impedia de repudiar a chantagem, denunciar a traição, apelar ao Partido
e à classe operária para a defesa do marxismo-leninismo e da revolução. Foi
esse o caminho escolhido, por exemplo, pelos dirigentes do PTA, em condições
bem mais difíceis. Mas os dirigentes do PCP revelaram que não tinham amor aos
princípios, nem coragem de comunistas, nem o sentido das obrigações para com a
classe operária e para com o movimento comunista internacional. Escolheram o
caminho mais fácil, o caminho da submissão ao golpe revisionista soviético.
★ ★ ★
O CC do PCP adoptou uma Declaração (Maio
de 1956) aprovando o XX Congresso e anunciando que se tornava doravante
possível o afastamento da ditadura de Salazar por meios
pacíficos. Como tarefa política central do Partido colocava-se a concorrência
às eleições-burla para deputados, marcadas para Outubro do ano seguinte. Com
esta declaração do CC, abriu-se na vida do PCP um período que ficou conhecido
sob o nome de “período do desvio de direita” (1956-1959), mas que foi na
realidade o da destruição revisionista do velho PCP.
★ ★ ★
Júlio Fogaça e Pedro Soares, dois direitistas
de velha data, apresentaram-se na reunião do CC com uma plataforma organizada.
Numa proposta em 12 pontos subscrita por ambos, onde não havia uma única
palavra sobre luta de massas, defendiam: em vez do derrubamento da ditadura
fascista “reclamar a saída de Salazar” (1º); “lançar o
peso principal contra os fascistas destacados e não insistir em certos nomes
para não dificultar a unidade” (4º); “fazer um trabalho de desligação de certas
camadas militares e aprofundar a desagregação nas forças repressivas” (7º);
“desligar do salazarismo os fascistas descontentes” (8º); “estabelecer acordos
com os legionários” (10º). Assim, os oportunistas, obrigados
durante anos a esconder as suas ideias políticas, revelavam agora, animados
pelo XX Congresso, aquilo que verdadeiramente queriam: um acordo com a
burguesia para liberalizar o regime.
Os dirigentes revisionistas do PCP
alegaram mais tarde que a plataforma ultra-oportunista de
Fogaça e Soares não fora
aprovada pelo CC. Com isto tentaram esconder duas coisas: primeiro, que a
política defendida pelos dois renegados foi efectivamente praticada pelo CC a
partir de 1956. E sobretudo, que a reunião do CC de Abril-Maio de 1956, ao
aprovar o XX Congresso e o afastamento pacífico de Salazar, constitui por
si só a traição ao marxismo-leninismo, ao movimento comunista internacional e à
classe operária portuguesa. O CC não tinha poderes para aprovar tais posições.
Perante o acto sem precedentes da direcção soviética, o CC do PCP tinha por
estrita obrigação convocar um Congresso do Partido, precedido de amplo debate,
para desmascarar as teses revisionistas e decidir soberanamente a linha do
Partido.
Lançando pela borda fora a meta da
insurreição popular antifascista, pela qual tantos comunistas portugueses se
tinham batido e sacrificado a vida; admitindo que se manchasse o nome de Staline, o dirigente do
proletariado mundial depois de Lenine; adoptando as
teses da “coexistência pacífica”, de capitulação perante o imperialismo
norte-americano — os dirigentes do PCP trocaram nesse momento o campo do
proletariado e da revolução pelo campo da burguesia. É útil recordá-lo àqueles
que ainda hoje, mais de vinte anos passados, se mantêm no PCP à espera da
“recuperação” de tais dirigentes.
A submissão do Comité Central do PCP ao
golpe revisionista forjado em Moscovo foi possível porque nesta época já a
maioria dos seus membros estavam em posições francamente direitistas.
Defensores da política oportunista de Cunhal no período
de 1945-49, tinham disfarçado as suas verdadeiras convicções nos anos
seguintes, quando o Partido, sob a orientação do camarada José Gregório, lutara
contra o oportunismo de
direita, integrado na campanha internacional conduzida por Staline contra o
revisionismo titista. Agora que Staline desaparecera
e que o XX Congresso o renegava, esses elementos direitistas pronunciavam-se
com energia pelo fim do “dogmatismo” e do “sectarismo”. Não queriam nunca mais
sentir-se sob a canga duma política de princípios marxista-leninista.
Reclamavam plena liberdade para as suas tendências de conciliação com a
burguesia, que baptizavam de “marxismo criador”.
Nesta forte corrente oportunista de
direita que dominava o Comité Central, destacavam-se Júlio Fogaça, Sérgio
Vilarigues, Pires Jorge, Octávio Pato, Cândida Ventura, Pedro Soares, Blanqui
Teixeira, Alexandre Castanheira, Guilherme Carvalho. A este conjunto haveria
que somar as “reservas” direitistas que se encontravam nas cadeias nesse ano de
1956, tendo à cabeça, naturalmente, o renegado Álvaro Cunhal. Embora
temporariamente afastados da actividade, estavam prontos a desempenhar um papel
activo na “viragem” que se preparava para o Partido.
É verdade que nem todo o Comité Central
partilhava destes pontos de vista. Um certo número de elementos, sobretudo
alguns antigos operários, como Dias Lourenço, Jaime Serra, Manuel da Silva (e,
entre os presos, Francisco Miguel e Américo de Sousa), não manifestavam
satisfação pelo XX Congresso e punham reservas à nova linha pacífica;
conservavam a admiração por Staline, um certo
reflexo de resistência contra a burguesia e o oportunismo de
direita. Mas estes elementos demonstraram não ter nenhuma firmeza de
princípios. Eram praticistas incorrigíveis sem uma base ideológica séria.
Levantavam algumas dúvidas mas não se atreviam a bater-se em torno de posições
claras. O movimento contra a direita conduzido pelo camarada José Gregório em
1949-1954, não tendo chegado a assumir a envergadura de uma autêntica luta
pelos princípios dentro do PCP, não desencadeara plenamente as forças
revolucionárias do Partido, não acabara com as tradições de conciliação e de
fuga praticista às questões fundamentais da linha do Partido.
Perante a autoridade do XX Congresso e da
União Soviética, perante a ofensiva dos direitistas, que condenavam toda a
actividade do Partido nos anos de 1949-54 como “sectária” e “dogmática”, esses
elementos vacilantes foram recuando de concessão em concessão. Receosos de ser
atacados como “esquerdistas”, acabaram por seguir a corrente, habituar-se ao oportunismo e
tornar-se eles próprios elementos dos mais activos no desmantelamento
ideológico do velho PCP, na traição revisionista.
Assim, o Comité Central do PCP, depois de
aprovar a Declaração pacífica de 1956, enveredou sem conflitos de maior pela
via revisionista. Com poucas alterações, os dirigentes de então foram
promotores e cúmplices nessa grande traição ao proletariado e aos comunistas
portugueses, ao movimento comunista internacional, ao marxismo-leninismo, são
hoje ainda os componentes da camarilha revisionista de Cunhal. Tentando apagar
os vestígios do crime cometido, falar o menos possível dos acontecimentos de
1956 e procuram fazer crer que o falso PCP actual é idêntico ao velho PCP
comunista e revolucionário que desapareceu em 1956. Cabe-nos a nós pormos a nu
a realidade desse golpe revisionista.
Depois da reunião de Maio de 1956, o
Comité Central não convocou um congresso, uma reunião ampliada, ou sequer
conferências regionais para debater e justificar a nova linha. Questões vitais
que punham em causa a fidelidade ao marxismo-leninismo, como a “passagem
pacífica ao socialismo”, a cooperação URSS-EUA, a liquidação política de Staline, a reabilitação
de Tito, o “afastamento
pacífico de Salazar”, foram
apresentadas como ajustamentos tácticos sem gravidade de maior. Evitou-se um
ataque demasiado brutal a Staline e
garantiu-se aos militantes que o relatório secreto de Kruchov, divulgado pelas
agências burguesas, era uma “invenção imperialista”. Disse-se que Tito fora vítima
das “maquinações de Béria” e que eram falsas
as acusações contra ele.
O argumento central dos dirigentes
revisionistas para fazer aceitar a nova linha era:
“A
correlação de forças entre o campo socialista e o imperialista inverteu-se. A
superioridade do campo revolucionário cresce aceleradamente, o imperialismo
desagrega-se, todas as tendências se dirigem para o socialismo. Se soubermos
ser hábeis, atrairemos o resto das forças hesitantes para o nosso lado e
obteremos grandes vitórias a curto prazo”.
Isto paralisou muitas dúvidas e objecções
enquanto não se verificou que era uma burla. O prestígio da União Soviética,
graças à política deStaline, tornara-se
indiscutível. Toda a gente se habituara à ideia de que os soviéticos não
falavam no ar. Até o fascista Salazar se iludiu
e, nesse mesmo mês de Maio, num dos seus discursos ultra-reaccionários, veio
alertar o Ocidente para o perigo de se deixar submergir pela política da
coexistência pacífica.
Naturalmente, não deixou de haver
resistência e protestos em amplos sectores do Partido. A questão Staline, sobretudo, era
a mais dura de engolir. Qualquer militante operário admitia que Staline pudesse ter
cometido erros na repressão dos contra-revolucionários. Mas não lhe entrava na
cabeça o ataque em toda a linha àquele que fora durante trinta anos o dirigente
supremo da URSS e do movimento comunista, o chefe do povo soviético no
esmagamento do nazismo, o continuador de Lenine. Sentiam com
razão que isto era renegar a revolução, era fazer coro com o inimigo de classe.
E depois, o que se vinha oferecer em
substituição do tal “culto da personalidade de Staline”? As novas
perspectivas de resolver tudo por meios pacíficos eram recebidas com chacota
por muitos militantes: “Como é que nos querem convencer que os
fascistas alguma vez sairão a bem? Agora passamos a ser cristãos?” A
contra-revolução na Hungria, em Novembro desse ano, despertou uma onda de
alarme e levou muitos trabalhadores a dizer: “Aí está o resultado da
linha pacífica”. E a conivência descarada de Tito com os
contra-revolucíonários húngaros levou a dizer que “afinal eraStaline quem tinha
razão quando declarou o Tito como traidor”.
Na base operária do Partido havia
descontentamento com o desarmamento ideológico do Partido que
se acentuava. Os dirigentes já não apareciam a estimular a intransigência, a
vigilância de classe, o ardor. Apaziguavam o entusiasmo revolucionário,
semeavam o liberalismo, lançavam ilusões num futuro fácil, apagavam a
autoridade do Partido, faziam elogios “imparciais” a políticos burgueses, à
cultura burguesa, etc. Muitos militantes sentiam que a natureza revolucionária
de classe do Partido era posta em causa com essas “aberturas”.
Ao mesmo tempo, noutros sectores do
Partido, sobretudo intelectuais, as “revelações” do XX Congresso e a linha
pacífica causaram um abalo de natureza diferente. Esses aplaudiram a condenação
dos “crimes”, do “dogmatismo”, do “burocratismo”, porque tudo isso contribuía
para tirar ao Partido o rigor revolucionário que os incomodava e criava um
clima em que se sentiam mais à vontade: um clima em que se esbatia o confronto
com a burguesia e o imperialismo, se exigia menos e havia mais promessas de
êxitos fáceis. Esses formaram a base de apoio do revisionismo.
Na reunião de Maio de 1956, os dirigentes
do PCP, ao mesmo tempo que adoptaram a linha revisionista do XX Congresso e se
voltaram para o caminho do “afastamento pacífico de Salazar”, lançaram uma
grande campanha a que chamaram “correcção do dogmatismo” na vida interna do
Partido. Os dirigentes apelavam a todo o momento “que se abram todas as bocas”,
“que ninguém guarde as suas críticas”, “precisamos da ajuda de todo o Partido
para corrigir os erros”, “acabemos com as práticas do culto da personalidade”,
etc. No “Militante” começaram a publicar-se colaborações de membros do
Partido expondo diversos pontos de vista.
Como se explica que a traição dos
dirigentes revisionistas tenha sido acompanhada desta paixão “democrática”, que
de resto não foi caso isolado no nosso país?
★ ★ ★
A campanha “democrática” nas fileiras do
Partido foi, nas mãos dos dirigentes revisionistas, uma manobra de diversão
destinada a amolecer, confundir e paralisar a possível resistência dos
militantes ao abandono da linha revolucionária.
Os estribilhos da “democracia” e da
“descentralização” serviram nessa altura em todos os partidos comunistas para
assegurar aos revisionistas a conquista integral do aparelho do Partido e a
liquidação das resistências de esquerda. Classificando de “culto da
personalidade” as tradições de centralismo e disciplina, desacreditava-se o
passado revolucionário dos partidos, criava-se um clima de tolerância e de
falta de vigilância propício a todas as “inovações” revisionistas,
conquistava-se a popularidade junto dos militantes mais atrasados, das camadas
intelectuais e estudantis do Partido, embriagando-as com o sentimento da sua
“autonomia” e “liberdade”.
Naturalmente, esta “democracia” funcionava
só para um lado. Todas as vozes que se levantavam em defesa das posições
revolucionárias eram atacadas e silenciadas sob a acusação de “defensores do
culto da personalidade”, de “dogmáticos empedernidos”, “stalinistas”, etc. Sob
a aparência de uma maior liberdade de opinião e iniciativa nas fileiras do
Partido, dava-se toda a liberdade à direita e negava-se toda a liberdade à
esquerda. A campanha pela “democracia interna” foi parte integrante na guerra
de classe conduzida pelos revisionistas para desmantelar o Partido Comunista.
Como não podia deixar de ser, esta
campanha conduziu à destruição do centralismo democrático no PCP e deu
liberdade plena ao liberalismo, à anarquia, à confusão política e ideológica, à
difusão da mentalidade e dos hábitos da burguesia nas fileiras do Partido. O
PCP ficou sem defesas perante a repressão policial que lhe aplicou severos
golpes nos anos seguintes e chegou em fins de 1959 à beira da desagregação. Cunhal fez depois
dele o partido revisionista que hoje conhecemos.
★ ★ ★
Fica de pé a questão: porque não houve
qualquer resposta organizada da base e das estruturas do Partido à traição dos
dirigentes? Isso foi possível porque a qualidade proletária revolucionária do
PCP fora pouco a pouco destruída pela rotina oportunista, pelo
praticismo, pela perda de todos os hábitos de luta ideológica. As perspectivas
revolucionárias, a meta final do Partido, os princípios do marxismo-leninismo,
a vigilância e a intransigência de classe tinham-se diluído pouco a pouco numa
prática diária ao sabor do espontâneo.
Só assim se compreende como, apesar das
suas realizações e da luta e do sacrifício de milhares de comunistas, apesar
dos esforços de rectificação empreendidos pelo camarada José Gregório, o PCP
acabou por deslizar sem resistência para o pântano do revisionismo.