V. I. Lenin
9 de Janeiro de 1918
"Os bolcheviques já estão no poder há dois meses,
e em vez do paraíso socialista vemos o inferno do caos, da guerra civil, de uma
ruína ainda maior." Assim escrevem, falam e pensam os capitalistas
juntamente com os seus partidários conscientes e semiconscientes.
Os bolcheviques só estão no poder há dois meses –
responderemos nós –, e o passo em frente que já foi dado em direção ao
socialismo é enorme. Não vê isto quem não quer ver ou não sabe avaliar os
acontecimentos históricos na sua conexão. Não querem ver que em algumas semanas
foram destruídas quase até aos fundamentos as instituições não democráticas no
exército, no campo na fábrica. E não há nem pode haver outro caminho para o
socialismo senão através dessa destruição. Não querem ver que em algumas semanas
a mentira imperialista em matéria de política externa, que prolongava a guerra
e encobria a pilhagem e a conquista, com os tratados secretos, foi substituída
por uma política realmente democrática revolucionária de paz realmente
democrática, que produziu já um êxito prático tão grande como o armistício e a
centuplicação da força propagandística da nossa revolução. Não querem ver que o
controle operário e a nacionalização dos bancos começaram a ser aplicados, e
isto são precisamente os primeiros passos para o socialismo.
Não são capazes de compreender a perspectiva histórica
aqueles que foram esmagados pela rotina do capitalismo, aturdidos pela
estrondosa falência do velho, pelo estrépito, pelo barulho, pelo
"caos" (aparente caos) do desmoronamento e afundamento dos seculares
edifícios do tsarismo e da burguesia, assustados com o fato de a luta de
classes ter sido levada a uma extrema agudização, com a sua transformação em
guerra civil, a única que é legítima, a única que é justa, a única que é
sagrada – não no sentido clerical mas no sentido humano da palavra –, a guerra
sagrada dos oprimidos contra os opressores, pelo seu derrubamento, pela
libertação dos trabalhadores de toda a opressão. No fundo todos estes
esmagados, aturdidos e assustados burgueses, pequenos burgueses e
"serventuários da burguesia" se guiam, muitas vezes sem eles próprios
terem consciência disso, pela idéia velha, absurda, sentimental e
intelectual-vulgar da "introdução do socialismo", que adquiriram
"por ouvir dizer", apanhando fragmentos da doutrina socialista,
repetindo a deturpação desta doutrina por ignorantes e semi-sábios,
atribuindo-nos a nós, marxistas, a idéia e mesmo o plano de
"introduzir" o socialismo.
Essas idéias, para já não falar de planos, são-nos
alheias a nós, marxistas. Nós sempre soubemos, dissemos, repetimos, que não se
pode "introduzir" o socialismo, que ele surge no decurso da mais
tensa e mais aguda – indo até à raiva e ao desespero – luta de classes e guerra
civil; que entre o capitalismo e o socialismo há um longo período de
"dores de parto"; que a violência é sempre a parteira da velha
sociedade; que ao período de transição da sociedade burguesa para a socialista
corresponde um Estado particular (isto é, um sistema particular de violência
organizada sobre uma certa classe), a saber, a ditadura do proletariado. E a
ditadura pressupõe e significa uma situação de guerra contida, uma situação de
medidas militares de luta contra os adversários do poder proletário. A Comuna
foi uma ditadura do proletariado, e Marx e Engels censuraram a Comuna, consideraram uma
das causas da sua morte o fato de a Comuna ter utilizado com insuficiente energia
a sua força armada para reprimir a resistência dos exploradores.
No fundo, todos estes brados de intelectuais a
propósito da repressão da resistência dos capitalistas não constituem senão uma
sobrevivência da velha "conciliação", para falar
"educadamente". Mas para falar com franqueza proletária é preciso
dizer: a continuação do servilismo perante o saco do dinheiro, é esse o fundo
dos brados contra a atual violência operária empregue (infelizmente de modo
ainda demasiado fraco e não enérgico) contra a burguesia, contra os
sabotadores, contra os contra-revolucionários. "A resistência dos capitalistas
foi quebrada", proclamou o bom Pechekhónov, um dos ministros
conciliadores, em Junho de 1917. Este bom homem nem suspeitava que a
resistência tem realmente de serquebrada, que ela será quebrada,
de que é precisamente a esse quebrar que, em linguagem científica, se chama
ditadura do proletariado, que todo um período histórico se caracteriza pela
repressão da resistência dos capitalistas, se caracteriza, por conseguinte, por
uma violência sistemática sobre toda uma classe (a burguesia),
sobre os seus cúmplices.
A cobiça, a suja, raivosa, furiosa, cobiça do saco do
dinheiro, o medo e servilismo dos seus parasitas – tal é a verdadeira base
social do atual uivo dos intelectuais, do Retch à Nóvaia Jizn, contra
a violência da parte do proletariado e do campesinato revolucionário. Tal é o
significado objetivo do seu uivo, das suas tristes palavras, dos seus gritos de
comediantes sobre a "liberdade" (a liberdade dos capitalistas de
oprimir o povo), etc., etc. Eles estariam "dispostos" a reconhecer o
socialismo se a humanidade saltasse para ele de golpe, com um salto
espetacular, sem fricções, sem luta, sem ranger de dentes da parte dos
exploradores, sem diversas tentativas da sua parte de defender os velhos tempos
ou de voltar a eles por caminhos desviados, às ocultas, sem repetidas
"respostas" da violência revolucionária proletária a essas
tentativas. Estes parasitas intelectuais da burguesia estão
"dispostos", como diz o conhecido provérbio alemão, a lavar a pele
desde que a pele fique sempre seca.
Quando a burguesia e os funcionários, empregados,
médicos, engenheiros, etc., que estão habituados a servi-la, recorrem às
medidas mais extremas de resistência, isso horroriza os intelectuaizinhos. Eles
tremem de medo e berram ainda mais estridentemente acerca da necessidade de
voltar à "conciliação". Mas a nós, tal como a todos os amigos
sinceros da classe oprimida, as medidas extremas de resistência dos
exploradores só nos podem alegrar, pois nós não esperamos o amadurecimento do
proletariado para o poder a partir das exortações e da persuasão, da escola das
pregações adocicadas ou das declamações edificantes, mas da escola da vida, da
escola da luta. Para se tornar a classe dominante e vencer definitivamente a burguesia,
o proletariado tem de aprender isto porque ele não tem onde ir
buscar este conhecimento já pronto. E é preciso aprender na luta. E só uma luta
séria, tenaz e desesperada é que ensina. Quanto mais extrema for a resistência
dos exploradores, mais enérgica, firme, implacável e bem-sucedida será a sua
repressão pelos explorados. Quanto mais diversas forem as tentativas e esforços
dos exploradores para defenderem o velho, mais depressa o proletariado
aprenderá a expulsar os seus inimigos de classe dos seus últimos recantos, a
minar as raízes da sua dominação, a remover o próprio terreno em que a
escravidão assalariada, a miséria das massas, o enriquecimento e o descaramento
do saco do dinheiro podiam (e tinham de) crescer.
À medida que cresce a resistência da burguesia e dos
seus parasitas cresce a força do proletariado e do campesinato que a ele se
uniu. Os explorados fortalecer-se-ão, amadurecerão, crescerão, aprenderão,
afastarão de si o "velho Adão" da escravidão assalariada à medida que
crescer a resistência dos seus inimigos – os exploradores. A vitória estará do
lado dos explorados, porque do seu lado está a vida, do seu lado está a força
do número, a força da massa, a força das fontes inesgotáveis de tudo o que é
abnegado, avançado e honesto, de tudo o que aspira a avançar, de tudo o que
desperta para a construção do novo, de toda a gigantesca reserva de energia e
de talentos do chamado "baixo povo", os operários e camponeses. A
vitória pertence-lhes.
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