domingo, 12 de fevereiro de 2017

O ultra-oportunismo que hoje domina no PCP há várias décadas que percorre o seu caminho! -A Traição Revisionista de 1956. História do PCP

 Francisco Martins Rodrigues  antigo membro do CC do PCP já falecido, foi o principal responsável pelo corte com o revisionismo e pela reconstrução do movimento marxista –leninista na década de 1960.Mais tarde, a partir da década de 1980 até ao fim da sua vida, também ele acaba por considerar a revolução bolchevique, como uma "Revolução que não pode ser Socialista", renegar Stalin e a edificação socialista na ex-União Soviética - A Chispa!

Por:Francisco Martins Rodrigues
24 de Janeiro de 1979

 A degeneração revisionista do antigo PCP, como em tantos outros países, foi impulsionada pelo XX Congresso do PC da União Soviética. Mas poderia ter sido evitada. A principal responsabilidade pela transformação do PCP num partido de reformas, num partido burguês para operários, cabe aos seus dirigentes da época. Eles renegaram conscientemente o marxismo-leninismo, escolheram de livre vontade o caminho do revisionismo. E fizeram-no através dum verdadeiro golpe, à traição. Esse golpe, que a camarilha de Cunhal procura manter oculto dos seus militantes e da classe operária, deve ser constantemente denunciado. Lembremos os factos.

A VI Reunião Ampliada do CC

A ofensiva dos direitistas da direcção do PCP começou ainda antes do XX Congresso. Desde a morte de Staline, vinham da União Soviética sintomas duma viragem política. Em Maio de 1955, a viagem de surpresa de Kruchov a Belgrado, onde se reconciliou com Tito, pôs os oportunistasportugueses em grande agitação. Não os chocava a reabilitação do maior renegado até então surgido no movimento comunista internacional. Pelo contrário, sentiam-se livres dum grande peso. Começaram a reclamar a mudança da política do PCP, para acompanhar as “rectificações” de Kruchov. Surgiram è cabeça deste movimento, Vilarigues, Pires Jorge, Fogaça, Pato, Pedro Soares.

Invocando a “saúde preciosa” do camarada José Gregório (que sofria de grave doença cardíaca), afastaram-no não só da actividade prática de direcção, como da orientação política, em que a sua contribuição era insubstituível. Assim foi posto à margem o dirigente que como nenhum outro dera provas de firmeza e vigilância proletário-revolucionária.

A VI Reunião Ampliada do CC, realizada em fins de 1955, foi orientada contra o sectarismo e o dogmatismo. Os informes de Vilarigues e Pires Jorge fizeram uma crítica cerrada à actividade do Partido desde 1949 (data em que o camarada Gregório tomara a cabeça do secretariado, após a prisão de Cunhal e Militão). Anunciaram uma rectificação e uma viragem na actividade do Partido. Mas que espécie de rectificação e de viragem?

O Partido cometera efectivamente, no período anterior, certos erros de rigidez: tinha-se subestimado o aproveitamento de possibilidades legais; tinham-se aplicado algumas sanções disciplinares demasiado severas; tinha-se permitido o isolamento sectário de muitas células em relação às massas; tinha-se criado um clima de insuficiente debate nos comités do Partido; tinham-se feito alguns ataques precipitados a aliados vacilantes, em vez de procurar atraí-los.

Mas o que os críticos não disseram é que esses erros tinham surgido nas difíceis condições dum ataque policial contra o Partido como nunca houvera memória; nem disseram que o secretariado sob a direcção do camarada José Gregório defendera o Partido do perigo de desarticulação, cortando com todas as manifestações de pânico e capitulação; que o Partido reagira corajosamente a uma histérica campanha anticomunista fomentada pela NATO, campanha a que tinham aderido muitos políticos liberais; que o Partido encabeçara audaciosamente a criação do MND, Movimento Nacional Democrático, quando os políticos liberais dissolveram o MUD; que os erros, cometidos sobretudo no período mais duro de 1949-52, já tinham começado a ser corrigidos a partir de 1953.

Em resumo, não se disse que a orientação do Partido desde 1949 fora no essencial positiva e devia ser prosseguida. As críticas na VI Reunião Ampliada do CC ao sectarismo e ao dogmatismo tiveram como objectivo usar alguns erros na aplicação da linha do Partido como cobertura para atacar essa mesma linha. O que os direitistas do Comité Central pretendiam, como depois se verificou, era acabar com o MND e estender a mão aos políticos liberais mais direitistas; era suspender a luta contra o oportunismo de Fogaça e Cª, considerando-a uma atitude “sectária”; era retirar da circulação o Projecto de Programa, que apontava o caminho da Revolução Democrático-Popular e criticava a burguesia liberal; era finalmente desconsiderar a figura de revolucionário de José Gregório e promover os oportunistas como “marxistas-leninistas criadores”.

O XX Congresso veio dar um enorme impulso a estes projectos direitistas. Em Fevereiro de 1956, na tribuna do XX Congresso do PCUS, o traidorKruchov, sem prévia consulta ou informação ao movimento comunista internacional, fez aprovar as suas teses “inovadoras”: nas novas condições históricas, teria surgido a possibilidade de passagem pacífica ao socialismo, pela conquista da maioria no parlamento burguês; Staline agira como um tirano e falseara o poder soviético pelo “culto da personalidade”; a linha geral da política externa da URSS passaria a centrar-se na coexistência pacífica, na edificação dum mundo sem guerras, mesmo com a existência do imperialismo; os social-democratas deviam ser recuperados como parte do movimento revolucionário através duma política de unidade.

Isto era a mais monstruosa revisão do marxismo-leninismo em todas as suas bases essenciais: a conquista do poder, a ditadura do proletariado, o internacionalismo proletário, o papel dirigente do Partido Comunista, a luta contra o oportunismo. O desencadeamento desta grande traição colocava a cada partido comunista a obrigação de defender o marxismo-leninismo e levantar-se contra o revisionismo. Mas a direcção do PCP fracassou miseravelmente neste seu dever.


Para a situação concreta dos dois países da Península Ibérica, a clique de Kruchov traçara uma linha de orientação de acordo com os seus projectos de reconciliação com o imperialismo: o PCP e o PCE deveriam não só adoptar a linha da passagem pacífica ao socialismo (linha que foi imposta aos partidos de todo o mundo), mas, mais do que isso, deveriam admitir a possibilidade de afastar pacificamente as respectivas ditaduras fascistas. Assim Kruchov queria demonstrar a sua boa vontade para com a burguesia imperialista dos Estados Unidos e Europa, garantindo-lhe que se oporia a qualquer insurreição popular antifascista na Península.

Ali mesmo em Moscovo, após a conclusão do XX Congresso, a delegação do PCP foi “aconselhada” a reunir-se de imediato com a delegação do PCE para aprovarem em conjunto um documento nesse sentido. Kruchov queria prevenir-se contra qualquer resistência à traição e colocar os dois partidos perante o facto consumado. Além disso, para ter garantias de que o golpe não falharia, criou um sistema de “responsáveis regionais” que colocava a direcção do PCP sob o controle da clique de Carrillo—lbarruri, dirigente do PCE. Assim se espezinhava a independência dos partidos, enquanto, para desviar as atenções, se lançavam campanhas contra “as práticas nefastas do culto da personalidade” e o “dogmatismo stalinista”…
Tudo foi feito como Kruchov e Suslov ordenaram. As delegações do PCP e PCE, reunidas em Moscovo, em Março, assinaram uma declaração conjunta, na qual apoiavam incondicionalmente as novas teses do XX Congresso e previam a possibilidade duma solução pacífica para afastar as ditaduras sangrentas de Franco e Salazar, para o que se declaravam dispostos a “acabar com o espírito de guerra civil” e trabalhar pela “reconciliação nacional”.

Assim, a delegação do PCP assinou uma declaração que envolvia:
a.           a revisão dos princípios do marxismo-leninismo;
b.           o compromisso de não lutar pelo derrubamento da ditadura fascista;
c.           a subordinação aos dirigentes de outros partidos.

E tudo isto sem sequer ouvir o Comité Central do Partido! Estava consumado o golpe revisionista contra o Partido Comunista Português. Esse golpe seria completado um mês depois pela traição do próprio Comité Central.

Em Abril-Maio de 1956, o Comité Central do PCP reuniu-se para debater as teses do XX Congresso do PCUS. Como vimos, o golpe de Kruchovcolocava o CC sob a chantagem duma declaração comum já assinada em Moscovo pela sua delegação e pela delegação do PCE, aprovando incondicionalmente a via revisionista traçada no XX Congresso. A situação era difícil para os dirigentes do PCP. Isto contudo não os impedia de repudiar a chantagem, denunciar a traição, apelar ao Partido e à classe operária para a defesa do marxismo-leninismo e da revolução. Foi esse o caminho escolhido, por exemplo, pelos dirigentes do PTA, em condições bem mais difíceis. Mas os dirigentes do PCP revelaram que não tinham amor aos princípios, nem coragem de comunistas, nem o sentido das obrigações para com a classe operária e para com o movimento comunista internacional. Escolheram o caminho mais fácil, o caminho da submissão ao golpe revisionista soviético.
O CC do PCP adoptou uma Declaração (Maio de 1956) aprovando o XX Congresso e anunciando que se tornava doravante possível o afastamento da ditadura de Salazar por meios pacíficos. Como tarefa política central do Partido colocava-se a concorrência às eleições-burla para deputados, marcadas para Outubro do ano seguinte. Com esta declaração do CC, abriu-se na vida do PCP um período que ficou conhecido sob o nome de “período do desvio de direita” (1956-1959), mas que foi na realidade o da destruição revisionista do velho PCP.
Júlio Fogaça e Pedro Soares, dois direitistas de velha data, apresentaram-se na reunião do CC com uma plataforma organizada. Numa proposta em 12 pontos subscrita por ambos, onde não havia uma única palavra sobre luta de massas, defendiam: em vez do derrubamento da ditadura fascista “reclamar a saída de Salazar” (1º); “lançar o peso principal contra os fascistas destacados e não insistir em certos nomes para não dificultar a unidade” (4º); “fazer um trabalho de desligação de certas camadas militares e aprofundar a desagregação nas forças repressivas” (7º); “desligar do salazarismo os fascistas descontentes” (8º); “estabelecer acordos com os legionários” (10º). Assim, os oportunistas, obrigados durante anos a esconder as suas ideias políticas, revelavam agora, animados pelo XX Congresso, aquilo que verdadeiramente queriam: um acordo com a burguesia para liberalizar o regime.

Os dirigentes revisionistas do PCP alegaram mais tarde que a plataforma ultra-oportunista de Fogaça e Soares não fora aprovada pelo CC. Com isto tentaram esconder duas coisas: primeiro, que a política defendida pelos dois renegados foi efectivamente praticada pelo CC a partir de 1956. E sobretudo, que a reunião do CC de Abril-Maio de 1956, ao aprovar o XX Congresso e o afastamento pacífico de Salazar, constitui por si só a traição ao marxismo-leninismo, ao movimento comunista internacional e à classe operária portuguesa. O CC não tinha poderes para aprovar tais posições. Perante o acto sem precedentes da direcção soviética, o CC do PCP tinha por estrita obrigação convocar um Congresso do Partido, precedido de amplo debate, para desmascarar as teses revisionistas e decidir soberanamente a linha do Partido.

Lançando pela borda fora a meta da insurreição popular antifascista, pela qual tantos comunistas portugueses se tinham batido e sacrificado a vida; admitindo que se manchasse o nome de Staline, o dirigente do proletariado mundial depois de Lenine; adoptando as teses da “coexistência pacífica”, de capitulação perante o imperialismo norte-americano — os dirigentes do PCP trocaram nesse momento o campo do proletariado e da revolução pelo campo da burguesia. É útil recordá-lo àqueles que ainda hoje, mais de vinte anos passados, se mantêm no PCP à espera da “recuperação” de tais dirigentes.

A submissão do Comité Central do PCP ao golpe revisionista forjado em Moscovo foi possível porque nesta época já a maioria dos seus membros estavam em posições francamente direitistas. Defensores da política oportunista de Cunhal no período de 1945-49, tinham disfarçado as suas verdadeiras convicções nos anos seguintes, quando o Partido, sob a orientação do camarada José Gregório, lutara contra o oportunismo de direita, integrado na campanha internacional conduzida por Staline contra o revisionismo titista. Agora que Staline desaparecera e que o XX Congresso o renegava, esses elementos direitistas pronunciavam-se com energia pelo fim do “dogmatismo” e do “sectarismo”. Não queriam nunca mais sentir-se sob a canga duma política de princípios marxista-leninista. Reclamavam plena liberdade para as suas tendências de conciliação com a burguesia, que baptizavam de “marxismo criador”.

Nesta forte corrente oportunista de direita que dominava o Comité Central, destacavam-se Júlio Fogaça, Sérgio Vilarigues, Pires Jorge, Octávio Pato, Cândida Ventura, Pedro Soares, Blanqui Teixeira, Alexandre Castanheira, Guilherme Carvalho. A este conjunto haveria que somar as “reservas” direitistas que se encontravam nas cadeias nesse ano de 1956, tendo à cabeça, naturalmente, o renegado Álvaro Cunhal. Embora temporariamente afastados da actividade, estavam prontos a desempenhar um papel activo na “viragem” que se preparava para o Partido.

É verdade que nem todo o Comité Central partilhava destes pontos de vista. Um certo número de elementos, sobretudo alguns antigos operários, como Dias Lourenço, Jaime Serra, Manuel da Silva (e, entre os presos, Francisco Miguel e Américo de Sousa), não manifestavam satisfação pelo XX Congresso e punham reservas à nova linha pacífica; conservavam a admiração por Staline, um certo reflexo de resistência contra a burguesia e o oportunismo de direita. Mas estes elementos demonstraram não ter nenhuma firmeza de princípios. Eram praticistas incorrigíveis sem uma base ideológica séria. Levantavam algumas dúvidas mas não se atreviam a bater-se em torno de posições claras. O movimento contra a direita conduzido pelo camarada José Gregório em 1949-1954, não tendo chegado a assumir a envergadura de uma autêntica luta pelos princípios dentro do PCP, não desencadeara plenamente as forças revolucionárias do Partido, não acabara com as tradições de conciliação e de fuga praticista às questões fundamentais da linha do Partido.

Perante a autoridade do XX Congresso e da União Soviética, perante a ofensiva dos direitistas, que condenavam toda a actividade do Partido nos anos de 1949-54 como “sectária” e “dogmática”, esses elementos vacilantes foram recuando de concessão em concessão. Receosos de ser atacados como “esquerdistas”, acabaram por seguir a corrente, habituar-se ao oportunismo e tornar-se eles próprios elementos dos mais activos no desmantelamento ideológico do velho PCP, na traição revisionista.

Assim, o Comité Central do PCP, depois de aprovar a Declaração pacífica de 1956, enveredou sem conflitos de maior pela via revisionista. Com poucas alterações, os dirigentes de então foram promotores e cúmplices nessa grande traição ao proletariado e aos comunistas portugueses, ao movimento comunista internacional, ao marxismo-leninismo, são hoje ainda os componentes da camarilha revisionista de Cunhal. Tentando apagar os vestígios do crime cometido, falar o menos possível dos acontecimentos de 1956 e procuram fazer crer que o falso PCP actual é idêntico ao velho PCP comunista e revolucionário que desapareceu em 1956. Cabe-nos a nós pormos a nu a realidade desse golpe revisionista.

Depois da reunião de Maio de 1956, o Comité Central não convocou um congresso, uma reunião ampliada, ou sequer conferências regionais para debater e justificar a nova linha. Questões vitais que punham em causa a fidelidade ao marxismo-leninismo, como a “passagem pacífica ao socialismo”, a cooperação URSS-EUA, a liquidação política de Staline, a reabilitação de Tito, o “afastamento pacífico de Salazar”, foram apresentadas como ajustamentos tácticos sem gravidade de maior. Evitou-se um ataque demasiado brutal a Staline e garantiu-se aos militantes que o relatório secreto de Kruchov, divulgado pelas agências burguesas, era uma “invenção imperialista”. Disse-se que Tito fora vítima das “maquinações de Béria” e que eram falsas as acusações contra ele.
O argumento central dos dirigentes revisionistas para fazer aceitar a nova linha era:
“A correlação de forças entre o campo socialista e o imperialista inverteu-se. A superioridade do campo revolucionário cresce aceleradamente, o imperialismo desagrega-se, todas as tendências se dirigem para o socialismo. Se soubermos ser hábeis, atrairemos o resto das forças hesitantes para o nosso lado e obteremos grandes vitórias a curto prazo”.

Isto paralisou muitas dúvidas e objecções enquanto não se verificou que era uma burla. O prestígio da União Soviética, graças à política deStaline, tornara-se indiscutível. Toda a gente se habituara à ideia de que os soviéticos não falavam no ar. Até o fascista Salazar se iludiu e, nesse mesmo mês de Maio, num dos seus discursos ultra-reaccionários, veio alertar o Ocidente para o perigo de se deixar submergir pela política da coexistência pacífica.

Naturalmente, não deixou de haver resistência e protestos em amplos sectores do Partido. A questão Staline, sobretudo, era a mais dura de engolir. Qualquer militante operário admitia que Staline pudesse ter cometido erros na repressão dos contra-revolucionários. Mas não lhe entrava na cabeça o ataque em toda a linha àquele que fora durante trinta anos o dirigente supremo da URSS e do movimento comunista, o chefe do povo soviético no esmagamento do nazismo, o continuador de Lenine. Sentiam com razão que isto era renegar a revolução, era fazer coro com o inimigo de classe.

E depois, o que se vinha oferecer em substituição do tal “culto da personalidade de Staline”? As novas perspectivas de resolver tudo por meios pacíficos eram recebidas com chacota por muitos militantes: “Como é que nos querem convencer que os fascistas alguma vez sairão a bem? Agora passamos a ser cristãos?” A contra-revolução na Hungria, em Novembro desse ano, despertou uma onda de alarme e levou muitos trabalhadores a dizer: “Aí está o resultado da linha pacífica”. E a conivência descarada de Tito com os contra-revolucíonários húngaros levou a dizer que “afinal eraStaline quem tinha razão quando declarou o Tito como traidor”.

Na base operária do Partido havia descontentamento com o desarmamento ideológico do Partido que se acentuava. Os dirigentes já não apareciam a estimular a intransigência, a vigilância de classe, o ardor. Apaziguavam o entusiasmo revolucionário, semeavam o liberalismo, lançavam ilusões num futuro fácil, apagavam a autoridade do Partido, faziam elogios “imparciais” a políticos burgueses, à cultura burguesa, etc. Muitos militantes sentiam que a natureza revolucionária de classe do Partido era posta em causa com essas “aberturas”.

Ao mesmo tempo, noutros sectores do Partido, sobretudo intelectuais, as “revelações” do XX Congresso e a linha pacífica causaram um abalo de natureza diferente. Esses aplaudiram a condenação dos “crimes”, do “dogmatismo”, do “burocratismo”, porque tudo isso contribuía para tirar ao Partido o rigor revolucionário que os incomodava e criava um clima em que se sentiam mais à vontade: um clima em que se esbatia o confronto com a burguesia e o imperialismo, se exigia menos e havia mais promessas de êxitos fáceis. Esses formaram a base de apoio do revisionismo.

Na reunião de Maio de 1956, os dirigentes do PCP, ao mesmo tempo que adoptaram a linha revisionista do XX Congresso e se voltaram para o caminho do “afastamento pacífico de Salazar”, lançaram uma grande campanha a que chamaram “correcção do dogmatismo” na vida interna do Partido. Os dirigentes apelavam a todo o momento “que se abram todas as bocas”, “que ninguém guarde as suas críticas”, “precisamos da ajuda de todo o Partido para corrigir os erros”, “acabemos com as práticas do culto da personalidade”, etc. No “Militante” começaram a publicar-se colaborações de membros do Partido expondo diversos pontos de vista.
Como se explica que a traição dos dirigentes revisionistas tenha sido acompanhada desta paixão “democrática”, que de resto não foi caso isolado no nosso país?
A campanha “democrática” nas fileiras do Partido foi, nas mãos dos dirigentes revisionistas, uma manobra de diversão destinada a amolecer, confundir e paralisar a possível resistência dos militantes ao abandono da linha revolucionária.

Os estribilhos da “democracia” e da “descentralização” serviram nessa altura em todos os partidos comunistas para assegurar aos revisionistas a conquista integral do aparelho do Partido e a liquidação das resistências de esquerda. Classificando de “culto da personalidade” as tradições de centralismo e disciplina, desacreditava-se o passado revolucionário dos partidos, criava-se um clima de tolerância e de falta de vigilância propício a todas as “inovações” revisionistas, conquistava-se a popularidade junto dos militantes mais atrasados, das camadas intelectuais e estudantis do Partido, embriagando-as com o sentimento da sua “autonomia” e “liberdade”.

Naturalmente, esta “democracia” funcionava só para um lado. Todas as vozes que se levantavam em defesa das posições revolucionárias eram atacadas e silenciadas sob a acusação de “defensores do culto da personalidade”, de “dogmáticos empedernidos”, “stalinistas”, etc. Sob a aparência de uma maior liberdade de opinião e iniciativa nas fileiras do Partido, dava-se toda a liberdade à direita e negava-se toda a liberdade à esquerda. A campanha pela “democracia interna” foi parte integrante na guerra de classe conduzida pelos revisionistas para desmantelar o Partido Comunista.

Como não podia deixar de ser, esta campanha conduziu à destruição do centralismo democrático no PCP e deu liberdade plena ao liberalismo, à anarquia, à confusão política e ideológica, à difusão da mentalidade e dos hábitos da burguesia nas fileiras do Partido. O PCP ficou sem defesas perante a repressão policial que lhe aplicou severos golpes nos anos seguintes e chegou em fins de 1959 à beira da desagregação. Cunhal fez depois dele o partido revisionista que hoje conhecemos.
Fica de pé a questão: porque não houve qualquer resposta organizada da base e das estruturas do Partido à traição dos dirigentes? Isso foi possível porque a qualidade proletária revolucionária do PCP fora pouco a pouco destruída pela rotina oportunista, pelo praticismo, pela perda de todos os hábitos de luta ideológica. As perspectivas revolucionárias, a meta final do Partido, os princípios do marxismo-leninismo, a vigilância e a intransigência de classe tinham-se diluído pouco a pouco numa prática diária ao sabor do espontâneo.

Só assim se compreende como, apesar das suas realizações e da luta e do sacrifício de milhares de comunistas, apesar dos esforços de rectificação empreendidos pelo camarada José Gregório, o PCP acabou por deslizar sem resistência para o pântano do revisionismo.


3 comentários:

  1. http://resistir.info/livros/ac_desvio_de_direita_1_2.pdf

    ResponderEliminar
  2. "Os novos stalinistas, incapazes de situar historicamente a revolução russa, adoram-na sem a compreender.

    Pouco tempo depois de ter aqui escrito sobre a questão do “stalinismo” (PO n.º 89), vejo-me forçado a voltar à carga. O 50.º aniversário da morte de Staline evidenciou em certos meios de esquerda uma nítida tendência para a recuperação da sua figura e da sua política. Os artigos do Avante, no seu habitual estilo gaguejante(1), traduziram ao nosso nível a série de celebrações internacionais, entre as quais as promovidas por uma Conferência Internacional de partidos “marxistas-leninistas”(2).

    Mas não só. A questão diz-nos também respeito porque, na corrente mais afecta ao comunismo revolucionário, estão a surgir opiniões semelhantes: “Staline não seria tão atacado se não fosse um grande revolucionário”, “os excessos do stalinismo, se enquadrados na situação da época, não merecem condenação porque eram necessários”, “se Staline é um papão para a burguesia, é bom para nós”.

    Claro, isto exprime um desejo de desforra, de sair da impotência a que chegámos. Hoje, quando as “grandes causas” da esquerda se ficam, em geral, pela oposição leal e retórica aos governos que arrastam o mundo para a catástrofe, não admira que a imagem de força de Staline seduza o espírito de muitas pessoas com simpatias comunistas.

    Louvar Staline é para eles uma forma de manifestar rebeldia contra os propagandistas assalariados do sistema, que reclamam, armados em humanistas, a condenação do demónio Staline para fazer-nos ajoelhar perante a democracia capitalista: Staline foi um “monstro”, igual a Hitler; mas os governantes ocidentais que têm vindo a massacrar milhões de inocentes, da Coreia ao Vietname, da Argélia à Guatemala, da Indonésia ao Chile, esses, quando muito, cometeram “erros”!

    Intimam-nos a reconhecer os nossos pecados “stalinistas” passados para nos pôr à defesa e meter-nos, obedientes e arrependidos, no campo da ordem. Por isso respondi ao inquérito do Expresso “Tenho muita honra em ter sido stalinista”. Acho que era a única resposta a dar. Não temos que nos desculpar por termos apoiado a União Soviética quando ela era anti-imperialista; estávamos enganados quanto às realidades da URSS mas não errávamos ao escolher a nossa burguesia como o inimigo.

    O problema, porém, é que o culto de Staline que agora renasce não é só o apego ingénuo ao passado do movimento comunista e uma forma equivocada de repudiar a barbárie capitalista, uma espécie de nova religião dos oprimidos. Esta imagem mitificada do passado transporta consigo noções muito precisas sobre o que deve ser a política e os objectivos dos comunistas. Staline é reverenciado como o artífice de uma época “áurea” do movimento comunista. A “questão Staline” não toca apenas na avaliação que se faz da sua pessoa, nem sequer diz respeito apenas ao regime que existiu na ex-URSS: envolve toda a concepção da revolução e do socialismo. Ou seja, não tem a ver só com o passado, diz respeito sobretudo ao que se pretende para o futuro.

    E será bom começarmos a tomar consciência de que a concepção que a PO defende a este respeito é radicalmente oposta à dos adeptos do stalinismo.

    Por isso, não têm razão os camaradas que tentam deixar a questão em suspenso com o argumento de que ainda seria cedo para poder avaliar com objectividade o papel de Staline, ou de que “é natural os comunistas terem opiniões diversas sobre este assunto”. Creio, pelo contrário, que não é nada “natural” e que nos deve preocupar o facto de termos noções tão diferentes do que deva ser a revolução e o socialismo — afinal o alvo da nossa luta.

    E como os debates e artigos que ao longo de dezoito anos têm passado por estas páginas, pelos vistos, não chegaram para convencer diversos camaradas, só me resta insistir em alguns aspectos talvez caídos no esquecimento.


    " FMR, in, "Tenho muita honra em ter sido estalinista".

    ResponderEliminar
  3. Ou https://franciscomartinsrodrigues.wordpress.com/2016/04/21/sobre-staline/

    João Medeiros, citando FMR

    ResponderEliminar

Por favor nâo use mensagens ofensivas.