quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Parte III -Programa do VI congresso da IC, mantêm-se pleno de actualidade - As forças do imperialismo e as forças da revolução

 A forma imperialista do capitalismo, que exprime a tendência para a coesão das diversas facções da classe dominante, opõe as grandes massas do proletariado não a um patrão isolado, mas, cada vez mais, a toda a classe dos capitalistas e ao seu Estado. Por outro lado, esta forma de capitalismo desfaz as fronteiras dos estados nacionais tornadas demasiado estreitas e alarga o quadro do poder capitalista das grandes potências, opondo a esse poder os milhões de homens das nacionalidades oprimidas, das «pequenas» nações e dos povos coloniais. Enfim, esta forma de capitalismo opõe com mais agudeza os estados imperialistas uns aos outros. 

Neste estado de coisas, o poder político adquire para a burguesia uma importância particular, torna-se na ditadura de uma oligarquia financeira e capitalista, a expressão do seu poderio concentrado. As funções desse Estado imperialista, que compreende numerosas nacionalidades, desenvolvem-se em todos os sentidos. O desenvolvimento das formas do capitalismo de Estado facilita ao mesmo tempo a luta nos mercados externos (mobilização militar da economia) e a luta contra a classe operária. 

O desenvolvimento monstruoso ao extremo do militarismo (exército, frotas aérea e naval, armas químicas e biológicas), a pressão crescente do Estado imperialista sobre a classe operária (exploração acrescida e repressão directa, por um lado, corrupção sistemática da burocracia reformista dirigente, por outro), exprimem o enorme crescimento do papel do Estado. Nestas condições qualquer acção mais ou menos importante do proletariado se transforma numa acção contra o Estado, quer dizer, numa acção política. Assim, o desenvolvimento do capitalismo e, mais particularmente, a época imperialista reproduzem as condições fundamentais do capitalismo a uma escala cada vez mais considerável. 

A concorrência entre pequenos capitalistas não cessa senão para dar lugar à concorrência entre grandes capitalistas; quando esta se acalma, desencadeia-se a concorrência entre as formidáveis coligações dos magnatas do Capital e dos seus estados; as crises locais e nacionais estendem-se a diversos países e acabam por abraçar o mundo inteiro; as guerras locais dão lugar às guerras de coligações e às guerras mundiais; a luta de classes passa da acção isolada de certos grupos de operários às lutas nacionais, depois à luta internacional do proletariado mundial contra a burguesia mundial. Enfim, levantam-se e organizam-se contra as forças do capital financeiro poderosamente organizado, duas grandes forças revolucionárias: de um lado, os operários dos estados capitalistas e, do outro lado, as massas populares das colónias curvadas sob o jugo do capital estrangeiro, mas lutando sob a direcção e hegemonia do movimento revolucionário proletário internacional. 

Esta tendência revolucionária fundamental é no entanto temporariamente paralisada pela corrupção de certos elementos do proletariado europeu, norte-americano e japonês vendidos à burguesia imperialista e pela traição da burguesia nacional dos países coloniais e semicoloniais assustados pelo movimento revolucionário das massas. A burguesia das grandes potências imperialistas, arrecadando um lucro suplementar, tanto em razão da sua posição no mercado mundial em geral (técnica mais desenvolvida, exportação de capitais para países onde a taxa de lucro é mais alta, etc.) como em razão da pilhagem das colónias e das semicolónias, pôde aumentar, graças a esses superlucros, os salários dos «seus» operários, despertando-lhes assim o interesse pelo desenvolvimento do capitalismo da sua «pátria», pela pilhagem das colónias e pela fidelidade para com o Estado imperialista. 

Esta corrupção sistemática manifestou-se e manifesta-se particularmente ainda em larga escala nos países imperialistas mais poderosos; encontra a sua expressão mais relevante na ideologia e na acção da aristocracia operária e nas camadas burocráticas da classe operária, quer dizer nos quadros dirigentes da social-democracia e dos sindicatos que se revelaram como agentes directos da influência burguesa no seio do proletariado e os melhores apoios do regime capitalista. 

Mas após ter desenvolvido a aristocracia corrompida da classe operária, o imperialismo acaba por destruir a sua influência sobre o proletariado, na medida em que se acentuam as contradições do regime, o agravamento das condições de vida e o desemprego de grandes massas operárias, as despesas e os enormes custos provocados pelos conflitos armados, a perda de certas posições que os monopólios detinham no mercado mundial, a separação das colónias, etc., abalam a base do social-imperialismo nas massas. Do mesmo modo, a corrupção sistemática de diversas camadas da burguesia das colónias e das semicolónias, a sua traição ao movimento nacional-revolucionário e aproximação às potências imperialistas não paralisam senão temporariamente o desenvolvimento da crise revolucionária. Este processo leva, por fim, ao reforço da opressão imperialista, ao enfraquecimento da influência da burguesia nacional sobre as massas populares, ao agravamento da crise revolucionária, ao desencadear da revolução agrária de grandes massas camponesas e à criação de condições favoráveis à hegemonia do proletariado dos países coloniais e dependentes na luta das massas populares, pela independência e por uma completa libertação nacional.

  O IMPERIALISMO E A QUEDA DO CAPITALISMO. 

O imperialismo elevou as forças produtivas do capitalismo mundial a um alto grau de desenvolvimento. Concluiu a preparação das premissas materiais para a organização socialista da sociedade. Demonstra, pelas suas guerras, que as forças produtivas da economia mundial ultrapassaram o quadro restrito dos estados imperialistas e exigem a organização da economia a uma escala internacional mundial. 

O imperialismo esforça-se por resolver esta contradição, rompendo a ferro e fogo a via para um trust capitalista de Estado mundial e único que organizaria a economia mundial. Esta sangrenta utopia é glorificada pelos ideólogos sociais-democratas que vêem nela o método pacífico do novo capitalismo «organizado». Na realidade, ela confronta-se com obstáculos insuperáveis objectivos de uma tal dimensão que o capitalismo sucumbirá inevitavelmente sob o peso das suas próprias contradições. A lei da desigualdade do desenvolvimento capitalista, acentuada na época imperialista, torna possíveis agrupamentos estáveis e duradouros de potências imperialistas. Por outro lado, as guerras imperialistas, que se transformam em guerras mundiais pelas quais a lei de concentração do capital se esforça por atingir o seu limite extremo – o trust mundial único –, são acompanhadas de tais devastações, impõem à classe operária e aos milhões de proletários e de camponeses das colónias tais agravos, que o capitalismo perecerá inevitavelmente sob os golpes da revolução proletária, bem antes de ter atingido essa finalidade. Fase suprema do desenvolvimento capitalista, levando as forças produtivas da economia mundial a um desenvolvimento de amplitude formidável, recriando o mundo inteiro à sua imagem, o imperialismo arrasta para o campo da exploração do capital financeiro todas as colónias, todas as raças e todos os povos.

 Mas a forma monopolista do capital desenvolve simultaneamente num grau crescente os elementos de degenerescência parasitária, de apodrecimento e declínio do capitalismo. Destruindo em certa medida essa força motriz que é a concorrência, levando a cabo uma política de altos preços fixados pelos cartéis, dispondo sem restrições do mercado, o capital monopolista tende a travar o desenvolvimento ulterior das forças produtivas. Arrancando a milhões de operários e de camponeses coloniais superlucros fabulosos e acumulando enormes proventos dessa exploração, o imperialismo cria um tipo de Estado dependente da renda, em degeneração parasitária e apodrecimento, e camadas inteiras parasitas que vivem de cupões de renda. 

Concluindo o processo da criação das premissas materiais do socialismo (concentração dos meios de produção, imensa socialização do trabalho, crescimento das organizações operárias), a época imperialista agrava as contradições existentes entre as «grandes potências» e engendra guerras que culminam na desagregação da unidade da economia mundial. O imperialismo é, por esse motivo, o capitalismo em decomposição e agonizante e, em geral, a última etapa da evolução capitalista, o prelúdio da revolução socialista mundial. A revolução proletária internacional decorre assim das condições do desenvolvimento do capitalismo em geral e da sua fase imperialista em particular. O sistema capitalista conduz no seu conjunto a uma falência definitiva. A ditadura do capital financeiro perece, dando lugar à ditadura do proletariado. 

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

A verdade escondida dos hipermercados / por trabalhadora abusada


Os hipermercados são um lugar horrível: cínico, falso, cruel. À entrada, os consumidores limpam a sua má consciência reciclando rolhas e pilhas velhas, ou doando qualquer coisa ao sos hepatite, ao banco alimentar ou ao pirilampo mágico. Dentro da área de consumo, cai a máscara de humanidade do hipermercado: entra-se no coração do capitalismo selvagem. 

O consumidor, totalmente abandonado a si próprio (é mais fácil de encontrar uma agulha num palheiro do que um funcionário que lhe saiba dar 2 ou 3 informações sobre um mesmo produto), raramente tem à disposição mercadorias que, apesar do encanto do seu embrulho, não dependam da exploração laboral, da contaminação dos ecossistemas ou de paisagens inutilmente destruídas. Fora do hipermercado, os produtores são barbaramente abusados pelo Continente (basta que não pertençam a uma multinacional da agro-indústria), que os asfixia até à morte e, quando há um produtor que deixa de suportar as impossíveis exigências que lhe são impostas, aparece outro que definhará igualmente, até encontrar o mesmo fim. Finalmente, nas caixas do hipermercado, para servir o consumidor como escravos idênticos aos que fabricaram os artigos comprados, estamos nós.

O hipermercado está portanto no centro da miséria que se vive hoje no mundo. O consumidor, o produtor e nós temos uma missão comum: contribuir para que os homens mais ricos do planeta fiquem cada vez mais ricos – contribuir para que a riqueza se concentre como nunca antes na história. Se somos todos diariamente roubados e abusados, é por este mesmo e único motivo. Vou-vos relatar apenas a minha banal experiência diária (sem pontos de exclamação já que o escândalo é comum a qualquer um dos tópicos que irei descrever). Espero que sirva de alguma coisa, apesar de saber que ninguém se incomodará muito com ela. Afinal, é a mesma selva que está já em todo o lado.

1 – salário Trabalho 20h semanais em troca de 260€ mensais, o que dá pouco mais de 3€ por hora. Que isto se possa pagar a alguém em 2015 devia ser motivo de vergonha para um país inteiro. Que seja um milionário a pagar-me esta esmola devia dar pena de prisão efectiva.

2 – precariedade Já vou no terceiro ‘contrato’ de seis meses e ainda não passei a efectiva. Quando chegar a altura em que poderei finalmente entrar para o quadro, serei dispensada como tantas outras. A explicação para a quebra brutal na natalidade está encontrada: afinal, alguém consegue ter filhos nestas condições?

3 – trabalho não remunerado fora do horário de trabalho Se o futuro é uma incógnita, o presente é sempre igual: todos os dias, sem excepção, trabalho horas extra grátis que me são impostas. O meu horário de saída é às 15h mas, depois dessa hora, ainda tenho para executar várias tarefas obrigatórias, que me levam entre 15 a 20 minutos diários, como arrumar os cestos das compras e os artigos que os clientes deixam ficar na caixa ou guardar o dinheiro no cofre. No quase ano e meio que levo a trabalhar no Continente, devo ter saído uns 5 dias, no total, à hora certa. E já cheguei a sair uma hora e meia depois das 15h, apesar de os meus superiores saberem muito bem que dali ainda vou para outro trabalho e de, por isso, eu ter sempre imensa pressa para não me atrasar.

4 – trabalho em dias de folga Para perpetuar a falta de funcionários na loja, obriga-se aqueles que lá estão a trabalharem pelos que fazem falta, oferecendo assim todos os meses algumas horas do seu tempo de vida e de descanso ao patrão, que deste modo poupa no número de salários a pagar. Mais absurdo: num dia em que esteja de folga, posso ser convocada para ir à loja para fazer inventário. Sou obrigada a ir, apesar de estar na minha folga, e apenas posso faltar mediante justificação médica. E, como se não bastasse, até já aconteceu eu ser avisada no próprio dia da folga.

5 – cada segundo de exploração conta Neste ano e meio, cheguei uma única vez 5 minutos atrasada e a minha superior foi logo bruta e agressiva comigo, tendo-me gritado e agarrado pelo braço, apesar de supostamente haver uma tolerância para se chegar até 15 minutos atrasada. Nunca mais voltei a atrasar-me. Nem 10 segundos. (Já sair pelo menos 15 minutos mais tarde do que a hora prevista, isso é todos os dias.)

6 – formatação do corpo Relativamente à aparência física, devemos formatá-la meticulosamente, ao gosto sexista do patrão. Na loja onde trabalho, várias colegas tiveram por isso de eliminar os seus pírcingues, apagar também a cor das unhas (lá só é admitido o vermelho) e uma até teve de mudar de penteado. O patrão quer que nos apresentemos como autênticas bonecas. Faz lembrar os escravos que eram levados para as Américas, a quem se retiravam as suas marcas corporais para serem explorados sem outra identidade que a de escravos (seres humanos transformados em mercadorias).

7 – pausa para comer/urinar/descansar é crime Mas o pior de tudo é mesmo o que acontece durante o tempo de trabalho. Os meus superiores querem que eu esteja as 4 horas sentada a render o máximo que é humanamente possível, por isso, dificultam ao máximo as minhas pausas – que são legais e demoraram séculos a conquistar – para ir comer qualquer coisa ou ir simplesmente à casa de banho. A única coisa que me autorizam a levar para junto de mim, no meu posto de trabalho na caixa, é uma garrafinha de água previamente selada e nada mais. De resto, o que levar para comer e beber (sumos e iogurtes líquidos não podem ir comigo para a caixa) tenho que deixar no Posto de Informações e só tenho acesso quando da caixa telefono para lá. Normalmente, no Posto, fazem que se esquecem desses pedidos, passando uma eternidade até eu finalmente conseguir ir comer. E, quando a muito custo lá consigo obter autorização para ir comer, sou pressionada para ser ultra rápida, pelo que em vez de mastigar estou mais habituada a engasgar-me. O mesmo acontece com as idas à casa de banho, sempre altamente dificultadas.

8 – gerem-nos como se fôssemos animais Há uns tempos, uma colega sentiu-se mal quando estava na caixa, fartou-se de pedir licença para ir à casa de banho, mas foi obrigada como de costume a esperar tanto, tanto que lá se vomitou, quase em cima de um cliente. Não se calem e denunciem todos os abusos nas redes sociais e nos blogs. (gostava imenso de assinar, mas os 260€ do salário fazem-me tanta falta)

Fonte: L'obeissance est morte
Crédito foto de capa: L'obeissance est morte


terça-feira, 16 de agosto de 2016

Parte II -Programa do VI congresso da IC, mantêm-se pleno de actualidade ! -O sistema mundial do capitalismo, o seu desenvolvimento e a sua inevitável ruína.

 As leis gerais do desenvolvimento do capitalismo e a época do capital industrial 

A sociedade capitalista, fundada sobre o desenvolvimento da produção de mercadorias, é caracterizada pelo monopólio da classe dos capitalistas e dos grandes proprietários de terras sobre os mais importantes e decisivos meios de produção, pela exploração da mãode-obra assalariada da classe dos proletários, privados dos meios de produção e obrigados a vender a sua força de trabalho, pela produção de mercadorias com o objectivo da obtenção de lucro, pela ausência de planificação e pela anarquia que resulta destas diversas causas no conjunto do processo de produção. As relações sociais de exploração e a dominação económica da burguesia encontram a sua expressão política na organização do Estado capitalista, aparelho de coerção contra o proletariado. 

A história do capitalismo confirma inteiramente a doutrina de Marx sobre as leis do desenvolvimento da sociedade capitalista e sobre as contradições inerentes a esse desenvolvimento que levam o sistema capitalista à sua inelutável perda. Na sua corrida ao lucro, a burguesia foi obrigada a desenvolver, em proporções sempre crescentes, as forças produtivas, a reforçar e alargar o domínio das relações capitalistas de produção. O desenvolvimento do capitalismo, por esse motivo, reproduziu constantemente, numa base alargada, todas as contradições internas do sistema, antes do mais a contradição decisiva entre o carácter social do trabalho e o carácter privado da apropriação, entre o crescimento das forças produtivas e as relações capitalistas de propriedade. A propriedade dos meios de produção e o funcionamento espontâneo e anárquico da própria produção provocaram a ruptura do equilíbrio económico entre os diferentes ramos da produção devido ao desenvolvimento da contradição entre o alargamento ilimitado da produção e o consumo limitado das massas proletárias (sobreprodução geral), o que arrastou a crises periódicas devastadoras e levou ao desemprego massas de proletários. 

O domínio da propriedade privada traduziu-se por uma concorrência incessantemente crescente, tanto no interior de cada país capitalista como no mercado mundial. Esta última forma de rivalidade  entre capitalistas teve como consequência as guerras que acompanham inevitavelmente o desenvolvimento capitalista. As vantagens técnicas e económicas da grande produção provocaram, por outro lado, através do jogo da concorrência, a eliminação e a destruição das formas pré-capitalistas da economia e uma concentração e uma centralização crescente do capital. Na indústria, esta lei de concentração e de centralização manifestou-se antes de tudo através do definhamento da pequena produção ou pela sua redução a um papel de auxiliar subordinado às grandes empresas. Na agricultura, cujo desenvolvimento é necessariamente atrasado em consequência do monopólio da propriedade do solo e da renda absoluta, esta lei exprimiu-se não apenas pela diferenciação do campesinato e pela proletarização de largas camadas de camponeses, mas também e sobretudo por formas visíveis ou veladas da dominação do grande capital sobre a pequena economia rural que, neste caso, não pode conservar uma aparência de independência senão ao preço de uma extrema intensidade do trabalho e de um subconsumo sistemático. 

A utilização crescente das máquinas, o aperfeiçoamento constante da técnica e, nesta base, o crescimento incessante da composição orgânica do capital, acompanhadas da crescente divisão do trabalho, do aumento da sua produtividade e a sua intensificação, significaram igualmente o emprego mais amplo da mão-de-obra feminina e infantil e a formação de enormes exércitos industriais de reserva, engrossados sem cessar pelos camponeses proletarizados, expulsos dos campos, e pela pequena e média burguesia arruinada das cidades. 

Num dos pólos das relações sociais, a formação de massas consideráveis de proletários, intensificação contínua da exploração da classe operária, reprodução numa base alargada das contradições profundas do capitalismo e das suas consequências (crises, guerras, etc.), aumento constante da desigualdade social, crescimento da indignação do proletariado, concentrado e educado pelo próprio mecanismo da produção capitalista, tudo isto mina infalivelmente as bases do capitalismo e aproxima o momento da sua derrocada. Uma profunda convulsão produziu-se simultaneamente em toda a ordem moral e cultural da sociedade capitalista: decomposição parasitária dos grupos rentistas da burguesia, dissolução da família, exprimindo a contradição crescente entre a participação em massas das mulheres na produção social e as formas da família e da vida doméstica herdadas em larga medida das épocas econômicas anteriores; desenvolvimento monstruoso das grandes cidades e mediocridade da vida rural em consequência da divisão e da especialização do trabalho; empobrecimento e degenerescência da vida intelectual e da cultura geral; incapacidade da burguesia de criar, a despeito dos grandes progressos das ciências naturais, uma síntese filosófica científica do mundo; desenvolvimento das superstições idealistas, místicas e religiosas, todos estes fenómenos assinalam a aproximação do fim histórico do sistema capitalista. 

 A época do capital financeiro (imperialismo) O período do capitalismo industrial foi, em geral, um período de «livre concorrência» durante o qual o capitalismo evoluiu com uma relativa regularidade e se expandiu por todo o globo através da repartição das colónias ainda livres, conquistadas pela força das armas, recaindo o peso das contradições internas do capitalismo, em crescimento incessante, principalmente sobre a periferia colonial oprimida, aterrorizada e sistematicamente espoliada. 

 Este período deu lugar, por volta do princípio do século XX, ao do imperialismo, caracterizado pelo desenvolvimento do capitalismo por saltos bruscos e por conflitos, num momento em que a livre concorrência cedeu o seu lugar ao monopólio, em que as terras coloniais antes «livres» se encontravam repartidas e em que a luta por uma nova partilha das colónias e das esferas de influência começou a tomar, inevitavelmente e em primeiro lugar, a forma da luta armada. Deste modo, as contradições do capitalismo adquiriram em toda a sua dimensão e à escala mundial a sua expressão mais nítida na época do imperialismo (capitalismo financeiro), que representa uma nova forma histórica do próprio capitalismo, uma nova relação entre as diferentes partes da economia capitalista mundial e uma modificação das relações entre as classes fundamentais da sociedade capitalista. Este novo período histórico resulta da acção das leis essenciais do desenvolvimento da sociedade capitalista. Amadurece com o desenvolvimento do capitalismo industrial e é a sua continuação histórica. 

Acentua a manifestação das tendências fundamentais e das leis do movimento da sociedade capitalista, das suas contradições e antagonismos fundamentais. A lei da concentração e da centralização do capital conduz à formação de poderosos grupos monopolistas (cartéis, sindicatos, trusts), a uma nova forma de empresas gigantes combinadas. Ligadas num só feixe pelos bancos. A fusão do capital industrial e do capital bancário, a entrada da grande propriedade fundiária no sistema geral do capitalismo, caracterizado a partir de então pelos monopólios, transformaram o período do capital industrial no do capital financeiro. A «livre concorrência» do capitalismo industrial, que tinha outrora substituído o monopólio feudal e o monopólio do capital comercial, transformou-se ela própria em monopólio do capital financeiro. Os monopólios capitalistas, saídos da livre concorrência, embora não a suprimam, dominam-na ou coexistem com ela, provocando assim contradições, confrontos e conflitos de uma acuidade e gravidade particulares. 

O emprego crescente de máquinas complexas, de processos químicos e de energia eléctrica, o aumento da composição orgânica do capital nesta base e a queda da taxa de lucro que daqui decorre – que só parcialmente é travada em favor das maiores associações monopolistas pela política de altos preços dos cartéis – provocam a continuação da corrida aos super lucros coloniais e a luta por uma nova partilha do mundo. A produção em massa, standarizada, exige novos mercados externos de escoamento. A procura crescente de matérias-primas e de combustíveis provoca ásperas rivalidades pelo controlo das suas fontes.

 Por fim, o alto proteccionismo, impedindo a exportação de mercadorias e assegurando um super lucro ao capital exportado, cria estímulos complementares à exportação de capitais que se torna na forma decisiva e específica da conexão económica entre as diferentes partes da economia capitalista mundial. Em resultado, o controlo monopolista dos mercados coloniais de escoamento, das fontes de matérias primas e das esferas de investimentos de capitais acentua fortemente a desigualdade do desenvolvimento capitalista e agrava os conflitos entre as «grandes potências» do capital financeiro por uma nova partilha das colónias e das esferas de influência. 

O crescimento das forças produtivas da economia mundial conduz portanto a uma maior internacionalização da vida económica e, ao mesmo tempo, à luta por uma nova partilha do mundo, já repartido entre os grandes estados do capital financeiro; provoca igualmente uma alteração e um agravamento das formas desta luta: a substituição cada vez mais frequente da concorrência mediante o abaixamento dos preços pelo apelo directo à força (boicote, alto proteccionismo, guerras alfandegárias, guerras no sentido próprio da palavra, etc.). O capitalismo, sob a sua forma monopolista, é, por consequência, acompanhado de 5 guerras imperialistas inevitáveis que, pela sua amplitude e poder destrutivo da técnica usada, não têm precedente na história do mundo. 

Parte I - Programa da Internacional Comunista Adoptado pelo VI Congresso Mundial Moscovo, 1 de Setembro de 1928, Mantêm-se pleno de actualidade !


A época do imperialismo é a do capitalismo em agonia. A guerra mundial de 1914-1918 e a crise geral do capitalismo que desencadeou foram resultado de uma profunda contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas da economia mundial e as fronteiras dos estados.

Mostraram e provaram que as condições materiais do socialismo no seio da sociedade capitalista já se encontram amadurecidas e que, tendo-se o invólucro da sociedade tornado um obstáculo intolerável para o desenvolvimento ulterior da humanidade, a história colocou na ordem do dia o derrubamento do jugo capitalista pela revolução.

 O imperialismo sujeita as inumeráveis massas proletárias de todos os países – tanto nas metrópoles do poder capitalista como nos mais recônditos lugares do mundo colonial – à ditadura de uma plutocracia capitalista financeira. O imperialismo põe a nu e aprofunda com uma força cega todas as contradições da sociedade capitalista, leva ao extremo a opressão das classes, agudiza ao mais alto grau a luta entre os estados capitalistas, engendra a inevitabilidade das guerras imperialistas mundiais que abalam todo o sistema das relações de dominação e encaminha a sociedade, com uma necessidade irresistível, para a revolução proletária mundial.

Amarrando o mundo inteiro nos laços do capital financeiro, unindo pelo sangue, pelo ferro e pela fome os proletários de todos os países, de todas as nacionalidades e de todas as raças sob o seu jugo, agravando formidavelmente a exploração, a opressão e a sujeição do proletariado que coloca diante da tarefa imediata de conquistar o poder, o imperialismo cria a necessidade de uma estreita coesão dos operários num exército internacional único dos proletários de todos os países, formado independentemente das fronteiras dos estados, das diferenças de nacionalidade, de cultura, de língua, de raça, de sexo e de profissão.

 O imperialismo, desenvolvendo e criando assim as condições materiais do socialismo, coloca o proletariado frente à necessidade de organizar-se numa associação operária internacional de combate e assegura desse modo a coesão do exército dos seus próprios coveiros. Por outro lado, o imperialismo separa das grandes massas a parte mais abastada da classe operária. Esta «aristocracia» operária, corrompida pelo imperialismo, que constitui os quadros dirigentes dos partidos sociais-democratas, interessada na pilhagem imperialista das colónias, devotada à «sua» burguesia e ao «seu» Estado imperialista, encontra-se, na hora das batalhas decisivas, ao lado do inimigo de classe do proletariado.

A cisão do movimento socialista provocada pela traição de 1914 e pelas traições ulteriores dos partidos sociais-democratas, tornados de facto em partidos operários burgueses, provaram que o proletariado mundial não pode cumprir a sua missão histórica – quebrar o jugo do imperialismo e conquistar a ditadura do proletariado – senão através de uma luta  implacável contra a social-democracia. A organização das forças da revolução internacional não é, portanto, possível senão na base do comunismo.

À II Internacional oportunista da social-democracia, opõe-se inelutavelmente a III, a Internacional Comunista, organização universal da classe operária, encarnando a unidade autêntica dos operários revolucionários de todos os países. A guerra de 1914-1918 provocou as primeiras tentativas de criar uma nova Internacional revolucionária, como contraposição à II Internacional social-chauvinista e como instrumento de resistência ao imperialismo militarista (Zimmerwald, Kienthal). A vitória da revolução proletária na Rússia impulsionou a constituição de partidos comunistas nas metrópoles capitalistas e nas colónias.

1 Em 1919 foi fundada a Internacional Comunista que, pela primeira vez na história, uniu efectivamente na luta revolucionária os elementos avançados do proletariado da Europa e da América aos proletários da China e das Índias, aos trabalhadores negros da África e da América. Partido internacional único e centralizado do proletariado, a Internacional Comunista é a única continuadora dos princípios da Primeira Internacional, aplicados sobre a nova base de um movimento proletário revolucionário de massas.

 A experiência da primeira guerra imperialista, da crise revolucionária do capitalismo que lhe sucedeu e das revoluções da Europa e dos países coloniais, a experiência da ditadura do proletariado e da edificação do socialismo na URSS, a experiência do trabalho de todas as secções da Internacional Comunista, fixada nas decisões dos seus congressos, e, por fim, a internacionalização cada vez maior da luta entre a burguesia imperialista e o proletariado tornam indispensável a elaboração de um programa da Internacional Comunista, único e comum a todas as suas secções. O programa da IC realiza assim a mais alta síntese crítica da experiência do movimento revolucionário do proletariado, um programa de luta pela ditadura mundial do proletariado, um programa de luta pelo comunismo mundial. A Internacional Comunista, que une os operários revolucionários e mobiliza milhões de oprimidos e explorados contra a burguesia e os seus agentes «socialistas», considera-se como a continuadora histórica da Liga dos Comunistas e da Primeira Internacional que estiveram sob a direcção imediata de Karl Marx, e como herdeira das melhores tradições de antes da guerra da II Internacional.

A Primeira Internacional fundou as bases doutrinais da luta internacional do proletariado pelo socialismo. A II Internacional, na sua melhor época, preparou o terreno para uma larga expansão do movimento operário entre as massas. A III Internacional Comunista, prosseguindo a obra da Primeira Internacional e recolhendo os frutos do trabalho da Segunda, rejeitou-lhe o oportunismo, o social-chauvinismo, a deformação burguesa do socialismo, e começou a realizar a ditadura do proletariado.

 A Internacional Comunista prossegue assim as tradições heróicas e gloriosas do movimento operário internacional: as dos cartistas ingleses e dos insurrectos franceses de 1830; as dos operários revolucionários franceses e alemães de 1848; as dos combatentes imortais e dos mártires da Comuna de Paris; as dos valorosos soldados das revoluções alemã, húngara e finlandesa; as dos operários outrora curvados sob o despotismo tsarista e concretizadores vitoriosos da ditadura do proletariado; as dos proletários chineses, heróis de Cantão e de Xangai. Inspirando-se na experiência histórica do movimento revolucionário de todos os continentes e de todos os povos, a Internacional Comunista coloca-se inteiramente e sem reservas na sua actividade teórica e prática no terreno do marxismo revolucionário, do qual o leninismo – que é o marxismo da época do imperialismo e das revoluções proletárias – é o desenvolvimento ulterior.

 2 Defendendo e propagando o materialismo dialéctico de Marx e de Engels, aplicando-o como método revolucionário de conhecimento da realidade visando a sua transformação revolucionária, a Internacional Comunista combate activamente todas as variedades do pensamento burguês e o oportunismo teórico e prático. Mantendo-se no terreno da luta de classe proletária consequente, subordinando os interesses conjunturais, parciais, corporativos e nacionais do proletariado aos seus interesses permanentes, gerais e internacionais, a Internacional Comunista desmascara impiedosamente, em todas as suas formas, a doutrina da «paz social» tomada pelos reformistas à burguesia. Exprimindo a necessidade histórica da organização internacional dos proletários revolucionários, coveiros do sistema capitalista, a Internacional Comunista é a única força internacional que tem como programa a ditadura do proletariado e o comunismo e que age abertamente como organizadora da revolução proletária mundial.

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Lei israelita permite aprisionar crianças palestinianas com menos de 14 anos


A Lei da Juventude, aprovada no Knesset na quarta-feira, permite às autoridades israelitas encarcerarem crianças com menos de 14 anos se estas forem condenadas por «acções de terrorismo contra civis ou militares israelitas».
Um soldado israelita tenta prender um rapaz palestiniano num protesto perto de Ramallah, na Margem Ocidental

De acordo com a agência Ma'an, o projecto de lei, apresentado pela deputada Anat Berko (Likud), foi aprovado com 32 votos a favor, 16 contra e uma abstenção. Um comunicado do Knesset sobre a aprovação da lei inclui declarações da deputada: «Para os que são assassinados com uma faca no coração, não importa se a criança tem 12 ou 15 anos.»

Esta lei visa, sobretudo, os palestinianos de Jerusalém Oriental ocupada. Palestinianos de todas as idades, incluindo menores muito novos, na Margem Ocidental, há muito que são julgados, condenados e encarcerados ao abrigo da lei militar de Israel que aí vigora, refere a Ma'an.

A «Lei da Juventude» é uma de várias leis aprovadas no ano passado que têm como alvo menores palestinianos. Em Julho de 2015, foi aprovada no Knesset legislação que permitia condenar alguém até 20 anos de cadeia por atirar pedras a veículos, caso fosse provada a intenção de provocar dano. No entanto, a Lei permite que o Estado israelita prenda alguém até 10 anos mesmo não existindo prova da intenção.

Para além disso, em Novembro último, Israel publicou legislação que permite condenar palestinianos a um mínimo de três anos de prisão por atirarem pedras a israelitas.

Membros do governo israelita já antes tentaram fazer aprovar legislação permitindo encarcerar menores com menos de 14 anos, tendo a Association for Civil Rights in Israel — ACRI exortado o governo, em 2015, a não avançar com a proposta de baixar a idade mínima de prisão. De acordo com esta organização, estão em curso propostas no sentido de permitir às autoridades israelitas condenarem a prisão perpétua crianças de menos de 14 anos, refere a Ma'an.
Por seu lado, a organização Defense for Children International – Palestine (DCIP) condenou a legislação contra os atiradores de pedras, declarando: «Estas mudanças são aplicadas quase exclusivamente aos palestinianos. Os extremistas e colonos israelitas raramente são processados de acordo com os mesmos padrões legais.»

A organização israelita de direitos humanos B'Tselem também criticou a nova lei, afirmando que, «em vez de mandar [os jovens palestinianos] para a prisão, seria melhor mandá-los para a escola, onde poderiam crescer na dignidade e na liberdade, e não sob a ocupação», refere a Al-Mayadeen.

 Original encontra-se em porAbril Abril

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Maquinaria e Trabalho Vivo (Os Efeitos da Mecanização Sobre o Trabalhador) Karl Marx

Duas são as questões que temos a examinar.


Primeira, em que medida se distinguem os efeitos da maquinaria daqueles da divisão do trabalho e da cooperação simples.

Segunda, os efeitos da maquinaria sobre os trabalhadores que ela mesma elimina e substitui.

É a forma social de toda combinação do trabalho o fator característico geral do desenvolvimento da produção capitalista; característica que abrevia o tempo necessário para a produção de mercadorias, ao mesmo tempo em que diminui a massa de trabalhadores (assim como da mais-valia) para um quantum determinado de mercadorias produzidas. Mas é apenas na maquinaria, e no emprego do novo sistema de máquinas sobre o qual se funda a mecanização das oficinas, que a substituição do trabalhador por uma parte do capital constante (aquela parte do produto do trabalho que se toma novamente meio de trabalho) se coloca, produzindo genericamente um excedente de trabalhadores como tendência expressa e apreensível, que atua e se estabelece em larga escala. O trabalho passado surge aqui como meio para substituir o trabalho vivo ou como aquele meio de fazer diminuir o número de trabalhadores. Esta diminuição do trabalho humano aparece como especulação capitalista, como meio para aumentar a mais-valia.

De fato, isso só tem lugar na medida em que na maquinaria as mercadorias produzidas existem tanto como meio de subsistência para o consumo do próprio trabalhador, quanto como aqueles elementos para a formação e reprodução de sua capacidade de trabalho. Assim, o valor individual das mercadorias produzidas pela introdução geral da maquinaria põe-se diferentemente de seu valor social, e os capitalistas tomados isoladamente apropriam-se da parte referente a esta diferença. Aqui aparece a tendência geral da produção capitalista tomada em todos os seus ramos produtivos: o trabalho humano substituído pela máquina.

É primeiramente junto à maquinaria que o trabalhador luta de imediato contra a força produtiva desenvolvida pelo capital como sendo aquele princípio antagônico fundado no trabalhador mesmo — o trabalho vivo. A destruição das máquinas e a oposição geral, por parte dos trabalhadores, à introdução da maquinaria é a primeira expressão esclarecida de luta contra a produção capitalista desenvolvida, tanto como modo, quanto como meio de produção. Nada há que se assemelhe a isto na cooperação simples e na divisão do trabalho. Ao contrário, a divisão do trabalho no interior da manufatura reproduzia de forma mais ou menos geral a divisão de trabalho entre os diferentes ofícios. A única oposição que aqui encontramos, no que diz respeito às corporações e às organizações medievais do trabalho, é a proibição do emprego, por parte de um único mestre artesão, de um número excedente de trabalhadores àquele estabelecido; e, em geral, ao simples comerciante, que não era mestre, a proibição em utilizar-se de trabalhadores. Esta oposição estava instintivamente voltada contra o fundamento geral sobre o qual teve lugar a transição da forma artesanal para o modo de produção capitalista, da mesma forma que voltada contra a cooperação de muitos trabalhadores sob um único mestre e contra a produção em massa, sem que as forças sociais do trabalho (incluindo sua depreciação) que essa produção em massa desenvolve, ou ainda a substituição do trabalho vivo pelo produto do trabalho passadopudessem já ser aqui conscientemente apreendidas.

A divisão do trabalho e a cooperação simples nunca se baseiam imediatamente na substituição do trabalho ou na criação de um excedente de trabalhadores; por um lado, sua base é a concentração destes e, por outro, a formação de uma maquinaria viva ou um sistema de máquinas vivas intermediado por este mesmo conglomerado. Em todo caso, porém, um excedente relativo de trabalho é produzido.

Por exemplo, numa manufatura fundada na divisão do trabalho, na qual trinta mecânicos trabalham "x" vezes produzindo mais fechaduras do que trinta serralheiros independentes poderiam produzir, estes últimos deixariam de ser independentes justamente ali onde nasce a concorrência com a manufatura — desalojados que seriam por ela —, da mesma forma que o crescimento da produção de fechaduras não se poria mais como antes, proporcionalmente ao crescimento do número de serralheiros independentes. Isto aparece antes como a transformação dos mestres de ofício e seus aprendizes em capitalistas e trabalhadores assalariados do que como a supressão do trabalhador assalariado pelo emprego do capital e da ciência.

Esta última forma aparece ainda em menor proporção do que a própria ma­nufactura, de presença apenas esporádica, pois se coloca como anterior à invenção da maquinaria, de modo algum capaz de compreender a totalidade dos ramos, mas aparecendo simultaneamente ao primeiro desenvolvimento do trabalho industrial em larga escala, e coincidindo com as necessidades fundadas neste último. As manufaturas posteriores, que se desenvolvem tendo por base a própria máquina, tomam-na por pressuposto, ainda que o emprego da maquinaria tenha uma dimensão apenas parcial. O pressuposto desta forma é o excedente de população formado e continuamente renovado sob a maquinaria.

Por isso pôde Adam Smith notar como sendo expressões de caráter idêntico: a divisão do trabalho no interior da manufactura e o aumento do número de trabalhadores.

Portanto, a forma fundamental segue sendo: o número relativo de trabalhadores que a produção de um determinado quantum de mercadorias exige diminui em função do trabalho em larga escala, e este mesmo número de trabalhadores é capaz de elevar ainda mais sua produtividade — o que faz decair relativamente, por conseguinte, a demanda de trabalho para uma expansão da produção. Porém, ao mesmo tempo, mais trabalhadores terão de ser empregados a fim de que se realize este aumento relativo da força produtiva. Como forma palpável e evidente aparece aqui a diminuição relativa do tempo de trabalho necessário, mas não a diminuição do trabalho empregado na sua forma absoluta, que continua tendo como base o trabalhador vivo e o número de trabalhadores ocupados sob o mesmo espaço. Além disso, a consolidação da manufatura acontece num momento no qual tanto as necessidades, quanto a massa crescente de mercadorias inseridas no intercâmbio, assim como o comércio internacional (em realidade um relativo mercado mundial) expandem-se subitamente de maneira prodigiosa. É por isso que encontramos a manufatura em confronto tão somente com o artesanato, mas de modo algum em conflito direto com o trabalho assalariado mesmo que, (no meio urbano) primeiramente no interior deste modo de produção, passe a adquirir uma existência disseminada.

Além disso e sem dúvida, simultaneamente à maquinaria desenvolve-se também a agricultura em larga escala, que funciona de fato como produção mecanizada, dado que tanto a transformação da terra arável em pastagens, como o uso de melhores instrumentos e cavalos, aqui, tanto quanto na maquinaria, faz com que o trabalho passado surja como meio para substituição ou diminuição do trabalho vivo.

Na maquinaria, ao contrário, em que novos ramos de produção são fundados, não se pode, naturalmente, falar em substituição dos trabalhadores por máquinas. Esta situação de difusão aparece de forma geral assim que a maquinaria se desenvolve, numa época avançada em que repousa o modo de produção, mas no interior do qual aquela produção segue sendo ainda extremamente incipiente, seja em comparação com aquelas mercadorias nas quais o trabalho humano mediante a maquinaria é suplantado, seja do ponto de vista das mercadorias substituídas, que anteriormente eram produzidas sob o simples trabalho manual.

O primeiro caso diz respeito ao emprego da maquinaria naqueles ramos cuja forma anterior de produção era artesanal ou manufatureira. Com isso, a máquina aparece aqui como elemento intrínseco ao modo de produção capitalista, como uma revolução no interior do modo de produção em geral. Assim que a mecanização se institui no interior das oficinas (Ateliers), a finalidade passa a ser o constante aperfeiçoamento da maquinaria, que até este momento não havia ainda subordinado a si setores daquelas, fazendo-o agora por completo, ao mesmo tempo em que faz diminuir o número de trabalhadores ocupados. Da mesma forma, os trabalhos feminino e infantil tomam o lugar do trabalho masculino e, finalmente, numa extensão superior àquela da manufatura (e isto os trabalhadores têm sentido diretamente), a força produtiva de uma mesma quantidade de trabalhadores aumenta e, justamente por isso, é requerida uma diminuição relativa do número de trabalhadores para a produção de uma determinada massa de mercadorias.

Portanto, a fórmula da maquinaria é: não a diminuição relativa da jornada individual de trabalho — jornada esta que é parte necessária da jornada de trabalho mas a redução da quantidade de trabalhadores, isto é, das muitas jornadas paralelas, formadoras de uma jornada coletiva de trabalho, fundamental à constituição da maquinaria. Em outros termos, uma quantidade determinada de trabalhadores é posta para fora do processo de produção e seus postos de trabalho extintos como sendo, ambos, inúteis à produção de mais-trabalho. Tudo isso abstraindo da eliminação daquelas especializações surgidas mediante a divisão do trabalho de onde resulta, por conseqüência, uma depreciação da própria capacidade de trabalho.

O trabalho passado juntamente com a circulação social do trabalho são apreendidos como meios de tomar supérfluo o trabalho vivo. Ou seja, a base sobre a qual se desenvolve o mais-trabalho é o tempo de trabalho necessário, apesar de, aqui, buscar-se consolidar justamente o contrário: calcula-se qual o quantum determinado de mais-trabalho é possível obter perante a um quantum determinado de trabalho necessário.

A oposição entre capital e trabalho assalariado desenvolve-se, assim, até sua plena contradição. É no interior desta que o capital aparece como meio não somente de depreciação da capacidade viva de trabalho, mas também como meio de tomá-la supérflua. Em determinados processos isso ocorre por completo; em outros, esta redução se efetua até que se alcance o menor número possível no interior do conjunto da produção. O trabalho necessário coloca-se, então, imediatamente como população supérflua, como excedente populacional — aquela massa incapaz de gerar mais-trabalho.

Já postos anteriormente como sendo momentos diferenciados, é possível verificar como o capital de fato — contra sua vontade — faz diminuir a massa de mais-trabalho que um capital determinado é capaz de produzir. Atuando como tendência que se movimenta contraditoriamente, ele procura manter baixo o número relativo de trabalhadores efetivamente ocupados e, ao mesmo tempo, elevar o quanto for possível o mais-trabalho absoluto, ou seja, aumentar a jornada de trabalho absoluta.

Por isso os economistas contemporâneos ao período referente à grande indústria posicionam-se contra aquele preconceito predominante já presente no período manufatureiro, segundo o qual é de interesse do Estado — portanto, da classe capitalista — ocupar o maior número de trabalhadores possível. Pelo contrário, aparece como tarefa obrigatória para a produção de mais-trabalho diminuir (ao invés de aumentar) o quanto for possível a quantidade de trabalhadores e criar, ao mesmo tempo, excedente populacional.

Trata-se para o trabalhador não somente da eliminação da especialização e da depreciação de sua capacidade de trabalho, mas da eliminação mesma desta parte cuja flutuação é constante e pertencente a ele como sendo sua única mercadoria — a eliminação de sua capacidade de trabalho. Capacidade que se coloca como supérflua ante a maquinaria, seja porque cabe a esta última a realização completa de parte do trabalho, seja porque diminui o número de trabalhadores que assistem diretamente à maquinaria. Da mesma forma que isso ocorre, também aqueles trabalhadores vinculados ao modo de produção precedente, na concorrência com a maquinaria, acabam por arruinar-se.

Para os próprios trabalhadores o tempo de trabalho necessário não é mais o socialmente necessário no interior da produção de mercadorias. Seu trabalho de 16-18 horas tem maior 1/1260/valor do que aquele de 6-8 horas levado a efeito com a máquina. Em face do prolongamento do tempo de trabalho, por toda a parte disseminado para além de suas fronteiras normais, e mediante a péssima remuneração que é dada em contrapartida — posto que o valor ali é regulado a partir do valor das mercadorias produzidas sob a maquinaria —, os trabalhadores empreendem uma luta frontal com esta última, até o ponto em que são definitivamente derrotados.

Esta a tendência da maquinaria: por um lado, a constante expulsão de trabalhadores, seja do interior daquela oficina já mecanizada, seja do interior dos ofícios; por outro, sua constante reintegração, posto que a partir de um grau determinado de desenvolvimento da força produtiva, o aumento da mais-valia só se coloca com a elevação simultânea do número de trabalhadores ocupados. Esse movimento de atração e expulsão é característico e representa o constante oscilar da existência do trabalhador.

Nas strikes mostra-se também que as máquinas são empregadas e inventadas em oposição direta às exigências do trabalho vivo, assim como são elas o meio de enfraquecê-lo e dividi-lo (vide Ricardo sobre a oposição permanente entre maquinaria e trabalho vivo).

Aqui, portanto, com maior evidência aparece o estranhamento(3) das condições objetivas do trabalho — do trabalho passado — em oposição ao trabalho vivo como sendo aquela contradição imediata na qual o trabalho passado — e, por conseguinte, as forças sociais gerais do trabalho que compreendem tanto as forças da natureza quanto as da ciência — se apresenta diretamente como uma arma que atira à rua o trabalhador, transformando-o num sujeito supérfluo; que rompe e dilui com sua especialização, sufocando aquelas necessidades nela fundadas, e que submete o trabalhador ao despotismo acabado e organizado da forma de ser da fábrica (Fabrikwesen) e à disciplina militarizada do capital.

Nesta forma aparecem como decisivas — portanto como resultado das forças produtivas sociais do trabalho e do trabalho mesmo tomado enquanto condições sociais de trabalho — estas forças não apenas enquanto estranhas ao trabalhador e pertencentes ao capital, mas como supressoras de cada trabalhador singular, forças hostis que oprimem e julgam em favor do interesse do capitalista. Vimos ao mesmo tempo que o modo de produção capitalista não se modifica formalmente apenas, mas revoluciona a totalidade das condições sociais e tecnológicas do processo de trabalho, e também como o capital não aparece agora somente como aquelas condições materiais do trabalho não pertencentes ao trabalhador — matéria-prima e meios de trabalho —, mas como ele se apresenta como a essência das formas potências sociais do trabalho em geral, contraposta a cada trabalhador tomado isoladamente.

Aqui o trabalho passado também se apresenta — tanto na maquinaria automatizada quanto naquela posta em movimento por ele — visivelmente como independente do trabalho enquanto auto-atividade ao invés de ser subordinado por este último, o trabalho passado é que o subordina a si. Trata-se do homem de ferro contra o homem de carne e osso. A subsunção de seu trabalho ao capital — a absorção de seu trabalho pelo capital —, que está no cerne da produção capitalista, surge aqui como um fator tecnológico. A pedra fundamental está posta: o trabalho morto no movimento dotado de inteligência e o vivo existindo apenas como um de seus órgãos conscientes. A conexão viva do corpo da oficina não se funda mais na cooperação, mas sim no sistema de máquinas que forma agora, a partir do movimento de um motor primário e do abarcamento da totalidade das oficinas, a unidade ampla à qual estas últimas, ao continuarem sendo compostas por trabalhadores, mantêm-se subordinadas. A unidade da maquinaria alcança assim, evidentemente, forma independente e plena autonomia com relação aos trabalhadores, ao mesmo tempo que se coloca em oposição a eles.

A oficina que se apoia na maquinaria expulsa continuamente o trabalhador enquanto elemento necessário, ao mesmo tempo que real oca estes trabalhadores repelidos em funções da própria maquinaria. Se, por exemplo, de um total de cinqüenta trabalhadores, quarenta são postos para fora, nada se opõe inteiramente a que, neste momento, sobre a base de uma nova fase da produção, estes quarenta trabalhadores sejam novamente integrados. Esta é uma discussão que não pode ser levada adiante neste espaço, mas se constitui num tópico que precisa ser examinado mais de perto: as relações entre os capitais constante e variável.

O estranho receio dos economistas em demonstrar que sobre o emprego da maquinaria repousa, ao longo do tempo, a grande indústria e que esta absorve de forma sempre renovada excedentes de população, é ridículo. Em primeiro lugar, deve ficar claro que a maquinaria é boa porque poupa trabalho, e é então novamente boa porque não o poupa senão tomando necessário num ponto o trabalho manual que ela substitui em outro. Não é através da maquinaria, particularmente, mas na própria seqüência do processo mecanizado, que os trabalhos auxiliares se fazem necessários. Para consolo dos trabalhadores, a economia burguesa reporta-se ao trabalho auxiliar como uma forma disfarçada de supressão do trabalho estafante, enquanto, de fato, ao lado dos trabalhos antigos, a maquinaria apenas cria novas formas deste trabalho árduo. Ou como continua a se tratar de trabalhadores ocupados no interior da oficina já mecanizada — apesar da maquinaria e apesar de mediante a mesma aumentar o esgotamento de cada trabalhador isolado —, o número de condenados a este trabalho estafante se eleva. De resto, não é este o lugar para aprofundar a questão, dado que ela toma como pressuposto a reflexão sobre o movimento real do capital, reflexão esta que aqui não é possível desenvolver. Todavia, os exemplos mencionados há pouco ilustram muito bem como a maquinaria é capaz de operar em ambos os sentidos. Não cabe também estender-se sobre o fato de que junto à agricultura deve predominar a tendência em formar-se um excedente populacional, não apenas temporário, mas em termos absolutos.

Com a maquinaria — e com a oficina mecanizada nela fundada — consolida-se a predominância do trabalho passado sobre o trabalho vivo, não apenas do ponto de vista social, expresso na relação entre capitalista e trabalhador, mas também como sendo uma verdade tecnológica.

Poder-se-ia perguntar como é possível que de forma geral o emprego da maquinaria — abstraído da liberação do capital e do trabalho — possa criar de imediato um novo e mais difundido trabalho (tomado do início ao fim no seu processo como um todo, seja ele diretamente realizado a partir da máquina, seja aquele que a tenha por pressuposto), que tem de ser menor do que a massa de trabalho contida nas mercadorias anteriormente produzidas sem a maquinaria. Ainda que, por exemplo, o quantum de trabalho contido numa vara de linho feita sob a maquinaria seja menor do que o quantum dispendido fora dela, não segue daí que, se agora a maquinaria produz mil varas de linho onde antes era produzida uma única, o trabalho não tenha aumentado — no que tange ao cultivo do linho, ao transporte e à totalidade dos trabalhos intermediários. Seu aumento não diz respeito à quantidade de trabalho contida numa só vara de linho, mas (e independentemente do tecido mesmo) à maior quantidade de trabalho preliminar requerido pelas mil varas de linho, seja junto ao próprio trabalho preliminar, seja junto à circulação (transporte) na diferença que uma só vara de linho requer. Cada vara de linho toma-se mais barata sob o trabalho à máquina, ainda que mil delas ponham em movimento mil vezes mais trabalho auxiliar do que antes poria uma única.

terça-feira, 2 de agosto de 2016

Ivan Pinheiro, Secretário Geral do PCB: “O governo interino é ilegítimo e corrupto”

A Verdade entrevistou Ivan Pinheiro, 70 anos, secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Advogado, Ivan iniciou sua militância política ainda na juventude, no movimento estudantil do Rio de Janeiro. Em 1976, ingressou no PCB e foi eleito presidente do Sindicato dos Bancários, importante trincheira de resistência à Ditadura Militar. Nesta entrevista, expõe a opinião do PCB sobre a conjuntura nacional, a luta contra o governo golpista de Michel Temer e defende a unidade das forças populares na construção de uma alternativa à esquerda para a crise capitalista. Da Redação
A Verdade – Qual é a avaliação do PCB sobre a conjuntura brasileira?
Ivan Pinheiro – Os governos do PT só interessaram à burguesia enquanto garantiam lucros ao capital “como nunca antes na história do País”, nas palavras de Lula, e, ao mesmo tempo, funcionavam como eficientes bombeiros da luta de classe, cooptando entidades sindicais e de massas e passando para os trabalhadores a ilusão de que o governo (e não as suas lutas) garantiria seus direitos e seu futuro.
Em junho de 2013, veio o primeiro sinal de esgotamento desse ciclo de conciliação de classe, quando começaram a chegar ao Brasil fortes ventos da crise mundial sistêmica do capitalismo e os indícios de que o PT já não mais controlava e desmobilizava os trabalhadores e os setores populares.
Nesse quadro, para vencer a reeleição em 2014, Dilma fez um discurso desenvolvimentista, negando a crise econômica, dizendo que era mais fácil “a vaca tossir” do que retirar direitos trabalhistas. Vencendo a eleição, passou a governar com o programa neoliberal do candidato do PSDB, chamando Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda para fazer o ajuste fiscal, cortes em programas sociais e serviços públicos, flexibilizar direitos trabalhistas e previdenciários, privatizações em grande escala, etc. A presidente implanta a Lei Antiterrorismo para reprimir os movimentos populares e, em 18 de dezembro de 2015, assina o Acordo Militar Brasil/Estados Unidos¹, junto com Aldo Rabelo, então ministro da Defesa, de um partido que se apresenta como comunista.
Mesmo o governo cedendo às exigências do capital, a economia continua em recessão, criando um ambiente de ingovernabilidade. Mas, já no início de 2015, parte da burguesia começara a pautar o afastamento de Dilma porque – por mais que Lula e o PT palaciano aceitassem ceder mais às pressões burguesas – as contradições internas com alguns setores petistas ligados aos movimentos de massa atrasavam a conciliação. Durante 2015, continuaram as divergências no seio das classes dominantes em relação ao impeachment. Mas, no início de 2016, com o anúncio de mais queda no PIB e o aprofundamento da ingovernabilidade, o “comitê central” da burguesia fecha questão em afastar a presidente e impor o ilegítimo governo Temer, para tentar acelerar os ajustes que o PT vinha fazendo aos poucos.
impeachment não foi um golpe de Estado clássico, até porque não se tratava de um governo de esquerda, nem mesmo reformista. Nos 13 anos de governos petistas, não houve qualquer avanço estrutural ou institucional. Mas é óbvio que a direita usou e abusou de manipulações midiáticas e jurídicas escandalosas e evidentes manobras institucionais e parlamentares, nos marcos “legais” da democracia burguesa. Na verdade, uma ditadura das classes dominantes. O PT havia cavado sua própria sepultura ao optar, desde a primeira posse de Lula, por alianças com partidos de centro-direita.
Como analisam o Governo Temer?
O surgimento do ilegítimo governo interino Temer deve ser usado didaticamente pelos comunistas para combatermos as ilusões de classe entre os trabalhadores, como a falácia de que é possível reformar e humanizar o capitalismo, de que nesse sistema há uma “democracia”, um “Estado Democrático de Direito”. Reparem que o partido que “traiu” o PT era seu principal aliado. No governo afastado, o PMDB tinha o vice-presidente, os presidentes da Câmara e do Senado e sete ministérios! Temos que combater Temer com toda energia, não lhe dar trégua um minuto sequer, para impedir que aplique as receitas que lhe encomendaram as classes dominantes. O governo interino é tão ilegítimo e corrupto que está também diante de uma crise de governabilidade. Minha impressão pessoal é de que o tiro da burguesia saiu pela culatra e que novas manobras institucionais estão sendo preparadas. Mas não podemos subestimar nem ficar esperando soluções dentro do sistema, pois a pauta neoliberal vai avançando no Parlamento.
A meu ver, as forças anticapitalistas e populares não devem gastar energias pela volta de um governo social-liberal petista, seja com a volta de Dilma ou com a eleição de Lula. Durante toda esta crise, ficou evidente que a trajetória do PT para a direita é um caminho sem volta. Para garantir a governabilidade, Dilma chegou ao ponto de propor publicamente um pacto nacional com a oposição de direita e de fazer de tudo para criar um novo “centrão” com as legendas mais fisiológicas e corruptas. Não esqueçamos que o czar da economia no governo Temer é o mesmo Henrique Meirelles, presidente do Banco Central nos oito anos de Governo Lula que, no auge do impeachment, tentava convencer Dilma a nomear esse banqueiro ministro da Fazenda para agradar ao “mercado”, aos credores e aos investidores nacionais e estrangeiros.
Não devemos também alimentar ilusões reformistas, como as propostas que circulam na esquerda, de novas eleições, reforma política ou constituinte. Com o possível fracasso do vergonhoso Governo Temer, essas alternativas institucionais serão a tábua de salvação para a burguesia: com a hegemonia que mantém na sociedade, eleger um “novo” governo do capital, agora legitimado pela “vontade popular”, para seguir com sua ofensiva contra os direitos sociais e trabalhistas.
Como o PCB vê a importância da unidade das forças populares e as alternativas para a crise?
O centro da nossa luta hoje deve ser o FORA TEMER, entendido como a resistência à ofensiva do capital, que atribuiu a ele a tarefa de flexibilizar mais ainda os direitos trabalhistas, generalizar a terceirização, privatizar o que resta de público e aprofundar os cortes nos programas sociais e a exploração do proletariado, além de saquear o orçamento público, tudo para garantir a recuperação das taxas de lucro dos grandes monopólios, o que se dará ao preço de mais repressão às lutas populares e restrições aos direitos de organização e manifestação.
Com o agravamento da crise mundial do capitalismo, que chega ao Brasil agora de forma dramática, haverá um acirramento das contradições entre o capital e o trabalho, portanto, da luta de classes, agora sem a cooptação do movimento sindical e de massas e com mais possibilidades de unidade na ação das forças da esquerda socialista. Seja qual for o governo de turno (a volta de Dilma, a permanência de Temer ou um novo presidente eleito), a ofensiva do capital seguirá. Mas estão criadas as condições para um grande crescimento do movimento de massas. No movimento sindical e operário, acredito em uma explosão semelhante à que ocorreu entre 1978 e 1985, quando os trabalhadores varreram os pelegos dos sindicatos. Haverá um grande crescimento das lutas por terra, teto, trabalho, direitos civis, saúde, educação e transportes públicos, e contra as discriminações de qualquer tipo.
Os comunistas e as forças populares de orientação anticapitalista têm o dever de contribuir para a unidade de ação nessas lutas. É preciso que essas forças promovam uma reunião nacional, o mais breve possível, para criarmos as condições de construir uma Frente Anticapitalista e Anti-imperialista e realizarmos, no primeiro semestre de 2017, um Encontro Nacional da Classe Trabalhadora e dos Movimentos Populares – independente do nome que venha a ter esse evento –, para que possamos dar amplitude nacional a um grande movimento de resistência às ofensivas do capital, que acumule para o surgimento de uma alternativa do proletariado na construção do poder popular e para pavimentar o caminho ao socialismo.

Nota: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8609.htm