Qualquer análise científica obedece a princípios de rigor na observação, na
teorização e na experimentação. Qualquer análise de caráter social reconhecendo
unicamente o regime como capitalista e a burguesia como classe dominante,
enferma de simplificação não científica impeditiva de procedimentos concretos
numa realidade concreta. A análise de classes e a clarificação da estrutura do
poder, é um princípio marxista. Daí nasce a fundamentação que permite a
elaboração da estratégia e da tática a seguir, ao serviço dessa mesma
estratégia.
Este entendimento aplicado à realidade russa, fez Lénine perspetivar
alianças internas e tratados externos. A revolução pelo fim do czarismo e
derrube do regime feudal, com a implementação transitória do parlamento
burguês, bem como o Tratado de Brest Litovsky, obedeceram a um plano
estratégico claro e definido - A REVOLUÇÃO SOCIALISTA. A adoção de alianças e
acordos temporários destinados a persevarem os interesses e o poder
revolucionário, como o acordo posterior da União Soviética com a Alemanha nazi
em defesa do socialismo e da preparação da resistência à invasão, serão sempre
táticamente exemplares e relevantes para a história do movimento comunista
internacional.
O capitalismo, com as suas variadas nuances, desde ditatoriais e
conservadoras, liberais ou democráticas burguesas mais "ternurentas"
e apreciadas pelos sociais democratas que circulam em torno da esquerda,
afirmando-se até como radicais, deve ser analisado sob ponto de vista de quem
trabalha, enquadrado na cientificidade analítica de como se exerce e estrutura
esse poder. Neste procedimento, importa discernir que espécie de alianças ou
acordos devem ser prosseguidos, na procura da concretização do principal
princípio estratégico - a revolução como transformação radical da sociedade.
Admitindo que em tempos de crise, as torpes nuances democráticas do
capitalismo, evoluem para cúpulas neoliberais e conservadoras, não podemos
alienar o sentido da análise considerando o liberalismo como ideia social
democrata, justificativa das suas ações para melhoria do sistema apresentada
como uma difusa espécie de mudança de regime. Este pensamento facilitista e
redutor de toda a teoria que possamos elaborar sobre a situação política vivida
em cada momento histórico, abdica, igualmente, de perceber a existência de
centros teóricos da burguesia que estuda modelos económicos e políticos, não só
sob bases da economia clássica e do exercício do poder tradicionalmente dito
democrático. A escola de Chicago e a sua famosa política de choque, são um
exemplo fundamentalista do pressuposto antes exposto, onde o aproveitamento do
teorizado como inevitável origina a política da inevitabilidade do
conservadorismo imposto.
O neoliberalismo existe como continuador ideológico do liberalismo,
prosseguindo as metas liberais de ausência de regulação dos direitos
trabalhistas e sociais. A atração por regimes fascistas foi notória pelos
teóricos liberais, nomeadamente por cartas escritas a Salazar e Pinochet,
salientando o virtuosismo destes modelos autoritários quanto à eliminação dos
direitos dos trabalhadores.
O período crítico capitalista do pós 2007, foi antecedido pelo
financiamento generalizado ao consumo de carros e casas, tendente ao
"aburguesamento" da classe operária. Era a chamada democracia das oportunidades,
sustentando uma burguesia com mais valias produtivas fruto da exploração e com
juros financeiros resultantes dos empréstimos.
A crise do casino financeiro, desembocou na união europeia do pesadelo,
contrastando com as promessas de sonhos e benesses. As políticas de choque
sucederam-se, atacando salários, pensões, direitos sociais, sobreponde-se o
conservadorismo e o imperialismo à soberania dos povos. Era o regresso da
vileza a exigir o regresso da audácia revolucionária, emergindo o oportunismo
aliado a encapotamentos sociais democratas, pronto a confundir ostensivamente
audácia com sentido de estado ou "reformismo progressista".
Transplantando a observação para o panorama político nacional, os setores
denominados à esquerda do PS, BE e PCP, avalizaram o governo de Costa, sendo
inaceitável e injustificável a manutenção da política direitista. Como diz o
povo "enquanto o pau vai e vem, folgam as costas". Esta observação
efetuada sob o ponto de vista de quem trabalha ou trabalhou, é táticamente correta,
obedecendo a uma estratégia de confrontação com o imperialismo alemão e seus
aliados do eurogrupo. A estratégia definida pelo BE e PCP de forte resistência
e confronto europeu, não esquecendo que a linha vermelha traçada seria o
tratado orçamental (recorde-se a grande recolha nacional de assinaturas pelo BE
com fim desconhecido), alimentou a teoria da prática adotada obedecer a este
princípio. A não cedência ao tratado orçamental, chegou a ser o princípio dos
princípios como barreira impeditiva de acordos com o PS, conforme a penúltima
convenção do BE havia decidido, embora, convenhamos, que as convenções ou
congressos (PCP), não passam de mero exercício "litúrgico".
O apelo a uma nova realidade eleitoral fez cair o tratado, nascendo uma
nova procupação alusiva à pressecução das metas orçamentais por
intervenientes da esquerda, como fundamento governativo e não como imposição
europeia. Até o novo imposto proposto, incididindo e bem sobre fortunas
imobiliárias, a consenso com o PS claramente para cumprir metas orçamentais
quanto ao défice, é apresentado como contrapartida ao aumento das
pensões(Centeno nunca o afirmou). As metas orçamentais do tratado, com
indicadores de níveis de défice impeditivos de investimento público e de
medidas de apoio social e salarial, restrigem qualquer sentido de renegociação
de prazos e juros da dívida, impedindo ainda a consideração de dívida ilegitima
ou de parcialmente paga por juros usurários. Falar em reestruturação da dívida,
para além de miragem, é demagogia perante a chantagem e a infâmia imposta pelo
imperialismo dominador dos destinos europeus.
A oposição à cúria europeia revela-se por um assomo pertinente contra as
sanções, em nome de um défice que está a ser cumprido por imposição. Em nome
dessa mesma contenção, o BE já admitiu que os 600€ só entrará em vigor em 2019
e o PCP entende que as pensões mais baixas, terão de subir 10€. A Catarina
Martins, sobre este assunto, já declarou que terão que acompanhar ou serem
acima da inflação, a qual ronda os 2 por cento. Há que cuidar das finanças
públicas, pobrezinhas que são, porque apesar do novo imposto a despesa deve ser
controlada. Cuidado com o Schauble.
A deriva estratégica da esquerda, inicialmente em torno da reestruturação
da dívida, da saída do euro, da resistência aos tratados, esbarrou no muro da
anuência do PS aos principais fundamentos europeus, como recentemente juntando
a sua voz na defesa do TTIP. Todos lamentam, e até lamentam muito, o encontro
Costa/Temer, a vitalidade do Vital Moreira em defesa do tratado das imposições
políticas, jurídicas e comerciais das multinacionais, o encontro do
"esquerdista" Tsypras com os partidos socialistas liberais europeus
em nome do anti austeritarismo que virou defesa do militarismo, o pedido de
explicações sobre Barroso junto da CE por desigualdede de tratamento, o Azeredo
e a amada NATO, quando a lamentação deveria ser substituída pelo mais veemente
repúdio.
A estratégia, porque o apoio ao governo é tido como desarticulável se
quebrarem a "simpatia", deixou de ser definida em função da realidade
concreta, mas em nome da salvação da situação concreta. O acordo tático de
apoio a um governo em torno da luta contra o empobrecimento, vira realidade
contrária com a não adoção do salário mínimo de 600€ para 2017 e as pensões mínimas
para 90 por cento desse mesmo salário mínimo. Os salários de 557€, as pensões
entre os 200 e 400€, os subsídios de desemprego (para quem os tem) e os ditos
subsídios de reinserção continuarão a ser honrados. Pobres, humildes mas
honrados, como disse quem abstenho de nomear. Estavamos pior com Passos e o
servilismo para além da troika, é verdade, mas não foi só para isto que andaram
a anunciar uma eficácia na luta e no esticar da corda.
Realmente a estratégia da esquerda passa pela ausência de estratégia ou
pela salvação do sistema, resumindo-se a procedimentos institucionais
parlamentares, vangloriando-se pela quantidade infinita de proposta legislativa
apresentada, reconhecidamente voltadas para a anulação de desigualdade e a
melhoria da vida das pessoas, levando à conclusão que a social democracia se
impôs nos movimentos de esquerda, hoje tradicional. A esquerda radical, segundo
Marx é aquela que vai à raíz dos problemas, deve aproveitar o parlamento e as
eleições como tribuna da voz popular e revolucionária, articulada com propostas
sobre ambiente, desigualdade, segregação, violência, exploração, nunca
abdicando, sob pena de desagregação, dos fundamentos organizativos capazes de
tornar a rua e os locais de trabalho como palco principal da atuação e do discurso.
O reformismo, independentemente de reformas aceites e até reinvindicadas pela
esquerda radical, não é um fim para o poder da burguesia. O reformismo, nem por
uma soma infinita de reformas, desembocou num processo revolucionário.
Por muitas bandeiras que nos acenem em nome da salvação da democracia ou de
medidas contra o empobrecimento, mantendo-se os meios de produção nas mãos dos
exploradores, os centros económicos e financeiros na mão de privados, a
salvação do banqueiro numa troca de mil milhões por dois a cinco euros nas
reformas e, principalmente, trabalhando para continuar a ser pobre, bandeiras
incolores de quaisquer aditamentos reformistas, nunca substituirão a bandeira
vermelha da grandeza da revolução socialista.
Stalin tem um pensamento emblemático nesse sentido: Socialismo não
significa pobreza e privações, mas destruição da miséria e das privações.