segunda-feira, 6 de junho de 2016

Sobre a evolução da situação no Brasil ! – O povo tem de se desenredar dos dilemas da gestão burguesa

por Rizospastis
Os acontecimentos no Brasil e a escalada da crise política naquele país têm estado no centro das atenções internacionais.

O que não é de admirar, uma vez que estamos a falar da 7ª maior economia do mundo, do 5º maior país do mundo em termos de dimensão territorial e populacional, e do maior país do hemisfério sul do planeta. Um país em que se verificaram nos últimos anos elevados níveis de crescimento capitalista, tendo inclusivamente superado a Grã-Bretanha em 2011 tornando-se a 6ª maior economia.

Assume um papel significativo no quadro da aliança dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul) assim como em importantes alianças inter-capitalistas que vêm sendo promovidas no continente americano (nomeadamente Celac, Mercosur/Unasur). Deve também recordar-se que desde 2004, ou seja no período dos governos "progressistas", tem encabeçado a intervenção militar no Haiti, levada a cabo sob a capa da ONU.

Escândalos e deserções: o trivial no sistema político burguês 

O processo de remoção do cargo da Presidente Dilma Rousseff, 18 meses após a sua vitória nas eleições presidenciais de 2014, que tem sido acompanhado de manifestações de rua tanto a favor como contra e de uma intensa confrontação política, constitui uma significativa alteração depois de um período de 13 anos de governo encabeçado por um Presidente oriundo do social-democrata PT (Partido dos Trabalhadores), que coopera a nível de governo com o PCdoB. Merece a pena assinalar que o PCB não participa nas perspectivas de "gestão de esquerda" do capitalismo.

Não é fácil analisar este processo se apenas se tiver em conta a superfície dos acontecimentos e as várias acusações formuladas. Por um lado, aqueles que acusam a Presidente de corrupção estão eles próprios atolados em escândalos até ao pescoço. É significativo que o Presidente do Parlamento, Eduardo Cunha, tendo sido quem desencadeou o processo de remoção da Presidente Dilma, tenha sido ele próprio demitido do seu cargo pelo Tribunal Federal, acusado de corrupção envolvendo milhões de dólares em subornos vindos de todo o lado. Cunha tinha, evidentemente, sido eleito com os votos do PT e, juntamente com o Vice-Presidente Temer, pertence ao partido "centrista" PMDB. O Vice-Presidente Temer, que tinha assumido as funções de Presidente interino, foi condenado por irregularidades na recolha de fundos para a sua campanha eleitoral, tendo inclusivamente perdido o direito a ser eleito por um período de oito anos, enquanto o seu nome surge juntamente com os de meia dúzia de ministros dos seu "incorrupto" governo que estão a ser investigados no quadro do processo envolvendo a petroleira nacional "Petrobras". De modo que não é de forma nenhuma de estranhar que numa recente sondagem de opinião 58% dos inquiridos manifestasse o desejo de que ele venha a partilhar o destino da sua antecessora…

Do outro lado, os apoiantes da Presidente falam de "golpe parlamentar" porque a acusação que constitui a base do processo de impedimento contra Dilma – a acusação é de que ela manipulou as contas em termos de dados fiscais – não constitui um crime. As acusações de "traição", de "golpe" e de "ataque à democracia" são evidentemente dirigidas contra os seus aliados anteriores e contra o PMDB em particular, que foi o maior parceiro na coligação de governo nos últimos oito anos (apoiou a reeleição de Lula em 2006 e a eleição de Dilma em 2010 e 2014). Este partido tem assumido o 2º e os 3º mais importantes cargos na hierarquia do Estado (Vice-Presidente e Presidente do Parlamento), que assumiram em apoio do "governo progressista".

Naturalmente que os escândalos e os negócios escuros dos políticos burgueses com capitalistas existem e florescem tanto no Brasil como no nosso país e em todos os países capitalistas. Em 2012, por exemplo, cerca de 25 homens de negócios e políticos, incluindo destacados dirigentes do PT, foram condenados a pesadas penas.

Mas as "deserções" são também moeda corrente. As negociatas e as reviravoltas das forças burguesas, passando desta coligação para aquela, bem como políticos mudando do partido pelo qual foram eleitos para outro são fenómenos comuns, exemplos da fragilidade do sistema partidário burguês que constituem motivo de preocupação para a classe dominante. Por essa razão foi já desencadeado o debate relativo a reformas políticas no sentido de reforçar o sistema.

A experiência internacional mostra muitos exemplos da utilização de escândalos e da "depuração" do sistema como veículos para uma violenta recomposição do sistema político, em períodos em que se agudizam a crise económica e as contradições da economia capitalista.

No caminho de uma alteração na fórmula da gestão capitalista 

Qualquer pessoa que estude seriamente a situação compreenderá que o verdadeiro problema é relativo à economia. Na verdade, depois de muitos anos de rápido crescimento capitalista que beneficiou os monopólios brasileiros e que, sob os governos do PT, reforçou a posição internacional do Brasil, o arrefecimento da economia brasileira converteu-se em estagnação em 2014 e em 2015 numa recessão de -3,8%, com uma inflação da dívida pública, um rápido crescimento da inflação e a perda de mais de 1,5 milhão de empregos.

A exaustão da fórmula de política económica que assentava no acréscimo da despesa pública e a reorientação no sentido de medidas restritivas tem vindo há alguns anos a tornar-se evidente no Brasil e na América Latina no seu conjunto. Já em 2013, quando os primeiros sinais de crise se manifestaram, o governo Dilma pusera em andamento novas medidas a favor do capital, tais como isenções fiscais e isenções de contribuições para a segurança social, ainda maior flexibilidade nas relações laborais, um programa de privatizações comparável aos dos governos mais "neoliberais": portos, estradas, aeroportos, campos petrolíferos, etc. [1]

Não é por acaso que Henrique Meirelles, o ministro das Finanças do governo de Temer, fora presidente do Banco Central no decurso dos mandatos de Lula. Consta que nos últimos anos Lula tentou persuadir Dilma a nomeá-lo ministro das Finanças do seu governo.

A situação impede o consenso social que os governos do PT procuravam por meio de uma série de políticas relativas a benefícios sociais que reduziram a pobreza absoluta e extrema, ao mesmo tempo que prosseguia uma linha política de apoio aos interesses monopolistas, com uma muito alta taxa de exploração da classe operária. Ninguém pode, em qualquer caso, ocultar a realidade de que mais de 53 milhões de pessoas vivem abaixo do limiar da pobreza.

Confrontos inter-burgueses em matéria de alianças internacionais 

Sectores significativos do capital parecem preferir formações de governo mais estáveis para gerir a crise. A situação torna-se ainda mais complicada devido ao facto de o abrandamento económico na China ter tido um impacto directo na eclosão da crise económica no Brasil, enquanto outros países dos BRIC, como a Rússia, enfrentam igualmente dificuldades e as contradições inter-imperialistas entre os EUA, os países da UE, Rússia e China se vêm agudizando na América Latina no seu conjunto. Crescem entre diferentes sectores do capital as preocupações relativas à orientação internacional do país.

As controvérsias no interior da classe dominante sobre as suas alianças internacionais em condições de crise podem conduzir a uma situação política extremamente tensa. Basta-nos recordar o recente exemplo da Ucrânia e a trajectória dos confrontos inter-burgueses no contexto da competição inter-imperialista mais geral.

A necessidade da luta anticapitalista 

A história ensina-nos que, em tais condições, a gestão social-democrata prepara frequentemente o terreno para uma viragem intensamente reaccionária no sistema político, e que as forças burguesas definem a "legalidade" em termos daquilo que lhes convém mais num dado momento. Tais sinais manifestaram-se já no decurso do processo de afastamento de Dilma e irão intensificar-se.

A organização da luta contra a linha política reaccionária que irá ser posta em prática pelo governo Temer, a solidariedade internacionalista para com as lutas dos trabalhadores pelos seus direitos sociais e democráticos devem ser acompanhados por uma discussão profunda que permita retirar conclusões acerca do que conduziu a esta situação.

As posições que foram desenvolvidas acerca de um crescimento capitalista "sustentável" sem crises no Brasil não tomaram em conta as implacáveis leis económicas e as contradições do sistema, e conduziram a ilusões. A evolução da situação no Brasil foi objecto de controvérsia também no interior do movimento comunista.

O que é necessário é a emancipação do movimento dos trabalhadores em relação à influência burguesa, a sua orientação no sentido do combate contra o Estado burguês, os monopólios, e as forças políticas que exprimem os seus interesses.

Uma significativa experiência foi acumulada acerca das políticas dos governos burgueses, após a ditadura, da segunda metade dos anos 1980 e dos anos 1990, que foram a causa de altos níveis de pobreza e de exploração para a classe operária do Brasil, tal como dos governos burgueses de Lula e Rousseff (2002-2016), que prosseguiram a gestão do capitalismo com slogans "de esquerda" e "anti neoliberais" e geraram falsas expectativas.

Tudo isto proporcionou a base para que possam ser retiradas sérias conclusões e para que sejam dados passos no sentido da libertação das forças populares do ciclo vicioso do alegado "mal menor". Para que a necessidade da luta anticapitalista avance de forma decisiva é necessário que o movimento operário e comunista construa uma estratégia independente dos centros burgueses, uma estratégia que aponte para o socialismo, que é a condição prévia para a abolição da exploração do homem pelo homem, utilizando o vasto potencial de um país com enormes recursos naturais que vêm sendo apropriados por um punhado de capitalistas.

[1]Em relatórios da UE anterior às eleições de 2014 é assinalado que as diferenças em termos de politica económica entre Dilma Rousseff e o outro candidato, Aécio Neves, do PSDB, eram "na prática menos nítidas do que aquilo que as suas mensagens eleitorais sugeriam"
www,europarl.europa.eu/

O original encontra-se no jornal Rizospastis, de 22/5/2016
www.inter.kke.gr/...

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