domingo, 26 de junho de 2016

O resultado do referendo britânico sobre a saída da UE

Por: KKE
O resultado do referendo britânico demonstra o descontentamento crescente da classe trabalhadora e das forças populares com a União Europeia e suas politicas anti-povo. Contudo, essas forças têm que se desembaraçar das escolhas dos sectores e forças politicas da burguesia e assumir um carácter radical e anti-capitalista.
O resultado assinala a dissipação das expectativas fomentadas pelos partidos burgueses - também na Grécia -de que, com os mecanismos da UE, os povos europeus prosperariam dentro de sua moldura.
O facto de que a saída de um país da UE se tenha constituído em um debate tão intenso - ainda mais um país com a importância da Grã-Bretanha - deve-se, por um lado, às contradições internas da UE e às assimetrias de suas diversas economias, e por outro, à confrontação em curso entre os centros imperialistas, que se agudiza em condições de recessão económica. Tais factores reforçam o assim chamado euro-cepticismo e dão origem não somente a tendências secessionistas, mas também de tendências a modificações nas formas de administração politica da UE e da Eurozona.
Os veículos de euro-cepticismo reacionário são os partidos nacionalistas, racistas e fascistas, como o UK Independence Party UKIP de Nigel Farage, a Frente Nacional de Jean Marie Le Pen em França, a "Alternativa para a Alemanha" e organizações similares na Austria, Hungria e Grécia, como por exemplo o partido fascista Aurora Dourada, a Unidade Nacional de Giorgios Karatzaris e outros. Mas o euro-cepticismo também é expresso por partidos que se rotulam como esquerda, que criticam ou rejeitam a UE e o Euro, mas apoiam moedas nacionais e buscam outras alianças imperialistas, numa estratégia que opera dentro da moldura capitalista.
Essas contradições e antagonismos permeiam as classes burguesas de todos os Estados membros da UE . Os processos ecenómicos e politicos que terão lugar na Grã-Bretanha como no resto da UE e as negociações acerca da posição da burguesia britânica nos dias seguintes oa referendo poderão levar a novos acordos temporários entre a UE e a Grã-Bretanha. O que se pode ter por certo é que enquanto houver a permanência da propriedade capitalista dos meios de produção e o poder burguês, tais desenvolvimentos virão acompanhados por novos sacrifícios dolorosos para a classe trabalhadora e as forças populares. 
O resultado do referendo britânico expõe as outras forças politicas na Grécia, que glorificaram a participação do país na UE durante anos a fio, apresentando-a como um processo irreversível ou semeando ilusões acerca de uma "Europa mais justa e democrática". Também expõe as forças que consideram que a moeda nacional seja uma panaceia que levará à prosperidade do povo.A Grã-Bretanha, com a sua libra esterlina, adoptou as mesmas medidas anti-povo e contra as classes trabalhadoras que tiveram lugar nos outros países da Eurozona. E continuará a adopta-las fora da UE uma vez que seus monopólios seguirão tendo necessidade de ser competitivos e rentáveis.É certo que nos próximos dias as vozes e as "lágrimas" multiplicar-se-ão, tanto por parte do governo Syriza-ANEL quanto dos outros partidos burgueses, sobre a "necessidade de restabelecer a UE", sobre "o descaminho da UE e a necessidade do retorno às raizes" etc. 
Contudo a UE desde a sua criação foi e segue sendo uma aliança reacionária das classes burguesas da europa capitalista, com o objectivo de sangrar à morte as classes trabalhadoras e saquear outros países do mundo, no quadro da competição com os demais centros do imperialismo. Não é e não será um arranjo permanente.
A desigualdade e a competição capitalistas e a mudança na correlação de forças irá, mais cedo ou mais tarde fazer aflorar as contradições, que não mais poderão ser superadas por compromissos frágeis e temporários. Simultaneamente, novos fenómenos e processos de formação de novas alianças reacionárias frutificarão no terreno do capitalismo. 
Os interesses do povo grego, do britânico e de todos os povos da Europa não podem ser abrigados sob "falsas bandeiras".Não podem ser postos sob as bandeiras dos diversos sectores da burguesia, que estabelecem suas escolhas e suas alianças de acordo com seus próprios interesses e com base na maior exploração possível dos trabalhadores. A necessária condenação da aliança predatória do capital e a luta pelo desmembramento de todos os países da UE, para ser efectiva, tem de estar conectada à necessária derrubada do poder do capital pelo poder dos trabalhadores. A aliança social da classe trabalhadora e as demais populares, o reagrupamento e o fortalecimento do movimento comunista internacional são pré-condições para pavimentar o caminho que levará a essa esperança. 
Gabinete de Imprensa do CC do KKE 
24/Junho/2016

domingo, 19 de junho de 2016

Portugal tem elevadas desigualdades sociais em saúde


«O relatório elaborado pelo Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS) indica que "o acentuado corte nas despesas com saúde", que "fizeram baixar alguns pontos no ranking da OCDE, tiveram efeito mais acentuado nas despesas com medicamentos e recursos humanos". Em relação às desigualdades sociais em saúde, os autores concluíram que estas são uma "evidência recente para Portugal".


As desigualdades em saúde em Portugal são elevadas e os anos de "profunda recessão económica e de cortes orçamentais" tiveram consequências que ainda não são conhecidas, indica o Relatório de Primavera deste ano.

"Portugal tem vivido anos de profunda recessão económica e de cortes orçamentais em várias áreas, incluindo a saúde, educação e segurança social. Neste sentido, as desigualdades em saúde representam uma preocupação acrescida, à luz dos custos elevados que acarretam", lê-se no documento, elaborado pelo Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS).

Intitulado "Saúde  procuram-se novos caminhos", o documento começa por recordar os relatórios elaborados nos últimos seis anos, nomeadamente sobre a questão da crise na saúde.

"Constatamos que a crise e o seu impacto na saúde dominou as atenções nesses anos tendo o OPSS apresentado ao longo desses anos diversas sugestões e alertas que poucas vezes foram tidos em conta", lê-se no relatório que será hoje apresentado em Lisboa, na presença do ministro da Saúde.

Os autores indicam que "o acentuado corte nas despesas com saúde", que "fizeram baixar alguns pontos no ranking da OCDE, tiveram efeito mais acentuado nas despesas com medicamentos e recursos humanos".

"Esses cortes ultrapassaram os cortes propostos pela troika no Memorando de Entendimento e ainda estamos longe de conhecer o verdadeiro impacto no sistema nacional de saúde, nomeadamente nos ganhos em saúde obtidos ao longo dos últimos anos".

Em relação às desigualdades sociais em saúde, os autores concluíram que estas são uma "evidência recente para Portugal", país onde existem "razões adicionais de preocupação".

"A evidência prévia demonstra que as desigualdades em saúde em Portugal são elevadas. Uma revisão sistemática recente aponta para a existência de disparidades em vários indicadores de saúde (como saúde auto-reportada, saúde mental, sintomas cardiovasculares e obesidade), relacionadas principalmente com instrução e género".

O OPSS recorda que "Portugal é um dos países mais desiguais da Europa em termos de rendimento", encontrando-se "entre os países com maior desigualdade, próximo de outros países do Sul da Europa, como Espanha, Grécia, Itália, ou Chipre, e países de Leste".

"No mesmo sentido, o risco de pobreza ou exclusão social é elevado em Portugal, quando comparado com outros países europeus, com taxas semelhantes àquelas observadas noutros países do Sul da Europa".

Um dos dados apresentados refere que "as pessoas sem formação têm um risco de ter má saúde seis vezes superior, em comparação com as pessoas com mais formação (ensino secundário ou mais)".

"O risco de diabetes é mais de quatro vezes superior no grupo sem formação, e o risco de hipertensão e Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC) é três vezes superior. Para a depressão, o risco é mais elevado nos grupos com menor educação, embora seja superior para as pessoas com ensino básico comparado com as pessoas sem formação".

"Seja qual for a doença, a desigualdade aumentou claramente entre 2005 e 2014, independentemente do sexo e da idade".

Nos idosos, as desigualdades em saúde são ainda mais marcadas: "O risco de má saúde é cinco vezes superior nas pessoas sem educação e mais de duas vezes superior nas pessoas com ensino básico. O risco de doença crónica é quatro vezes superior nas pessoas sem educação e o risco de limitações mais de três vezes superior".

Os autores concluem ainda que, "apesar do carácter universal e tendencialmente gratuito do Serviço Nacional de Saúde (SNS), os cuidados de especialidade estão desigualmente distribuídos na população, a favor dos mais educados. Este facto também poderá contribuir para as desigualdades em saúde".

Para o OPSS, os dados analisados "indicam claramente que o SNS, apesar dos seus grandes e demonstrados benefícios para a saúde da população, e do seu carácter universal e tendencialmente gratuito, não é suficiente para combater as desigualdades em saúde".

Entre as várias estratégias para combater as desigualdades em saúde, os autores defendem que "as políticas de saúde pública devem focar os comportamentos de risco  álcool, tabagismo, sedentarismo, dieta inadequada  através de instrumentos económicos (impostos) e da regulação (por exemplo das gorduras, do sal ou do açúcar)".

"Os programas de rastreio devem ser acessíveis a todos, assim como os cuidados de saúde", preconiza o Observatório.

O OPSS é uma parceria entre a Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, o Centro de Estudos e Investigação em Saúde da Universidade de Coimbra, Universidade de Évora, e a Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.»

Lusa e Económico

terça-feira, 14 de junho de 2016

A Classe dos Proletários e o Partido dos Proletários (A propósito do artigo primeiro do Estatuto do Partido)

J. V. Stálin

1 de Janeiro de 1905




Foi-se o tempo em que se proclamava ardentemente "A Rússia una e indivisível". Agora, até uma criança sabe que a Rússia "una e indivisivel" não existe, que há muito tempo está dividida em duas classes antagônicas: burguesia e proletariado. Hoje, não é segredo para ninguém que a luta entre essas duas classes se tornou o eixo em torno do qual gira nossa vida contemporânea.

Entretanto, foi difícil, até hoje, observar tudo isso, porque até então só tínhamos visto, no terreno da luta, grupos isolados, já que apenas grupos isolados lutavam em cidades e localidades isoladas, e o proletariado e a burguesia não se apresentavam como classes; era difícil distingui-los. Mas cidades e regiões uniram-se, os diversos grupos do proletariado estenderam a mão uns aos outros, estouraram greves e demonstrações gerais, e desvendou-se perante nós, o quadro grandioso de uma luta entre as duas Rússias, a Rússia burguesa e a Rússia proletária. Dois grandes exércitos surgiram na arena da luta, o exército dos proletários e o exército dos burgueses, e a luta entre esses dois exércitos abrange toda a nossa vida social.

Já que um exército não pode operar sem dirigentes e que cada exército tem seu destacamento de vanguarda, que marcha à sua frente e lhe ilumina o caminho, é claro que, com esses exércitos, deviam intervir também os respectivos grupos dirigentes, os respectivos partidos, como se diz comumente.

Assim, o quadro tomou o seguinte aspecto: de um lado o exército dos burgueses, tendo à frente o Partido liberal, do outro lado o exército dos proletários, tendo à frente o Partido Social-Democrata: cada exército é dirigido na sua luta de classe pelo seu próprio partido.(1)

Assinalamos tudo isso para confrontar com a classe dos proletários o partido dos proletários e desse modo ilustrar brevemente sua fisionomia geral.

Tudo quanto foi dito esclareceu suficientemente que o partido dos proletários, como grupo combativo de dirigentes, deve, em primeiro lugar, ser muito menor do que a classe dos proletários quanto ao número de seus membros; em segundo lugar, deve ficar acima da classe dos proletários pela sua consciência e experiência, e, em terceiro lugar, deve ser uma organização coesa.

O que foi dito acima não necessita de provas, em nossa opinião, pois é óbvio que, enquanto existir a ordem capitalista, invariavelmente acompanhada da miséria e do atraso das massas populares, nem todo o proletariado poderá adquirir a consciência desejável e, por conseguinte, é necessário um grupo de dirigentes conscientes, que eduque no socialismo o exército dos proletários, que o unifique e o dirija durante a luta. É também evidente que o partido que tem como escopo guiar o proletariado em luta não deve ser um agregado casual de elementos isolados, mas uma organização coesa e centralizada, a fim de que seja possível orientar seu trabalho segundo um plano único. Esta é, em resumo, a fisionomia geral do nosso Partido.

Recordemos tudo isso e passemos à nossa questão principal: a quem podemos chamar membro do Partido?

O artigo primeiro do Estatuto do Partido, a propósito do qual escrevemos este trabalho, refere-se justamente a essa questão.

Examinemos, portanto, a questão.
A quem podemos chamar membro do Partido Operário Social-Democrata da Rússia? Isto é, quais são os deveres de um membro do Partido?

Nosso Partido é social-democrático. Isto significa que tem um programa (objetivos imediatos e finais do movimento), uma tática própria (métodos de luta) e seu próprio princípio de organização (forma de união). A unidade das idéias programáticas, táticas e orgânicas constitui o terreno no qual se baseia nosso Partido. Só a unidade destas idéias pode unir os membros do Partido num partido centralizado único. Destrua-se a unidade das concepções, e destruir-se-á também o Partido. Por conseguinte, só se pode chamar membro do Partido aquele que aceita inteiramente o programa do Partido, a tática e o princípio orgânico do Partido. Só aquele que estudou suficientemente e aceitou por inteiro as idéias programáticas, táticas e orgânicas do nosso Partido, pode estar em suas fileiras e, portanto, nas fileiras daqueles que dirigem o exército dos proletários.

Mas bastará, para um membro do Partido, a simples aceitação do programa, da tática e das idéias orgânicas do Partido? Pode-se chamar tal membro do Partido um dirigente efetivo do exército do proletariado? Certamente que não!

 Em primeiro lugar, todos sabem que existem, neste mundo, muitos tagarelas que "aceitam" com prazer o programa, a tática e as concepções orgânicas do Partido, mas que não servem para nada, senão para tagarelar. 

Seria uma profanação do Sancta Sanc-torum do Partido chamar a um tagarela desse gênero membro do Partido (isto é, dirigente do exército dos proletários!). Além disso, nosso Partido não é nem uma escola filosófica, nem uma seita religiosa. Pois não é o nosso Partido uma organização de luta? E se é este o estado de coisas, não se torna evidente que nosso Partido não se satisfará com uma aceitação platônica do seu programa, da sua tática e dos seus princípios de organização, e exigirá indubitavelmente de um seu membro a realização das idéias por ele aceitas ? Isto significa que quem quer ser membro do Partido não pode contentar-se em aceitar suas idéias programáticas táticas e de organização, e deve empenhar-se em praticar estes princípios, em aplicá-los à vida.

Mas, que significa, para um membro do Partido, aplicar os princípios do Partido? Quando pode aplicar esses princípios? Somente quando luta, quando, junto com todo o Partido, marcha à frente do exército do proletariado. É possível lutar sozinho, cada qual por sua própria conta ? Evidentemente, não! 

Ao contrário, os homens primeiro se unem, se organizam, e só depois é que vão à luta. De outro modo, qualquer luta será infrutífera. É claro que também os membros do Partido só poderão lutar e, por conseguinte, aplicar as concepções do Partido, quando se unirem numa organização coesa. É claro, igualmente, que, quanto mais coesa for a organização em que se unirem os membros do Partido, melhor lutarão, e, portanto, mais completamente aplicarão o programa, a tática e os princípios de organização do Partido. Não é a-toa que se diz que nosso Partido é uma organização de dirigentes e não um aglomerado de indivíduos. Todavia, se nosso Partido é uma organização de dirigentes, é claro que só pode ser considerado membro deste Partido, desta organização, aquele que trabalha nesta organização e, por conseguinte, considera seu dever fundir as próprias aspirações com as do Partido e agir junto com o Partido.

Isto significa que, para ser membro do Partido, é necessário aplicar o programa, a tática e os princípios de organização do Partido; para aplicar os princípios do partido é necessária a luta por estes princípios; para lutar por estes princípios, é necessário trabalhar nas organizações do Partido, trabalhar com o Partido. É evidente que, para ser membro do Partido, é necessário entrar numa das organizações do Partido.(2) Só quando entramos numa das organizações do Partido e, assim, fundimos nossos interesses pessoais com os interesses do Partido, só então é que podemos tornar-nos membros do Partido, e, com isso, verdadeiros dirigentes do exército dos proletários.

Se nosso Partido não é um agrupamento de indivíduos, mas uma organização de dirigentes que, por intermédio do Comitê Central, conduz dignamente para a frente o exército dos proletários, é evidente, então, tudo o que foi dito acima.

Cumpre considerar ainda o que se segue.

Até o momento, nosso Partido assemelhava-se a uma hospitaleira família patriarcal, pronta a acolher todos os simpatizantes. Mas, depois que se transformou numa organização centralizada, despiu-se de seu aspecto patriarcal e se tornou em tudo semelhante a uma fortaleza, cujas portas só se abrem para aqueles que são dignos de entrar. E isso tem, para nós, uma grande importância. Enquanto a autocracia se esforça para perverter a consciência de classe do proletariado por meio do "trade-unionismo", do nacionalismo, do clericalismo, etc, enquanto, por outro lado, os intelectuais liberais se esforçam obstinadamente por liquidar a independência política do proletariado e colocá-lo sob sua tutela, devemos ser extremamente vigilantes e não esquecer que nosso Partido é uma fortaleza cujas portas só se abrem para os elementos provados.

Esclarecemos as duas condições necessárias (aceitação do programa e trabalho numa organização do Partido) para se ser membro do Partido. Se a essas duas acrescentarmos uma terceira condição, que é a obrigação, por parte dos membros do Partido, de sustentar materialmente o Partido, teremos diante de nós todas as condições que dão o direito de usar o título de membro do Partido.

Isso significa que só pode ser chamado membro do Partido Operário Social-Democrata da Rússia aquele que aceita o programa do Partido, sustenta materialmente o Partido e faz parte de uma organização do Partido.

Deve-se ao camarada Lênin a presente formulação do artigo primeiro do Estatuto do Partido.
Esta formulação, como se vê, decorre inteiramente da concepção segundo a qual nosso Partido é uma organização centralizada e não um aglomerado de indivíduos. Este é o mérito extraordinário desta fórmula.

Mas existem alguns companheiros que rejeitam a fórmula leninista como "estreita" e "inadequada", e propõem uma fórmula sua, que — note-se — não será nem "estreita" nem "inadequada". Aludimos à fórmula de Mártov que passamos agora a examinar.

Segundo a fórmula de Mártov,

"é considerado membro do Partido Operário Social-Democrata da Rússia quem quer que aceite seu programa, sustente o Partido com meios materiais e lhe dê uma colaboração regular pessoal sob a direção de uma de suas organizações".

Como se verifica, nesta fórmula é omitida a terceira condição necessária para se pertencer ao Partido, a condição que torna obrigatório aos membros do Partido fazer parte de uma organização do Partido. Ao que parece, Mártov considerou supérflua esta condição precisa e indispensável e, em lugar dela, introduziu na sua fórmula uma obscura e equívoca "colaboração pessoal sob a direção de uma organização do Partido". Segue-se daí que se pode ser membro do Partido sem entrar em nenhuma organização do Partido (que "partido"!) e sem se considerar obrigado a submeter-se à vontade do Partido (que "disciplina de partido"!). Assim, como pode o Partido dirigir "regularmente" essas pessoas que não entram em nenhuma organização do Partido e que, por conseguinte, não se consideram incondicionalmente obrigadas a submeter-se à disciplina partidária?

Eis o problema que lança por terra a formulação, feita por Mártov, do primeiro artigo do programa do Partido, e que encontra uma solução magistral na formulação de Lênin, porquanto esta reconhece, de modo exato, «como terceira condição necessária para ser membro do Partido, pertencer a uma organização do Partido.
Só nos resta expurgar da fórmula de Mártov sua frase obscura e sem sentido:
"colaboração pessoal sob a direção de uma organização do Partido."

Suprimida essa condição, restam apenas duas na fórmula de Mártov (aceitação do programa e ajuda material) que, sozinhas, não têm nenhum valor, pois qualquer tagarela pode "aceitar" o programa do Partido e ajudar materialmente o Partido, o que não lhe dá absolutamente o direito de ser membro do Partido. Eis aí uma fórmula "adequada"!

Nós afirmamos que os verdadeiros membros do Partido jamais deverão contentar-se, em caso algum, de aceitar o programa do Partido, e que têm a obrigação de se esforçar pela aplicação do programa aceito. Responde Mártov: agis com severidade excessiva, pois não é assim tão necessária para um membro a aplicação do programa aceito, desde que não se recuse a ajudar materialmente o Partido, e assim por diante. Dir-se-ia que Mártov tem compaixão de alguns parlapatões "social-democratas" e não quer fechar-lhes as portas do Partido.

Dizemos, mais, que uma vez que para aplicar o programa é necessária a luta, e que para a luta é necessária a união, um futuro membro do Partido tem a obrigação de entrar numa organização, fundir suas aspirações com as do Partido e, junto com o Partido, dirigir o exército combativo dos proletários, o que vale dizer, organizar-se nas seções subordinadas de um Partido centralizado.

Mártov responde: não é assim tão necessário que os membros do Partido se organizem em seções subordinadas, que se unam numa organização; podemos contentar-nos também com a luta de elementos isolados.

Que vem a ser, então, nosso Partido? — perguntamos nós. Uma aglomeração casual de indivíduos ou uma organização coesa de dirigentes? E se é uma organização de dirigentes, pode ser considerado membro dessa organização quem dela não faz parte e que, portanto, não julga sua obrigação indeclinável submeter-se à sua disciplina? Mártov responde que o Partido não é uma organização ou, mais exatamente, que o Partido é uma organização não organizada (que "centralismo"!).

Conforme se verifica, segundo Mártov, nosso Partido não é uma organização centralizada, mas uma aglomeração de organizações locais e de "social-democratas" isolados que aceitaram o programa de nosso Partido, etc. Mas, se nosso Partido não for uma organização centralizada, não será a fortaleza cujas portas só se abrem para os elementos provados. Na realidade, para Mártov, como se verifica pela sua fórmula, o Partido não é uma fortaleza, mas um banquete ao qual têm livre acesso todos os simpatizantes. Algumas noções, um pouco de simpatia, um pouco de auxílio material, e está feito o negócio: todos tendes o direito de considerar-vos membros do Partido.

Não deis ouvidos — diz Mártov reconfortando "os membros do Partido" apavorados — não deis ouvidos aqueles segundo os quais os membros do partido devem entrar numa organização do próprio Partido e subordinar, assim, suas aspirações as do Partido. Em primeiro lugar, é difícil para um homem aceitar essas condições: não é brincadeira subordinar as próprias aspirações às do Partido! Em segundo lugar, já acentuei, nas minhas explicações, que a opinião de tais indivíduos é errada. Por isso, meus senhores, por favor, nós vos pedimos: instalai-vos e... ao banquete!

Mártov quase chega a ter compaixão de alguns professores e estudantes que não se decidem a subordinar suas próprias aspirações às do Partido, e abre, assim, uma brecha na fortaleza do nosso Partido, através da qual podem infiltrar-se de contrabando, em nosso Partido, esses estimados senhores. Abre as portas ao oportunismo, e isto num momento em que a consciência de classe do proletariado é ameaçada por milhares de inimigos!

Mas não é só. O fato é que, graças à fórmula dúbia de Mártov, as possibilidades de oportunismo em nosso Partido surgem também de outro lado.

Como sabemos, na fórmula de Mártov só se fala na aceitação do programa, sem uma palavra sobre a tática e a organização; entretanto, a unidade dos princípios táticos e de organização é tão necessária à unidade do Partido quanto a unidade dos princípios programáticos. Dir-se-á que nem sequer se fala nisso na fórmula do camarada Lênin. É justo! Mas na fórmula do camarada Lênin não é nem preciso falar nisso! Não está, por acaso, absolutamente claro que aquele que trabalha numa organização do Partido e que, por conseguinte, luta junto com o Partido e se submete à sua disciplina, não pode seguir qualquer outra tática e outros princípios orgânicos senão a tática e os princípios orgânicos do Partido? Mas, que se poderia dizer de um "membro do Partido" que aceitou o programa do Partido e não está, entretanto, enquadrado em nenhuma organização do Partido? Que garantia teremos de que, para esse "membro do Partido' a tática e os princípios orgânicos serão os do Partido e não outros? Eis o que a fórmula de Mártov não consegue explicar! E, como resultado da fórmula de Mártov, teríamos entre as mãos um estranho "partido" cujos " membros" têm um programa único (o que ainda resta apurar!) e princípios orgânicos e táticos diferentes! Que diversidade ideal! Assim, em que nosso partido se diferenciará de um banquete?
É necessário fazer só mais uma pergunta: onde está aquele centralismo ideológico e prático que nos foi sugerido pelo segundo Congresso do Partido e está em radical contradição com a fórmula de Mártov? Sem duvida, se se tiver de escolher, o mais justo será jogar fora a fórmula, de Mártov.

Eis a fórmula absurda que Mártov nos propõe em contraposição à fórmula do camarada Lênin!

Julgamos que seja conseqüência de um mal-entendido a resolução do segundo Congresso do Partido, que aprovou a fórmula de Mártov, e exprimimos a esperança de que o terceiro Congresso do Partido corrigirá, indubitavelmente, o erro de Mártov, e acolherá a fórmula do camarada Lênin.

Resumamos tudo quanto dissemos. O exército dos proletários surgiu na arena da luta. Se todos os exércitos necessitam de um destacamento de vanguarda, para este exército também é necessário tal destacamento. Daí haver surgido um grupo de dirigentes proletários: o Partido Operário Social-Democrata da Rússia. Como o destacamento de vanguarda de determinado exército, este Partido deve, em primeiro lugar, ser armado de um programa próprio, de uma tática e de princípios orgânicos, e, em segundo lugar, deve constituir uma organização coesa. Se perguntarmos: a quem devemos chamar membro do Partido Operário Social-Democrata da Rússia? — este Partido só poderá dar uma resposta: aquele que aceita o programa do Partido, apoia materialmente o Partido e atua numa organização do Partido.

Esta é justamente a verdade evidente expressa pelo camarada Lênin em sua notável fórmula.

segunda-feira, 13 de junho de 2016

O secretário-geral do PCB em Portugal: "o carácter da revolução é socialista"


Ivan Pinheiro, secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro, fez uma pequena palestra aos imigrantes brasileiros em Portugal e a alguns portugueses que quiseram estar presentes, o assunto foi a situação política no Brasil com o impeachment da presidente Rousseff e, como não podia deixar de ser, a relação do PCB com os outros partidos que se reivindicam do "Comunismo", ou seja e mais propriamente, o Movimento Comunista Internacional (MCI).


A assistência não era muito grande mas esteve atenta, a sessão realizou-se na Casa do Brasil em Lisboa,...o que haverá a destacar, mais para além da posição especifica quanto ao que se passa no Brasil, é o caminho a seguir pelo MCI, e quanto a este ponto Ivan Pinheiro foi claro: a etapa que se segue é o do Socialismo, isto é, o carácter da revolução é socialista.

A decisão do PCB de enveredar por este caminho da revolução ser socialista, e não democrática e nacional, deparou com enorme resistência por parte do seu comité central, com as posições divididas a praticamente 50% para cada lado, à semelhança com outras posições como dar ou não apoio ao governo de Lula/PT, o que revela disse, que as posições típicas da pequena burguesia ainda predominam dentro dos partidos que se consideram do Comunismo, não sendo estranho a este facto as dificuldades passadas pelo PCB nos últimos anos, concretamente a partir da década de oitenta do século passado com fraccionismos  e deserções que levaram à quase extinção do partido que, graças à resistência e perseverança de um pequeno número de militantes e dirigentes que nunca perderam a certeza do comunismo, conseguiu reerguer-se a partir de 2005. Ivan Pinheiro deixou claro que o KKE (Partido Comunista Grego) com a sua estratégia revolucionária tem servido de referência e até de guia.

À pergunta de um presente, sobre as relações internacionalistas do PCB , o secretário do PCB,  não deixou dúvidas de que os contactos do PCB fazem-se com os partidos comunistas que se afirmam em termos práticos do comunismo, alguns dos quais conseguiram abandonar as ilusões da social-democracia, tendo referido a relação de internacionalismo proletário existente com os partidos revolucionários na América Latina, PCs do Mexico, da Venezuela e do Paraguai.

Sobre as relações com o PCP questão posta por alguns militantes presentes, limitou-se ao silêncio... dando a entender que as relações se deterioram na medida em que o PCB se aproxima e concorda, cada vez mais com  partidos comunistas que fazem parte da INICIATIVA COMUNISTA, que procura construir uma nova estratégia e táctica revolucionária para o MCI.

O secretário-geral do PCB considerou ainda a burguesia brasileira uma burguesia com aspirações a imperialista, pelos menos dentro de toda a América Latina, atendendo à dimensão da economia capitalista brasileira cujo PIB tem ultrapassado o da Grã-Bretanha, por exemplo, e que a luta a travar pelo proletariado e o povo brasileiro é aberta e declaradamente anti-capitalista, e não meramente anti-imperialista, acrescida por esse facto, para além, como anteriormente foi referido, do capitalismo ter atingido o limite de desenvolvimento a partir do qual só poderá surgir a sua derrocada. 

sábado, 11 de junho de 2016

O que vale a pena é prosseguir o caminho, apontado pela luta dos trabalhadores da estiva !

Recentemente o PCP pela voz de Jerónimo de Sousa manifestou a opinião de que os resultados do retorno de rendimento prometido pelo governo que é "pouco" mas que comparado com os resultados obtidos durante os últimos quatro anos pela luta dos trabalhadores contra o anterior governo que "valeu a pena" e que é um "caminho justo" a prosseguir pela a actual maioria que suporta o governo. 
É verdade que o retorno de rendimento até aqui realizado, que mesmo reduzido a metade pelo aumento dos impostos sobre os combustíveis, que ainda assim é menos negativo quando comparado com a ofensiva reacionária de austeridade do governo anterior PSD/CDS .
Mas é necessário dizer que se a luta dos trabalhadores nunca atingiu tais resultados isso se deve ao facto de a luta a travar sempre estar muito aquém do que aquilo que era necessário. Mesmo as greves gerais convocadas com algum exito assinalável do ponto de vista da mobilização laboral e popular segundo números das próprias centrais sindicais, não tiveram a devida consequência positiva para os trabalhadores, na medida que em vez de se prosseguir nessa via, torna-las mais amplas, douradoras e radicais e com isso se procurar aumentar cada vez mais a consciência do movimento laboral e popular, até obrigar o governo a recuar, continuou-se a optar pela via burguesa reformista de dar a primazia ao DIALOGO e à CONCERTAÇÃO SOCIAL oferecendo campo de manobra à UGT e ao governo, e com isso criar as condições politicas para a aplicação do seu programa  anti-laboral e de austeridade durante quase quatro anos e meio de terror social.
"um caminho justo"a prosseguir?
Quando o programa do governo capitalista PS é a continuação da politica de recuperação capitalista que vem de trás e que por isso o PCP e o BE não se queiram "identificar" com ele, procurando criar a ideia nos seus militantes e nos trabalhadores que só o apoiam naquilo que tenha a ver com o retorno social, programa esse que tem nos aspectos macro económicos o apoio do PSD e do CDS, (daí o dito abstencionismo que os tem caracterizado na sua acção parlamentar apesar da retórica demagogica e reacionária utilizada pelo CDS).
Quando aceita submeter-se às regras do cumprimento do déficit público previsto no Tratado Orçamental Europeu e onde é notório que em face do agravamento da crise económica mundial e da ingerência imperialista da UE o governo não vai cumprir com o que quer que seja que está para além deste retorno social mitigado.
Quando o salário minimo nacional, não atende minimamente às necessidades básicas dos trabalhadores e suas famílias e ainda está sujeito a impostos; O aumento para 600 euros do salário minimo só fim da legislatura, 2019/20; A atribuição do subsídio de desemprego aos trabalhadores que já não o recebem só para 2018 e só previsto para aqueles que estão inscritos na Seg.Socail, deixando todos os outros sem qualquer apoio; Quando o desemprego real ronda os 22% e nos jovens 35%; Os reformados e pensionistas pobres a continuarem a ser colocados de lado e a terem que viver ma miséria e na exclusão social?
Será um "caminho justo" quando tal governo assume os prejuízos do Banif (três mil milhões de euros) e se prepara para encaixar perto de trinta mil milhões do crédito mal parado da restante banca,bem como refinanciar a CGD em quatro mil milhões de euros para recapitalizar capitalistas, que a manter-se a crise e o insuficiente crescimento económico capitalista, não garante o retorno de tal investimento, facturas estas que irão de novo fazer a classe trabalhadora e os pobres pagar?
O único caminho a percorrer é aquele que os trabalhadores e jovens franceses contra a contra-reforma laboral que o governo reacionário do PS françês quer impor e os da estiva em Portugal estão percorrer , que apesar de não verem todas as suas reivindicações aceites, as que foram vão-se tornar uma referência para todos os seus camaradas nos outros portos, demonstrando que em tal luta e caminho é possível RESISTIR e VENCER!

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Sobre a evolução da situação no Brasil ! – O povo tem de se desenredar dos dilemas da gestão burguesa

por Rizospastis
Os acontecimentos no Brasil e a escalada da crise política naquele país têm estado no centro das atenções internacionais.

O que não é de admirar, uma vez que estamos a falar da 7ª maior economia do mundo, do 5º maior país do mundo em termos de dimensão territorial e populacional, e do maior país do hemisfério sul do planeta. Um país em que se verificaram nos últimos anos elevados níveis de crescimento capitalista, tendo inclusivamente superado a Grã-Bretanha em 2011 tornando-se a 6ª maior economia.

Assume um papel significativo no quadro da aliança dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul) assim como em importantes alianças inter-capitalistas que vêm sendo promovidas no continente americano (nomeadamente Celac, Mercosur/Unasur). Deve também recordar-se que desde 2004, ou seja no período dos governos "progressistas", tem encabeçado a intervenção militar no Haiti, levada a cabo sob a capa da ONU.

Escândalos e deserções: o trivial no sistema político burguês 

O processo de remoção do cargo da Presidente Dilma Rousseff, 18 meses após a sua vitória nas eleições presidenciais de 2014, que tem sido acompanhado de manifestações de rua tanto a favor como contra e de uma intensa confrontação política, constitui uma significativa alteração depois de um período de 13 anos de governo encabeçado por um Presidente oriundo do social-democrata PT (Partido dos Trabalhadores), que coopera a nível de governo com o PCdoB. Merece a pena assinalar que o PCB não participa nas perspectivas de "gestão de esquerda" do capitalismo.

Não é fácil analisar este processo se apenas se tiver em conta a superfície dos acontecimentos e as várias acusações formuladas. Por um lado, aqueles que acusam a Presidente de corrupção estão eles próprios atolados em escândalos até ao pescoço. É significativo que o Presidente do Parlamento, Eduardo Cunha, tendo sido quem desencadeou o processo de remoção da Presidente Dilma, tenha sido ele próprio demitido do seu cargo pelo Tribunal Federal, acusado de corrupção envolvendo milhões de dólares em subornos vindos de todo o lado. Cunha tinha, evidentemente, sido eleito com os votos do PT e, juntamente com o Vice-Presidente Temer, pertence ao partido "centrista" PMDB. O Vice-Presidente Temer, que tinha assumido as funções de Presidente interino, foi condenado por irregularidades na recolha de fundos para a sua campanha eleitoral, tendo inclusivamente perdido o direito a ser eleito por um período de oito anos, enquanto o seu nome surge juntamente com os de meia dúzia de ministros dos seu "incorrupto" governo que estão a ser investigados no quadro do processo envolvendo a petroleira nacional "Petrobras". De modo que não é de forma nenhuma de estranhar que numa recente sondagem de opinião 58% dos inquiridos manifestasse o desejo de que ele venha a partilhar o destino da sua antecessora…

Do outro lado, os apoiantes da Presidente falam de "golpe parlamentar" porque a acusação que constitui a base do processo de impedimento contra Dilma – a acusação é de que ela manipulou as contas em termos de dados fiscais – não constitui um crime. As acusações de "traição", de "golpe" e de "ataque à democracia" são evidentemente dirigidas contra os seus aliados anteriores e contra o PMDB em particular, que foi o maior parceiro na coligação de governo nos últimos oito anos (apoiou a reeleição de Lula em 2006 e a eleição de Dilma em 2010 e 2014). Este partido tem assumido o 2º e os 3º mais importantes cargos na hierarquia do Estado (Vice-Presidente e Presidente do Parlamento), que assumiram em apoio do "governo progressista".

Naturalmente que os escândalos e os negócios escuros dos políticos burgueses com capitalistas existem e florescem tanto no Brasil como no nosso país e em todos os países capitalistas. Em 2012, por exemplo, cerca de 25 homens de negócios e políticos, incluindo destacados dirigentes do PT, foram condenados a pesadas penas.

Mas as "deserções" são também moeda corrente. As negociatas e as reviravoltas das forças burguesas, passando desta coligação para aquela, bem como políticos mudando do partido pelo qual foram eleitos para outro são fenómenos comuns, exemplos da fragilidade do sistema partidário burguês que constituem motivo de preocupação para a classe dominante. Por essa razão foi já desencadeado o debate relativo a reformas políticas no sentido de reforçar o sistema.

A experiência internacional mostra muitos exemplos da utilização de escândalos e da "depuração" do sistema como veículos para uma violenta recomposição do sistema político, em períodos em que se agudizam a crise económica e as contradições da economia capitalista.

No caminho de uma alteração na fórmula da gestão capitalista 

Qualquer pessoa que estude seriamente a situação compreenderá que o verdadeiro problema é relativo à economia. Na verdade, depois de muitos anos de rápido crescimento capitalista que beneficiou os monopólios brasileiros e que, sob os governos do PT, reforçou a posição internacional do Brasil, o arrefecimento da economia brasileira converteu-se em estagnação em 2014 e em 2015 numa recessão de -3,8%, com uma inflação da dívida pública, um rápido crescimento da inflação e a perda de mais de 1,5 milhão de empregos.

A exaustão da fórmula de política económica que assentava no acréscimo da despesa pública e a reorientação no sentido de medidas restritivas tem vindo há alguns anos a tornar-se evidente no Brasil e na América Latina no seu conjunto. Já em 2013, quando os primeiros sinais de crise se manifestaram, o governo Dilma pusera em andamento novas medidas a favor do capital, tais como isenções fiscais e isenções de contribuições para a segurança social, ainda maior flexibilidade nas relações laborais, um programa de privatizações comparável aos dos governos mais "neoliberais": portos, estradas, aeroportos, campos petrolíferos, etc. [1]

Não é por acaso que Henrique Meirelles, o ministro das Finanças do governo de Temer, fora presidente do Banco Central no decurso dos mandatos de Lula. Consta que nos últimos anos Lula tentou persuadir Dilma a nomeá-lo ministro das Finanças do seu governo.

A situação impede o consenso social que os governos do PT procuravam por meio de uma série de políticas relativas a benefícios sociais que reduziram a pobreza absoluta e extrema, ao mesmo tempo que prosseguia uma linha política de apoio aos interesses monopolistas, com uma muito alta taxa de exploração da classe operária. Ninguém pode, em qualquer caso, ocultar a realidade de que mais de 53 milhões de pessoas vivem abaixo do limiar da pobreza.

Confrontos inter-burgueses em matéria de alianças internacionais 

Sectores significativos do capital parecem preferir formações de governo mais estáveis para gerir a crise. A situação torna-se ainda mais complicada devido ao facto de o abrandamento económico na China ter tido um impacto directo na eclosão da crise económica no Brasil, enquanto outros países dos BRIC, como a Rússia, enfrentam igualmente dificuldades e as contradições inter-imperialistas entre os EUA, os países da UE, Rússia e China se vêm agudizando na América Latina no seu conjunto. Crescem entre diferentes sectores do capital as preocupações relativas à orientação internacional do país.

As controvérsias no interior da classe dominante sobre as suas alianças internacionais em condições de crise podem conduzir a uma situação política extremamente tensa. Basta-nos recordar o recente exemplo da Ucrânia e a trajectória dos confrontos inter-burgueses no contexto da competição inter-imperialista mais geral.

A necessidade da luta anticapitalista 

A história ensina-nos que, em tais condições, a gestão social-democrata prepara frequentemente o terreno para uma viragem intensamente reaccionária no sistema político, e que as forças burguesas definem a "legalidade" em termos daquilo que lhes convém mais num dado momento. Tais sinais manifestaram-se já no decurso do processo de afastamento de Dilma e irão intensificar-se.

A organização da luta contra a linha política reaccionária que irá ser posta em prática pelo governo Temer, a solidariedade internacionalista para com as lutas dos trabalhadores pelos seus direitos sociais e democráticos devem ser acompanhados por uma discussão profunda que permita retirar conclusões acerca do que conduziu a esta situação.

As posições que foram desenvolvidas acerca de um crescimento capitalista "sustentável" sem crises no Brasil não tomaram em conta as implacáveis leis económicas e as contradições do sistema, e conduziram a ilusões. A evolução da situação no Brasil foi objecto de controvérsia também no interior do movimento comunista.

O que é necessário é a emancipação do movimento dos trabalhadores em relação à influência burguesa, a sua orientação no sentido do combate contra o Estado burguês, os monopólios, e as forças políticas que exprimem os seus interesses.

Uma significativa experiência foi acumulada acerca das políticas dos governos burgueses, após a ditadura, da segunda metade dos anos 1980 e dos anos 1990, que foram a causa de altos níveis de pobreza e de exploração para a classe operária do Brasil, tal como dos governos burgueses de Lula e Rousseff (2002-2016), que prosseguiram a gestão do capitalismo com slogans "de esquerda" e "anti neoliberais" e geraram falsas expectativas.

Tudo isto proporcionou a base para que possam ser retiradas sérias conclusões e para que sejam dados passos no sentido da libertação das forças populares do ciclo vicioso do alegado "mal menor". Para que a necessidade da luta anticapitalista avance de forma decisiva é necessário que o movimento operário e comunista construa uma estratégia independente dos centros burgueses, uma estratégia que aponte para o socialismo, que é a condição prévia para a abolição da exploração do homem pelo homem, utilizando o vasto potencial de um país com enormes recursos naturais que vêm sendo apropriados por um punhado de capitalistas.

[1]Em relatórios da UE anterior às eleições de 2014 é assinalado que as diferenças em termos de politica económica entre Dilma Rousseff e o outro candidato, Aécio Neves, do PSDB, eram "na prática menos nítidas do que aquilo que as suas mensagens eleitorais sugeriam"
www,europarl.europa.eu/

O original encontra-se no jornal Rizospastis, de 22/5/2016
www.inter.kke.gr/...