segunda-feira, 2 de março de 2015

Sobre as “lentes deformantes” na análise das relações internacionais

 Por ocasião dos últimos acontecimentos na Ucrânia e nos Balcãs


Por.Elisseos Vagenas Membro do CC do KKE
Chefe da Secção de Relações Internacionais

“Se a Bulgária foi privada da possibilidade de comportar-se como um Estado soberano, que pelo menos peça à União Europeia dinheiro pelo lucro perdido” (comentário de Vladimir Putin, Presidente da Rússia, a respeito da decisão de suspender a construção do gasoduto “South Stream”, depois das reticencias da Bulgária, sobre o seu trajecto).

“Temos que ter, finalmente, uma política externa alemã onde a segurança e a paz seja mais importante que as instrucções de Washington” (Sahra Wagenknecht, deputada e dirigente histórica do partido social democrata alemão Die Linke, durante a discussão no Bundestag sobre os desenvolvimentos na Ucrania).

Estas declarações de dois políticos conhecidos “refrescam” a nossa memória reiterando uma concepção que prevalece em relação à questão das relações internacionais e inter-estatais. Trata-se de uma concepção que nega a realidade criada pelo desenvolvimento desigual do capitalismo e promove a posição irrealista de que os países capitalistas com uma posição intermédia o alta (como a Alemanha) no sistema imperialista se comportam como as colónias no passado, isto é com uma obediência cega à “metrópole”.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                            
Além disso, a este ponto de vista, junta-se muitas vezes o conceito de que esta situação é devida ao facto de “a política dominar a economia”, e que se dominassem os interesses económicos não existiriam, por exemplo, as sanções da União Europeia contra a Rússia, que destroem as vantajosas  relações económicas , ou os obstáculos postos pelos EUA e a União Europeia à construção do gasoduto de South Stream. Mas isso é verdade?

A força motriz da cooperação e dos antagonismos 

Claro que se pode ver à vista desarmada, que este ponto tem sérias deficiências. Pode-se perguntar, por exemplo, que a Alemanha, a chamada "locomotiva" da União Europeia, uma das economias mais fortes do mundo, não passa de um títere dos EUA, que segue cegamente as "instruções de Washington", como disse a já mencionada deputada alemã do partido oportunista Die Linke ("esquerda") 

É óbvio que a causa da convergência capitalista da Alemanha com os EUA, que apesar da sua reduzida participação no PIB mundial, continua a ser a economia capitalista mais forte, no “topo” da “pirâmide” imperialista, não se encontra aqui.

A causa da convergência entre os Estados capitalistas, assim como das rivalidades nas suas regiões, tem que ver com o seu desejo de salvaguardar o fortalecimento do poder e da força da burguesia de cada país. Com este fim, os governos sejam de “direita” ou de “esquerda”, sempre ao serviço da burguesia, pretendem criar alianças económicas, políticas e militares. Estas alianças podem ser bilaterais e multilaterais, como são a União Europeia e a NATO.

Escusado será dizer que nestes acordos, uniões e organizações, assim como na “rede” de relações entre os estados capitalistas em geral, cada burguesia participa segundo a força do seu país (económica, política e militar). Neste contexto, está ligado com os outros países através de milhares de vínculos de interdependência que têm um carácter desigual uma vez que a economia capitalista se caracteriza pela desigualdade.

É aqui que devemos procurar as razões pelas quais Alemanha e EUA convergem sobre a questão das relações com a Rússia e em torno dos acontecimentos na Ucrânia. Usamos a palavra convergência, não alinhamento, porque na postura da Alemanha existe um “denominador” comum com os EUA, ou seja, contra a Rússia, mas há muitas diferenças tanto neste caso como em muitos mais.

É óbvio que a burguesia alemã (a sua secção mais forte) considera que, precisamente neste período, lhe serve a convergência com os EUA, para exercer pressão sobre a  Rússia. Claro que há sectores da burguesia alemã que foram afetados negativamente e sofreram uma catástrofe económica devido a essa convergência com os EUA, na postura em relação Rússia. Tais sectores procuram outras alianças geopolíticas para a Alemanha. No entanto, parece que até este momento cedem a interesses mais fortes e à “linha” geral de fazer pressão sobre Moscovo. A burguesia da Alemanha já assegurou o seu abastecimento energético da Rússia através do “Nord Stream”.  Este gasoduto que pode transportar uns 55.000 milhões de metros cúbicos, cruza o Mar Báltico e fornece directamente a Alemanha, de gás natural . A burguesia da Alemanha assume que, pelo menos no futuro próximo, a Rússia, mesmo que quisesse, não podia cortar o fornecimento, tanto por razões económicas (a necessidade de recuperar receitas orçamentais), como por razões técnicas (falta de outras condutas que funcionem como alternativa a outros importadores). Além disso, o “terceiro pacote energético” da UE, procura conseguir quotas maiores  no mercado internacional de energia em detrimento dos monopólios energéticos russos bem como reforçar as suas posições na Ucrânia.

Assim, tanto a cooperação como as rivalidades entre os Estados capitalistas são motivadas pela rentabilidade do capital. O desenvolvimento das relações no “triangulo” EUA-Alemanha-Rússia, não é excepção.

O mesmo se pode dizer da Bulgária. Não se trata de uma “obediência cega” contra os “interesses nacionais” da Bulgária, como  lemos. Em primeiro lugar, são diferentes “os interesses nacionais” da burguesia búlgara, e os dos trabalhadores. Em primeiro lugar, a burguesia búlgara  está interessada em  assegurar a sua posição; procura ter o apoio da NATO e da UE (nas quais participa), para ter apoio em todos os momentos no caso de questionamento do seu poder pela classe operária e outros sectores populares. Para a Bulgária estas alianças, das quais depende para continuar e actualizar a exploração do povo, são de particular importância. Além disso, o seu sector mais forte acha que somente através dessas alianças vai conseguir aumentar a sua rentabilidade e fortalecer a sua posição na região e mais além. Claro que há também interesses capitalistas que têm diferentes prioridades económicas e geopolíticas, por exemplo, uma maior conexão com a Rússia capitalista, mas isso não significa que sejam favoráveis ao povo. Porque eles também têm o mesmo objetivo estratégico: a perpetuação do sistema de exploração da classe operária.

A política contra a economia?

A Bulgária perderá 400 milhões de euros por ano pelo cancelamento do gasoduto "South Stream", disse Vladimir Putim e tinha razão. Mas a burguesia bulgara está alinhada  com a UE e os EUA neste caso concreto, pois considera que pode ganhar muito mais com o decorrer do tempo. Por isso è errada a avaliação de que "a politica funciona contra a economia".


Isto vê-se ainda melhor com a participação do nosso país nas sanções da UE contra na Rússia, que levou a contra- medidas russas, com a proibição de importações de productos agrícolas gregos no mercado russo. O grande prejuízo que os productores gregos sofreram, assim como os exportadores de produtos gregos para a Rússia, não foi suficiente para impedir a participação do governo grego nesta “guerra” comercial da União Europeia contra a Rússia. Porquê? Pela mesma razão que promove no país todas as medidas anti-populares decididas em conjunto no seio da UE. Porque considera que estas servem a burguesia do país. Mesmo que afectem negativamente os sectores populares, apesar  de provocarem perdas para certos sectores da burguesia, prevalece o interesse estratégico da burguesia: a participação da Grécia na UE e na NATO trará enormes benefícios à burguesia no seu conjunto. É por isso que Lenin sublinhou que “a política é a expressão condensada da economia”.

Porque são perigosas as opiniões acerca da “soberanía”?

Vladimir Putim no seu discurso anual destacou, com alguma razão, que a Ucrânia não foi mais que um pretexto para a imposição de sanções contra a Rússia, já que o Ocidente há muito tem tentado travar o curso do país. Acrescentou também com razão, que os rivais internacionais da Rússia queriam  que a Rússia acabasse como a Jugoslávia. Ao mesmo tempo, recorreu à fraseologia "patriótica" para enganar os trabalhadores do seu país. Disse que "se para alguns países europeus a soberania nacional é um luxo, para a Federação Russa, a soberania, é uma condição absolutamente necessária para a sua existência". 
Claro que é a mesma pessoa que assinou a integração da Rússia na Organização Mundial de Comércio que coloca uma série de restrições em diversos sectores da economia russa.

A economia russa, uma potência capitalista emergente, está  hoje ligada de forma multifacetada à economia capitalista global. Estas relações implicam uma inter-acção constante. Pode falar-se de “soberania” acerca de um país que está completamente dependente dos preços internacionais do petróleo e do gás natural, como está a Rússia capitalista? Pelo menos metade do orçamento anual da Rússia depende do sector da energia, do petróleo e do gás natural. Mas além disso, de que “soberania” podem falar os trabalhadores, os desempregados, os sectores populares nas condições do capitalismo? É a mesma “soberania” que a do capitalista Roman Abramovich, dono da equipa de futebol inglês “Chelsea”?

Uma discussão similar é levada a cabo no nosso país sobretudo pelo SYRIZA e os Gregos Independentes, assim como pelos partidos no poder, a ND e o PASOK, a respeito da “recuperação da soberania”. No entanto, não questionam a participação na União Europeia e na NATO, e muito menos o caminho do desenvolvimento capitalista do país. Torna-se claro que em nome da “soberania” (ou seja da sua preservação ou da sua recuperação) os políticos burgueses utilizam argumentos enganadores para agarrar os trabalhadores “debaixo de bandeiras alheias”. Quer dizer fazê-los lutar e sofrer pelos interesses da burguesia, para que esta fortaleça a sua posição no sistema capitalista mundial.

Igualmente perigosas são as posições que defende o Partido da Esquerda Europeia e o SYRIZA na Grécia em relação à União Europeia. Eles afirmam que se a UE supostamente, “se emancipa” dos EUA e da NATO, torna-se “soberana” e traçará uma política “europeia”, “a favor do povo e da paz”. O SYRIZA declarou inclusivamente, que neste caso a UE mereceria receber o Prémio Nobel da Paz. No entanto, na realidade, esta “emancipação” significaria simplesmente a disposição da UE, ou da sua parte mais forte, de lutar para adquirir mercados utilizando a sua força, ou mesmo as armas, tanto em cooperação com a NATO como por si própria. Isto já está sucedendo!

É inútil e enganador que os trabalhadores da Europa esperem que a UE mude. Isto acontece porque as directrizes políticas da UE não são determinadas por quem tem a maioria na UE, os de “centro esquerda” ou de  “centro direita”, mas pelo carácter do sistema social que predomina nesta. Este é o modo de producção capitalista, onde os meios de produção estão nas mãos de uns poucos capitalistas. Este carácter da UE também se reflete nos seus tratados.

A solução para o povo grego e os demais povos não radica no esforço enganador de “embelezar” a UE, nem no alinhamento com as forças políticas que em nome da “soberania” tratam de atracar os sectores populares ao serviço dos interesses de uns poucos e poderosos capitalistas.

A única solução é a retirada de todas as alianças imperialistas, com a conquista do poder pela classe operária e a socialização dos meios de produção.

 * O artículo foi publicado em 14/12/2014 no jornal “Rizospastis”, órgão do CC do KKE 


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