quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

O caos nas urgências dos hospitais públicos

Pode dizer-se que não há palavras para descrever a pouca vergonha que se está a passar nos serviços de urgência dos hospitais do SNS e a forma como o governo e ministro estão a lidar com o problema. Em menos de um mês oito cidadãos morreram aparentemente por falta ou deficiente atendimento após, ao contrário do que mandam as regras nestas situações, muitas horas de espera nos serviços de urgência. A imprensa fala em mais de 1900 mortes no período do Inverno, particularmente frio este ano, devido a diversas morbilidades; todas elas estarão relacionadas com a descida da temperatura e do aparecimento da gripe sazonal, fazendo fé no que a imprensa diz, número que aparentemente não estará longe do que ocorre em outros anos. O que tem sido fora do normal são as mortes de pessoas, quase todas idosas, que esperam muitas horas por cuidados que não são prestados em tempo útil.

Ainda estamos todos lembrados da epidemia da legionella que há pouco mais de dois meses fez 12 mortes e infectou 375 pessoas, tendo o governo levado bastante tempo a identificar o foco causador e a tomar medidas. Foi a terceira maior epidemia no mundo, bem reveladora da política seguida pelo governo PSD/CDS-PP quanto à Saúde Pública, quer no que concerne às medidas de fiscalização e prevenção quer à resposta em termos de cuidados de assistência. A mesma política encontra-se agora ilustrada nas mortes nos serviços de urgência hospitalar que não têm conseguido dar resposta como seria de esperar, sabendo-se antecipadamente que as idas às urgências aumentam substancialmente nesta época do ano. O governo desculpa-se com o “frio”, com a “reforma antecipada dos médicos” e acusa as notícias de “alarmismo” infundado e de “falsidade” na análise das mortes ocorridas e promete medidas salvíficas do género “alargamento dos horários de funcionamento dos centros de saúde”, “contratação directa de novos médicos”, “proibição (!?) de médicos e enfermeiros tirarem férias no período do Carnaval”, “abertura de mais camas de internamento (!?, este governo acabou com 700 camas)… e da possibilidade das “urgências privadas poderem vir a tratar doentes do Serviço Nacional de Saúde em alturas de maior afluência aos hospitais”, segundo despacho assinado, curiosamente de forma muito discreta em 9 de Janeiro, pelo secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde.

E terá sido esta medida que trouxe mais alguma luz sobre as verdadeiras razões do caos que se vive nas urgências dos hospitais públicos, que fazem mover o ministro especialista em cobrança de impostos e que dão para entender o escarcéu feito por alguma imprensa de referência situada mais à direita. Não há dúvida de que as mortes por legionella e as mortes ocorridas nas urgências, e que poderiam ter sido perfeitamente evitadas, são devidas à política de austeridade levada a cabo nos últimos três anos e meio, o mesmo tempo de mandato deste governo fascista, que tem cortado na Saúde e na Administração Pública em geral com a redução de pessoal e corte brutal nos salários. Mas, mais do que isso, são a consequência lógica de uma estratégia, que vem de há muito, desde o 1º governo de maioria absoluta do PSD/Cavaco, de privatização da Saúde e concomitante destruição do SNS. Só com a degradação do SNS, com o seu subfinanciamento, a não contratação de pessoal, o encerramento de serviços e diminuição do número de camas, ao mesmo tempo que se financia por diversas maneiras o negócio da medicina privada, é que este terá possibilidade de se instalar e progredir. O privado já possui 30% dos internamentos e das consultas, só faltavam as urgências, o “frio” e a “gripe” (o negócio das vacinas parece que já deu o que tinha a dar) deram o mote, o “caos das urgências” confirma a necessidade, a imprensa do regime faz a propaganda… e a medida (o oportuno e "silencioso" despacho feito por uma figura menor do governo) já está tomada.

E, assim, o negócio da Saúde em Portugal vai de vento em popa, enquanto o povo vai morrendo, à fome e à falta de cuidados médicos. É o que acontece quando um governo sem legitimidade continua em funções e tem pressa em acabar a missão para que foi investido: privatizar tudo o que seja passível de ser privatizado, empobrecer o mais possível o povo português, no processo imparável de acumulação e concentração do capital. Não basta demitir o ministro, como muito boa gente tem defendido, mas todo o governo, que há muito deveria ter sido lançado borda fora.

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