domingo, 27 de outubro de 2013

GREVE DOS CTT EM MAIO DE 1974

GREVE DOS CTT EM MAIO DE 1974

Todo o processo começou a 5 de Maio de 1974, durante a assembleia geral dos funcionários dos CTT realizada no Pavilhão dos Desportos de Lisboa, que contou com a presença de 10.000 trabalhadores, a fim de exigir a formação dum sindicato único do sector, ocasião em que foi eleita uma Comissão Provisória Pró-Sindicato dos Trabalhadores, e ao mesmo tempo foi decidido pedir à Junta de Salvação Nacional a nomeação de uma comissão para proceder ao saneamento da empresa.
                
Dias volvidos, a 14 de Maio de 1974, em reunião de delegados dos serviços é formada uma Comissão de Apoio ao Conselho de Gerência dos CTT, de carácter transitório, representativa dos interesses dos trabalhadores, constituída por uma maioria afecta ao PCP e por uma minoria de três elementos afectos à Comissão Provisória Pró-Sindicato.
                                           
No dia seguinte, a 15 de Maio, a Comissão de Apoio ao Conselho de Gerência dos CTT é encarregada de elaborar um projecto de linhas gerais de reestruturação de carreiras e actualização dos vencimentos dos trabalhadores.
                                           
Contudo, a 21 de Maio de 1974, os trabalhadores dos CTT rejeitam por esmagadora maioria o caderno reivindicativo elaborado pela mesma Comissão de Apoio, em especial devido à proposta para reajustamento das carreiras e por ficar aquém do espectável no que concerne à questão do saneamento da administração e dos elementos afectos ao anterior regime.
                       
Nesse ínterim começa um absoluto jogo do gato e do rato, com o Conselho de Gerência a adiar a sua resposta cabal às prementes exigências, sempre para o dia seguinte, tal como qualquer dieta que começa indefinidamente amanhã. Perante esse impasse premeditado, os trabalhadores dão um prazo até ao dia 26 de Maio, na esperança de ouvirem a resposta da administração, a qual, mais uma vez não chegou. Foi então convocado um plenário de emergência para o dia seguinte.
                                          
Durante o Plenário de Trabalhadores da Estação Central dos Correios de Lisboa, que teve lugar a 27 de Maio de 1974, a Comissão Provisória Pró-Sindicato dos Trabalhadores dos CTT apresenta um novocaderno reivindicativo, consubstanciado em aumentos salariais com efeitos retroactivos a partir de 1 de Maio, congelamento imediato dos vencimentos superiores a quinze mil escudos, aumento das regalias sociais, subsídio de férias, obrigatoriedade de um dia de folga semanal, 35 horas semanais de trabalho, promoções automáticas, redução do leque salarial, saneamento da empresa e outras reivindicações sociais e laborais.
                            
Logo de imediato, e durante a discussão, «a greve foi desencadeada espontaneamente pelos trabalhadores de todos os sectores da Estação Central, desacreditados já das promessas para satisfação das suas reivindicações, uma vez que o prazo estabelecido já estava mais do que ultrapassado». Em consequência disso, os trabalhadores ocupam ainda as instalações a partir das 9 horas.
                     
A greve em si, causou grande impacto, inserida que estava no movimento grevista que estalara de lés a lés durante esse mês, envolvendo sectores tão díspares como os transportes, mineiros da Panasqueira, lanifícios, construção civil, Timex, Companhia Carris de Lisboa, Metropolitano, indústria de panificação, etc.
                    
Teve defensores acérrimos e detractores empenhados, pois ninguém ficou neutro, uns a favor outros contra. Contou com o amparo expresso das forças políticas do espectro da extrema-esquerda e comunicados de solidariedade do CARP (m-l)LCIMESMRPPfacção Mendes do PCP (m-l)PRP-BR e URML, enquanto oPCPMDP/CDEIntersindical Nacional e o Governo Provisório procuraram travar e, até, denegrir o conflito.
                              
Logo no preciso momento da paralisação e ocupação das instalações, o PCP declara que «as greves selvagens não podem servir a causa dos trabalhadores», insiste nos perigos do surto grevista, que imputa a «elementos reaccionários» e «facilitados pela acção de grupos esquerdistas».
                                        
Tão abruptamento como começara, devido ao bloqueio levado a cabo pelos dirigentes sindicais, a ocupação e greve dos trabalhadores da Estação Central dos Correios de Lisboa terminou às 17 horas do dia 28 de Maio, a fim de facilitar as negociações que decorriam nos gabinetes. Apesar da greve ter sido desconvocada, a Intersindical Nacional, pela voz de Francisco Canais da Rocha, expressa a sua crítica negativa na mesma tarde.
                                   
Mais veemente na condenação, de catadura e cenho carregado, o comunicado da Comissão Executiva do Comité Central do PCP intitulado “Sobre Manobras da Reacção”, datado também de 28 de Maio, manifesta-se contra a onda de greves «com a autoridade que lhe dá a sua acção de dezenas de anos à frente da luta dos trabalhadores e do povo contra a opressão fascista e a exploração capitalista, vem alertar-vos contra os graves perigos da hora presente, contra os manejos daqueles que tentam dividir o movimento popular de massas, cindir a sua aliança com o Movimento das Forças Armadas e abrir caminho à contra-revolução».
              
A luta dos trabalhadores dos CTT foi uma das mais controversas e marcantes no período imediato ao 25 de Abril. Era, tão-somente, o primeiro assalto, porquanto, a fogueira grevista do conflito sindical e laboral na empresa reacendeu-se no mês seguinte, em labaredas de frenesi e exaltação obreirista.
NOTA: a fotografia mostra o Plenário de Trabalhadores da Estação Central dos Correios de Lisboa, em Maio de 1974.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Contra a ofensiva capitalista, lutar pelo socialismo!

Por se concordar com esta proposta públicada no "jornal Mudar de Vida" decidimos república-la na "A Chispa!"
         
                                 Crise da civilização burguesa

O discurso dominante sobre a crise procura reduzir o problema às questões financeiras. É a tentativa de absolver o sistema social capitalista. 

Esta redução da crise às questões “financeiras” penetrou, porém, o senso comum e mesmo a esquerda, que tendem a aceitar o discurso moral sobre a ganância de uns quantos capitalistas ou a incompetência dos dirigentes, a inverter causas e efeitos da crise e a acreditar em soluções paliativas que não tocam na origem dos problemas.

 Na verdade, a globalização e a financeirização do capital, embora lhe tenham potenciado os efeitos, não são a origem da presente crise mundial. São sim recursos a que o sistema deitou mão para a atenuar e adiar a sua eclosão – estendendo e deslocando a produção em busca de força de trabalho mais barata, alargando o mercado mundial, contrariando a quebra global dos salários (e, portanto, do consumo) com a extensão do crédito, incrementando a especulação como saída para a acumulação de capital improdutivo. 

O chamado neoliberalismo, associado à globalização e à financeirização do capital, não é uma deriva ideológica duma facção da burguesia responsável pela deriva material do sistema. Ao contrário, foram as dificuldades económicas da produção capitalista, passado o impulso do pós- -guerra, as causas das mudanças políticas e ideológicas nas classes dominantes.

É, assim, ilusório pensar que existem medidas de política económica ou financeira que possam solucionar os problemas sem tocar no quadro do próprio sistema capitalista. Os problemas existem e avolumam-se precisamente porque esse quadro se vai mantendo.

A actual  crise volta a demonstrar que as crises no sistema capitalista são inevitáveis, por serem fruto do seu crescimento e não do seu atraso, por resultarem do seu funcionamento interno e não de obstáculos que lhe sejam externos.

Por isso mesmo, a destruição de bens e de capacidade produtiva (mercadorias, empresas, força de trabalho) revela-se como a condição de sobrevivência do capitalismo. Nestes períodos, o seu sistema de relações sociais mostra ser incapaz de traduzir em benefício colectivo os frutos da civilização e torna-se um obstáculo ao livre crescimento das forças produtivas, ao progresso da humanidade. Aqui reside o potencial revolucionário da presente crise.

 Existem pois dois entendimentos antagónicos sobre a crise com implicações políticas de monta.

O entendimento de que a presente crise é fruto de um “desvio financeiro” do capitalismo conduz em linha recta à conclusão de que basta pôr na ordem o capital financeiro e banir a sua expressão ideológica, mais conservadora, para sanar a presente crise e prevenir novas crises. Ou seja, de que não é necessário pôr em causa o sistema de produção capitalista.

Ao contrário, o entendimento de que a crise resulta de uma queda da rentabilidade do capital, com sentido histórico – e que isso espelha a decadência do sistema económico capitalista – leva a concluir que aquelas medidas políticas não são solução para o problema, quando muito serão paliativos, e de que é preciso atacar pela base o sistema que lhe está na origem: a produção capitalista.

Quando vista nos seus aspectos de fundo, a crise fornece-nos uma radiografia do estado terminal a que chegou a civilização burguesa. O mundo está a viver a falência do sistema produtivo capitalista, que entrou na sua fase de decadência terminal. Com isso está em causa todo o edifício social que assenta nesse sistema produtivo.

A crescente dificuldade de reprodução do capital traduz-se, com efeito, numa dificuldade crescente de reprodução das relações sociais. Daí a decomposição das instituições, o esvaziamento da democracia, o abandono do estandarte do progresso, o apagamento das grandes crenças burguesas (nação, pátria, família).

A ideologia do progresso contínuo, da prosperidade – que foi desde sempre a chancela do positivismo burguês, da superioridade do capitalismo sobre as formações sociais atrasadas – transfigurou-se num discurso de justificação do retrocesso: não mais emprego garantido, não mais melhoria de vida de geração para geração, não mais consumo livre, não mais lazer, não mais saúde e instrução para todos, não mais protecção social.

Este novo discurso denuncia a incapacidade das classes dominantes para convencerem as classes dominadas da superioridade do seu sistema, denuncia a incapacidade de uma civilização para mobilizar o todo social em torno dos seus objectivos de classe.

Uma sociedade que já só assegura (agora também pela voz dos seus mentores) um amanhã pior que o dia de hoje – e que afirma só poder subsistir nessa condição! – é uma sociedade que caminha para o fim.

As contradições em que o capitalismo está enredado não podem, pois, ser resolvidas dentro dele próprio; só uma revolução social o pode fazer da única maneira viável: pondo fim às relações sociais capitalistas.

O capitalismo, contudo, mostrando-se incapaz de encontrar saída no estrito plano das soluções económicas, tem achado maneira de manter incontestado o seu domínio. E assim poderá continuar por tempo indeterminado enquanto não entrarem em cena as forças capazes de uma transformação social radical, revolucionária. Essas forças são constituídas pelo proletariado mundial; os seus aliados são o campesinato pobre dos países menos desenvolvidos e os povos que lutam contra a dominação imperialista.

                                                
                                            Crise  Geral Capitalista Sem Fim à Vista


 O capitalismo arrasta-se numa crise sem fim à vista...  Por todo o mundo, a única resposta das classes dominantes tem sido uma transferência brutal e acelerada de riqueza para o capital, especialmente para as mãos de um núcleo cada vez menor de capitalistas.

 Nos países de capitalismo mais desenvolvido a burguesia desencadeou uma ofensiva em toda a linha assente num confronto de classe directo.  As expectativas de bem-estar e progresso gradual desapareceram. Pode ver-se hoje que não se entrara afinal numa nova era capitalista, mas que apenas se vivera por curtas décadas uma conjuntura excepcional.

Nas regiões menos desenvolvidas, o proletariado sofre uma exploração brutal, praticamente sem direitos laborais ou sociais. E o declínio desses direitos no mundo desenvolvido antecipa a evolução que se irá dar nos demais países.

A massa trabalhadora, empobrecida a passos largos, não encontra caminho de saída. As suas conquistas sociais e laborais, onde as há, vão sendo lapidadas. O desemprego maciço, muito dele tornado permanente, faz crescer a competição entre os trabalhadores.

 O aumento exponencial da produção e da concorrência, conjugado com a redução dos salários relativos (por comparação com o volume atingido pela produção), conduziu a um excesso de bens, tornados invendáveis pela quebra relativa da procura global, e a um excesso de capital sem aplicação produtiva. O estoiro de 2007-2008 (iniciado no coração do capitalismo mundial, e não na periferia) foi o desembocar deste longo processo.

A origem da crise não está, portanto, na falta de produção, ou na baixa produtividade do trabalho, mas sim, pelo contrário, na sobreprodução e na consequente quebra de rentabilidade do capital – resultantes do progresso tecnológico e do enorme aumento da capacidade produtiva do trabalho social.

Também não se trata apenas de uma decadência dos velhos países industrializados e de uma substituição do seu papel pelo dos países emergentes. A decadência do Ocidente capitalista e do Japão condiciona e arrasta para o fundo as economias capitalistas em desenvolvimento.

Os novos centros de acumulação que procuram afirmar-se – como a China, a Índia, ou o Brasil – apesar de, por enquanto, continuarem a crescer, fazem-no a ritmos progressivamente menores precisamente pelo peso negativo que a crise das grandes economias tem no crescimento mundial. A existência de países em crescimento económico não anula, pois, a natureza global da crise do sistema capitalista.


 Esta quebra do sistema capitalista mundial como um todo contraria a ideia de que se assiste apenas a uma “transferência” de poder económico entre regiões do globo. Além disso, essa “transferência” é, na verdade, uma competição feroz entre novas e velhas potências capitalistas sustentadas em gigantescos grupos económicos com interesses planetários e mobilizando para o efeito todo o aparato dos respectivos Estados.

A profundidade sem precedentes e o carácter global da presente crise colocam o sistema capitalista num beco do qual não poderá sair por medidas estritamente económicas. Não se perspectiva um novo ciclo de progresso, com correspondente absorção da força de trabalho entretanto despedida. Pelo contrário, as previsões de estagnação e mesmo de recessão mundial para os próximos anos apontam para o agravamento e não para a atenuação dos problemas, mostrando que estamos no início de uma crise de longa duração.

As medidas de “estímulo” aplicadas pelos governos mostram-se ineficazes e, na melhor das hipóteses, apenas conseguirão adiar novos colapsos. A única via de resposta à crise que o capitalismo comporta consiste na destruição maciça de capital em volumes nunca antes vistos, nomeadamente por recurso a guerras destruidoras. 


                                                           Socialização e liberdade

O grau de desenvolvimento que a sociedade capitalista atingiu não só permite como exige que a produção material seja colocada ao serviço de toda a Humanidade. A premissa do lucro como princípio e finalidade da produção limita as condições desse desenvolvimento. É isso que explica o absurdo da fome, do desperdício, do desemprego, das desigualdades, da delapidação de recursos naturais, da destruição ambiental – quando os factores de progresso, em si, são ilimitados.

A tarefa que se coloca à nossa época é a socialização dos meios de produção, a expropriação do capital, o domínio da produção pelos produtores associados. É esta a condição para que as forças produtivas se desenvolvam plenamente em vez de se verem limitadas e destruídas em crises sucessivas e cada vez mais profundas. É essa a condição para que toda a Humanidade beneficie dos ganhos proporcionados por séculos de trabalho, de conhecimento e de avanço técnico.

No centro de todos os conflitos do mundo de hoje está a contradição que opõe os interesses do Capital aos interesses do Trabalho. A batalha dos comunistas não se dirige apenas contra o grande capital, nem apenas contra o capital financeiro – mas contra o capitalismo como sistema.

Por isso, consideramos que o recuo de grande parte da esquerda para a trincheira democrática burguesa – alimentando ilusões sobre o “melhoramento das instituições”, dando papel privilegiado às eleições e ao parlamento como via para o progresso social, a igualdade, uma “economia ao serviço do povo”, etc, sem pôr em causa o sistema social capitalista – significa o abandono do socialismo quando ele mais precisa de ser defendido e tornado vivo, como saída real para a situação presente do mundo.

Seguimos a ideia do Manifesto Comunista de que o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos. Ora, a liberdade que é bandeira da sociedade burguesa (desdobrada em inúmeros direitos formais reconhecidos ao Cidadão, ao Homem, à Mulher, à Criança, etc.) assenta na consagração do direito de propriedade privada capitalista e do direito de explorar o Trabalho – e por isso mesmo constitui obstáculo ao livre desenvolvimento de cada um e de todos os seres humanos. O conteúdo concreto da liberdade que reivindicamos, hoje, consiste na libertação dos proletários do trabalho assalariado, na libertação dos povos da dominação imperialista. Libertar as forças produtivas do espartilho da propriedade privada é a chave para uma efectiva liberdade do ser humano.

                                 Acção de massas, luta por reformas, luta revolucionária


 A luta política no quadro do sistema democrático burguês faz parte das nossas tarefas diárias, não por acreditarmos que ele possa ser aperfeiçoado, ou reformado, mas por considerarmos que é através da luta política que o proletariado se organiza como classe capaz de defender os seus interesses de agora e futuros – por melhores condições de vida e pelo socialismo, por uma sociedade sem classes.

Defendemos a luta por conquistas imediatas para as massas trabalhadoras não como um fim que se esgote em si mesmo, não apenas como uma forma absolutamente necessária de obter melhores condições de vida – mas por ser essa a via prática pela qual os trabalhadores confrontam o sistema de exploração, percebem os seus limites e chegam à necessidade de lhe pôr fim.

Partilhamos a ideia de que os sindicatos, além de serem as principais organizações de massas de resistência diária à exploração, são uma escola de socialismo na medida em que levem a cabo uma luta de classe contra o Capital.

Combatemos o desprezo pelo movimento sindical que se difundiu entre muitos trabalhadores e correntes políticas de esquerda. O reformismo que o invadiu, a colaboração de classes, a burocratização de dirigentes e de quadros intermédios, a ineficácia das negociações baseadas na crença de manter um pacto social Capital-Trabalho que não existe – contribuíram para isso. Mas desprezá-lo seria um erro fatal para a luta de massas anticapitalista.

A crise capitalista veio agravar as desigualdades de que são vítimas as mulheres. Desemprego em maior percentagem, salários mais baixos, piores condições de vida, aumento da violência sexual e familiar – mostram que os direitos formais de que gozam as mulheres não se traduzem, principalmente entre as mulheres trabalhadoras, numa efectiva igualdade em relação aos homens.

A luta das mulheres pela igualdade não é apenas um movimento entre outros. Trata-se neste caso da maioria da espécie humana, para mais maciçamente proletarizada e a viver em condições de exploração que ultrapassam as dos homens. A libertação das mulheres não é apenas mais um auxiliar da luta social: a entrada das mulheres em pleno na luta social transformará por completo as forças e as perspectivas do combate pelo socialismo.

 Nos últimos anos, massas de milhares de jovens até há pouco alheios à política saíram à rua contra o sistema social. Avessas aos conselhos do poder para que os protestos se situem nas margens da ordem e não ponham em causa o regime político ou o sistema económico, as manifestações de jovens levantam as suas exigências de trabalho e de vida digna, esboçam actos de solidariedade internacional e ousam enfrentar as forças repressivas. 

Apesar da débil estrutura do movimento, da mistura de interesses de classe que expressa, da falta de experiência política – as razões da revolta dos jovens falam mais alto que tudo isso: são elas o desemprego crónico, a falta de perspectivas de vida, a noção crescente de que o capitalismo não tem melhor a dar, e a evidência de que o poder político está ao serviço deste estado de coisas.

Este movimento é um sinal de mudança: significa uma alteração na balança das forças sociais e um reforço decisivo para a luta colectiva. A sua convergência com o movimento laboral é o caminho para que a resistência da população trabalhadora tenha sucesso.

 A multiplicação de movimentos de contestação – de jovens, de ambientalistas, de minorias – mostram que o sistema capitalista é factor de desconchavo da vida colectiva e se torna incapaz de dar satisfação às exigências colocadas por diversos estratos sociais. Por si sós, muitos desses movimentos dispersam as suas energias sem resultados palpáveis ou são isolados e absorvidos pelo sistema. Sem pôr em causa o sentido específico de cada um deles, acreditamos que será a luta anticapitalista que lhes pode dar força e rumo eficaz. Será esse o cimento capaz de os aglutinar em corrente e de lhes potenciar as capacidades próprias.

Pilhagem brutal dos pobres pelos ricos, corrupção crescente, as instituições tornam-se mais reaccionárias e autoritárias, submissão ao grande capital europeu, envolvimento nas guerras imperialistas – são estes os traços do rumo político do país.

De governo em governo, o ataque aos trabalhadores foi sempre aumentando. Não obstante a resistência materializada em greves, protestos e manifestações, apesar do esforço de militantes e activistas, a situação não pôde ser invertida até à data – o que contribuiu para espalhar a ideia de que não há alternativa à força impessoal do capitalismo.

 A actual correlação de forças entre Trabalho e Capital coloca em causa a acção tradicional da esquerda de conformar a luta dos trabalhadores aos limites da ordem vigente. Não está à vista, com efeito, a possibilidade de eleger, no actual “Estado de direito democrático”, um governo que defenda os trabalhadores. Mesmo fazendo apelo ao sentimento de unidade das massas populares, não será a aposta numa solução parlamentar, no quadro das instituições, que por si conseguirá alterar a balança das forças políticas e sociais. 

Para poder tomar medidas contra o grande capital, rejeitar o rumo ditado por Bruxelas, desvincular o país das guerras da NATO, deter a fascização das instituições, o movimento popular precisa de romper o bloqueio que o tem limitado: a sua sujeição voluntária à ordem capitalista.

Para poder travar a ofensiva do capital e ter hipóteses de inverter o rumo político do país, a luta de massas tem de ter por alvo o sistema capitalista. Para isso é preciso renovar o interesse dos trabalhadores pela política, renovar a convicção de que só pela sua intervenção as condições da sua vida poderão mudar. Colocar a luta de classes no centro da acção, contrapondo os interesses próprios dos trabalhadores aos interesses da burguesia capitalista, é o factor indispensável para estimular e dar rumo à resistência de massas.

                                                 Unidos contra a austeridade


 As medidas de austeridade dos últimos quatro anos têm-se mostrado sucessivamente mais graves e incapazes de qualquer melhoria económica. Por baixo das miragens de um crescimento futuro está uma realidade muito mais crua: o Capital leva a cabo uma política de esmagamento das classes trabalhadoras.

Para além da descida dos salários, da precarização do emprego e da privatização das empresas públicas, os grandes alvos da política capitalista são o desmantelamento da Segurança Social, do Serviço Nacional de Saúde e do Ensino público. Tudo sectores que o capital privado ambiciona, a coberto de cortar na “despesa” do Estado.

 Este ataque não pode ser travado com tentativas de concertação. Será possível fazer recuar o patronato, o Governo e a Troika, se do lado dos trabalhadores forem reunidas as forças sociais dispostas a obrigar o Capital a pagar a crise. A resposta à crise do capitalismo não está na habilidade das soluções propostas, mas na força colocada no confronto de classes.

É preciso incentivar a disposição de luta e rejeitar toda a chantagem sobre os perigos de "convulsão social".

Com o argumento da ordem e do civismo, as classes dominantes pretendem assegurar as condições para continuarem a esmagar os de baixo. Contra isso, é preciso unir todas as forças que se juntam à luta de massas e declarar a legitimidade da luta social em todas as suas formas.

Os sindicatos têm um papel primordial na missão de unir todos os trabalhadores na defesa dos seus interesses: vincando o sentido de classe das reivindicações, promovendo o papel activo das bases, incentivando a participação democrática em assembleias para decidir formas de luta, prestando solidariedade aos trabalhadores das empresas em luta, dando especial apoio aos precários, aos imigrantes, às mulheres.

 Importa desenvolver a acção unitária contra o desmantelamento dos serviços sociais, as privatizações e a montagem do Estado policial.

Importa ainda avançar no sentido da coordenação das lutas económicas e políticas do proletariado à escala europeia contra a União Europeia capitalista, estabelecendo relações internacionalistas com organizações de outros países, particularmente as de Espanha.

As grandes manifestações realizadas em Setembro de 2012 demonstraram que a miragem de aceitar sacrifícios em nome do futuro está a desfazer-se. Um número crescente de trabalhadores aponta o dedo ao Governo e à Troika, rejeita a austeridade e reclama um novo rumo político. Importa que esta ideia de mudança ganhe cada vez mais apoios.

A continuidade deste movimento de protesto, o seu alargamento a novos sectores da população, a  rejeição plena das medidas de austeridade e anti-laborais é portanto essencial para derrotar as forças que aprovaram e que aplicam o programa da burguesia portuguesa e da Troika.

O que há  de novo na situação actual não é o fracasso das metas do governo nem o reforço das medidas de austeridade – é a resposta maciça que lhes foi dada nas ruas. Foi isso que contribuiu para isolar o Governo. É isso que pode bloquear a política de austeridade e a derrota da ofensiva capitalista.

Manifestação operária unitária contra a Nato e o desemprego: Em 7 de Fevereiro de 1975

O início do ano de 1975 marca, de forma indelével, uma radicalização da luta de classes e das lutas do proletariado, por este ter atingido um maior nível de consciencialização e de organização activa. Vários factores tinham contribuído para isso. O desemprego, devido a sabotagem económica maciça e falências fraudulentas, tinha atingido elevados níveis a partir do último terço do ano de 1974, o que acelerou as formas de luta dos operários, camponeses e trabalhadores contra o capitalismo, os monopólios e os latifúndios.
A questão da unicidade sindical atravessou e flamejou todo o mês de Janeiro, num aceso debate fracturante. Este período marcou ainda,  uma vaga de ocupações de casas desabitadas e de terras agrícolas e agudização das lutas operárias e do movimento grevista pela defesa dos postos de trabalho, culminando numa onda de ocupações de empresas.
Nas costas portuguesas, numa nítida manobra de demonstração de exuberante força provocatória e intimidatória, uma esquadra naval da OTAN/NATO fazia manobras militares e anunciava para breve a chegada ao porto de Lisboa, facto que provocou uma febril reacção no espectro político revolucionário. Depois de alguns adiamentos, a esquadra da NATO entrou no Tejo a 2 de Fevereiro. Eis, aqui, em linhas gerais, os motivos que levaram a reunião de delegados dos trabalhadores da Inter-Comissões de Empresas da Cintura Industrial de Lisboa a convocar uma marcha de protesto contra a presença da armada da Organização do Tratado do Atlântico Norte, para o dia 7 de Fevereiro de 1975.
Imediatamente proibida pelo lacre do Governo Provisório, de coligação do PPD, PS e PCP, a manifestação contou, de pronto, com substancial adesão de 38 comissões de trabalhadores, à cabeça das quais encontravam-se a Efacec-InelAppliedAutomátic de CorroiosCergalCTTLisnaveMelkaMessa,PfizerSetenaveTAPXavier de Lima e o apoio de diversas estruturas políticas, de empresas e de moradores. Já antes, a 26 de Janeiro, milhares de pessoas tinham desfilado contra o desemprego e a presença da OTAN no nosso País, entre o Terreiro do Paço e a Praça de Londres, um ensaio proveitoso.
Depois da interdição ordenada pelos arautos da governança, o prestimoso governador civil do distrito de LisboaMário Bruxelas, que era igualmente maioral do MDP/CDE, faz saber em aviso datado de 5 de Fevereiro, que proíbe «qualquer manifestações públicas» entre 7 e 12 de Fevereiro, a fim de ilegalizar a manifestação operária unitária contra o desemprego.
Apesar da expressa proibição, entre os dias 2 e 6 de Fevereiro de 1975, distintas organizações partidárias anunciam que mantêm a convocatória para a “Manifestação Unitária Contra o Desemprego”: a Frente Eleitoral de Comunistas (Marxistas-Leninistas), o Movimento de Esquerda Socialista, o Partido Revolucionário do Proletariado, o Partido de Unidade Popular e a União Democrática Popular. O Secretariado da Organização Regional de Lisboa do MES divulga, então, um comunicado intitulado “Todos à Manifestação de Sexta-Feira, Dia 7, Contra o Desemprego!”, onde «denuncia» o «silêncio que os meios de informação têm feito quanto a esta movimentação operária e anticapitalista»
Porém, antecipando-se à interdição imposta pelo Governo, a Comissão Política do Comité Central do Partido Comunista Português toma posição pública a 4 de Fevereiro de 1975, através duma Nota de Imprensa, na qual evoca a sua «particular autoridade» para acentuar que devido à «complexa situação nacional e internacional, seria particularmente perigosa para a jovem democracia portuguesa uma política precipitada e aventureirista em relação à NATO» e que a manifestação tinha «carácter provocatório em que a reacção estaria altamente interessada», pois «a intenção dessas manifestações parece ser provocar perigosos confrontos» com os «marinheiros da NATO». Dois dias volvidos, a 6 de Fevereiro, o PCP reforça a intenção em condenar a manifestação operária contra o desemprego e contra a OTAN, devido ao seu «carácter provocatório», tendo, também o dirigente Octávio Pato reforçado os remoques acusativos e torpes insinuações através da TV contra «grupos provocatórios pseudo-revolucionários» apoiados «pela reacção internacional».
PS igualmente verberou a intenção dos manifestantes e o Secretariado da União dos Sindicatos do Sul, estrutura da Intersindical Nacional, em Santa Aliança torpedeou vilmente os organizadores como sendo«provocadores» a fazer «o jogo da reacção», num descaramento abominável comparando-a à «maioria silenciosa» do 28 de Setembro!(manifestação fascista abortada graças a esta movimentação operária) O absurdo não tem, nem tinha, limites!
Apesar de tanta e exacerbada oposição nada impediu a classe operária de aparecer em massa, calculada em 40.000 trabalhadores, segundo A CAPITAL, ou em 80.000 nas contas do DIÁRIO DE LISBOA. Assim ou assado, a manifestação foi enorme, tendo em conta a vergonhosa campanha e a sabotagem a que foi sujeita, pois «a proibição governamental, a contrapropaganda, o dispositivo militar de prevenção nada puderam contra a determinação de dezenas de milhares de trabalhadores».
Partindo da concentração no Terreiro do Paço, o desfile cerrado durou cinco longas e emocionantes horas,«em filas solidamente organizadas». Após passagem pela Rua Augusta e Rossio, o cortejo seguiu Avenida da Liberdade acima. Porém, na Praça do Marquês de Pombal foi barrado pelos cordões duma força de intervenção dos comandos, equipada com carros de combate e metralhadoras aperradas para reprimir os manifestantes, que ali vedava o acesso à Avenida do Duque de Loulé, onde então ficava a embaixada norte-americana.
Momentos de imensa tensão esvoaçavam no ar, os operários à frente trajados com fato-macaco e capacete a forçar ordeiramente o caminho, sem vacilar e a vozear uníssonas palavras de ordem: «P’RA FRENTE, NINGUÉM RECUA, EM FRENTE!» e «SOLDADOS E MARINHEIROS SÃO FILHOS DO POVO». Perante tão firme disciplina, força, combatividade e enorme determinação, «quando tudo parecia anunciar uma confrontação violenta e trágica», um major do COPCON acabou por mandar afastar os “chaimites” e abrir caminho, reconhecendo que «os trabalhadores tinham o direito de fazer a manifestação». Estava vencida a primeira etapa! Junto da embaixada americana, guardada pela GNR e tropas, as palavras de ordem ecoaram em vibrante uníssono, «FORA A NATO, INDEPENDÊNCIA NACIONAL!»«VIVA A CLASSE OPERÁRIA!».
O ponto máximo ocorreu na Praça de Londres, junto ao Ministério do Trabalho, onde nova força militar vedava o acesso e ameaçava cumprir as ordens repressivas emanadas dos gabinetes. Minutos de grande tensão a pairar no ar e, então, aconteceu dos momentos mais magníficos e exaltantes. Os militares enviados para reprimirem a massa compacta de gente, puseram as armas em posição de descanso b«o cano das espingardas G3»“aderiram” à manifestação de punho erguido no ar, solidários com o povo trabalhador, saúdam os manifestantes, numa explosão impressionante: «SOLDADOS E MARINHEIROS TAMBÉM SÃO EXPLORADOS»«VIVA A CLASSE OPERÁRIA». Indescritível, só visto e sentido! Seguiu-se o comício com empolgantes intervenções de operários das comissões de trabalhadores, reforçado por palavras de ordem especialmente elucidativas: «TRABALHO SIM, DESEMPREGO NÃO»«GREVE SIM, LOCK-OUT NÃO»,«NÃO AO DESEMPREGO, ABAIXO O CAPITALISMO». Passava da meia-noite quando tudo terminou, depois de «uma noite desanuviada e luminosa» com cinco horas de «disciplina proletária» pelas ruas da capital.

A manifestação foi, essencialmente, um poderoso grito de revolta contra o desemprego, o capitalismo, o imperialismo e uma grande vitória da classe operária. Desbaratou tão-somente a proibição do Governo capitulacionista, a interdição do governo civil, as calúnias e mentiras da central sindical, a campanha difamatória, a condenação formal do PSPCP e MDP e duas colunas militares enviadas para reprimi-la, tudo isto com um número particularmente elevado de participantes.
Marca também uma afirmação indiscutível duma corrente operária revolucionária. Apesar dos poderosíssimos boicotes, sem a cobertura dos meios de comunicação, à margem do aparelho político-sindical reformista, provou ser possível mobilizar a classe operária e organizar uma corrente revolucionária, com posições políticas de vanguarda. Pela primeira vez, a luta da classe operária não se limitava aos aspectos económicos e sindicais, mas tinha, isso sim, um elevado cariz político. Significativo, também, a adesão entusiasta dos soldados, fruto talvez do ocaso, mas também dum certa influência em sectores das forças armadas.
Para terminar, vamos ouvir a palavra insuspeita dum observador (Avelino Rodrigues, Cesário Borga, Mário Cardoso, Portugal Depois de Abril, 1976, p. 118):

«Esta manifestação veio comprovar também, e de forma espectacular, que o Partido Comunista não dominava por completo as massas trabalhadoras; que havia igualmente movimentos operários próximos de posições de extrema-esquerda que não estavam dispostos a seguir uma política que consideravam revisionista e, por isso, propunham alternativas revolucionárias para combater o fascismo e o capitalismo. Demonstraram amplamente que eram uma força real e não uma “minoria silenciosa”, epíteto com que o Partido Comunista denegriu a manifestação».

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

V. I. Lénine : As lições da Revolução



Decorreram cinco anos desde que, em Outubro de 1905, a classe operária da Rússia desferiu o primeiro golpe poderoso na autocracia tsarista. Nessas grandes jornadas, o proletariado ergueu milhões de trabalhadores para a luta contra os seus opressores. Conquistou para si, em alguns meses de 1905, melhorias que os operários haviam esperado em vão das «autoridades» durante dezenas de anos. O proletariado conquistou para todo o povo russo, embora por um breve período, a liberdade de imprensa, de reunião e de associação, nunca vista na Rússia. Varreu do seu caminho a falsificada Duma de Bulíguine, arrancou ao tsar o manifesto sobre a constituição e tornou impossível de uma vez para sempre governar a Rússia sem instituições representativas.

As grandes vitórias do proletariado revelaram-se meias vitórias porque o poder tsarista não foi derrubado. A insurreição de Dezembro terminou com uma derrota e a autocracia tsarista começou a retirar uma após a outra as conquistas da classe operária à medida que enfraquecia a luta de massas. Em 1906 as greves operárias e as agitações dos camponeses e dos soldados foram muito mais fracas que em 1905, mas no entanto foram ainda muito fortes. O tsar dissolveu a primeira Duma, durante a qual a luta do povo começou de novo a desenvolver-se, mas não ousou modificar imediatamente a lei eleitoral. Em 1907 a luta dos operários enfraqueceu ainda mais, e o tsar, dissolvendo a segunda Duma, realizou um golpe de Estado (3 de Junho de 1907); ele violou todas as suas promessas soleníssimas de não promulgar leis sem o acordo da Duma e modificou a lei eleitoral de modo a que a maioria na Duma fosse sem falta alcançada pelos latifundiários e capitalistas, pelo partido das centúrias negras e seus serventuários.

Tanto as vitórias como as derrotas da revolução deram grandes lições históricas ao povo russo. Ao celebrar o quinto aniversário de 1905, procuraremos esclarecer o conteúdo principal dessas lições.

A primeira e fundamental lição é que só a luta revolucionária das massas é capaz de obter melhorias minimamente sérias na vida dos operários e na direcção do Estado. Nenhuma «simpatia» dos homens instruídos para com os operários, nenhuma luta heróica de terroristas isolados, podiam minar a autocracia tsarista e a omnipotência dos capitalistas. Só a luta dos próprios operários, só a luta conjunta de milhões podiam fazê-lo, e quando essa luta enfraqueceu, imediatamente se começou a retirar aquilo que os operários haviam conquistado. A revolução russa confirmou aquilo que se canta na canção internacional dos operários:
«Ninguém nos trará a salvação nem deus, nem rei, nem herói; conquistemos nós a libertação com as nossas próprias mãos.»

A segunda lição é a de que não basta minar, limitar o poder tsarista. É preciso suprimi-lo. Enquanto o poder tsarista não for suprimido, as concessões do tsar serão sempre precárias. O tsar fazia concessões quando a pressão da revolução se intensificava e retirava todas as concessões quando a pressão enfraquecia. Só a conquista da república democrática, o derrube do poder tsarista, a passagem do poder para as mãos do povo, pode libertar a Rússia da violência e da arbitrariedade dos funcionários, da Duma das centúrias negras e dos outubristas, da omnipotência dos latifundiários e dos seus servidores no campo. Se as infelicidades que sofrem os camponeses e os operários se tornaram hoje, depois da revolução, ainda mais pesadas do que antes, isso foi o preço a pagar pelo facto de a revolução ter sido fraca, de o poder tsarista não ter sido derrubado. O ano de 1905, e depois as duas primeiras Dumas e a sua dissolução ensinaram muito ao povo, ensinaram-lhe antes de mais a luta comum por reivindicações políticas. O povo, ao despertar para a vida política, exigiu inicialmente concessões à autocracia: que o tsar convocasse a Duma, que o tsar substituísse os antigos ministros por outros, que o tsar «desse» o sufrágio universal. Mas a autocracia não fez nem podia fazer tais concessões. Aos pedidos de concessões a autocracia respondeu com as baionetas. E então o povo começou a tomar consciência da necessidade de lutar contra o poder autocrático. Agora Stolípine e a Duma negra dos senhores tentam ainda com mais força meter, pode dizer-se, essa ideia na cabeça dos camponeses. Tentam metê-la e acabarão por metê-la.

A autocracia tsarista também extraiu uma lição da revolução. Ela compreendeu que não era possível fiar-se na fé dos camponeses no tsar. Ela reforça agora o seu poder através de uma aliança com os latifundiários das centúrias negras e os industriais outubristas. Para derrubar a autocracia tsarista é agora necessária uma arremetida muito mais forte da luta revolucionária de massas do que em 1905.

Será possível essa arremetida muito mais forte? A resposta a essa pergunta conduz-nos à terceira e mais importante lição da revolução. Esta lição consiste em que nós vimos como actuam as diferentes classes do povo russo. Antes de 1905 muitos pensavam que todo o povo aspirava de igual modo à liberdade e queria uma liberdade igual; pelo menos a imensa maioria não tinha qualquer ideia clara do facto de que as diferentes classes do povo russo encaram de maneira diferente a luta pela liberdade e pretendem uma liberdade que não é igual. A revolução dissipou o nevoeiro. Em fins de 1905, e depois também durante a primeira e a segunda Dumas, todas as classes da sociedade russa se actuaram abertamente. Elas mostraram-se na prática, revelaram quais eram as suas verdadeiras aspirações, por que podiam lutar e com que força, tenacidade e energia eram capazes de lutar.

Os operários das fábricas, o proletariado industrial, travou a luta mais resoluta e mais tenaz contra a autocracia. O proletariado iniciou a revolução pelo 9 de Janeiro e pelas greves de massas. O proletariado levou a luta até ao fim, erguendo-se para a insurreição armada em Dezembro de 1905 em defesa dos camponeses que eram fuzilados, agredidos, torturados. O número de operários grevistas em 1905 foi de cerca de três milhões (e com os ferroviários, os funcionários dos correios, etc., atingiram certamente os quatro milhões), em 1906, um milhão e em 1907 ¾ de milhão. O mundo nunca vira um movimento grevista tão forte. O proletariado russo mostrou as enormes forças contidas nas massas operárias quando amadurece uma crise verdadeiramente revolucionária. A onda de greves de 1905, a maior do mundo, estava ainda longe de ter esgotado todas as forças de combate do proletariado. Por exemplo, na região industrial de Moscovo havia 567 000 operários fabris e 540 000 grevistas e na de Petersburgo 300 000 operários fabris e um milhão de grevistas. Isto significa que os operários da região de Moscovo estão ainda longe de haver desenvolvido uma tenacidade tão grande na luta como os de Petersburgo. E na gubérnia da Liflândia  (cidade de Riga), para 50 000 operários houve 250 000 grevistas, isto é, cada operário fez greve, em média, mais de cinco vezes em 1905. Presentemente, em toda a Rússia existem pelo menos três milhões de operários industriais, mineiros e ferroviários, e este número aumenta todos os anos; com um movimento tão forte como o de Riga em 1905, eles poderiam apresentar um exército de 15 milhões de grevistas.

Nenhum poder tsarista resistiria perante uma tal arremetida. Mas toda a gente compreende que semelhante arremetida não pode ser suscitada artificialmente, segundo a vontade dos socialistas ou dos operários de vanguarda. Tal arremetida só será possível quanto todo o país for dominado pela crise, pela indignação, pela revolução. Para preparar essa arremetida é preciso atrair para a luta as camadas mais atrasadas dos operários, é preciso realizar durante anos e anos um trabalho persistente, amplo, constante de propaganda, agitação e organização, criando e fortalecendo todos os tipos de associações e organizações do proletariado.

Pela força da sua luta, a classe operária da Rússia esteve à frente de todas as outras classes do povo russo. As próprias condições de vida dos operários tornam-nos capazes de lutar e impelem-nos para a luta. O capital reúne os operários em grandes massas nas grandes cidades, une-os, ensina-lhes as acções comuns. A cada passo os operários chocam com o seu principal inimigo – a classe dos capitalistas. Lutando contra esse inimigo, o operário torna-se socialista, chega à consciência da necessidade da completa reorganização da sociedade, da completa supressão de toda a miséria e de toda a opressão. Ao tornarem-se socialistas, os operários lutam com uma coragem indefectível contra tudo aquilo que se lhes atravessa no caminho, e antes de mais contra o poder tsarista e contra os latifundiários feudais.

Os camponeses também se ergueram na revolução para lutar contra os latifundiários e contra o governo, mas a sua luta era muito mais fraca. Calculou-se que a maioria dos operários fabris (até 3/5) participou na luta revolucionária, nas greves, enquanto entre os camponeses sem dúvida apenas uma minoria participou: de certeza não mais de um quinto ou de um quarto. Os camponeses lutaram menos tenazmente, mais dispersos, menos conscientemente, muitas vezes confiando ainda na bondade do paizinho tsar. Em 1905 e 1906 os camponeses a bem dizer apenas assustaram o tsar e os latifundiários. Mas o que é preciso não é assustá-los, o que é preciso é suprimi-los, o que é preciso é varrer da face da terra o seu governo – o governo tsarista. Presentemente Stolípine e a Duma negra dos latifundiários procuram fazer dos camponeses ricos novos agricultores latifundiários aliados do tsar e das centúrias negras. Mas quanto mais o tsar e a Duma ajudam os camponeses ricos a arruinar a massa dos camponeses, mais consciente se torna essa massa, menos ela conservará a fé no tsar, uma fé de escravos, uma fé de homens oprimidos e ignorantes. De ano para ano aumenta no campo o número de operários rurais – eles não têm onde procurar salvação, a não ser numa aliança com os operários das cidades para a luta comum. De ano para ano aumenta no campo o número de camponeses arruinados, depauperados até ao fim, esfomeados – milhões e milhões deles, quando o proletariado urbano se erguer, iniciarão uma luta mais decidida, mais coesa contra o tsar e os latifundiários.

Na revolução participou também a burguesia liberal, isto é, os latifundiários, industriais, advogados e professores liberais, etc. Eles constituem o partido da «liberdade do povo» (democratas-constitucionalistas). Prometeram muito ao povo e falaram muito de liberdade nos seus jornais. Tiveram a maioria dos deputados na primeira e na segunda Dumas. Prometeram alcançar a liberdade «por via pacífica», condenavam a luta revolucionária dos operários e camponeses. Os camponeses e muito dos deputados camponeses («trudoviques» ) acreditaram nessas promessas e humildes e seguiram dócil e submissamente os liberais, mantendo-se afastados da luta revolucionária do proletariado. Nisso consistiu o maior erro dos camponeses (e de muitos citadinos) durante a revolução. Os liberais, com uma das mãos, e mesmo assim muito, muito raramente, ajudavam a luta pela liberdade, mas a outra mão estendiam-na sempre ao tsar, prometendo-lhe manter e reforçar o seu poder, reconciliar os camponeses com os latifundiários, «pacificar» os operários «arrebatados».

Quando a revolução chegou à luta decisiva contra o tsar, à insurreição de Dezembro de 1905, todos os liberais traíram infamemente a liberdade do povo, abandonaram-se a luta. A autocracia tsarista aproveitou essa traição dos liberais à liberdade do povo, aproveitou a ignorância dos camponeses, que em muitos aspectos acreditavam nos liberais, e derrotou os operários insurrectos. E uma vez derrotado o proletariado, nenhuma Duma, nenhuns discursos açucarados dos democratas-constitucionalistas, nenhumas promessas suas, impediram o tsar de suprimir todos os restos de liberdade, de restabelecer a autocracia e o poder absoluto dos latifundiários feudais.

Os liberais foram enganados. Os camponeses receberam uma lição dura mas útil. Não haverá liberdade na Rússia enquanto as amplas massas do povo acreditarem nos liberais, acreditarem na possibilidade de «paz» com o poder tsarista e se mantiverem afastadas da luta revolucionária dos operários. Nenhuma força no mundo impedirá o advento da liberdade na Rússia quando a massa do proletariado das cidades se erguer para a luta, afastar os liberais vacilantes e traidores, conduzir atrás de si os operários rurais e o campesinato arruinado.

E que o proletariado da Rússia se erguerá para essa luta e de novo encabeçará a revolução – garante-o toda a situação económica da Rússia, toda a experiência dos anos da revolução.

Há cinco anos, o proletariado desferiu o primeiro golpe na autocracia tzarista. Para o povo russo brilharam os primeiros raios da liberdade. Agora foi de novo restabelecida a autocracia tzarista, de novo reinam e governam os feudais, de novo por toda a parte violência contra os operários e os camponeses, por toda a parte o despotismo asiático das autoridades, o infame ultraje do povo. Mas as pesadas lições não terão sido em vão. O povo russo já não é o que era em 1905. O proletariado ensinou-o a lutar. O proletariado conduzi-lo-á à vitória.

sábado, 12 de outubro de 2013

A Industrialização Socialista Soviética e o dito "terror" que foi imposto às massas trabalhadoras!

                                                                          Do livro "Um outro olhar sobre Stáline!  de Ludo Martens 

                                                          
  A industrialização socialista 

No final da Guerra Civil, os bolcheviques herdaram um país completamente arruinado, com uma industria devastada por oito anos de operações militares. Os bancos e as grandes empresas foram nacionalizados e, através de um esforço extraordinário, a União Soviética começa a erguer o aparelho industrial.

Em 1928, a produção do aço, carvão, cimento, têxteis e máquinas-ferramentas alcançou ou ultrapassou o nível de antes da guerra.

É então que a União Soviética formula um desafio que parece impossível de realizar: lançar, graças a um plano quinquenal nacional, as bases de uma indústria moderna, contando essencialmente com as forças internas do país. Para o conseguir, o país mobiliza-se para empreender uma marcha forçada rumo à industrialização.

A industrialização socialista é a peça-chave da edificação socialista na União Soviética.Tudo depende do seu êxito. A industrialização deve lançar as bases materiais do socialismo. Permitirá transformar radicalmente a agricultura com recurso a máquinas e a técnicas modernas.Preparará um futuro de bem-estar material e cultural para os trabalhadores. Fornecerá os meios para uma verdadeira revolução cultural. Produzirá a infra-estrutura de um Estado moderno e eficaz.E só ela poderá fornecer ao povo trabalhador armas modernas para defender a sua independência contra as potências imperialistas agressivas.

Em fevereiro de 1931, Stáline explica a necessidade de o país manter ritmos extremamente rápidos para se industrializar: 
«Estamos 50 a 100 anos atrasados em relação aos países mais avançados.Temos de percorrer esta distância em dez anos.

Ou conseguimos fazê-lo ou seremos esmagados.»

Ao longo dos anos 30, os fascistas alemães, tal como os imperialistas franceses e ingleses, pintaram em cores vivas o «terror» que acompanhou a «industrialização forçada».Todos ruminavam a sua vingança da derrota que haviam sofrido em 1918-1921 quando intervieram militarmente na União Soviética. Todos desejavam ver uma União Soviética fácil de pulverizar. Pedindo esforços extraordinários aos trabalhadores, Staline tinha constantemente no seu campo de visão a ameaça terrível da guerra e da agressão imperialista que pairava sobre o primeiro país socialista.

 O esforço gigantesco para industrializar o país nos anos de 1928 a 1932 ficou conhecido como  «a revolução industrial de Staline», título de um livro consagrado a este período por Hiroaki Kuromiya, professor na Universidade de Indiana nos EUA. Fala-se também de uma «segunda revolução» ou de uma «revolução de cima». Com efeito, os revolucionários mais conscientes e enérgicos encontravam-se á frente do Estado e daqui despertaram, mobilizaram, disciplinaram dezenas de milhões de trabalhadores-camponeses mantidos até então nas trevas do analfabetismo e do obscurantismo religioso.Podemos resumir o tema central do livro de Kuromiya ao seguinte: Staline conseguiu mobilizar os operários e os trabalhadores em geral para a industrialização acelerada, apresentando-a como uma guerra de classe dos oprimidos contra as antigas classes exploradoras e contra os sabotadores que surgiram nas suas próprias fileiras.

 Para estar à altura de dirigir o esforço gigantesco da industrialização, o Partido necessitou de alargar as suas fileiras. O número de aderentes passou de 1,3 milhões em 1928 para 1,67 milhões em 1930.
 Durante o mesmo período, a percentagem de membros de origem operária passou de 57 para 65 por cento. Oitenta por cento dos novos recrutados eram  trabalhadores de vanguarda: em geral eram trabalhadores modelo, que ajudavam a racionalizar a produção e obtinham uma alta produtividade. Isto refuta bem a fábula da « burocratização» do Partido stalinista: o Partido reforçou o seu carácter operário e a sua capacidade de combate.

 A industrialização fez-se acompanhar de movimentações extraordinárias. Milhões de camponeses analfabetos foram arrancados da Idade Média e propulsados para o mundo da maquinaria moderna.
 «No final de 1932, a força de trabalho industrial tinha duplicado em relação a 1928, atingindo seis milhões de pessoas.» No mesmo período de quatro anos e para o conjunto dos sectores, 12,5 milhões de pessoas tinham encontrado uma nova ocupação na cidade, 8,5 milhões dos quais eram antigos camponeses.

                                                                            Heroísmo e entusiasmo

Odiando o socialismo, a burguesia compraz-se em sublinhar o carácter «forçado» da industrialização. Mas para aqueles que viveram ou observaram a industrialização socialista do lado das massas trabalhadoras sublinham as seguintes características: heroísmo no trabalho, entusiasmo e combatividade.

 No decurso do promeiro plano quinquenal, Anna Louise Strong, uma jovem jornalista americana ao serviço do jornal soviético Noticias de Moscovo, percorreu o país de lés a lés. Quando em 1956 Khruchov lançou o seu ataque pérfido contra Staline, ela veio a público chamar a atenção para certos factos essenciais. Falando do primeiro plano quinquenal, pronunciou o seguinte julgamento: «Jamais em toda a história um tal progresso foi realizado tão rapidamente.» 

 Em 1929, ano do lançamento do plano, o entusiasmo  das massas trabalhadoras era tal que mesmo um velho especialista da Rússia antiga, que tinha vomitado em 1918 o seu ódio contra os bolcheviques, teve de reconhecer que o país estava irreconhecível.O Doutor Emile Joseph Dillon viveu na Rússia de 1877 a 1914 e leccionou em várias universidades russas. Quando partiu, em 1918, escreveu:

 «No movimento bolchevique não há sinal de uma ideia construtiva ou social.O bolchevismo é o tsarismo ao contrário.Impõe aos capitalistas tratamentos tão maus quanto aqueles que eram reservados pelos tsares aos seus servos.»

  Mas quando Dillon regressa à Rússia, dez anos depois, não acredita nos seus próprios olhos:

  «Por toda a parte o povo pensa, trabalha, organiza-se, faz descobertas científicas e industriais.Nunca se testemonhou nada de semelhante, nada que se lhe aproxima-se na variedade, na intensidade, na tenacidade com que os ideais são perseguidos. O ardor revolucionário consegue demover obstáculos colossais e fundir elementos heterogénios num único grande povo; com efeito, não se trata de uma nação, no sentido do velho mundo, mas de um povo forte, cimentado por um entusiasmo quase religioso.

  Os bolcheviques têm realizado muito do que proclamaram e mais do que parecia realizável por qualquer organização humana nas difíceis condições em que têm operado. Mobilizaram mais de 150 milhões de seres humanos apáticos, mortos-vivos, e insuflaram-lhes um espírito novo.»

  Anna Louise Strong recorda-se de como os milagres da industrialização foram realizados.

  «A fábrica de tractores de Khárkov tinha um problema. Fora construída «fora do plano.» (Em 1929), os camponeses afluíram às explorações colectivas mais rapidamente do que o previsto. Não era possível satisfazer a procura de tractores.
  Khárkov, orgulhosamente ucraniana, decide construir sua própria fábrica fora do plano. Todo o aço, os tijolos, o cimento e a força de trabalho disponíveis já estavam atribuídos por cinco anos.Khárkov só poderia obter o aço de que precisava se convencesse algumas empresas siderúrgicas a produzirem «acima do plano.»
«Para suprir a falta de braços, dezenas de milhares de pessoas, empregados, estudantes, professores, faziam trabalho voluntário durante os seus dias livres.«Todas as manhãs, às seis e meia, víamos chegar um comboio especial», dizia M.Raskin, engenheiro americano destacado em Khárkov.« Vinham com bandeiras e charangas, todos os dias chegava um grupo diferente, mas eram sempre alegres».Metade do trabalho não especializado foi efectuado por voluntários»

  Em 1929, a colectivização tinha alcançado uma extensão imprevista. A fábrica de tractores de Khárkov não foi a única «correção» ao plano. A fábrica Putílov, de Leninegrado, tinha produzido 1.115 tractores  em 1927 e 3.050 em 1928.Após acaloradas discussões na fábrica, foi aprovado um plano de dez mil tractores para 1930! Foram entregues exactamente 8935.

  O milagre da industrialização numa década foi na verdade influenciado pelas transformações que se produziam nos meios rurais atrasados, mas também pelo aumento da ameaça da guerra.

  A Siderurgia de MagnitogorsK foi concebida para produzir 656 mil toneladas por ano. Contudo, em 1930, foi elaborado um plano para elevar a produção para 2,5 milhões de toneladas. Porém, os planos de produção de aço não tardariam de novo a ser revistos em alta: em 1931, o exército japonês ocupou a Manchúria e colocou sob ameaça as fronteiras siberianas! No ano seguinte, os nazis no poder em Berlim ostentam as suas pretensões sobre a Ucrânia. John Scott, engenheiro americano na altura em Magnitogorsk, recorda os esforços heróicos dos trabalhadores e a sua importância decisiva para a defesa da União Soviética.

 «Em 1942, a região industrial dos Urais torna-se o coração da resistência soviética. As suas minas,entrepostos, os seus campos e florestas fornecem ao Exército Vermelho enormes quantidades de material e todos os produtos necessários ao abastecimento das divisões motorizadas de Stáline. No centro da imensa Rússia, um quadrado de 800 quilómetros continha imensas riquezas em ferro, carvão, cobre, alumínio, chumbo, amianto, magnésiop, potássio, ouro, prata, zinco e petróleo. Antes de 1930 estes tesouros mal haviam sido explorados. Nos dez anos seguintes construíram-se fábricas que não tardaram a entrar em actividade. Tudo isto deveu-se à sagacidade política de Ióssif Stáline, à sua perseverança e tenacidade. Conseguira quebrar toda a resistência à realização do seu programa, não obstante as despesas fantásticas e as dificuldades inauditas que surgiram. A sua prioridade era criar um potencial industrial pesado. Situou-o nos Urais e na Sibéria, a milhares de quilómetros da fronteira mais próxima, fora do alcance de qualquer inimigo. Por outro lado, a rússia precisava de tornar-se independente do estrangeiro em quase todo o tipo de fornecimentos, desde borracha e produtos químicos a ferramentas, tractores, etc.. Deveria produzir tudo isso sózinha, assegurando assim sua independência técnica e militar.

  «Bukhárine e vários outros antigos bolcheviques não eram desta opinião. Antes de se lançar um programa de industrialização a todo o transe, queriam assegurar o abastecimento do povo. Um após outro, estes dissidentes serão reduzidos ao silêncio. A opinião de Stáline prevalecerá.Em 1932, são destinadas 56 por cento do rendimento nacional russo para estas grandes despesas. Tratava- se  de um esforço financeiro extraordinário.Nos EUA, 70 anos antes, o investimento nas grandes empresas industriais representava apenas 12 por cento do rendimento nacional anual. A maior parte do capital era fornecida pela Europa,enquanto a China, a Irlanda, a Polónia etc.., exportavam a mão-de-obra. A indústria soviética foi criada quase sem recurso ao capital estrangeiro»

  A vida dura, os sacrifícios da industrialização foram aceites pela maioria dos trabalhadores com convicção e com plena consciência.

Esforçavam-se arduamente, mas faziam-no pela sua própria causa, por um futuro de dignidade e de liberdade para todos os trabalhadores. Hiroaki Kuromiya faz este comentário: « Por paradoxal que possa parecer, a acumulação forçada não mera apenas uma fonte de privações e de perturbação, mas também de heroísmo soviético.Nos anos 30, a juventude soviética protagonizou o heroísmo no trabalho em estaleiros de construção e em fábricas como em Magnitogorsk e em Kuznetsk.»

«A industrialização acelerada do primeiro plano quinquenal simbolizava o objectivo grandioso e dramático da construção de uma nova sociedade. Num cenário de depressão e desemprego maciço no Ocidente, a marcha da industrialização soviética invocava esforços heróicos, românticos, entusiastas e «sobre-humanos». «A palavra entusiasmo, como muitas outras, foi desvalorizada pela inflação», escreveu Iliá Erenburg,« e no entanto não há outra para o descrever as jornadas do primeiro plano quinquenal; foi pura e simplesmente o entusiasmo que inspirou os jovens para actos de bravura quotidianos e não espectaculares». Segundo outro contemporâneo, esses dias foram « realmente um tempo romântico e inebriante(...).As pessoas criavam com as suas próprias mãos aquilo que antes parecia ser um sonho, e estavam convencidas de que aquele plano de sonho eram uma coisa absolutamente realizável».

                                                                                  Uma guerra de classe

Kuromiya mostra que Stáline apresentou a industrialização como uma guerra da classe dos oprimidos contra as antigas classes exploradoras.Esta é uma ideia justa. Todavia, à força de obras literárias e históricas, somos levados a identificar-nos com aqueles que foram reprimidos durante as guerras de classe chamadas industrialização e colectivação. Dizem-nos que a repressão é «sempre desumana» e que não é  permitido a uma nação civilizada fazer mal a um grupo sociaç, mesmo que seja explorador ou assim considerado.

 O que podemos objectar a este argumento pretensamente humano? Como foi realizada a industrialização do «mundo civilizado»? Como criaram a sua base undustrial os nossos banqueiros e capitães de industria londrinos e parisienses? A sua industrialização teria sido possível  sem a pilhagem do ouro e da prata dos reis indígenas? 

Pilhagem que foi acompanhada de extermínio de 60 milhões de indígenas nas Américas. Teria sido possivel sem a sangria monstruosa praticada em África, a que se chamou de tráfico de negros? Especialistas da UNESCO calculam as perdas africanas em 210 milhões de pessoas, assassinadas durante as incursões, mortas em viagem, vendidas como escravos. A nossa industrialização teria sido possível sem a colonização, que tornou povos inteiros prisioneiros na sua própria terra natal?

 E esses, que industrializaram este pequeno canto do mundo chamado Europa à custa de dezenas de milhões de mortos «indígenas», dizem-nos que a repressão bolchevique contra as classes possidentes foi uma abominação?! Os mesmos que industrializaram os seus países expulsando os camponeses das suas terras a tiro de espingarda, que massacraram mulheres e crianças forçando-as a jornadas de trabalho de 14 horas, que impuseram aos operários o trabalho forçado, ameaçando-os com o desemprego e a fome, invectivam em longos livros a industrialização «forçada» na União Soviética?

  Se a industrialização soviética foi decerto realizada mediante repressão contra os cinco por cento de ricos e de reaccionários, a industrialização capitalista nasceu do terror exercido por cinco por cento de abastados contra o conjunto das massas trabalhadoras do seu próprio país e dos países dominados.

 A Industrialização foi uma guerra de classe contra as antigas classes exploradoras que tudo fizeram para impedir o êxito da experiência socialista. Foi uma luta travada, inclusive, no seio da própria classe operária: camponeses analfabetos foram arrancados do seu mundo tradicional e precipitados na produção moderna, levandoconsigo todos os seus preconceitos e concepções retrógradas. Kulaques empregavam-se em estaleiros d construção para se dedicarem à sabotagem. Na própria classe operária, habituada a ser explorada por um patrão e a resistir-lhe, subsistiam antigos reflexos que demoraram a ceder lugar á nova atitude no trabalho, agora que os trabalhadores eram os donos da sociedade.

 A este propósito, dispomos de um testemunho muito vivo sobre a luta de classes no interior das fábricas  soviéticas, redigido pelo engenheiro americano John Scott, que trabalhou durante longos anos em Magnitogorsk. Scott não é comunista e critica frequentemente o sistema bolchevique.Mas, relatando o que viveu nesta empresa de grande alcance estratégico que foi o complexo de Magnitogorsk, dá-nos a conhecer vários problemas essenciais com os quais Stáline se defrontou.

  Scott descreve-nos a facilidade com que um contra-revolucionário, que havia servido nos exércitos brancos, mas que deu provas de dinamismo e inteligência, pôde fazer-se  passar por um elemento proletário e trepar os degraus do Partido. A sua narrativa mostra também que a maior parte dos contra-revolucionários activos eram possíveis espiões das potências imperialistas. Não era nada fácil distinguir os contra-revolucionários conscientes dos burocratas corrompidos e dos «seguidistas» que procuravam simplesmente vida fácil.

  Scott mostra-nos que a depuração de 1937-38 não foi de modo nenhum um processo puramente «negativo» como costuma ser apresentado no Ocidente: foi, sobretudo, uma grande mobilização politica de massas que reforçou a consciência antifascista de todos os trabalhadores, que permitiu um desenvolvimento considerável da produção industrial. A depuração fez parte da preparação em profundidade das massas populares para a resistência contra as intervenções imperialistas que se seguiriam.

Eis o testemunho de John Scott sobre Magnitogorsk:

«Em 1936 Chevchenko dirigia as fábricas a gás e so seus dois mil operários. era um homem ríspido, extremamente enérgico e orgulhoso, frequentemente rude e vulgar. No entanto, Chevchenko não era um mau director. Os operários respeitavam-no e esforçavam-se por obedecer ás suas ordens. Chevchenko vinha de uma pequena vila ucraniana. Em 1920, quando o exército branco de Dénikine ocupava o país, o jovem Chevchenko - tinha então 19 anos - foi recrutado como policia. Mais tarde, Dénikine foi repelido e o Exército Vermelho retomou o país.

 «O instinto de conservação levou Chevchenko a renegar o seu passado, a emigrar para outra parte do país onde se empregou numa fábrica. Graças á sua energia e actividade, o antigo policia, instigador de pogroms, transformou-se com uma rapidez extraordinária num funcionário do sindicato com qualidades promissoras. Fazendo gala de um grande entusiasmo proletário, trabalhava bem e não olhava a meios para progredir na carreira, mesmo que fosse á custa dos seus camaradas.

  « Depois entrou no Partido, frequentou o instituto dos Dirigentes Vermelhos, obteve diversos postos importantes na direcção dos sindicatos e, em 1931, é finalmente enviado para Magnitogorsk como assistente do director de construções.

  «Em 1935, um operário oriundo de uma qualquer pequena cidade ucraniana conta alguns factos relativos às actividades de Chevchenko em 1920. Chevchenko suborna-o e oferece-lhe um bom lugar. Mas as conversas fazem o seu caminho. Uma noite, chevchenko ofereceu uma festa como nunca se tinha visto em Magnitogorsk. O dono da casa e os convidados, fazendo honras às vitualhas, regalaram-se durante toda a noite e uma parte da noite seguinte.

 «Um belo dia, Chevchenko foi destituído juntamente como meia dúzia de subordinados directos. Quinze meses mais tarde, Chevchenko foi julgado e condenado a dez anos de trabalhos forçados. Chevchenko era um semibandido, um oportunista desonesto, desprovido de qualquer escrúpulo. As suas ideias não tinham qualquer semelhança com as dos fundadores do socialismo. Contudo, não era seguramente um espião ao serviço do Japão, como os juízes alegaram;não alimentava qualquer intenção terrorista contra o governo e os líderes do Partido; enfim, não havia provocado deliberadamente  a explosão (ocorrida em 1935 e que causou a morte de quatro operários)...

                                                                      Um milagre económico

Durante a industrialização, os trabalhadores soviéticos realizaram milagres económicos que continuam a suscitar admiração.

Korumiya conclui o seu estudo sobre a industrialização stalinista nesses termos: «A ruptura operada pela revolução de 1928-31 lançou as bases da notável expansão industrial dos nos 30 que salvou o país durante a II Guerra Mundial. No final de 1932, o Produto Industrial Bruto tinha mais que duplicado em relação a 1928. À medida que os projectos do primeiro plano quinquenal, um apóa outro, entravam em exploração em meados de 1930, a produção industrial conheceu uma expansão extraordinária. Entre os anos 1934 e 1936, o índice oficial  registou um aumento de 88 por cento da produção industrial bruta.
 Na década de 1927-28 a 1937, a produção industrial bruta aumentou de 18.300 milhões de rublos para 95.500 milhões; a produção de aço passou de 3,3 milhões de toneladas para 14 milhões; o carvão, de 35,4 milhões de metros cúbicos para 128 milhões; a potência eléctrica, de 5,1 mil milhões de quilowatts-hora pra 36,2 mil milhões; a produção de máquinas- ferramentas, de 2098 unidades para 36.120. Mesmo descontando alguns exageros, podemos dizer com segurança que estas realizações provocam vertigem.

 Lénine tinha manifestado a sua confiança na capacidade do povo soviético de construir o socialismo num só país, quando declarou: «O comunismo é o poder soviético mais a electrificação de todo o país».

 Neste sentido, Lénine propôs, em 1920, um plano geral de electrificação que previa nos 15 anos seguintes a construção de 30 centrais eléctricas com uma  potência de 1,75 milhóes de kwh. Ora graças á vontade e á tenacidade de Stáline e da direcção bolchevique, em 1935 a União Soviética dispunha de uma potência de 4,07 milhões de kwh. O sonho temerário de Lénine fora realizado em 233 por cento por Stáline!  Foi a mais cabal refutação de todos os renegados instruídos, que haviam lido algures que a construção do socialismo num só país, além do mais agrícola, era coisa impossível.

A teoria da «impossibilidade do socialismo na URSS» difundida pelos mencheviques e os trotskistas, traduzia unicamente o pessimismo e o espírito de capitulação de uma determinada pequena burguesia.À medida que a causa socialista progredia, só se agudizava o seu ódio pelo socialismo real, essa coisa que não deveria existir.
 O crescimento dos fundos fixos entre 1913 e 1940  oferece uma ideia bastante precisa do esforço incrível realizado pelo povo soviético. A partir de um  índice 100, correspondente ao ano precedente á I Guerra Mundial, os fundos fixos na industria tinham alcançado o nível136, no momento do lançamento do plano quinquenal, em 1928. Em 1940, nas vésperas da II Guerra Mundial, o mesmo índice atingia atingia 1085 pontos, ou seja, houve uma multiplicação por oito em apenas 12 anos.
  Pouco antes da colectivização se iniciar, em 1928, os fundos fixos da agricultura tinham evoluído de 100 para 141, mas em 1940 já tinham alcançado 333 pontos. Durante 11 anos, de 1930 a 1940, a união Soviética conheceu um crescimento médio da produção industrial de 16,5 por cento.
  No decurso da industrialização, o principal esforço foi consagrado à criação das condições para a liberdade e independência da pátria socialista. Em simultâneo, o regime socialista lançou as bases do bem-estar e prosperidade ulteriores. A maior parte do cescimento do rendimento nacional era destinada à acumulação. Não se podia pensar na melhoria do bem estar nacional no imediato. Nesse período, a vida dos operários e dos camponeses era de facto dura.
 O fundo de acumulação passou de 3,6 mil milhões de rublos, em 1928 - o que representava 14,35 por cento do rendimento nacional - para 17,7 mil milhões d rublos, em 1932, ou seja, 44,2 por cento do rendimento nacional! O fundo de consumo, em contrapartida, diminuiu ligeiramente - de 23,1 mil milhões de rublos, em 1930, para 22,3 mil milhões, dois anos mais tarde. Segundo Kuromiya, em 1932, os salários reaís dos operários de Moscovo não atingiam mais do que 53 por cento do seu nível de 1928.
  Enquanto os fundos fixos da industria se multiplicaram por dez, em relação ao período antes da guerra, o índice da construção de habitações apenas atingiu 225 pontos em 1940. As condições de habitação não haviam melhorado.
  Todavia, não é verdade que a industrialização se tenha saldado por  uma «exploração militar-feudal do campesinato», como afirmou Bukhárine: a industrialização socialista, que evidentemente não se podia fazer através da exploração de colónias, foi realizada graças ao sacrifício de todos os trabalhadores, tanto operários como camponeses e intelectuais.
 Stáline era «insensível às terríveis dificuldades da vida dos trabalhadores»? Stáline compreendia perfeitamente que era preciso, primeiro, assegurar a  sobrevivência da pátria socialista e dos seus homens para que dpois fosse possível elevar o nível da vida de forma substancial e duradoura. Construir habitações? Mas os agressores nazis incendiaram e destruiram 1710 cidades e mais de 70 mil aldeias e lugares, deixando 25 milhões de habitantes sem abrigo...
 Em 1921, a União Soviética era um país arruinado, com a sua independência ameaçada por todas as potências imperialistas. Em 20 anos de esforços titânicos, os trabalhadores construiram um país capaz de fazer frente à potência capitalista mais desenvolvida da Europa, a Alemanha hitleriana. Que os antigos e futuros nazis invectivassem a industrialização «forçada» e os «terríveis sofrimentos impostos ao povo», é algo que se compreende. Mas qual o homem consciente da Índia, do Brasil, da Nigéria, do Egipto que não aspira ao sonho?
Depois das respectivas independências, por quantos sofrimentos passou o povo desses países, os seus 90 por cento de trabalhadores? E quem tem tirado proveito desses sofrimentos? Os trabalhadores desses países aceitaram os sacrifícios com plena consciência, como no caso na União Soviética? E os sacrifícios do operário indiano, brasileiro, nigeriano, egipcio têm-lhes permitido pôr de pé um sistema económico independente, capaz de resistir ao imperialismo mais feroz, como o fez o povo soviético nos anos 20 e 30?