domingo, 14 de abril de 2013

Nada ficará como dantes!

Muito boa gente e bem instalada já referiu, e fundamentando-se nos factos, que depois destas “reformas”, alegadamente impostas pela crise económica e financeira (do capitalismo, saliente-se), “nada ficará como dantes”, não haverá regresso ao passado. Entre as fileiras dos bem pensantes, existe igualmente a opinião de que o governo pretende, na realidade, é arranjar dinheiro, segundo o expressivo e velho dito popular, “nem que seja na cabeça de um tinhoso”; pouco importando as tais reformas apregoadas como necessárias para “salvar o país”, sendo a mais referida a “reforma” do estado social. Muitas pessoas, não só dentro da classe média como no seio da massa dos trabalhadores, incluindo funcionários públicos, pensam que, passando a crise, as coisas voltam à normalidade, que os salários voltam a subir, que o desemprego irá diminuir quando a economia começar a crescer, que as carreiras profissionais na administração pública serão descongeladas e se voltará às progressões por antiguidade. Pura ilusão. Nada ficará como dantes. A crise é o resultado de profundas contradições da economia capitalista, presentemente parece ser uma crise que não tem comparação com nenhuma anterior, nem com a de década de trinta do século passado que conduziu à segunda guerra mundial, sendo considerada como uma crise dentro de uma crise mais prolongada e que muito provavelmente irá ditar o fim do próprio capitalismo. Claro que os defensores do establishment contrapõem que o capitalismo já venceu muitas crises graves e que esta será mais outra. Quanto a esta questão, o tempo e os factos serão soberanos. Contudo, ninguém consegue esconder que nesta crise, tal como em anteriores e independentemente das características que reveste (e como já foi analisado há cerca de 140 anos), assiste-se «ao estalar da contradição entre a produção social e a apropriação capitalista, com a circulação de mercadorias a reduzir-se a nada, ou a quase nada, momentaneamente, com o instrumento da circulação, a moeda (no caso, o euro) a converter-se em obstáculo a essa circulação. A colisão económica atinge o seu máximo: a forma de produção vira-se contra a forma de troca, as forças produtivas viram-se contra a forma de produção na qual já não podem conter-se».

A transformação a que estamos assistir em Portugal será semelhante ou maior do que a que teria acontecido se tivesse havido revolução industrial no século XIX. Transformações no campo económico e social, e subsequentemente a nível do regime político. E talvez maior, porque mais rápida e num contexto de globalização (transformação) mundial, razão pela qual não se poder escapar mesmo que quiséssemos ou quanto muito ganhar algum adiamento.

E vamos ver a diferença da crise presente e do que foi visto há 140 anos: «Vimos como a perfeição do maquinismo moderno, levada ao extremo, se transforma, por efeito da anarquia existente na produção social, numa lei coerciva que força o capitalismo industrial a melhorar constantemente os seus instrumentos e a aumentar continuamente a sua força de produção. Para ele, a pura possibilidade real de ampliar o domínio da sua produção transforma-se, igualmente, numa lei coerciva. A colossal força de expansão da grande indústria, ao lado da qual a expansão do gás não passa de uma brincadeira de crianças, apresenta-se-nos, agora, como uma necessidade de extensão, simultaneamente qualitativa e quantitativa, que destrói toda a força oposta. As forças antagónicas são constituídas pelo consumo, pela exportação, pelos mercados para os produtos da grande indústria. A capacidade de extensão qualitativa e quantitativa dos mercados regula-se, todavia, por leis muito diferentes, muito menos enérgicas. A extensão do mercado não pode manter-se a par da extensão da produção. O conflito torna-se inevitável, e como não pode ter solução enquanto não se destruir a forma de produção capitalista, esse conflito torna-se periódico. A produção capitalista cria um novo círculo vicioso » (Marx, “O Capital”, pág. 671).

Não há diferença significativa.

Neste tempo de crise, o comércio afrouxa, os mercados estão a abarrotar, os produtos acumulam-se em massa, sem lhes poder dar saída, o dinheiro some-se, o crédito desaparece, as fábricas param, as massas trabalhadoras carecem de meios de vida, porque os produziram em excesso; a bancarrota sucede à bancarrota, as liquidações sucedem às liquidações. É o que está a acontecer presentemente e que explica a crise financeira, o facto de os bancos estarem na falência e sejam os governos dos estados, formalmente soberanos, a intervir na salvação dos banqueiros e do sistema de produção e de troca capitalista com os dinheiros públicos, extorquidos aos trabalhadores, e mais recentemente com o confisco dos dinheiros que os cidadãos possuem depositados nos bancos insolventes. Chipre foi o ponto de partida para o que irá suceder por toda a Europa, a seguir serão os países do Sul já intervencionados pela troika. O capitalismo mostra agora a sua verdadeira face, à rasca com a sua sobrevivência, passou rapidamente do roubo institucionalizado para o roubo de pura delinquência.

Claro que – dizem os defensores do dito cujo – que o capitalismo já venceu outras crises, recorrendo inclusivamente à guerra como maneira rápida de destruição das forças produtivas e poder recuperar as taxas de lucro (que é, ao cabo e ao resto, o que move todo o capitalista, e o ideal seria que os trabalhadores trabalhassem à borla, então seria ouro sobre azul). Na crise, «a paralisação dura anos inteiros, as forças produtivas e os produtos malbaratam-se e destroem-se até que as mercadorias acumuladas circulam, por fim, com uma depreciação maior ou menor, até que a produção e a troca se restabelecem, pouco a pouco. Progressivamente, acelera e converte-se em trote, depois em galope e, rapidamente, converte-se em corrida desenfreada da indústria, do comércio, do crédito, da especulação, para cair, de pois de saltos perigosíssimos… no fosso da crise» (Engels, “Anti-Dühring”, pág. 339). E o processo tem-se renovado sem cessar até agora, em crises cíclicas – parece que desta vez veio para ficar.

As crises não acabam enquanto perdurar o capitalismo, desiludam-se quem pensa que tudo voltará ao mesmo com o “fim” da crise. Desiludem-se os trabalhadores, porque se houver crescimento económico em Portugal, seja pela vinda de grandes monopólios estrangeiros, seja pela revitalização de uma economia nacional (sem espaço nem condições, nem que seja pela mentalidade, ou falta dela, como se vê em alguns merceeiros nacionais), será feito com mais desemprego e com salários mais baixos. Não será assim, se acabarmos com o capitalismo… e os operários, e os cidadãos portugueses que trabalham em geral, dispor-se-ão a isso quando perceberem que jamais voltaremos ao mesmo.


Os Bárbaros

26 de Março 2013